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EXPEDIENTE | CREDITS | CRÉDITOS
Rui Costa – Governador do Estado da Bahia
Adélia Maria Carvalho de Melo Pinheiro - Secretária da Saúde
• Secretaria da Saúde do Estado da Bahia Centro de Atenção à Saúde (CAS) – Av. Antônio Carlos Magalhães
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Luis Eugênio Portela Fernandes de Souza – UFBA/ISC – Salvador (BA)
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CONSELHO EDITORIAL
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Consejo Editorial
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Jaime Breilh – Centro de Estudios Y Asesoría en Salud (CEAS) – (Health Research and Advisory Center – Ecuador
Julio Lenin Diaz Guzman – UESC (BA)
Laura Camargo Macruz Feuerwerker – USP – São Paulo (SP)
Luiz Roberto Santos Moraes – UFBA/Escola Politécnica – DHS – Salvador (BA)
Mitermayer Galvão dos Reis – Fiocruz – Salvador (BA)
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Ruben Araújo Mattos – UERJ – Rio de Janeiro (RJ)
Sérgio Koifman – ENSP/Fiocruz – Rio de Janeiro (RJ)
Volney de Magalhães Câmara – URFJ – Rio de Janeiro (RJ)
ISSN: 0100-0233
ISSN (on-line): 2318-2660
Governo do Estado da Bahia Secretaria da Saúde do Estado da Bahia
INDEXAÇÃO | INDEXING | INDEXACIÓN
Periódica: Índice de Revistas Latinoamericanas em Ciências (México)
Sumário Actual de Revista, Madrid
LILACS-SP – Literatura Latinoamericana em Ciências de La Salud – Salud Pública, São Paulo
Revisão e normalização de originais | Review and standardization | Revisión y normalización: Tikinet
Revisão de provas | Proofreading | Revisión de pruebas: Tikinet
Revisão técnica | Technical review | Revisión técnica: Lucitânia Rocha de Aleluia
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Capa | Cover | Tapa: detalhe do portal da antiga Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Solar do século XVIII)
Fotos | Photos | Fotos: Paulo Carvalho e Rodrigo Andrade (detalhes do portal e azulejos)
Periodicidade – Trimestral | Periodicity – Quarterly | Periodicidad – Trimestral
Revista Baiana de Saúde Pública é associada à Associação Brasileira de Editores Científicos
Revista Baiana de Saúde Pública is associated to Associação Brasileira de Editores Científicos
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Revista Baiana de Saúde Pública / Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. - v. 46, n. 1, p. 1-312 jan./mar. 2022Salvador: Se cretaria da Saúde do Estado da Bahia, 2022.
Trimestral.
Publicado também como revista eletrônica.
ISSN 0100-0233
E-ISSN 2318-2660
1. Saúde Pública - Bahia - Periódico. IT
CDU 614 (813.8) (05)
THAT INFLUENCED THE FORMULATION OF THE MAIS MÉDICOS PROGRAM AND THOSE DERIVED FROM ITS IMPLEMENTATION
QUE INFLUYERON EN LA CREACIÓN DEL PROGRAMA
OF THE MAIS MÉDICOS PROJECT UNTIL 2021 AND COMPARISON WITH THE MÉDICOS PELO BRASIL PROGRAM: AN OVERVIEW PANORAMA DE LA PUESTA EN MARCHA DEL PROGRAMA MÁS MÉDICOS HASTA 2021 Y COMPARACIÓN CON EL PROGRAMA MÉDICOS POR BRASIL
Hêider Pinto, Felipe Proenço de Oliveira, Ricardo Soares SUPERVISÃO
ACADEMIC ADVISEMENT WITHIN THE MAIS MÉDICOS PROJECT: REFLECTIONS ON AN EXPERIENCE IN BAHIA
SUPERVISIÓN
DEL PROYECTO MÁS MÉDICOS: REFLEXIÓN SOBRE UNA EXPERIENCIA EN BAHÍA
Luis Eugênio Portela Fernandes de Souza
THE “MORE DOCTORS FOR BRAZIL” PROJECT: PERCEPTION OF MANAGERS AND PROFESSIONALS DURING THE CORONAVÍRUS PANDEMIC IN SOUTHERN BAHIA
PERCEPCIÓN DE GESTORES Y PROFESIONALES SOBRE EL PROYECTO “MÁS MÉDICOS PARA BRASIL” EN LA PANDEMIA DEL CORONAVIRUS EN UN MUNICIPIO DEL SUR DE BAHÍA
Larissa Pimentel Costa Menezes Silva, Carmen Fontes de Souza Teixeira
A SUPERVISÃO ACADÊMICA DO PROJETO MAIS MÉDICOS PARA O BRASIL NA BAHIA: FACILIDADES, DESAFIOS E ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA 83
ACADEMIC SUPERVISION WITHIN THE MAIS MÉDICOS PARA O BRASIL PROGRAM IN BAHIA: FACILITIES, CHALLENGES AND STRATEGIES FOR PEDAGOGIC INTERVENTION
LA SUPERVISIÓN ACADÉMICA DEL PROYECTO MÁS MÉDICOS PARA BRASIL EN BAHÍA: INSTALACIONES, DESAFÍOS Y ESTRATEGIAS EN INTERVENCIÓN PEDAGÓGICA
Eliana Barbosa Pereira, Catharina Leite Matos Soares
O PROGRAMA MAIS MÉDICOS NA PRODUÇÃO CIENTÍFICA BRASILEIRA: UMA REVISÃO INTEGRATIVA 98
THE “MAIS MÉDICOS PROGRAM” IN BRAZILIAN SCIENTIFIC PRODUCTION: AN INTEGRATIVE REVIEW
EL PROGRAMA MÁS MÉDICOS EN LA PRODUCCIÓN CIENTÍFICA BRASILEÑA: UNA REVISIÓN INTEGRADORA
Catharina Leite Matos Soares, Carmem Fontes Teixeira, David Ramos da Silva Rios, Isabela Cardoso de Matos Pinto
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA COM FOCO NA ATENÇÃO BÁSICA PARA O
PROGRAMA MAIS MÉDICOS: ANÁLISE COMPARATIVA DA EXPERIÊNCIA DESENVOLVIDA PELO ISC/UFBA 119
SPECIALIZATION COURSE IN PUBLIC HEALTH WITH A FOCUS ON PRIMARY CARE FOR THE MAIS MÉDICOS PROGRAM: COMPARATIVE ANALYSIS OF THE EXPERIENCE DEVELOPED BY ISC/UFBA
CURSO DE ESPECIALIZACIÓN EN SALUD COLECTIVA CON ÉNFASIS EN ATENCIÓN PRIMARIA PARA EL PROGRAMA
MÁS MÉDICOS: ANÁLISIS COMPARATIVO DE LA EXPERIENCIA DESARROLLADA POR EL ISC/UFBA
Catharina Leite Matos Soares, Ednir Assis Souza, Gabriela Rangel-S, Jane Mary de Medeiros Guimarães, Maria Lígia Rangel-S, Yara Oyram Ramos Lima
PROGRAMA MAIS MÉDICOS E A ATENÇÃO AO PRÉ-NATAL: DESFECHOS OBSTÉTRICOS EM TRÊS REGIÕES BAIANAS ENTRE 2010 E 2019
THE MAIS MÉDICOS PROGRAM AND PRENATAL CARE: OBSTETRIC OUTCOMES IN THREE BAHIAN REGIONS BETWEEN 2010-2019
EL PROGRAMA MÁS MÉDICOS Y LA ATENCIÓN PRENATAL: RESULTADOS OBSTÉTRICOS EN TRES REGIONES DE BAHÍA ENTRE 2010 Y 2019
Miguel Andino Depallens, Emerson Gomes Garcia, Ramon da Costa Saavedra, José Cristiano Soster, Tereza Cristina Paim Xavier Carvalho
PROJETO MAIS MÉDICOS E INTERNAÇÕES POR CONDIÇÕES SENSÍVEIS À ATENÇÃO BÁSICA EM DISTRITO SANITÁRIO, SALVADOR (BA)
MAIS MÉDICOS PROJECT AND HOSPITALIZATIONS FOR CONDITIONS SENSITIVE TO PRIMARY CARE IN A HEALTH DISTRICT OF SALVADOR
PROYECTO MÁS MÉDICOS Y HOSPITALIZACIÓN PARA CONDICIONES SENSIBLES A LA ATENCIÓN PRIMARIA EN EL DISTRITO DE SALUD, SALVADOR, BA, BRASIL
José Luiz Moreno Neto, Caíque Beijes da Paixão, Jorgana Fernanda de Souza Soares
A SUPERVISÃO ACADÊMICA NO PROJETO MAIS MÉDICOS PELO BRASIL ANTES E DURANTE A PANDEMIA:
O QUE APRENDEMOS?
ACADEMIC SUPERVISION IN THE MAIS MÉDICOS PELO BRASIL PROJECT BEFORE AND DURING THE PANDEMIC: WHAT HAVE WE LEARNED?
SUPERVISIÓN ACADÉMICA EN EL PROYECTO MAIS MÉDICOS PELO BRASIL ANTES Y DURANTE LA PANDEMIA: ¿QUÉ HEMOS APRENDIDO?
Andreia Beatriz Silva dos Santos, José Luiz Moreno Neto
AVALIAÇÃO DAS ATIVIDADES DE SUPERVISÃO NOS PROGRAMAS DE PROVIMENTO DE MÉDICOS NA BAHIA
EVALUATION OF SUPERVISORY ACTIVITIES IN BAHIA’S PHYSICIAN SUPPLY PROGRAMS
EVALUACIÓN DE LAS ACTIVIDADES DE SUPERVISIÓN EN LOS PROGRAMAS DE PROVISIÓN DE MÉDICOS DE BAHÍA
Mariângela Costa Vieira, Edison Bueno, Talita Rocha de Aquino
O PROCESSO DE MONITORAMENTO, CONTROLE E AVALIAÇÃO DO PROGRAMA MAIS MÉDICOS NO
ESTADO DA BAHIA
THE MONITORING, CONTROL AND EVALUATION PROCESS OF THE MAIS MÉDICOS PROGRAM IN BAHIA
EL PROCESO DE SEGUIMIENTO, CONTROL Y EVALUACIÓN DEL PROGRAMA MÁS MÉDICOS EN EL ESTADO DE BAHÍA
Emerson Gomes Garcia, Janaína Peralta de Souza, Vera Lúcia Peixoto Santos Mendes, Ricardo Coutinho Mello, Ícaro da Silva Farias
COMUNICAÇÃO
COMMUNICATION
COMUNICACIÓN
UMA VISÃO DA IMPRENSA SOBRE O DESMONTE DO MAIS MÉDICOS
PRESS COVERAGE ON THE DISMANTLING OF THE MAIS MÉDICOS PROGRAM
LA MIRADA DE LA PRENSA SOBRE EL DESMANTELAMIENTO DEL PROGRAMA MÁS MÉDICOS
Solano Nascimento
RELATO DE EXPERIÊNCIA
EXPERIENCE REPORTS
RELATO DE EXPERIENCIA
PERFIL DOS MÉDICOS DO PROGRAMA MAIS MÉDICOS NA BAHIA E A UTILIZAÇÃO DA
FERRAMENTA DO TELESSAÚDE
PROFILE OF MAIS MÉDICOS PHYSICIANS IN BAHIA AND THE USE OF TELEHEALTH
PERFIL DE LOS MÉDICOS DEL PROGRAMA MÁS MÉDICOS EN BAHÍA Y EL USO DE LA HERRAMIENTA TELESALUD
Emerson Gomes Garcia, Beatriz Gouvêa de Andrade, Liliane de Jesus Moura, Monique Azevedo Esperidião, Janaína Peralta de Souza
141
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203
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PROGRAMA MAIS MÉDICOS E AS COMUNIDADES INDÍGENAS DO NORTE DA BAHIA: RELATO DE EXPERIÊNCIA 235
THE MAIS MÉDICOS PROGRAM AND THE INDIGENOUS COMMUNITIES OF NORTHERN BAHIA: EXPERIENCE REPORT
PROGRAMA MÁS MÉDICOS Y LAS COMUNIDADES INDÍGENAS DEL NORTE DE BAHÍA: REPORTE DE EXPERIENCIA
Manoel Pereira Guimarães, Mumtaz Ali Memon, Iara Zuleica Nobre e Silva, Anderson da Costa Armstrong
DO PROVAB AO PROGRAMA MAIS MÉDICOS: CAMINHOS PERCORRIDOS NO ESTADO DA BAHIA 247
FROM PROVAB TO THE MAIS MÉDICOS PROGRAM: PATHS TAKEN IN THE STATE OF BAHIA
DEL PROVAB AL PROGRAMA MÁS MÉDICOS: CAMINOS RECORRIDOS EN EL ESTADO DE BAHÍA
Anderson Freitas de Santana, Kally Cristina Soares Silva, Maria Clara da Silva Guimarães, Maria Ferreira Bittencourt, Mariângela Costa Vieira, Viviane Mascarenhas Gois Prado
A ESCOLA ESTADUAL DE SAÚDE PÚBLICA NO CONTEXTO DO PROGRAMA MAIS MÉDICOS PELO BRASIL:
INSTITUCIONAL DO SUS-BA
THE BAHIA SCHOOL OF PUBLIC HEALTH WITHIN THE MAIS MÉDICOS PROGRAM:
INSTITUTIONAL PEDAGOGICAL BASIS OF SUS
LA ESCOLA ESTADUAL DE SAÚDE PÚBLICA EN EL PROGRAMA MÁS MÉDICOS PARA BRASIL:
BASE PEDAGÓGICA INSTITUCIONAL DEL SUS-BA
Marcele Carneiro Paim, Marcio Lemos Coutinho, Bruno Leonardo C. S. Olivatto
E O IMPACTO NO DIAGNÓSTICO
MAIS MÉDICOS PROGRAM IN BAHIA AND THE IMPACT ON EARLY DIAGNOSIS OF IAM: AN EXPERIENCE REPORT
PROGRAMA MÁS MÉDICOS EN BAHÍA Y SU IMPACTO EN EL DIAGNÓSTICO PRECOZ DEL IAM: INFORME DE EXPERIENCIA
Luísa Thainá Pimenta Rocha, Michela Macedo Lima Costa, Rita de Cássia Natividade Ataíde, Sabrina Brito Freitas
ADVISING OF THE MAIS MÉDICOS PROGRAM DURING THE COVID-19 PANDEMIC IN BAHIA: AN EXPERIENCE REPORT
EL DESEMPEÑO DE LA SUPERVISIÓN ACADÉMICA DEL PROGRAMA MÁS MÉDICOS EN EL CONTEXTO DE LA PANDEMIA DEL COVID-19 EN BAHÍA: UN INFORME DE EXPERIENCIA
Joseane Mota Bonfim, Eliana Barbosa Pereira
POTENTIALS AND WEAKNESSES OF ACADEMIC SUPERVISION DURING THE COVID-19 PANDEMIC: AN EXPERIENCE REPORT
POTENCIALIDADES Y FRAGILIDADES DE LA SUPERVISIÓN ACADÉMICA EN EL ESCENARIO DE LA PANDEMIA DEL COVID-19: REPORTE DE EXPERIENCIA
Aline Oliveira Cavalcanti, Diego Dourado Santana
ESTÁGIO DE INTERNATO MÉDICO EM MEDICINA DA FAMÍLIA E COMUNIDADE NO PROGRAMA MAIS MÉDICOS: RELATO DE EXPERIÊNCIA 304
INTERNSHIP IN FAMILY AND COMMUNITY MEDICINE WITHIN THE MORE DOCTORS PROGRAM: EXPERIENCE REPORT INTERNADO EN MEDICINA FAMILIAR Y COMUNITARIA DENTRO DEL PROGRAMA MÁS MÉDICOS: RELATO DE EXPERIENCIA
Marcello da Silveira Paschoalini, Inara Russoni de Lima Lago
DIRETRIZES PARA AUTORES I
GUIDELINES FOR AUTHORS
DIRECTRIZES PARA AUTORES
A Constituição Federal de 1988 e a Lei Orgânica da Saúde, Lei 8.080/1990, colocaram o Brasil na trilha para construção de políticas públicas para garantir direitos sociais aos brasileiros. Na área da saúde, a conformação do Sistema Único de Saúde, o SUS, movido pelos princípios fundamentais da universalidade, equidade e participação social, se constituiu em um grande desafio desde o início. Um país com imenso território, extremamente desigual no que se refere aos direitos sociais, políticos e econômicos, com uma democracia ainda em busca de consolidação e organização social, marcada por intenso preconceito, racismo e perpetuação histórica de privilégios para alguns e exploração de muitos, é o ambiente para o qual devemos olhar com compromisso e muita responsabilidade nesse processo de construção.
Passados alguns anos, houve muitos avanços, lutas, conflitos e, mais recentemente, desmontes de políticas públicas e retrocessos graves para o país. Tratar da universalidade do acesso às ações e aos serviços de saúde, sobretudo disponibilizar Atenção Básica de qualidade, com profissionais dedicados, preparados e em todas as regiões do país se tornou um dos importantes espaços de luta, visto que a Atenção Básica é um espaço prioritário, primordial e primeiro na linha de cuidados para as famílias brasileiras, porta de entrada no sistema, coordenador da rede e ordenador do cuidado.
Preparar profissionais de saúde para atuação nesse sistema de cuidados, com investimentos para ampliar a formação e contratação, principalmente de médicos, identificados como a maior carência para expansão e universalização do SUS, com currículos organizados para atendimento às necessidades de saúde da população brasileira, não se faz em curto espaço de tempo. A proposta elaborada pelo governo brasileiro em 2013, Lei do Mais Médicos, que envolveu um programa de provimento emergencial de médicos para atuar na Atenção Básica, ampliação e melhorias na infraestrutura das unidades básicas de saúde e incentivos à formação para o SUS, permitiu ao país uma experiência ainda não vivenciada até então, no sentido de promover e demonstrar o impacto de uma Atenção Básica cuidadosa e dedicada nos indicadores de saúde e doença da população.
Ter participado desse processo, em alguns momentos como dirigente de uma faculdade pública de medicina, com alguns professores tutores e supervisores envolvidos, também como médica supervisora do programa e como docente, acompanhando estudantes em práticas nas unidades básicas de saúde com médicos do Programa Mais Médicos, nos permitiu identificar e reiterar a importância desse espaço de cuidados para todos nós.
A experiência também nos deu oportunidades para importantes reflexões com os estudantes de medicina que acompanhavam essas equipes, sobre como o médico precisa ser bem preparado, ter formação adequada para os diferentes locais e áreas de atuação no SUS para lidar com as pessoas sem preconceitos, criar vínculos, atuar nos territórios onde as pessoas vivem e contribuir de forma solidária para as soluções de problemas na comunidade. Vimos médicos estrangeiros e brasileiros, cada um com seus distintos interesses e implicações, experimentarem boas experiências nessa relação de cuidados e com enorme aprendizado.
Testemunhamos manifestações de imensa gratidão de famílias assistidas pelos médicos do programa, após anos de desassistência e exclusão das ações de saúde, apesar de já se constituir em direito social garantido na constituição da República.
A expectativa de muitos de nós era de que essa experiência, apesar das dificuldades, dos conflitos e dos interesses diversos, com seu efeito demonstrativo e impactos importantes, permitisse a construção de caminhos estruturantes para resolução de entraves e consolidação dessa importante política pública, em especial na Atenção Básica.
Neste número da RBSP, apresentamos publicações produzidas a partir de estudos e vivências de profissionais, em distintos locais e com diferentes funções nessa caminhada pela consolidação da Atenção Básica no Sistema de Saúde brasileiro, a partir do Programa Mais Médicos.
Se o SUS já padecia além de várias carências, também por alguns desvios da sua concepção originária, em alguma medida com uma torcida para não vingar, por ferir interesses outros, lutando desde o nascedouro para sobreviver, esperamos que o Brasil possa retomar o rumo em busca de melhor cuidar do seu povo, por meio da reorganização de políticas públicas saudáveis.
Lorene Louise Silva Pinto
http://lattes.cnpq.br/6684055327026903
Médica da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab)
Professora Associada da Faculdade de Medicina da Bahia (Fameb/UFBA)
Editora associada da RBSP
DOI: 10.22278/2318-2660.2020.v46.n1.a3572
Hêider Pintoa
https://orcid.org/0000-0002-8346-1480
Ana Maria Limab
https://orcid.org/0000-0002-9285-194X
Resumo
Este artigo analisa a trajetória, de 1960 até 2021, das políticas que buscaram enfrentar a questão ( issue ) das insuficiências na oferta e formação de médicos para o sistema de saúde. Foi utilizado o método process tracing, com uso de análises bibliográfica, documental e de entrevistas com dirigentes governamentais do período de 2003 a 2019. Os recursos teóricos do Neoinstitucionalismo Histórico e da Teoria da Mudança Institucional Gradual foram utilizados para analisar legados históricos que influenciaram a formulação do Programa Mais Médicos (PMM), que decorreram de sua implementação e que seguem influenciando políticas posteriores. Entre os principais legados no período pré-SUS estão o Projeto Rondon, Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento e as tentativas de implementar o serviço civil obrigatório. Após o surgimento do Sistema Único de Saúde (SUS), destacam-se mudanças institucionais para sua implementação, a Estratégia de Saúde da Família, experiências estaduais de cooperação com Cuba, dois programas de provimento e dois de incentivos às mudanças curriculares dos cursos de medicina, alteração da lei do financiamento estudantil e no processo de revalidação dos diplomas estrangeiros de medicina. Embora a partir de 2016 tenham sido realizadas mudanças no PMM, os legados do programa dificultaram sua suspensão, seguem influenciando programas como o Médicos pelo Brasil (PMPB) e fez o governo atual usar a institucionalidade do PMM, e não a do PMPB, para enfrentar a crise sanitária decorrente da pandemia da covid-19.
a Médico. Doutor em Políticas Públicas e Pós-Doutorando em Saúde Coletiva. Docente na Universidade Federal da Bahia e na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: heiderpinto.saude@gmail.com b Cirurgiã-dentista. Mestra e Doutoranda em Saúde Coletiva. Docente na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Santo Antônio de Jesus, Bahia, Brasil. E-mail: anamariafsl@gmail.com
Endereço para correspondência: Universidade Federal da Bahia. Avenida Reitor Miguel Calmon, s/n, Canela. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 40110-100. E-mail: heiderpinto.saude@gmail.com
A análise evidenciou rupturas, continuidades, transformações e inclusões nas políticas de regulação, formação e provimento de médicos para o sistema de saúde. Palavras-chave: Recursos humanos em saúde. Educação médica. Política pública.
PROGRAM AND THOSE DERIVED FROM ITS IMPLEMENTATION
Abstract
This paper analyzes the trajectory, from 1960 to 2021, of policies addressing the issue of shortages in the supply and training of physicians for the health care system. Data was collected by means of bibliographic and documental analysis and interviews with government leaders from 2003 to 2019, using the process tracing method. Historical Neo-institutionalism and the Theory of Gradual Institutional Change were used to analyze historical legacies that influenced the formulation of the Mais Médicos Program (PMM), that derived from its implementation, and that continue to influence subsequent policies. Among the main legacies in the pre-SUS period are the Rondon Project, the Program for Interiorization of Health and Sanitation Actions, and the attempts to implement compulsory civil service. After the Unified Health System (SUS) establishment, institutional changes for its implementing stand out: the Family Health Strategy, state experiences of cooperation with Cuba, two provision programs and two incentive programs for curricular changes in medical courses, changes in the student financing law, and in the revalidation process of foreign medical degrees. Although changes have been made to the PMM since 2016, its legacies have made its suspension difficult, continue to influence programs such as Médicos Pelo Brasil (PMPB), and led the current government to use the PMM institutionality, rather than that of the PMPB, to address the COVID-19 pandemic health crisis. The analysis unveiled ruptures, continuities, transformations and inclusions in the policies for regulating, training, and providing doctors for the health system.
Keywords: Human resources for health. Medical education. Public policy.
Este artículo analiza la trayectoria, desde 1960 hasta 2021, de las políticas que buscaron abordar el tema (issue) de las insuficiencias en la oferta y formación de médicos para el sistema de salud. Se utilizó el método process tracing, con el análisis bibliográfico, documental y entrevistas a funcionarios gubernamentales en el periodo desde 2003 hasta 2019. Se utilizaron los recursos teóricos del Neoinstitucionalismo Histórico y la Teoría del Cambio Institucional Gradual para analizar los legados históricos que influyeron en la creación del Programa Más Médicos (PMM), en su implementación y que continúan influyendo en las políticas posteriores. Entre los principales legados del periodo anterior al SUS están el Proyecto Rondon, el Programa de Interiorización de las Acciones de Salud y Saneamiento y los intentos de implementación del servicio civil obligatorio. Tras el surgimiento del Sistema Único de Salud (SUS), se destacan cambios institucionales para su implementación: la Estrategia de Salud Familiar, experiencias estatales de cooperación con Cuba, dos programas de prestación de servicios y dos de promoción de cambios curriculares en los cursos de medicina, reforma de la ley de financiación de estudiantes y en proceso de revalidación de títulos extranjeros de medicina. Aunque se hicieron cambios en el PMM a partir de 2016, los legados del programa dificultaron su interrupción, continúan influyendo en programas como el de Médicos para Brasil (PMPB) e hicieron que el gobierno actual utilizara el marco institucional del PMM, y no el de el PMPB, para enfrentar la crisis sanitaria derivada de la pandemia del Covid-19. El análisis mostró rupturas, continuidades, transformaciones e inclusiones en las políticas de regulación, formación y disposición de médicos para el sistema de salud.
Palabras clave: Recursos humanos en salud. Educación médica. Política pública.
O Programa Mais Médicos (PMM) foi criado no Brasil em 2013 pelo governo federal para responder à questão (policy issue) das insuficiências na oferta e formação de profissionais médicos para o Sistema Único de Saúde (SUS), tendo três eixos: provimento, infraestrutura e formação. Pinto1 analisou a formação da agenda e do processo de formulação do PMM e verificou que, na literatura que aborda o programa, predominam estudos com recortes temporais mais estreitos, focados principalmente no ano de 2013. Parte dos estudos
atribui às grandes manifestações de rua denominadas “Jornadas de junho” a principal razão pela qual o PMM entrou na agenda governamental2-4; contudo, a conclusão de que o PMM foi uma tentativa de responder à pressão das ruas, através de uma formulação feita às pressas para responder à um problema antigo, esteve associada ao foco desses estudos no ano de 2013 e ao fato da formulação do programa ter sido sigilosa.
Pinto1 aponta que as “Jornadas de Junho” foram um dos elementos do contexto político que catalisou o lançamento do PMM, juntamente à posse dos novos prefeitos, pela queda de popularidade do governo federal e pela aproximação das eleições de 2014. O autor verificou ainda que o enfrentamento da questão das insuficiências na oferta de médicos entrou na agenda governamental logo no começo da primeira gestão presidencial de Dilma Rousseff, em 2011, tendo a formulação do PMM iniciado em 2012, quase um ano e meio antes de seu lançamento, e que, embora seja uma questão antiga, a insuficiência dos médicos se agravou de forma relevante na década de 2000 e aumentou a percepção e importância atribuída pela população e atores do setor saúde e do sistema político em geral.
Em relação à sua implantação no eixo de provimento, um ano depois de seu lançamento, já era o maior programa de provimento de profissionais de saúde do Brasil e, em 2015, alcançou quatro mil municípios e 63 milhões de pessoas atendidas5. O eixo de infraestrutura foi responsável por triplicar os recursos federais destinados à construção, reforma e ampliação de Unidades Básicas de Saúde (UBS), somando mais de vinte mil obras, e o eixo de formação promoveu a maior expansão e interiorização de cursos de medicina da história do país1
Embora o PMM contemple inovações nas políticas de saúde no Brasil, a exemplo do recrutamento internacional de médicos realizado pelo governo federal, argumentamos que ele é parte de uma longa trajetória de formulação e implementação de políticas de regulação, formação e provimento médicos que se situam em uma interface de responsabilidades entre o Ministério da Saúde (MS) e da Educação (MEC). Observam-se muitos elementos de continuidade e alguns de ruptura com a trajetória de políticas dessa área. Vale notar que, em 2011, os dois referidos ministérios já haviam criado o Programa de Valorização dos Profissionais da Atenção Básica (Provab), que pode ser considerado um precursor do eixo Provimento do PMM, além disso, existem programas de provimento de profissionais de saúde no Brasil desde a década de 1960 6. Defendemos que essas e outras experiências influenciaram a construção do PMM, de modo que, para compreender as condições de entrada na agenda, formulação e implementação do programa, é importante analisar a trajetória dessas políticas no Brasil. Esta é a contribuição original deste artigo,
cujo objetivo é analisar essa trajetória, da década de 1960 até 2021, buscando identificar legados históricos, institucionais e ideacionais, que influenciaram a formulação do PMM, que decorreram dele, o influenciaram e ainda podem seguir influenciando políticas posteriores. Este estudo se justifica pela importância do PMM como política de saúde e pela necessidade de compreender melhor trajetórias de longo prazo de políticas públicas, inclusive, para projetar cenários e políticas futuras.
Este artigo é fruto de uma pesquisa de doutoramento (CEP-UFRB-05760818. 9.1001.0056), um estudo de caso, do PMM, que adotou o process tracing enquanto estratégia metodológica, com análise das trajetórias históricas, documentos, transcrições de entrevistas e outras fontes para compreender possíveis explicações, cadeias e mecanismos causais do caso em análise7. A análise bibliográfica apoiou a resposta às questões de pesquisa e a construção da trajetória das políticas de provimento de profissionais da saúde da década de 1960 a 2021. A análise documental focou no período de 2011 a 2021, a partir do início do governo que criou o PMM, priorizando como fontes de dados normas e documentos oficiais. As entrevistas semiestruturadas restringiram-se a 19 informantes-chave que atuaram na formulação governamental das políticas de regulação, formação e provimento no período de 2003 a 2019, período que corresponde ao primeiro ano de governo da coalizão governante que lançou o PMM em 2013, até o primeiro ano do atual governo, que construiu uma proposta para substituir o PMM, denominada Programa Médicos pelo Brasil (PMPB). As técnicas de Análise de Conteúdo8 e de Análise Crítica do Discurso Político9 foram utilizadas para tratar as entrevistas.
A análise foi dirigida à caracterização da trajetória das políticas de regulação, formação e provimento médicos no Brasil com especial atenção aos legados históricos, institucionais e ideacionais, que influenciaram a formulação do PMM e àqueles que, decorrentes deste, têm influenciado e devem seguir influenciando as políticas subsequentes na área. Além disso, foi considerada a participação dos três principais atores coletivos identificados nessa trajetória1, tratados teoricamente como comunidades de política (CP), entendidas como grupos mais ou menos coesos de atores individuais e coletivos que compartilham objetivos e ideias sobre quais devem ser os resultados de políticas setoriais, atuando de maneira coordenada para afetar processos decisórios e tornar os seus posicionamentos predominantes no governo10 As Comunidades de Políticas estão detalhadas no Quadro 1 quanto à sua composição, bem como ao que defendem.
Quadro 1 – Comunidades de Políticas. Salvador, Bahia, Brasil – 2021
Comunidades de Políticas Quem compõe O que defendem
Comunidade Movimento Sanitário (CP-M Sanitário)
Acadêmicos, pesquisadores, lideranças de trabalhadores de saúde, de movimentos e organizações sociais, lideranças que atuam na gestão do SUS e no parlamento nas três esferas de governo.
Os princípios da Reforma Sanitária brasileira, o SUS e seus princípios: universalidade, gratuidade, integralidade, equidade. Que a formação, regulação e provimento da força de trabalho em saúde deva ser feita pelo Estado, pelo subsistema saúde e em função das necessidades da população e do SUS.
Comunidade Defesa da Medicina Liberal (CP-M Liberal)
Liderada pelas entidades médicas, é composta também por sujeitos que atuam em espaços institucionais da gestão federal da saúde e da educação, no parlamento, na gestão de serviços de saúde, nas instituições de ensino superior (IES), tanto em locais de direção dos cursos de medicina quanto no corpo docente e em grupos de pesquisa, e na direção e execução de programas de residência médica.
Os princípios, questões e propostas políticas historicamente hegemônicas na profissão médica buscando manter os privilégios conquistados e se opondo a mudanças no status quo da formação, provimento e regulação da medicina. Que o Estado atue controlando o mercado privado de educação, impedindo uma abertura de escolas que lhe pareça excessiva, mas é contra sua atuação na regulação profissional, na definição de qual o escopo de práticas que cabe a cada profissão, na distribuição dos médicos e na regulação da formação médica.
A livre escolha dos médicos quanto à formação, atuação e autonomia da profissão de dirigir, por meio de suas entidades, os sentidos da formação e da regulação profissional e de atuar para preservar seu mercado de trabalho.
da Regulação pelo Mercado na Saúde e Ensino Superior (CP-R Mercado)
Atores econômicos do complexo médico-industrial, do capital financeiro na saúde e das mantenedoras e IES privadas, e seus apoiadores nos meios de comunicação, academia, poderes executivo, legislativo e judiciário.
Fonte: Elaboração própria com base em Pinto (2021)1
Que cabe ao mercado e seus mecanismos regular a distribuição e remunerações dos profissionais de saúde, o escopo de práticas e a formação, quantidade e perfil. Que a iniciativa privada na educação é garantia constitucional, que a regulação tem de ser do mercado, que o Estado tem de interferir o mínimo possível e que não pode haver imposição de condicionantes profissionais extramercado que visam a reserva de mercado e o controle de preços da força de trabalho e dos serviços médicos.
A análise do material empírico se apoiou nos recursos teóricos do Neoinstitucionalismo Histórico, que dá ênfase aos legados históricos, entendendo que fatos anteriores estabelecem parâmetros e influenciam decisões, eventos subsequentes e a dinâmica da relação agente/estrutura. Valoriza-se tanto a análise dos atores sociais e de seus objetivos, compostos por interesses e ideias (crenças, preferências e preocupações), quanto a análise da posição que ocupam em um dado arranjo institucional, permitindo-lhes manejar recursos e regras (poderes) para alcançar seus objetivos. Além disso, atribui às instituições o papel de modelar tanto as ideias e objetivos dos atores quanto suas estratégias e escolhas11-14. Nesta perspectiva, a história importa. A ordem dos acontecimentos afeta o modo como eles acontecem e uma determinada trajetória restringe os caminhos possíveis.
Considerando mais especificamente as trajetórias das políticas públicas, entende-se que uma política constitui instituições, tanto organizações formais quanto
regras que estruturam o comportamento e efeitos institucionais de constrangimento ao comportamento dos atores políticos e às decisões que podem ser tomadas para a formulação ou mudança de políticas. Os chamados efeitos de “dependência de trajetória”, “ policy feedback ” , “ lock-in ” e “efeitos de aprendizagem” tratam da influência de políticas públicas no processo de formulação ou mudança delas mesmas e de outras políticas posteriores. Quando as políticas pregressas, estabelecem “ regras do jogo ”, influenciando a alocação de recursos econômicos e políticos; estruturam o processo de tomada de decisões e protegem os arranjos institucionais estabelecidos; criam incentivos à organização de determinados grupos, favorecem a constituição de atores e redes comprometidos com seu funcionamento e manutenção; modelam identidades; contribuem para a formação dos objetivos e preferências; e informam, dão significado à realidade, bem como afetam o processo de aprendizagem, influenciando o modo como os atores percebem e pensam sobre os problemas e as soluções. Assim, existem custos políticos, administrativos e econômicos associados à mudança de uma política ou à adoção de trajetórias alternativas e, deste modo, percebe-se um efeito de continuidade, de inibição de mudanças 15,16. Para Menicucci, “uma vez adotada, uma política tende a ser readotada” porque “passa a ser considerada a resposta natural, levando os decisores a apenas ajustá-la marginalmente para acomodá-la a novas situações” 16:51 .
Contudo, reconhecer a “dependência de trajetória” não pode dificultar a identificação de momentos de mudança institucional nos quais a arquitetura institucional é significativamente reconfigurada11. A Teoria da Mudança Institucional Gradual (TMIG)17 concebe as instituições como instrumentos de distribuição desigual de recursos carregados de implicações de poder e, por isso, repletos de tensões. Muitas instituições têm a intenção específica de distribuir recursos para alguns atores e não para outros. Assim, na medida em que os arranjos institucionais vigentes são mais favoráveis a uns do que outros, a estabilidade institucional exige uma ação permanente de grupos dominantes, que atuam em uma dada posição e condições nas quais são privilegiados, buscando usar as instituições para manter ou aumentar sua posição de poder. A mudança se torna possível quando começam a romper os equilíbrios vigentes, podendo ser desencadeadas por dispositivos distintos e acontecer devido a fatores externos ou internos, dependendo das características do processo em análise. Com isso, para a TMIG, a estabilidade institucional repousa não apenas em sua acumulação com o tempo, mas também na mobilização contínua de recursos por quem tenta mantê-la contra quem luta para mudá-la. Isso faz com que uma fonte importante de mudança sejam as mudanças no equilíbrio de poder.
Verificou-se grande desigualdade na distribuição de médicos entre países pobres e ricos e, internamente nestes, entre suas regiões mais pobres e mais ricas, sendo encontradas áreas subatendidas na maioria dos países, especialmente nas localidades mais distantes dos centros urbanos, com baixa renda média, com pequena estrutura de serviços e socioeconomicamente mais vulneráveis. A distribuição geográfica dos médicos é um problema gerado por diversos fatores, tais como desequilíbrios mercadológicos entre demanda e oferta de trabalho; maior capacidade de formação e de atração das áreas mais ricas por fatores econômicos, profissionais, educacionais, sociais e de estilo de vida; e existência de instituições “extra-mercado” que criam barreiras ao ajuste demanda-oferta, como atuação das organizações médicas impedindo ou dificultando a ampliação da formação de médicos no país e atuação de médicos estrangeiros. Apesar disso, a expressão geográfica do desenvolvimento socioeconômico desigual é, em última análise, a principal restrição para se alcançar uma distribuição equilibrada de médicos6,18-21.
No Brasil, os médicos, os serviços privados de saúde, as escolas de medicina e os programas de residência médica estão concentrados nas cidades maiores e mais ricas, naquelas cujo mercado consumidor tem volume suficiente para viabilizar um macrossetor da saúde mais robusto19,21-23. Com relação à qualidade da educação médica, seja na graduação ou na residência, há convergência na literatura nacional e internacional quanto à sua inadequação às necessidades da população e dos sistemas de saúde. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera esse tema uma questão a ser enfrentada por todos os países que, segundo ela, devem orientar a formação em função das necessidades de seus sistemas de saúde, quantitativa e qualitativamente18,24-26.
Essas diretrizes não podem ser implementadas sem regulação e ação do Estado no mercado. Há décadas organismos multilaterais promovem pesquisas e propõem que seus membros adotem políticas que enfrentem esses problemas6,18,25. Essas e outras ideias –entendidas aqui também como quadros cognitivos, estruturas normativas, estudos, evidências, recomendações de políticas –, bem como os programas formulados e implementados ao longo dos anos no Brasil na área de regulação, formação e provimento médicos, produziram efeitos de trajetória e influenciaram as políticas que lhes sucederam, entre elas, o PMM. No Quadro 2, há uma síntese, em ordem cronológica, com os legados identificados como os mais relevantes a influenciar as políticas da área.
Quadro 2 – Descrição e periodização das mais importantes políticas de regulação, formação e provimento médicos que constituíram legados para a trajetória de políticas para a área. Salvador, Bahia, Brasil – 2021
Projeto Rondon Participação voluntária e temporária (férias).
Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (Piass)
Programa de Interiorização do Sistema Único de Saúde (Pisus)
Implantação de estrutura de AB em comunidades de até vinte mil habitantes. Teve um eixo de construção de UBS. Recrutou atendentes de enfermagem e auxiliares de saúde e saneamento nas próprias comunidades.
Repasse de recursos para que os municípios pudessem contratar médico, enfermeiro e agente comunitário de saúde. Garantia de moradia e recursos para reforma e construção de UBS.
1968-1989
1976-1985
1993-1995
Diferentes modos de criar exigências para que os médicos em formação ou formados possas atuar em áreas subatendidas. Implementado em mais de setenta países, mas nunca no Brasil.Atuação de médicos cubanos em estados do Brasil Autorização com base em acordo internacional para o exercício da medicina de médicos cubanos em alguns estados brasileiros.
Serviço civil obrigatório
Programa de Interiorização dos Profissionais de Saúde (PITS)
Pró-Residência
Programa de Valorização dos Profissionais da AB (Provab)
Plano Nacional de Educação Médica
Provimento de médicos, enfermeiros e dentistas por bolsa, com processo de formação EaD, supervisão não permanente, obrigação de moradia e apoio local.
Estímulo à criação e qualificação de Programas de Residência. Inicialmente médica e depois também as multiprofissionais.
Provimento de médicos, enfermeiros e dentistas com processo de formação EaD, supervisão não permanente, bonificação de 10% na seleção para residência médica, obrigação de moradia e apoio local e pagamento inicialmente por repasse e depois por bolsa.
Plano de expansão de vagas de graduação de medicina em IES públicas e privadas.
1998 a 2002
2001 a 2004
2009 -
2011 a 2015
a
Programa Mais Médicos (PMM) Eixos provimento emergencial, infraestrutura e formação. 2013Fonte: Elaboração própria.
Nas Américas, os chamados serviços civis obrigatórios inauguraram as ações que visavam prover profissionais de saúde às áreas subatendidas. Implementado no México nos anos 1930, foi replicado em diversos países da região contando com a colaboração da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e da Federação Pan-Americana de Associações de Faculdades e Escolas de Medicina. Os objetivos centrais dessas medidas são o provimento de atenção à saúde em áreas subatendidas e a ampliação do contingente de profissionais formados e preparados para o trabalho na Atenção Básica (AB). Seus formatos apresentam maior ou menor articulação entre universidades e serviços de saúde, diferentes combinações
de incentivos monetários e não monetários, como os relacionados à moradia, alimentação e apoio técnico6. Existindo ou já tendo existido com diferentes formatos em 70 países18, debatido e presente com maior ou menor força ao longo das décadas na agenda setorial, o serviço civil obrigatório nunca foi implementado no Brasil, mas seu formato influenciou a trajetória das políticas brasileiras na área.
Antes da instituição do SUS, dois programas merecem destaque, o Projeto Rondon e o Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (Piass). O primeiro, criado em 1968 e encerrado em 1989, previu a atuação voluntária e temporária de estudantes, não só de saúde, em áreas vulneráveis priorizadas. Após dez anos, sem conseguir produzir os efeitos esperados, dirigentes e formuladores do Projeto Rondon sugeriram a implementação do serviço civil obrigatório e de campi avançados para a interiorização dos cursos de medicina6 A interiorização foi uma importante estratégia do eixo Formação do PMM, e a proposta do “Segundo Ciclo de Formação”, prevista na Medida Provisória (MP) do PMM, não chancelada pelo Congresso, exigia a realização de um estágio obrigatório de dois anos em áreas com necessidade para a conclusão do curso de medicina, medida similar a alguns formatos de serviço civil obrigatório. Já o Piass, criado em 1976 e encerrado em 1985, buscou implementar infraestrutura de AB em comunidades de até vinte mil habitantes construindo UBS, como o PMM em seu eixo de infraestrutura. Partindo do diagnóstico de que não era possível recrutar e prover profissionais de nível superior, foram recrutados atendentes de enfermagem e auxiliares de saúde e saneamento nas próprias comunidades atendidas. Houve três mudanças institucionais na década de 1990 bastante relevantes à análise realizada neste estudo: a regulamentação e início de implementação do SUS, com todo seu processo de descentralização, arranjo institucional, mecanismos de financiamento, repasse fundo a fundo e fóruns de decisão; a formulação e implementação do que depois foi denominado de Estratégia de Saúde da Família (ESF); e a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e de instrumentos que foram se desdobrando dela, como diretrizes curriculares, mecanismos de avaliação do ensino superior e lógicas de autorização de cursos. Nesse período, o primeiro programa de provimento foi o “Programa de Interiorização do SUS” (Pisus), criado em 1993 e implementado parcialmente até 1995. Em meio ao processo de descentralização e já gozando dos novos instrumentos de repasse de recursos, repassava financiamento federal para que os municípios contratassem os profissionais. No contexto de implementação inicial da ESF, o Pisus focou no provimento de médicos, enfermeiros e agentes comunitários de saúde. Além disso, previa a garantia de moradia para os profissionais vindos de outros municípios, o que foi incorporado em todos os programas de provimento
posteriores, e, tal como o Piass e o PMM, destinou recursos para reforma e construção de UBS. A institucionalidade do SUS e da Atenção Básica no Brasil foi uma base a partir da qual partiram todos os programas de provimento após o Pisus. Não aconteceu no Brasil a criação de um programa por fora da institucionalidade da política de AB, como ocorreu, por exemplo, na Venezuela, com o Programa Barrio Adentro e com o Projeto Rondon e Piass.
A ESF, induzida fortemente pelo recém criado Piso de Atenção Básica Variável, cobria, no fim de década de 1990, aproximadamente um quarto da população, e foi reconhecida como uma política que conseguiu ampliar a presença de profissionais de saúde em áreas com maior necessidade, reduzindo as desigualdades na distribuição de médicos6,19-21,27 A permanência da dificuldade de atração e fixação de médicos em diversas áreas que seguiam subatendidas fez com que alguns governos estaduais tentassem solucionar o problema. Uma destas iniciativas com repercussão nacional foi feita pelo estado de Tocantins, em 1998, que se baseou legalmente na Convenção Regional de Reconhecimento de Estudos, Títulos e Diplomas de Ensino Superior na América Latina e no Caribe, de 1974, celebrou um acordo de intercâmbio internacional com o governo de Cuba e autorizou a atuação de, aproximadamente, 140 médicos cubanos na AB e em hospitais em cerca de cinquenta municípios. Na sequência, os estados do Acre, Roraima e Pernambuco fizeram o mesmo, contudo, a forte reação da CP-M Liberal promoveu a revogação da Convenção no Congresso e retirou a base institucional que viabilizava a medida, interrompendo esses programas estaduais. Portanto, destaca-se que 15 anos antes do PMM existiram programas estaduais que recrutavam médicos cubanos para atuar no SUS e que funcionaram por, aproximadamente, 4 anos.
No segundo governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), retorna à agenda política o projeto do serviço civil obrigatório, tema de diversos projetos de lei no Congresso Nacional e recorrentemente recomendado pelas Conferências Nacionais de Saúde1. Embora tenha sido formulada uma proposta, a oposição da CP-M Liberal fez o governo recuar e tentar uma alternativa voluntária, o Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde (PITS), criado em 20016 (Entrevistas 3 e 12). O PITS ofertou uma bolsa de integração ensinoserviço articulada a uma especialização, supervisão técnica ao bolsista e exigiu contrapartida municipal através de moradia e transporte6. As duas políticas de provimento do governo Dilma Rousseff, o Provab e o PMM, incluíram todos esses elementos que estiveram presentes no PITS. O PITS chegou a trezentos municípios com 421 profissionais, sendo 181 médicos e 240 enfermeiros6. Em 2004, foi interrompido devido a uma avaliação dos dirigentes do MS de que ele não representava uma política efetiva nem de formação, nem de provimento, uma vez que não conseguia recrutar médicos na quantidade necessária, especialmente para
as áreas subatendidas (Entrevistas 12, 13 e 17). Verifica-se os legados ideacionais do PITS ao Provab e PMM, sobretudo por esses dois últimos absorverem o formato do primeiro, contudo, não se pode dizer o mesmo dos legados institucionais, tendo em vista que o PITS não estruturou instrumentos de políticas pública nem organizações atuantes em sua defesa, que tenham participado da formulação do Provab e do PMM. Em decorrência da LDB e da ação de uma rede de atores sociais que defendiam mudanças na educação médica, em 2001, foram aprovadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Medicina (DCN-M). No mesmo ano, o MS e o MEC criam o Programa de Incentivos às Mudanças Curriculares dos Cursos de Medicina (Promed), com repasse de recursos financeiros para apoiar iniciativas de mudanças convergentes com as DCN-M. Os dirigentes do MS no início do primeiro governo Lula destacaram preferir outro formato de política de mudança na graduação, tais como aquelas que compuseram o chamado AprenderSUS a partir de 2003, com foco na mobilização e fortalecimentos de grupos nacionais e locais que atuavam pela mudança da educação médica. Contudo, a pressão dos atores sociais ligados aos cursos de medicina contemplados pelo Promed e a demanda pela ampliação do mesmo feita pelos dirigentes das demais IES da saúde fez com o que o MS, juntamente ao MEC, ampliasse o Promed para atender ao conjunto das profissões da saúde (Entrevistas 12, 13 e 17). Nesse sentido, em 2005, foi criado o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde), dirigido aos cursos das quatorze profissões da área da saúde reconhecidas pelo Conselho Nacional de Saúde. Os resultados insuficientes dessas políticas para reorientação dos cursos e implementação das DCN-M geraram aprendizados que, mais tarde, foram relevantes para a decisão do MEC e MS de, no eixo de formação do PMM, migrarem do formato de estrutura de incentivos para instrumentos de política regulatórios que exigiam a conformidade dos cursos às DCN-M e novas normas criadas pelo PMM, tais como tempos mínimos de internato, obrigatoriedade de estágios em certas áreas e serviços do SUS entre outras (Entrevistas 4, 5, 14, 18 e 19).
Em 2010, último ano do segundo governo Lula, foi implementado o Programa Nacional de Apoio à Formação de Médicos Especialistas em Áreas Estratégicas (Pró-Residência), publicada a portaria que instituiu o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituição de Educação Superior Estrangeira, o Revalida, e aprovada a lei que alterou o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) para estimular o provimento médico. O Pró-Residência, lançado pelo MS e MEC, ampliou a oferta de bolsas de residência médica induzindo a expansão em especialidades e regiões prioritárias para o SUS e com um modelo de formação mais coerente com as necessidades do SUS. O PMM
ampliou esse programa e o incorporou no eixo de formação, juntamente a outras medidas – como o novo itinerário de formação de especialistas, o cadastro nacional de especialistas e o planejamento da força de trabalho, a avaliação unificada da residência e a formação de preceptores –, passando a compor o que foi chamado de Mais Médicos Residência (Entrevistas 4, 5, 8, 12, 17, 18 e 19). Inspirado na National Health Service Corps (NHSC), criada nos Estados Unidos da América (EUA) em 1972, a alteração na lei do Fies previu a concessão de moratória e abatimento da dívida de médicos, que usaram o financiamento, que optassem pela atuação na ESF em áreas subatendidas ou que fizessem residência médica em especialidades consideradas prioritárias pelo MS. O modelo de análise e de definição das áreas prioritárias para alocação para a regulamentação e implementação da lei, ocorrida em 2011 no primeiro ano do governo Dilma, foi a base dos modelos utilizados primeiro no Provab e depois no PMM (Entrevistas 3, 4 e 15). A criação do Revalida foi uma solução alternativa a uma trajetória que vinha sendo bloqueada pela CP-M Liberal. Esta atuou pela revogação do acordo de reconhecimento de diplomas na América Latina e Caribe, que tinha permitido alguns estados autorizarem o exercício de médicos cubanos no fim dos anos 1990 e impediu que acordos bilaterais entre países da América fossem aprovados no Senado, permitindo o reconhecimento mútuo de diplomas. O Revalida não mudou a norma vigente, as universidades seguiram sendo as instituições que podiam revalidar os diplomas, contudo, agora existiria uma avaliação centralizada, otimizada e organizada pelo MEC, com apoio do MS. Os dirigentes do MS não esperavam com o Revalida aumentar de maneira relevante a quantidade de médicos atuando no Brasil, ele foi uma medida que buscou superar as grandes restrições impostas pela CP-M Liberal ao processo de validação de diplomas no país que impedia sistematicamente milhares de médicos brasileiros formados no exterior de atuar em seu próprio país (Entrevistas 3, 4, 6, 7, 9, 12, 13, 15 e 19).
PMM
Após a eleição da presidenta Dilma, ainda no período de transição do governo, especialistas em saúde e políticos ligados à área apontaram a questão da insuficiência de médicos como um condicionante da expansão do acesso e do cumprimento de promessas feitas na campanha, como aumento da cobertura da ESF e ampliação do acesso às urgências. Nos discursos de posse tanto de Dilma quanto do novo ministro da Saúde, Alexandre Padilha, foi anunciado que seriam formuladas medidas para enfrentar essa questão. Nos primeiros seis meses de governo foram estudadas políticas sobre as quais havia evidências de sucesso. Um ano
antes, a OMS havia publicado revisões de estudos sobre políticas que visavam o provimento – e formação de profissionais de saúde realizada por grupos de pesquisadores reconhecidos dos cinco continentes, que tiveram influência nas políticas formuladas e implementadas no governo Dilma (Entrevistas 3; 4; 5; 15; 16). Uma síntese das intervenções desenvolvidas nos diversos países está no Quadro 3
Quadro 3 – Categorização de intervenções governamentais para melhorar o recrutamento, contratação e retenção de pessoal da saúde em áreas subatendidas. Salvador, Bahia, Brasil – 2021
Categoria Exemplos
A1. Priorização e oferta de formações específicas para estudantes oriundos das áreas subatendidas.
A2. Formação em saúde fora das grandes cidades. Interiorização da formação.
A3. Formação com atividades práticas realizadas em áreas subatendidas.
A4. Currículos que reflitam as competências necessárias para a atuação em áreas rurais e subatendidas.
A5. Educação permanente dos trabalhadores que atuam em áreas subatendidas.
B1. Ampliação do escopo de prática dos diferentes profissionais de saúde para que mais profissionais possam realizar ações para as quais há necessidade.
B.
B2. Criação e/ou formação de diferentes categorias de profissionais de saúde para que mais profissionais possam realizar ações para as quais há necessidade.
B3. Serviço obrigatório em áreas subatendidas.
B4. Formação subsidiada com possibilidade de compensação da dívida mediante atuação em áreas subatendidas.
C. Intervenções econômicas
C1. Incentivos econômicos apropriados para estimular que os profissionais atuem em áreas subatendidas.
D1. Melhoria das condições de vida da população nas áreas subatendidas.
D2. Segurança e garantia de boas condições de vida e de trabalho para os profissionais que atuam nas áreas subatendidas.
D3. Supervisão e apoio técnico e administrativo aos profissionais que atuam nas áreas subatendidas.
D. Intervenções para apoio profissional e pessoal
D4. Programas de promoção e desenvolvimento profissional com melhorias das condições de contratação, progressão no emprego ou carreira, para profissionais que atuam nas áreas subatendidas.
D5. Fomento de redes de profissionais que atuam nas áreas subatendidas como modo de promover a identidade, cooperação e reduzir a sensação de isolamento.
D6. Medidas para promover o reconhecimento público dos profissionais que atuam nas áreas subatendidas.
Fonte: Pinto (2021)1
Oliveira et al. 28 apontaram que evidências científicas foram fatores decisivos na justificação, formulação e modelagem do PMM. Um processo que evidenciou isso, bem como a atuação de pesquisadores, como os da Rede Observatórios de Recursos Humanos, na construção de diagnósticos e proposição de soluções para a questão foi o Seminário
Nacional sobre Escassez, Provimento e Fixação de Profissionais de Saúde, realizado em abril de 2011. A análise documental mostrou que diversas recomendações foram incorporadas no desenho com o qual o Provab foi formulado, como a criação de uma bonificação de 10% na seleção da residência médica para os médicos do programa. Não obstante, no conjunto, o Provab continua a trajetória das políticas de provimento e, em grande parte, reproduz o desenho do PITS. Assim como, em 2001, o PITS foi uma alternativa voluntária à proposição do serviço civil obrigatório, rejeitada pela CP-M Liberal e com dificuldades de avanço no Congresso Nacional nas duas décadas anteriores, o Provab foi novamente dez anos depois. Este, inclusive, quando iniciou sua formulação, era chamado genericamente pelo governo de Serviço Civil Voluntário. Em um primeiro momento, o Provab previu a contratação por meio dos municípios, assim como no Pisus. Depois, criou uma bolsa custeada e oferecida diretamente pelo governo federal, como foi no PITS. A institucionalidade construída para ofertar esta bolsa foi fruto de um aprendizado com os problemas de legalidade e sustentabilidade apresentados na oferta da bolsa do PITS e com a experiência bem-sucedida da bolsa do Programa de Educação pelo Trabalho em Saúde (PET-Saúde), criado em 2008 (Entrevistas 12 e 17).
De 2003 a 2010, ocorreu grande expansão das vagas de ensino superior no país, mas não houve uma política dirigida à expansão dos cursos de medicina. Diferentemente, já no segundo semestre de 2011, foi anunciado o Plano Nacional de Educação Médica (PNEM), prevendo a expansão de vagas de residência médica e de graduação (2.500), principalmente nas instituições de ensino superior (IES) públicas, visando ampliar a formação e aumentar a proporção de médicos por habitantes no país, que na época era de 1,8/1.000, considerada baixa pelo governo. Em 2012, o Revalida havia apresentado uma aprovação de apenas 12% dos candidatos, o incentivo dos Fies para médicos atuarem em área subatendidas ainda não tinha sido implementado, o Provab só tinha conseguido prover 381 médicos em 201 municípios e o PNEM só havia conseguido criar 1.063 vagas de graduação em medicina, sendo quatrocentas em IES públicas e 663 em privadas1. Um aprendizado gerado a partir da reflexão sobre esses resultados foi que o governo deveria pensar iniciativas mais efetivas. Havia a percepção, no governo e entre membros da CPMSanitário, de que se chegara a um esgotamento de propostas que, como as iniciativas anteriores, não enfrentavam limites estabelecidos pela CP-M Liberal, evitando conflitos com a mesma (Entrevistas 4, 10, 12, 14, 15, 17 e 19). Nesse sentido, dirigente do MS no governo Lula e integrante da CPM-Sanitário declarou:
“Foi o esgotamento, uma pressão social muito pesada e a conversa com as entidades médicas […] não adianta, não tem produção de acordo, não tem produção de alternativa compartilhada […]. Possibilidades que não eram um enfrentamento drástico […] foram testadas. Tinha que chegar em alguma outra muito mais ousada.” (Entrevista 17).
Em fevereiro de 2012, decidiu-se que teria que ser feito um programa que realizasse um recrutamento internacional de médicos, com metas mais ousadas e instrumentos mais efetivos de expansão de vagas de medicina.
“Há uma frustração e, de fato, leva-se para a Presidência: “olha temos que partir para alguma coisa mais ousada, porque os instrumentos dos institutos tradicionais que nós temos dentro do nosso âmbito de governança são insuficientes”. Nesse diagnóstico, identificamos que seria praticamente impossível atacar o problema unicamente com profissionais médicos formados no Brasil pela via tradicional. Nós teríamos que encontrar uma solução para ter a força de trabalho de profissionais diplomados em outros países.” (Entrevista 14).
“Começa a construir o Mais Médicos mesmo em 2012. Você já sabia que teria a necessidade de um programa mais abrangente que o Provab que não daria certo só com os médicos recém-formados que quisessem fazer residência e ganhar ponto.” (Entrevista 10).
Identificou-se um processo de formulação do PMM com duração de 16 meses, em meio a um conturbado contexto político que gerou uma janela de oportunidade para seu lançamento em junho de 2013. O programa foi criado por MP e foi composto por três eixos: provimento, infraestrutura e formação. Foram legados do eixo de provimento as evidências e políticas no mundo sobre o provimento de profissionais de saúde e a trajetória dessas políticas no Brasil, analisada na presente seção. O Provab, especialmente, legou ao PMM uma capacidade de formação massiva por educação à distância estruturada na UNA-SUS, uma necessidade legal de programas cuja bolsa prevê formação em serviço; a estrutura de decisão e execução do Provab, envolvendo comissões locais de gestão do programa, representantes dos três níveis de governo e das IES, um corpo técnico-administrativo, que foi ampliando sua capacidade ao longo da realização do Provab, e diversos aprendizados sobre o que seria necessário fazer e quais recursos mobilizar para ter sucesso na execução de um programa com amplo como chegou a ser o PMM. Dirigentes do MS responsáveis pela formulação e gestão do Provab e do PMM destacaram isso em suas entrevistas:
“O Provab foi um certo ensaio [do PMM] […] um ensaio para lidar com essa magnitude de municípios do país.” (Entrevista 4).
“[…] quais seriam os recursos reais que nós teríamos para enfrentar a demanda [de médicos]? A experiência do Provab foi fundamental, […] uma espécie de embrião do desenho do Mais Médicos, a sua estrutura de supervisão, de acompanhamento pelas universidades, da seleção dos municípios, da indicação das unidades básicas de saúde. Tudo isso a gente aprendeu com a experiência do Provab, e ela nos ajudou a ter clareza de qual era o tamanho da demanda dos municípios.” (Entrevista 16).
A experiência de Cuba e da Opas com acordos de cooperação e intercâmbios de médicos também foi decisiva, porque conferiu aos decisores segurança para lançar um programa que poderia recorrer a milhares de médicos cubanos para responder à demanda dos municípios caso o recrutamento nacional e internacional de médicos não fosse o suficiente, como de fato aconteceu: os médicos brasileiros ocuparam menos de 10% das vagas demandadas no primeiro chamamento do PMM. O eixo de infraestrutura foi construído a partir do programa Requalifica-UBS, criado em 2011 para a realização de obras de construção de novas UBS, bem como reforma e ampliação daquelas já implantadas. Com o PMM, o orçamento do RequalificaUBS foi triplicado, saiu de 1,7 bilhão para 4,9 bilhões de reais1. Os municípios que recebiam médicos do PMM assumiam o compromisso de melhorar a infraestrutura das UBS, por meio dos recursos do Requalifica-UBS.
O eixo de formação recebeu legados institucionais e incorporou o PróResidência. Resultou de aprendizados do próprio Pró-Residência, do Promed, do Pró-Saúde, da implantação insuficiente das DCN-M publicadas em 2001 e do PNEM. Esses aprendizados fizeram com que o PMM utilizasse instrumentos de política pública do MEC – como a avaliação do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Sinaes) e a possibilidade de impor sanções, como a suspensão do ingresso de novos estudantes – para determinar o cumprimento das novas DCN-M previstas no programa; criasse um novo modo de regular a abertura, induzir a expansão e interiorização das vagas de graduação em medicina, seja a expansão de campi nas públicas ou o mecanismo de editais para expansão de escolas privadas para municípios que não tinham escolas de medicina; e criasse o Cadastro Nacional de Especialistas para acessar os dados das entidades médicas e, junto aos do MEC e MS, identificar a distribuição territorial dos especialistas e planejar sua formação.
Com a MP, tentou-se criar a obrigatoriedade dos estudantes de medicina de atuarem por dois anos na AB do SUS para obter o diploma, o que foi chamado de “Segundo
Ciclo de Formação”. Essa medida foi vista pelos atores sociais como uma nova tentativa de implementar o serviço civil obrigatório, contudo, a forte oposição da CP-M Liberal, de docentes e estudantes de medicina e os efeitos dessa oposição no Congresso Nacional, que precisava aprovar a MP para convertê-la em lei, fizeram o governo recuar da proposta. Ao mesmo tempo, mudanças da MP para a Lei foram inspiradas em legados ideacionais de experiências internacionais, como do Reino Unido, e de movimentos de mudança da educação médica dos anos 1990, em especial, formulações da Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico (Cinaem), da Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (Denem) e da Associação Nacional dos Médicos Residentes (ANMR), movimentos e organizações dos quais participaram os principais formuladores do PMM (Entrevistas 4, 5, 15, 16, 18 e 19).
Após a destituição de Dilma Rousseff da Presidência e a ascensão de Michel Temer, houve troca de direção do MS e MEC, posicionando dirigentes mais influenciados pela CP-M Liberal, e as novas gestões assumiram com intenções declaradas de reverter mudanças realizadas pelo PMM. No eixo de formação, o mais prejudicado com Temer, há a paralisação de iniciativas em curso e revogação de medidas estruturantes, como a interrupção da Avaliação Nacional do Ensino Médico (Anasem) e moratória de abertura de escolas públicas, e com o governo de Jair Bolsonaro, eleito em 2018, retirada da lei do novo itinerário de formação de médicos especialistas. Embora a direção do MS que assumiu com Temer tenha manifestado publicamente a intenção de fazer mudanças no PMM, a pressão de diversos atores políticos – gestores municipais e estaduais, população, CP-M Sanitário e parlamentares nas três esferas de governo – junto à Presidência, associada à dificuldade de manter o provimento, as ofertas e resultados que estavam sendo alcançados com o PMM substituindo-o por outro programa que pudesse prescindir de seus instrumentos, fez com que o eixo de provimento seguisse ao longo do governo Temer sem mudanças qualitativas significativas (Entrevista 1, 6, 7 e 11).
Com a eleição de Bolsonaro em 2018, foi suspensa a cooperação internacional com a Opas e Cuba, o que resultou em uma redução drástica de 50% na quantidade de médicos alocados pelo PMM. Foi instituído legalmente o PMPB que, apesar de um forte discurso de crítica aos feitos dos governos anteriores, reproduziu o eixo de provimento do PMM, mas sem o recrutamento internacional e sem a autorização para o exercício profissional no país de médicos formados fora e sem registro no Brasil. Apesar disso, as dificuldades para implementar o PMPB, a demanda dos municípios por médicos atuando na AB, a pressão da população, que ficou desassistida em razão da redução do PMM e dos atores sociais, que assumiram a defesa
política dessas reivindicações – CP-M Sanitário, gestores municipais e estaduais, parlamentares e organizações das populações e grupos atendidos – e, ainda, o agravamento da situação sanitária decorrente da pandemia da covid-19 exigiram que o governo atual utilizasse a institucionalidade do PMM, e não do PMPB. Uma decisão que visou prover médicos e tentar responder a essas demandas, voltar a recrutar médicos brasileiros formados no exterior e autorizar sua atuação sem a realização do Revalida, depois de ter interrompido esse processo e contradizendo o discurso com o qual assumiu; e permitir até mesmo a recontratação de médicos cubanos para atuar em áreas com necessidade. Vale ressaltar que o Congresso Nacional teve papel relevante na instituição e viabilização de algumas dessas medidas.
Destaca-se que governos estaduais, assim como o federal e o Congresso Nacional, mobilizaram legados do PMM para tentar mitigar os danos causados pela redução da cobertura do PMM e responder à crise sanitária da pandemia da covid-19. Antes da crise sanitária, os governos do Espírito Santo e Ceará criaram programas de provimento com bolsas estaduais e/ou municipais associadas a processos de formação em serviço com desenho e estrutura de supervisão e tutoriais inspirados no PMM. Bahia e Espírito Santo investiram na expansão das residências em Medicina de Família e Comunidade para formar e prover médicos na AB. Já no contexto da pandemia, para responder rapidamente à alta demanda e falta de profissionais, estados como o Pará e Sergipe apoiaram-se na Lei do PMM para recrutar e autorizar o exercício emergencial de médicos formados no exterior sem registro no Brasil, que tinham ou não atuado antes no PMM. A resolução do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste, que tratou das Brigadas Emergenciais de Saúde, também contemplou diversas medidas inspiradas no PMM e motivou os governos do Maranhão e da Bahia a evolver as universidades estaduais e instituírem processos de revalidação de diplomas associados a programas de formação ensino-serviço no qual esses médicos, em processo de avaliação, atuavam cuidando das pessoas, mas sob supervisão.
Este estudo analisou a trajetória das políticas que buscaram enfrentar a questão das insuficiências na oferta e formação de médicos para o sistema de saúde com ênfase nos legados históricos, institucionais e ideacionais, que têm influenciado a formulação de políticas na área. Elucidamos as principais rupturas, continuidades e transformações ocorridas nessa trajetória, com foco no que influenciou a formulação e implementação de uma política como o PMM.
Observou-se importante estabilidade institucional na trajetória das políticas de regulação, formação e provimento médicos caracterizada pela reprodução de fórmulas associada
a uma mudança lenta e gradual. Nesta trajetória, políticas anteriores, implementadas no Brasil e no mundo, influenciaram a formulação de políticas posteriores, condicionadas por limites estabelecidos pelas CP-M Liberal e CP-R Mercado. Foram evidenciados efeitos de dependência de trajetória, por exemplo, na grande semelhança entre PITS, Provab e eixo de provimento do PMM e PMPB, além de efeitos de aprendizagem, seja na construção de novas fórmulas mais aceitas pelos atores sociais que as tentadas anteriormente, como é o caso do Revalida, seja decidindo entrar em conflito e superar limites impostos por determinados atores em busca de medidas mais efetivas.
Uma mudança no contexto político e nos atores que dirigiam o governo federal no período de 2011 a 2013, associada a outros fatores, como o agravamento do problema da insuficiência de médicos no SUS e o aumento da relevância dada a essa questão pelos atores do sistema político, desequilibrou a correlação de forças e permitiu mudanças institucionais mais significativas. Primeiro o Provab e, depois, de modo mais contundente, o PMM foi fruto desse processo no qual atores integrantes da CP-M Sanitário conseguiram ultrapassar limites vigentes desde o início da trajetória analisada e instituir políticas informadas por ideias mais progressistas e convergentes com os princípios do SUS. Nova mudança no contexto político e a CP-M Liberal e CP-R Mercado conseguiu promover mudanças no PMM, retomando em parte a trajetória anterior, mas legados institucionais e ideacionais foram constituídos a ponto de um governo, que assumiu anunciando que findaria o programa, foi obrigado a mantê-lo e ampliá-lo novamente no eixo de provimento, depois de ter sido responsável por uma redução drástica. Estes atores continuam disputando essas políticas e as evidências produzidas neste artigo podem contribuir para novas atualizações das respostas e políticas federais em cenários futuros, sobretudo nos quais a correlação de forças não esteja novamente favorável à CP-M Sanitário.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Hêider Pinto e Ana Maria Freire Lima.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Hêider Pinto e Ana Maria Freire Lima.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Hêider Pinto e Ana Maria Freire Lima.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Hêider Pinto e Ana Maria Freire Lima
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Recebido: 20.12.2021. Aprovado: 23.2.2022. Publicado: 7.7.2022.
Hêider Pintoa
https://orcid.org/0000-0002-8346-1480
Felipe Proenço de Oliveirab
http://orcid.org/0000-0002-5900-0174
Ricardo Soaresc
https://orcid.org/0000-0003-0716-4350
Este artigo faz um balanço do Programa Mais Médicos (PMM), considerando seus três eixos, no período de 2013 a 2021, analisando a influência de atores sociais coletivos na implementação e nos processos de (re)formulação no programa, bem como compara normativamente o PMM com o Programa Médicos pelo Brasil (PMPB). Trata-se de um estudo de caso, que usou recursos teóricos dos estudos de implementação de políticas, do neoinstitucionalismo histórico e da teoria da mudança institucional gradual para analisar documentos, bibliografia, dados secundários e entrevistas semiestruturadas com dirigentes das políticas nacionais de regulação, formação e provimento. Focando a análise na caracterização do processo de implementação, nas continuidades e mudanças institucionais e na distribuição de recursos, no contexto político e na posição e ação de atores coletivos relevantes, o artigo descreve e analisa a implementação do programa em cada um de seus três eixos – infraestrutura, formação e provimento – e mostra que ela pode ser dividida em quatro fases: implementação inicial acelerada, implementação sustentada, implementação parcialmente bloqueada e implementação residual. Sua maior contribuição é a compreensão do que mudou e os motivos pelos quais mudou, bem como a provocação da reflexão
a Médico. Doutor em Políticas Públicas e Pós-Doutorando em Saúde Coletiva. Docente na Universidade Federal da Bahia e na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: heiderpinto.saude@gmail.com
b Médico. Doutor em Saúde Coletiva pela Universidade de Brasília. Docente na Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, Paraíba, Brasil. E-mail: proenco@hotmail.com
c Médico. Doutor em Modelos de Decisão em Saúde. Docente na Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, Paraíba, Brasil. E-mail: ricardosousasoares@gmail.com
Endereço para correspondência: Universidade Federal da Bahia. Avenida Reitor Miguel Calmon, s/n, Canela. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 40110-100. E-mail: heiderpinto.saude@gmail.com
sobre a sustentabilidade de políticas que buscam enfrentar as insuficiências na oferta e na formação médica, mesmo contra a posição hegemônica das entidades médicas. Palavras-chave: Recursos humanos em saúde. Educação médica. Política pública.
Abstract
This paper evaluates the Mais Médicos Program (PMM) in its three axes from 2013 to 2021, analyzing how collective social actors influenced its implementation and (re)formulation processes, and normatively compares the PMM with the Médicos pelo Brasil Program (PMPB). BaseD on theoretical resources from policy implementation studies, historical neo-institutionalism and the theory of gradual institutional change, this case study analyzes documents, bibliography, secondary data, and semi-structured interviews with leaders of national regulatory, training, and provision policies. Focused on the implementation process characteristics, on institutional continuities and changes, and on the distribution of resources, the political context and the position and action of relevant collective actors, the text describes and analyzes the PMM implementation in each of its three axes – infrastructure, training and provision –, demonstrating that it can be divided into four phases: initial accelerated implementation, sustained implementation, partially blocked implementation and residual implementation. It contributes to an in-depth understanding of what has changed and the reasons for such change, as well as to provoke reflection on the sustainability of policies that seek to address shortcomings in medical supply and education, even against the hegemony of medical entities.
Keywords: Human resources in health. Medical education. Public policy.
PANORAMA DE LA PUESTA EN MARCHA DEL PROGRAMA MÁS MÉDICOS HASTA 2021 Y COMPARACIÓN CON EL PROGRAMA MÉDICOS POR BRASIL
Este artículo analiza el Programa Más Médicos (PMM) a partir de la influencia de los actores sociales colectivos en los procesos de la puesta en marcha y (re)formulación de este programa teniendo en cuenta sus tres ejes, en el periodo de 2013 a 2021, así como lo
compara con el Programa Médicos para Brasil (PMPB). Se trata de un estudio de caso, que utilizó recursos teóricos de los estudios de implementación de políticas, el neoinstitucionalismo histórico y la teoría del cambio institucional gradual para analizar documentos, bibliografía, datos secundarios y entrevistas semiestructuradas a líderes de políticas nacionales de regulación, formación y provisión. A partir del análisis que se centró en la caracterización del proceso de la puesta en marcha, en las continuidades y cambios institucionales y distribución de recursos, en el contexto político y en la posición y acción de los actores colectivos relevantes, el artículo describe y analiza la puesta en marcha del programa en cada uno de sus tres ejes –infraestructura, capacitación y provisión– y muestra su división en cuatro fases: implementación inicial acelerada, implementación sostenida, implementación parcialmente bloqueada e implementación residual. Su mayor aporte es la comprensión de lo que ha cambiado y las razones por las que ha cambiado, así como el hecho de incitar la reflexión sobre la sostenibilidad de las políticas que buscan atender las insuficiencias en la oferta y formación médica, incluso frente a la posición hegemónica de las entidades médicas.
Palabras clave: Recursos humanos en salud. Educación médica. Política pública.
O Programa Mais Médicos (PMM), instituído em 2013 com a finalidade de formar recursos humanos na área médica para o Sistema Único de Saúde (SUS), é o maior programa de provimento médico da história do Brasil e o mais importante caso de construção legal de normas, diretrizes e instrumentos voltados à mudança da educação médica1,2. O programa foi formulado com três eixos: Infraestrutura, Formação e Provimento. O eixo “Infraestrutura” previu o repasse de recursos federais aos municípios para ampliar e reformar unidades básicas de saúde (UBS) já existentes e construir novas; o “Formação” mudou a regulação da educação médica, promoveu ampla expansão de vagas e mudanças nas diretrizes de formação para a graduação e residência; e o “Provimento”, que realizou um recrutamento nacional e internacional de médicos para atuarem em áreas subatendidas em mais de quatro mil municípios3. Ainda que com níveis de implementação e graus de alcance de metas diferentes, os três eixos são marcos importantes na trajetória das políticas de Atenção Básica (AB) e de regulação, formação e provimento médicos no país, seja pelas mudanças promovidas em seus arranjos institucionais, seja pelos resultados gerados nesses mais de oito anos de programa.
Apesar do relativo sucesso no cumprimento de seus objetivos, o PMM foi bastante alterado legalmente, teve muitas ações paralisadas e outras revertidas, como tratado adiante.
Em 2019, foi aprovada a lei de criação do Programa Médicos pelo Brasilb (PMPB) que, embora não tenha sido implementado até o presente momento, pretende substituir o PMM. O estudo do Mais Médicos, de suas medidas e resultados, bem como a análise das mudanças que sofreu e por que sofreu, justifica-se não só por sua importância enquanto política pública de saúde, mas também para que se possa refletir formatos e sobre a sustentabilidade de políticas que buscam enfrentar a questão (policy issue) das insuficiências na oferta e formação médicas, mesmo contra a posição hegemônica das entidades médicas.
Este artigo tem como objetivo fazer um balanço do PMM, considerando seus três eixos no período de 2013 a 2021, analisando a influência de atores sociais coletivos na implementação e nos processos de (re)formulação no programa, bem como comparar normativamente o Mais Médicos com o Médicos pelo Brasil.
Este trabalho é fruto de uma pesquisa de doutorado que se propôs a analisar a formação da agenda, a formulação e a implementação do PMM. Trata-se de um estudo de caso único nacional, com análises documental, bibliográfica e de dados secundários, além de entrevistas. Baseou-se nos estudos de implementação de políticas4,5 e técnicas de modelização de intervenções6,7. A análise documental compreendeu o período de 2013 a 2021 e priorizou normas legais, documentos administrativos, relatórios de gestão e de pesquisa, discursos publicados na mídia e meios próprios de comunicação, sejam das entidades médicas, da Reforma Sanitária ou de representantes do governo. A análise bibliográfica apoiou o estudo na resposta das questões de pesquisa, na compreensão dos processos e das duas políticas analisadas, PMM e PMPB. As entrevistas semiestruturadas foram realizadas com 19 informantes-chave, selecionados a partir da sua atuação na formulação governamental das políticas de regulação, formação e provimento no período de 2003 a 2018 (Quadro 1). Utilizaram-se técnicas de Análise de Conteúdo8 e de Análise Crítica do Discurso Político9 para examinar as entrevistas. A pesquisa foi conduzida dentro dos padrões éticos e teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Recôncavo sob o número 05760818.9.1001.0056.
A análise foi dirigida para a caracterização do processo de implementação em análise e para três dimensões explicativas desse processo, a influência dos arranjos institucionais, do contexto político e dos atores sociais coletivos (Quadro 2). O processo de implementação foi analisado desde uma perspectiva top down4,5, identificando os objetivos
b Instituído legalmente no primeiro ano do governo Bolsonaro, só para o último ano desse governo há a previsão da realização de um recrutamento de médicos, anunciada recentemente.
e normas dos estatutos instituidores do PMM, e mapeando sua implementação enquanto
modificações de arranjos institucionais, mobilização de recursos, realização de atividades, desenvolvimento de processos e produtos, e, principalmente, a ocorrência dos resultados
mais imediatos decorrentes destas ações6,7.
Quadro 1 – Entrevistados. Salvador, Bahia, Brasil – 2021
Fonte: Elaboração própria com base em Pinto (2021). (1) = No total, foram 19 pessoas entrevistadas, porém algumas delas ocuparam diferentes posições em mais de um período, havendo aquelas que atuaram em posições distintas nos três períodos.
Processo em análise e dimensão Elementos analisados Fontes de evidências
Processo de implementação
Arranjo institucional e distribuição de recursos
Contexto social e político
Mudanças na legislação, normas e programas, mobilização de recursos, desenvolvimento de processos e produtos e ocorrência de resultados
Regras legais e administrativas, posição dos atores
Acontecimentos e mudanças no contexto social e político-institucional no sistema político
Atores coletivos Posições, objetivos, ideias, propostas e atuações
Normas legais, documentos administrativos, relatórios de gestão e de pesquisa, discursos publicados na mídia e entrevistas com dirigentes
Literatura, documentos diversos (como matérias em meios de comunicação, resoluções de órgãos da sociedade civil ou do Estado) e entrevistas com dirigentes
Literatura, publicações de meios de comunicação e entrevistas com dirigentes
Literatura, documentos oficiais, publicações de meios de comunicação e entrevistas com dirigentes
Recursos teóricos utilizados na análise
Estudos top down de implementação de políticas, principalmente Sabatier e Mazmanian (1980)4 e Vaquero (2007)5
Teoria da Mudança Institucional Gradual – TMIG (Mahoney e Thelen, 2010)10
TMIG e estudos sobre o processo político (Birkland, 2016)11
TMIG, estudos sobre o processo político (Birkland, 2016)11 e análise do discurso político (Fairclough e Fairclough, 2013)9
A primeira dimensão explicativa focou nas continuidades e mudanças dos arranjos institucionais e distribuição de recursos tomando como referência o neoinstitucionalismo
histórico, especialmente na Teoria da Mudança Institucional Gradual (TMIG)10. Nela, determinados arranjos conferem mais poder a determinados atores, que, estando em condição privilegiada, conseguem moldar as instituições e mobilizar recursos para manter sua posição e realizar seus objetivos. A análise do contexto político, do poder de veto dos atores e das características de cada arranjo institucional permite compreender as circunstâncias e estratégias de ação dos atores. A mudança na TMIG torna possível quando fatores endógenos e exógenos favorecem a mudança da correlação de forças e modificam o equilíbrio estabelecido. A segunda dimensão se refere ao contexto político que, no caso estudado, é uma questão central tendo em vista as importantes mudanças na orientação política do grupo que dirigia o governo federal no período estudado. Assim, importa para a análise o contexto político-social e como ele influencia a ação de cada ator.
A terceira dimensão centrou nos atores coletivos relevantes na formulação e implementação de políticas de regulação, formação e provimento médicos a fim de compreender a relação dos acontecimentos com as posições, ações, ideias e interesses desses atores. Além da TMIG, foram utilizados recursos teóricos dos estudos sobre o processo político11 e os atores coletivos foram tratados como comunidades de política, entendidas como grupos mais ou menos coesos de atores individuais e coletivos, com diferentes posições institucionais no mercado, na sociedade civil ou no Estado, e relações entre si, que compartilham objetivos e ideias sobre quais devem ser os resultados de políticas setoriais, atuando de maneira coordenada para afetar processos decisórios e tornar os seus posicionamentos predominantes no governo12
Foram analisadas as três comunidades de políticas (CP) que mostraram ter sido as mais importantes nas disputas das políticas de regulação, formação e provimento médicos nesse período13. A CP Movimento Sanitário (CP-M Sanitário), composta por acadêmicos, gestores e trabalhadores de saúde, principalmente no âmbito do SUS, líderes de entidades sindicais, profissionais e de outras organizações da sociedade civil da área de saúde, que defende os princípios da Reforma Sanitária e do SUS e a orientação das políticas de formação, regulação e provimento de médico sem função das necessidades do SUS. A CP Defesa da Medicina Liberal (CP-M Liberal) foi liderada por dirigentes das entidades médicas, envolvendo também parlamentares, sujeitos que ocupam as chamadas áreas de assuntos médicos no Ministério da Saúde (MS) e Ministério da Educação (MEC), gestores de serviços de saúde e de instituições de formação, e que defendem a manutenção do status quo da profissão médica, sua autorregulação e o monopólio sobre as práticas de saúde de maior valor simbólico e econômico. A CP Defesa da Regulação pelo Mercado (CP-R Mercado)
foi composta por representantes de organizações do complexo médico-industrial-financeiro da saúde e de instituições de ensino superior (IES) privadas e por seus apoiadores, tais como parlamentares, servidores e dirigentes vinculados aos Poderes Legislativo e Executivo, que defendem que o mercado regule a distribuição, a remuneração, práticas, oferta e conteúdo da formação dos profissionais de saúde13
Houve dificuldade na coleta de dados após 2016 porque, no governo Temer e, principalmente, no governo Bolsonaro, muitas informações que estavam disponíveis ao público foram suprimidas dos sites oficiais. A estratégia utilizada foi a combinação de evidências de execução das políticas oriundas de distintas fontes, como sistemas e relatórios oficiais, artigos, entrevistas e reportagens de jornais de grande circulação.
A criação do eixo Infraestrutura não demandou modificação legal devido à preexistência do Programa Requalifica-UBS, criado em 2011 e normatizado por diversas portarias. O eixo Infraestrutura buscou responder à questão da infraestrutura inadequada das UBS, como uma das causas da insuficiência da oferta de serviços de AB e das dificuldades em atrair e fixar médicos em certas regiões. Induziu as gestões municipais a qualificarem as UBS ofertando recursos para a realização das obras de adequação dos serviços, cujo compromisso com a execução era para o município receber os profissionais médicos. O PMM expandiu o orçamento do Requalifica-UBS, que saltou de 1,7 bilhão para 4,9 bilhões de reais e aumentou, principalmente, a construção de novas UBS para populações subatendidas em áreas mais vulneráveis13. Além disso, os demais objetivos do Requalifica-UBS declarados pelo governo eram: gerar renda e empregos diretos e indiretos, ampliar e requalificar a rede de UBS do país e mudar o padrão das UBS – as novas plantas para construção tinham quase o dobro do tamanho do padrão usado até então e previa estrutura e equipamentos adequado para um escopo ampliado de serviços, em sinergia com que passou a ser proposto na Política Nacional de Atenção Básica a partir de 20113
A única mudança legislativa relacionada ao eixo Infraestrutura foi demandada pela CP-M Liberal, que solicitou a inserção na Lei do PMM do texto o SUS terá o prazo de 5 (cinco) anos para dotar as unidades básicas de saúde com qualidade de equipamentos e infraestrutura.
A intenção era que esse investimento deixasse de ser uma opção política do governo e tornasse uma imposição legal (Entrevistas 10, 15 e 18). A despeito da imposição legal, com a ascensão de Temer à presidência em 2016 e com forte arrocho fiscal decorrente da aprovação da Emenda
Constitucional do chamado “Teto de Gastos” (EC 95/2016), que congelou os orçamentos das áreas sociais por vinte anos, o Requalifica-UBS deixou de ter novas adesões e autorizações, como mostrou a análise documental. O governo Bolsonaro manteve essa suspensão. Eventuais recursos federais foram destinados a obras em UBS, mas fruto da iniciativa de parlamentares fazendo uso de suas emendas em suas bases eleitorais. Essa suspensão foi objeto de protestos da CP-M Sanitário, porém, contraditoriamente, não sofreu oposição da CP-M Liberal. Os quantitativos de obras autorizadas pelo Requalifica-UBS, antes e depois da criação do PMM, são apresentados na Tabela 1
Tabela 1 – Propostas de obras autorizadas no Requalifica-UBS. Salvador, Bahia, Brasil – 2021
Propostas autorizadas e realizadas
Fonte: Elaboração própria com base no Sistema de Monitoramento de Obras (Sismob) do Ministério da Saúde.
O eixo Formação problematizou as insuficiências quantitativas e qualitativas na formação de médicos e de especialistas. Através da normatização de itinerários, diretrizes e perfis de formação e definição de metas de expansão, mobilizou recursos, mudou regras e criou instrumentos para expandir vagas e mudar a formação. Do ponto de vista institucional, esse eixo já contava com o Pró-Residência e com os instrumentos do MEC para promover a expansão de vagas de graduação nas IES públicas, porém, demandou a criação de novas regras e arranjos institucionais para a autorização de cursos em IES privadas, para as mudanças no itinerário de formação de especialistas, para as novas diretrizes curriculares e para a criação de processos avaliativos para a graduação e residência.
A estruturação dessas regras e arranjos foi um dos fatores que fez com que, diferentemente dos dois outros, o eixo Formação não tivesse uma implementação imediata. Foi necessário desenvolver uma inédita atuação intersetorial do MS e MEC, realizar um planejamento de longo prazo e orientar ações regulatórias do MEC em função das necessidades e prioridades definidas para o SUS13,14,15. Houve mudanças na estrutura administrativa do MS, como a criação do Departamento de Planejamento e Regulação da Provisão de Profissionais de
Saúde (Depreps) e, no MEC, como a criação da Diretoria de Desenvolvimento da Educação em Saúde (DDES) e da Coordenação-Geral dos Processos de Chamamento Público (CGCP).
O efeito mais visível da implementação deste eixo foi a expansão das vagas de graduação em medicina, tendo sido superadas diversas metas previstas no PMM. As vagas em IES públicas foram viabilizadas em pactuações do MEC com as próprias universidades, em cursos já existentes ou através da criação de novos (especialmente em campi no interior), e as vagas em IES privadas por meio dos editais de chamamento público criados pela legislação do PMM. O primeiro edital foi publicado em 2014 e, o segundo, em 2015, todos para abertura de novos cursos em cidades do interior. Segundo os dados do MEC (e-MEC), em 2013, o Brasil tinha, aproximadamente, 19 mil vagas de graduação em medicina a uma proporção de 0,95 vagas por dez mil habitantes. A meta estabelecida em 2013 foi criar 11.447 novas vagas e de alcançar a proporção de 1,34 vagas por dez mil habitantes em todas as regiões do país. Ao fim de 2021, ultrapassou a marca de 33,5 mil vagas, tendo sido criadas 14.516 novas vagas (um aumento de 76%). A média de vagas por habitante superou a meta, chegando em 2021 a 1,57, com um aumento proporcional maior nas regiões norte e nordeste, aquelas com maior necessidade.
Os objetivos declarados mais importantes relacionados a essa expansão eram: o aumento da quantidade de médicos em formação no Brasil, para que a proporção de médicos saltasse dos 1,8 médicos por mil habitantes de 2013 para 2,7 até 2026 e o país tivesse suficiência nessa formação; a interiorização das vagas e da oferta de médicos; e a democratização do acesso à formação médica. A proporção de médicos por habitante em 2020 chegou a 2,38 médicos/mil habitantes e as projeções apontam que atingirá 2,7 antes de 202516. Apesar disso, ainda é muito menor que a média do ano de 2020 da OCDE, de 3,5. De qualquer modo, notase efeitos, como o aumento da disponibilidade de médicos no mercado de trabalho médicoc.
As vagas em IES do interior superaram aquelas das capitais no ano de 201517, mas, além do curso de medicina ficar proporcionalmente mais acessível aos jovens do interior, ficou também aos das regiões mais pobres do Brasil e àqueles beneficiados por cotas nas IES públicas em função de sua renda e etnia. Apesar disso, devido à maior parte da expansão ter sido privada, às altíssimas mensalidades praticadas nos cursos de medicina e aos cortes realizados em programas como o Fies, Prouni e assistência estudantil, essenciais para que as classes populares possam frequentar e concluir o curso em IES privadas, as vagas ficaram mais acessíveis do que eram, mas, principalmente, para aqueles que podem pagar para cursá-las18
c Pode ser visto no sítio virtual da Estação de Pesquisas Sinais de Mercado da Rede Observa-RH http://epsm.nescon. medicina.ufmg.br/epsm/
A Tabela 2 mostra a autorização de vagas de graduação no período de 2013 a 2015, ano de lançamento do PMM até o último ano completo do governo Dilma, e, depois, no período de 2016 a 2021, período do governo Temer e maior parte do governo Bolsonaro.
Tabela 2 – Panorama da expansão de vagas de graduação em medicina de 2013 a 2021. Salvador, Bahia, Brasil – 2021
Sobre as mudanças na graduação, em 2014 foram aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação e MEC as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em medicina (DCN-M), em um processo que contou com audiências públicas e reuniões nas quais participaram o MEC, MS, direções e corpos docentes e discentes das universidades, gestores do SUS e diversos segmentos da sociedade, incluindo o Conselho Nacional de Saúde (CNS) e as entidades médicas. As novas DCN-M estabeleceram normas mais objetivas para a reorientação do curso em consonância com propostas internacionais de vinculação da formação ao sistema de saúde, bem como determinam prazos e instrumentos para induzir e avaliar a implementação dessas mudanças14,15,17. Começou a ser estruturado um sistema de avaliação integrado com dois componentes essenciais. Um deles verificaria a implementação das DCN-M nos cursos de medicina combinando auditorias com processos avaliativos do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Sinaes). Uma comissão, que contou com a participação do MEC, Inep, MS, CNS, Associação Brasileira de Educação Médica (Abem), Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (Denem) e Conselho Federal de Medicina (CFM) concluiu a criação, em abril de 2016, de novo instrumento de avaliação do Sinaes que faria essa verificação. O segundo componente foi a Avaliação Nacional Seriada dos Estudantes de Medicina (Anasem), que objetivava avaliar a aquisição de competências de cada educando em relação ao novo perfil esperado pelas novas DCN-M. Foi defendido que ela servisse também para regular o acesso aos programas de residência médica – implementando um sistema similar ao Enem-Sisu – e que fosse a avaliação aplicada no Revalida para revalidar o diploma dos médicos formados fora do Brasil, unificando os critérios3,15,17.
Finalmente, no que se refere à residência médica e à formação de especialistas, a meta era universalizar seu acesso até 2018, ampliando 12.376 vagas até 2017, sendo pelo menos 40% das vagas em Medicina de Família e Comunidade (MFC). A expansão ocorrida está na Tabela 3. Devido à suspensão recente da divulgação desses dados, só foi possível analisar a expansão do início do PMM até o fim do governo Temer. As vagas abertas até 2018 atingiram 82% da meta prevista, sendo que quase dois terços dessas vagas foram criadas até 2016, ainda sob a gestão de Dilma, e 26% em MFC. A meta da universalização foi cumprida – o número de vagas de residência chegou em 24,8 mil e o de egressos de graduação no mesmo ano a 19,4 mil – mas não da forma que o PMM previu inicialmente3,16,19. A expansão das vagas deveria ser articulada a um novo itinerário de formação dos especialistas. A Lei do PMM, aprovada em 2013, tornava obrigatório que os médicos, primeiramente, fizessem de um a dois anos de MFC, só depois poderiam cursar outra especialidade. Apesar disso, nunca foi cumprido o “gatilho” previsto na lei que, para valer essa exigência, seria necessário haver um número de vagas de residência de acesso direto superior ao número de egressos dos cursos de graduação em medicina.
Tabela 3 – Panorama da expansão de vagas de residência médica de 2013 a 2018. Salvador, Bahia, Brasil – 2021
Fonte: Elaboração própria com base em Moreno e Oliveira19
As entrevistas com atores-chave no processo de formulação e implementação das políticas de regulação, formação e provimento médicos desde 2003 até 2018 permitiu compreender como se posicionaram e atuaram os três principais atores coletivos que influenciaram esse processo. O eixo Formação do PMM foi o mais modificado entre os eixos do programa pelos governos Temer e Bolsonaro. Em grande parte, isso é explicado pela forte oposição da CP-M Liberal às mudanças no status quo da educação médica e à fraca defesa das demais CP e parlamentares às mudanças instituídas por esse eixo. Enquanto dirigentes da CP-M Sanitário ligados à Rede Temática Educação Médica13 – entendida como um ator social coletivo envolvido com estudos, discussões e proposição de iniciativas voltadas à educação médica composto, principalmente, por docentes, estudantes e dirigentes de escolas – estiveram na direção do MS sustentando as mudanças que eles próprios formularam no PMM, a CP-M
Liberal não conseguiu bloqueá-las ou retirá-las da lei. Apesar disso, o fortalecimento da CP-M Liberal no governo Temer resultou no retrocesso de diversas destas medidas. Em 2016, foram suspensos os efeitos das mudanças realizadas no Sinaes. A Anasem foi interrompida a partir de 2017. Nesse mesmo ano, a avaliação da graduação foi suprimida da legislação com a aprovação da Lei 13.530/2017, que alterou a Lei do PMM e bloqueou a integração dos processos de avaliação, acesso à residência e revalidação de diplomas. Ainda assim, mesmo sem instrumentos que induzam com mais força a implementação das DCN-M, este eixo promoveu mudanças identificadas em alguns estudos: efeitos diferentes dependentes do contexto e de outros fatores locais; mais perceptíveis nas escolas criadas recentemente que nas antigas; e mais relacionados aos elementos mais objetivos das DCN-M, como a maior presença da MFC nos currículos, maior tempo de atuação na AB e urgências no SUS17,17,20
No governo Bolsonaro ampliou-se ainda mais a influência da CP-M Liberal. O governo começou tendo o ex-deputado Mandetta, do antigo partido DEM, como o Ministro da Saúde, médico, profundamente ligado à CP-M Liberal, tido como representante do interesse das entidades médicas na Câmara dos Deputados e reconhecido como o maior opositor do PMM naquela casa (Entrevistas 1, 2, 5, 8, 13 e 15). Em outubro de 2015, Mandetta já havia liderado no parlamento a reação da CP-M Liberal ao Decreto 8516/2015 que regulamentou o Cadastro Nacional de Especialistas previsto na Lei do PMM. Já com uma correlação de forças mais próxima àquela observada no período do impeachment, a CP-M Liberal obrigou o governo a recuar e republicar o Decreto retirando pontos com os quais CFM e AMB discordavam. Um ano depois, com o início do governo Temer, o cadastro foi retirado do ar sem nenhuma justificativa, embora ainda siga constando na lei. Em 2019, com Mandetta ministro, o novo itinerário de formação de especialistas foi retirado da Leid.
A CP-M Liberal atuou, também, para bloquear a expansão de vagas de graduação. Em 2016, conseguiu fazer com que o governo Temer se comprometesse a fazer uma moratória da abertura de novas escolas de medicina, entretanto, foram bloqueadas apenas a expansão de vagas em IES públicas, medida que coincidia com o interesse do governo, que, naquele momento, promovia um rigoroso ajuste fiscal em um processo que incluiu a aprovação da Emenda Constitucional que instituiu o teto de gastos. A expansão de vagas em IES privadas, defendida e pressionada pela CP-R Mercado, continuou em ritmo acelerado e passou, inclusive, a não respeitar a regulação estabelecida pela Lei do PMM, que buscava dirigir e limitar essa expansão ao interior do país nas áreas com maior necessidade social de vagas e de médicos.
d A Lei 13.958, de 2019, que criou o Médicos pelo Brasil, ainda não implementado, revogou os dois artigos (6º e 7º) da Lei do PMM que tratavam das novas regras e itinerário da residência médica.
O MEC, nos governos Temer e Bolsonaro, incrementou a autorização de novas vagas em cursos privados já existentes. Esses dois processos – moratória no aumento de vagas públicas e expansão privada de vagas – fez com que 80% das novas vagas não seguissem os critérios de necessidade social estabelecidos na Lei do PMM. Com efeito, no governo Dilma, 36% das novas vagas em cursos de medicina foram em IES públicas, nos governos Temer e Bolsonaro, foram apenas 15% do total.
Nesse eixo, o PMM reconheceu a indisponibilidade de médicos no país para atender às metas de expansão de cobertura da AB, identificou localidades com maior vulnerabilidade e necessidade de médicos, anunciou metas e criou instrumentos para alocar esses profissionais com equidade. Criou instrumentos para realizar recrutamentos internacionais de médicos, cooperações internacionais visando intercâmbio de médicos e para dotar o MS de poder de autorizar o exercício profissional temporário no país de médicos formados no exterior sem diploma revalidado no Brasil. O eixo Provimento teve uma implementação muito rápida atendendo, até o fim de 2015, toda a demanda de médicos solicitada pelos municípios, conforme as regras do programa, com 18.240 médicos (Tabela 4). Médicos do PMM foram alocados em 73% dos municípios, em todos os estados e, pela primeira vez na história, em todos os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI). O PMM chegou ao máximo de 18.247 médicos em quase 4,1 mil municípios, atendendo 63 milhões de pessoas3. O provimento de médicos promoveu a criação de novas equipes de saúde da família e supriu equipes já existentes que estavam sem médicos, ou nas quais a presença desse profissional era insuficiente, como nas situações de alta rotatividade de profissionais ao longo do ano e cumprimento irregular da carga horária. Os municípios participantes do PMM, de 2014 a 2015, tiveram um aumento da cobertura de 10,8% enquanto os “não aderidos” de apenas de 1,8%2.
Alguns estudos identificaram que o eixo Provimento do PMM conseguiu alocar médicos no território nacional com base em critérios de equidade, ampliar a cobertura da AB, ter impacto em indicadores de saúde sensíveis à AB e ter significativa aprovação por parte de usuários atendidos, médicos participantes e gestores municipais2,21-24. A Rede Observatório do PMM, criada em 2015 com a participação de mais de uma dezena de instituições de pesquisa, comparou 2013 com 2015 e identificou três achados que apontaram para a ampliação e qualificação do acesso: o aumento da variedade de ações e serviços oferecidos nas UBS com médicos do programa, melhoria da Atenção à Saúde a grupos com necessidade de cuidado continuado (como doenças crônicas) e importante aumento do número de consultas nos municípios participantes do PMM (de 33%, enquanto nos não participantes foi de 15%)22 Pesquisas também identificaram melhoria em indicadores de saúde como diminuição de mortalidade por causas evitáveis, e reduções de condições sensíveis à atenção primária em adultos e crianças, e, nos municípios de piores índices, redução de mortalidade infantil21,22,24-26.
O Mais Médicos teve uma alta aprovação por parte da população, dos médicos participantes e gestores dos municípios com médicos23
A consolidação e crescente avaliação positiva do PMM junto à população, gestores e aos próprios médicos participantes fez com que, cada vez mais, médicos recém-formados deixassem de rejeitar a possibilidade de atuar por um tempo no Programa. Em 2015, quando Provab e PMM foram integrados, a adesão dos médicos ao PMM ganhou um estímulo a mais: a pontuação adicional de 10% na prova de seleção da residência médica. Com efeito, pela primeira vez, todas as novas vagas oferecidas foram ocupadas por médicos com registro no Brasil, fazendo a participação dos profissionais no PMM saltar de 12% em 2013 para 29% (5.292 médicos). Essa grande adesão dos médicos brasileiros ao programa fortaleceu politicamente o eixo Provimento, dificultando posições contrárias da CP-M Liberal. Além disso, preencher as novas vagas com médicos formados no Brasil era também positivo por conferir sustentabilidade ao PMM, que passou a ser menos dependente de profissionais estrangeiros, e por aumentar significativamente o número de médicos no Brasil com experiência e formação na estratégia de saúde da família. Apesar disso, o tempo de permanência do médico formado no Brasil era menor que o dos demais, de aproximadamente um ano, enquanto o dos cubanos era de três anos, o que impunha às comunidades atendidas uma troca frequente de médicos. Além disso, eles ocupavam as vagas das cidades maiores e áreas menos vulneráveis27
Mesmo assim, quando Temer assumiu à presidência, o ministro da saúde nomeado, deputado Ricardo Barros (PP-PR), fez reuniões com representantes da CP-M Liberal e, ao fim delas, declarou que o PMM era provisório e prometeu reverter algumas de suas
medidas, especialmente a participação dos médicos cubanos28. Apesar disso, a forte pressão de prefeitos e parlamentares junto ao núcleo do governo e ao presidente Temer fez com que o eixo Provimento fosse protegido de mudanças. Com isso, apesar de diversos discursos sobre a valorização dos médicos brasileiros, não houve nenhuma mudança concreta porque, desde 2015, a proporção de médicos brasileiros já aumentava a cada novo chamamento e havia um plano de substituição dos médicos cubanos, e demais estrangeiros, nas localidades que o Programa conseguiu recrutar médicos brasileiros3,27 (Entrevistas 1 e 2). O número de médicos cubanos saiu de um máximo de 11.400, em 2014, passando para 8.332 no último semestre do governo Temer, em 2018. O próprio ministro Barros, depois, passou a criticar publicamente os médicos brasileiros e valorizar os cubanos29. Com isso, até a eleição de Bolsonaro, nenhuma mudança qualitativa significativa tinha acontecido com o eixo Provimento, embora a redução de médicos e, consequentemente, da população atendida fosse notável e alvo de críticas dos gestores e no parlamento.
Com a eleição de Bolsonaro, ainda no período de transição, diversas declarações e ameaças do presidente eleito à Cuba e ao acordo de cooperação entre Brasil, Opas e Cuba motivou a ruptura do acordo e a saída dos 8,3 mil médicos cubanos que atuavam no PMM, deixando trinta milhões de pessoas desassistidas30. De um máximo de 18 mil médicos alcançados em 2015, o governo Temer encerrou com pouco mais de oito mil médicos (Tabela 4). Logo no primeiro ano, o governo Bolsonaro anunciou que iria acabar com o PMM, assumiu o discurso da CP-M Liberal de que o objetivo oculto do PMM era transferir recursos a Cuba, ignorou os estudos e evidências sobre os efeitos e resultados do programa, ignorou apelos de parlamentares e gestores municipais30. Em 2019, foi anunciado um novo programa, o PMPB, com um discurso que buscava contemplar a CP-M Liberal e prometia uma carreira nacional para médicos. Apesar disso, embora a lei tenha sido aprovada ainda em 2019, o programa não foi implementado até dezembro de 2021. Além disso, não houve a renovação de contratos e abertura de novas vagas em capitais e regiões metropolitanas, gerando um clima de insegurança e possível desassistência nessas áreas.
Ao final de 2019, o Mais Médicos tinha 14.484 médicos no programa (Tabela 4), o que mostra que foi possível uma reposição parcial dos médicos cubanos que estavam atuando, mas ainda assim, uma diminuição de mais de 20% do quantitativo de médicos no período de maior quantitativo de profissionais no PMM. Por um lado, este dado sugere uma influência da não renovação nas capitais e regiões metropolitanas, mas também de possíveis dificuldades de suprir médicos nas regiões mais distantes e de difícil provimento. Em 2020, com a pandemia do novo coronavírus, o MS abriu novamente editais para todos os perfis para suprir os déficits de
profissionais na AB com chamamento de médicos brasileiros, o chamamento por dois anos dos médicos cubanos que permaneceram no Brasil (aprovado em dezembro de 2019), e editais de prorrogação incluindo os médicos formados em instituições estrangeiras.
Em síntese, o PMPB não tem medidas relacionadas ao que, no PMM, compõem os eixos Infraestrutura e Formação. Mesmo comparado apenas ao eixo Provimento é mais limitado, porque só prevê a participação de médicos com registro no Brasil. Além disso, reduziu também o acompanhamento da supervisão com o apoio das universidades, que passaria a ser realizada por um médico que atua em outra universidade, diminuindo a governança e o acompanhamento longitudinal do médico e de seu processo de trabalho. Pretende atrair médicos brasileiros sem a bonificação de 10% na residência, mas com a promessa de praticar uma remuneração maior e um emprego celetista, depois de alguns anos de atuação inicial oferecendo uma bolsa com os valores reais similares ao do PMM. Seria executado por uma instituição paraestatal que, passados mais de dois anos, ainda está em processo de implantação. Assim, o que segue garantindo a atuação de 15 mil médicos em 3,7 mil municípios é o PMM.
O estudo de Pinto13 mostra que houve um período de grande estabilidade institucional nas políticas de regulação, formação e provimento médicos no Brasil, no qual a CP-M Liberal vinha conseguindo bloquear mudanças no status quo da profissão caracterizado por, entre outras coisas, elevado grau de autorregulação profissional, restrição da autorização do exercício profissional por médicos não formados no Brasil, bem como, preservar privilégios com relação às demais profissões e o monopólio da realização das práticas de saúde com maior simbólico e econômico. Observou também que o que tornou a criação do PMM possível, mesmo com a oposição da CP-M Liberal, foi o agravamento do problema da insuficiência de médicos no SUS, a mudança de governo em 2011, o posicionamento de um grupo dirigente no MS que tinha como projeto a mudança da formação médica e o provimento de médicos nas áreas com necessidade, os resultados insuficientes dos programas criados para enfrentar o problema e uma janela de oportunidades associada ao contexto político e social em junho de 2013.
Partindo desse contexto e considerando os resultados apresentados neste artigo, observa-se que a implementação do PMM não foi homogênea e pode ser dividida em fases, considerando os elementos analíticos adotados em nosso modelo teórico-metodológico, a saber: a caracterização do processo de implementação, as continuidades e mudanças institucionais e na distribuição de recursos, o contexto político e a posição e ação de atores coletivos
relevantes para a análise em questão. A TMIG10 enfatiza o papel de fatores internos e externos na produção de alterações na correlação de forças e de desequilíbrios, mesmo em espaços de grande estabilidade institucional, que favorecem a mudança. Essas modificações no contexto, na correlação de forças e nas posições e poderes de atores relevantes, permitem processos que podem aprofundar a mudança, mudar seu rumo ou restaurar a ordem e equilíbrio anterior. Identificamos quatro fases que caracterizam a implementação do PMM, as denominamos de Implementação Inicial Acelerada, Implementação Sustentada, Implementação Parcialmente Bloqueada e Implementação Residual.
A fase de Implementação Inicial Acelerada foi de fato acelerada considerando, principalmente, os eixos Provimento e Infraestrutura. Houve grande esforço do governo federal para implementar da forma mais rápida e abrangente possível o PMM para gerar resultados e ampliar o apoio social e político ao Programa, que assegurasse sua conversão em lei e viabilizasse sua implementação e consolidação13. Assim, de seu lançamento em julho de 2013 até o fim 2014, fim do primeiro mandato de Dilma, mais de 14 mil médicos já haviam sido alocados nos municípios e mais de três quartos das obras em UBS já haviam sido autorizadas. O ritmo do eixo Formação foi mais lento devido à necessidade de as medidas serem formuladas e regulamentadas.
Na segunda fase, iniciada em 2014, segundo mandato da presidenta Dilma e interrompida em maio de 2016, junto com seu governo, houve uma Implementação Sustentada em todos os eixos. A implementação progrediu, embora em ritmo mais lento, e o governo conseguiu sustentar o essencial do PMM, embora ataques articulados pela CP-M Liberal junto à oposição no Congresso Nacional tenham começado de maneira mais intensa (Entrevistas 1, 2, 8, 17, 18). O segundo mandato começou sob um ajuste fiscal na política econômica em resposta aos efeitos mais fortes no Brasil da crise econômica internacional e isso impactou na margem orçamentária disponível para as ações do PMM13. Além disso, o contexto político do segundo mandato foi piorando progressivamente para o governo, que perdeu maioria no Congresso Nacional e chegou a ter menos de um terço de apoio parlamentar, necessário para bloquear o processo de impeachment. Ainda assim, no eixo Provimento chegou ao seu pico de médicos, com 18.240 profissionais em 4.058 municípios. Os recursos para obras seguiram sendo repassados no eixo Infraestrutura, mas sem novas adesões massivas. No eixo Formação, houve novos editais para IES privadas, ampliação de vagas de graduação em IES públicas e de residências, mas o governo foi obrigado a recuar no episódio do Cadastro Nacional de Especialistas e não conseguiu recursos para implementar medidas previstas na lei que aprofundassem as mudanças
na residência médica, como mais recursos para tornar mais atrativa a residência em MFC e o provimento de preceptores (Entrevistas 2 e 17).
A terceira fase, de Implementação Parcialmente Bloqueada, ocorreu desde a posse de Temer como presidente até as eleições presidenciais em outubro de 2018. A mudança de direção no governo, incluindo MEC e MS, com a saída dos principais formuladores e responsáveis pela defesa e implementação da proposta no governo federal, o forte ajuste fiscal e o enfraquecimento da influência da CP-M Sanitário e fortalecimento da influência da CP-M Liberal e CP-RMercado13 ajudam a compreender o que e porque seguiu sem muitas mudanças, foi bloqueado ou acelerado. O ajuste fiscal do governo Temer explica a paralisação do eixo Infraestrutura. Sofrendo a oposição da CP-M Liberal, mas tendo apoio popular, parlamentar, dos gestores municipais e da CP-M Sanitário, o eixo Provimento não progrediu, mas também não sofreu mudanças significativas nem teve reduções maiores que 50%. A maioria das mudanças instituídas pelo eixo Formação que tinham a oposição da CP-M Liberal foram interrompidas, sendo que algumas foram retiradas da própria lei. Uma que sofria a oposição da CP-M Liberal, mas era apoiada pela CP-R Mercado, a expansão de IES privadas, teve seu período de maior expansão como parte de um processo geral de redução da regulação do Estado sobre o mercado privado de ensino superior.
Por fim, a fase de Implementação Residual inicia com a eleição de Bolsonaro até dezembro de 2021. Sua característica é a continuidade do que foi paralisado na fase anterior, tanto no eixo Infraestrutura quanto Formação, mais mudanças no eixo Formação, que retiraram da Lei pontos dos quais a CP-M Liberal se opunha, e um forte movimento de ataque simbólico ao PMM, com efetiva interrupção da cooperação internacional com a Opas e Cuba e uma tentativa, frustrada até o momento, de substituir o PMM pelo PMPB. Contudo, como os mais de 15 mil médicos que atuam nos municípios são ainda do PMM, embora queiram-no residual, ele é a única política de provimento do atual governo.
Este artigo cumpriu o objetivo de analisar o que foi proposto e o que foi implementado pelo PMM, considerando seus três eixos, o período de 2013 a 2021, e a influência dos arranjos institucionais, do contexto político e de atores sociais coletivos nessa implementação e nos processos de (re)formulação no programa. Além disso, comparou o PMM com o PMPB. Identificou quatro fases de implementação, com mudanças no arranjo institucional, profundamente marcadas pela influência de atores sociais coletivos que atuam no setor, e pelo contexto político de cada período analisado. Observou-se que, além das mudanças no processo de implementação, há mudanças de objetivos e reestruturações do PMM que
podem ser consideradas reformulações que alteraram bastante o programa lançado em 2013, com o objetivo fundamental de bloquear mudanças que ele iniciou. Houve ainda a tentativa de fazer o PMM ficar residual e dar lugar a um novo programa, o PMPB, mais convergente com os objetivos e ideias do governo Bolsonaro e da CP-M Liberal.
O processo de implementação descrito no artigo evidencia a força do PMM, que resistiu a dois governos que assumiram publicamente o objetivo de extingui-lo, entretanto, tiveram dificuldades para desenvolver e implantar outra solução que respondesse às necessidades sociais já atendidas pelo PMM. Apesar disso, é possível dizer que, se a aprovação da Lei do PMPB não foi o suficiente para que o governo Bolsonaro pudesse implementá-lo, as supressões que ela realizou na Lei do PMM, somadas às paralisações administrativas dos eixos Infraestrutura e Formação, conseguiram reduzir e desconfigurar o PMM, bloqueando o que ele tinha de mais estruturante, e afastando mais uma vez o SUS da diretriz de ordenar a formação da força de trabalho em função das necessidades da população.
Este artigo não analisou os efeitos e resultados da implementação do PMM. Embora existam trabalhos que tenham este objetivo, é importante que sejam desenvolvidos estudos que analisem os efeitos dessas mudanças não só na implementação dos objetivos e ações do PMM e do PMPB, mas também na oferta de serviços, na formação e saúde da população. Infelizmente, um desafio ainda maior dada a redução recente no grau de transparência das informações governamentais.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Hêider Pinto, Felipe Oliveira e Ricardo Soares.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Hêider Pinto, Felipe Oliveira e Ricardo Soares.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Hêider Pinto, Felipe Oliveira e Ricardo Soares.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Hêider Pinto, Felipe Oliveira e Ricardo Soares.
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Recebido: 29.3.2022. Aprovado: 31.3.2022. Publicado: 7.7.2022.
SUPERVISÃO ACADÊMICA DO PROJETO MAIS MÉDICOS: REFLEXÃO SOBRE UMA EXPERIÊNCIA NA BAHIA
Luis Eugênio Portela Fernandes de Souzaa
https://orcid.org/0000-0002-3273-8873
Resumo
O texto traz uma reflexão sobre a experiência de supervisão acadêmica realizada no âmbito do Projeto Mais Médicos (PMM), em Salvador e Lauro de Freitas, no período de 2019 a 2021, buscando identificar o papel cumprido pelas atividades de supervisão, suas contribuições e seus limites vis-à-vis à competência definida nos documentos oficiais.
Para tanto, foram analisados relatórios de supervisão e registros das reuniões de tutoria, os quais foram cotejados com a vivência do autor na função de tutor. Os resultados mostram que a supervisão cumpre o papel de apoiar o desenvolvimento de competências dos médicos atuantes no PMM, mas não alcança o objetivo normativamente definido de promover a integração ensino-serviço. Em suma, a supervisão tem um papel positivo, embora restrito, de fortalecimento da Atenção Básica.
Palavras-chave: Projeto Mais Médicos. Supervisão acadêmica.
Abstract
This paper reflects on the experience of academic advisement carried out within the More Doctors Project (PMM) in Salvador and Lauro de Freitas, Brazil, from 2019 to 2021, seeking to identify the role played by advisement activities, their contributions and limitations in relation to the official documents. For this purpose, advisor reports and records of tutoring meetings were analyzed, which were then compared with the author’s experience as a tutor. Results show that a Sanitarista. Doutor em Saúde Pública. Bolsista CNPq 2. Professor na Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: luiseugenio@ufba.br
Endereço para correspondência: Instituto de Saúde Coletiva. Universidade Federal da Bahia. Rua Basílio da Gama, s/n, Canela. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 40110-040. E-mail: isc@ufba.br
advising fulfils the role of helping to develop the competences of physicians working in the PMM, but does not reach the normatively defined objective of promoting education-service integration. In short, advisor work has a positive, albeit restricted, role in strengthening Primary Care.
Keywords: More Doctors Project. Academic supervision.
Este texto reflexiona sobre la experiencia de supervisión académica realizada en el ámbito del Proyecto Más Médicos (PMM), en Salvador y Lauro de Freitas (Brasil), de 2019 a 2021, con el fin de identificar el papel de las actividades de supervisión, sus aportes y límites frente a la competencia definida en los documentos oficiales. Para ello, se analizaron informes de supervisión y actas de reuniones de tutoría, los cuales se compararon con la experiencia del autor en el rol de tutor. Los resultados muestran que la supervisión cumple el papel de apoyar el desarrollo de competencias de los médicos que actúan en el PMM, pero no alcanza el objetivo definido normativamente de promover la integración enseñanza-servicio. En definitiva, la supervisión tiene un papel positivo, aunque restringido, en el fortalecimiento de la Atención Primaria.
Palabras clave: Proyecto Más Médicos. Supervisión académica.
O Programa Mais Médicos para o Brasil (PMMB) foi criado pela Lei 12.871, de 22 de outubro de 2013, como resposta, em certa medida, a grandes manifestações de rua ocorridas poucos meses antes, em julho do mesmo ano, que cobravam melhores serviços públicos, inclusive de saúde. O artigo 1º da lei elenca seus oito objetivos: (1) diminuir a carência de médicos e as desigualdades regionais na saúde; (2) fortalecer a prestação de serviços de atenção básica; (3) aprimorar a formação médica e proporcionar maior experiência prática; (4) ampliar a inserção do médico em formação no SUS; (5) fortalecer a política de educação permanente com a integração ensino-serviço; (6) promover a troca de conhecimentos e experiências entre médicos brasileiros e médicos formados em instituições estrangeiras; (7) aperfeiçoar médicos para atuação no SUS; e (8) estimular a realização de pesquisas aplicadas ao SUS1.
Para alcançar esses objetivos, a lei define, em seu primeiro capítulo, três ações centrais:
(1) reordenação da oferta de cursos de medicina; (2) estabelecimento de novos parâmetros para a formação médica; e (3) aperfeiçoamento de médicos na atenção básica, mediante integração ensino-serviço. Enquanto os capítulos II e III da lei detalham as duas primeiras ações, o capítulo IV, voltado para a terceira, institui o Projeto Mais Médicos, que prevê a participação dos médicos em curso de especialização, incluindo a inserção prática em um serviço de saúde.
Desse modo, visando o aperfeiçoamento profissional, o médico participante do Projeto Mais Médicos desenvolve atividades teóricas e práticas, em uma perspectiva de educação permanente em saúde, sendo acompanhado por um supervisor acadêmico que, por sua vez, é apoiado por um tutor, ambos vinculados a uma instituição supervisora.
À atividade de supervisão acadêmica compete, segundo a Portaria nº 585, de 15 de junho de 2015, do Ministério da Educação, “singularizar a vivência dos médicos participantes do Projeto [Mais Médicos], ofertando suporte para o fortalecimento de competências necessárias para o desenvolvimento das ações da atenção básica”2
O Programa Mais Médicos para o Brasil, de modo geral, tem sido objeto de muitos estudos e pesquisas, notadamente no que concerne à alocação e distribuição de médicos entre as diferentes regiões do país. A atividade específica de supervisão acadêmica, contudo, tem sido menos estudada, justificando-se ainda a realização de pesquisas, reflexões e relatos de experiências.
Nesse sentido, o presente texto traz uma reflexão particular sobre a experiência de supervisão acadêmica realizada no âmbito do Projeto Mais Médicos, nos municípios baianos de Salvador e Lauro de Freitas, no período de 2019 a 2021, buscando identificar o papel cumprido pelas atividades de supervisão, suas contribuições e seus limites vis-à-vis à competência definida pela referida Portaria MEC nº 585/2015.
Para discutir o papel da supervisão acadêmica, é necessário definir o que se entende por supervisão acadêmica, considerando-se ainda a competência que lhe é atribuída pela norma ministerial.
Na Sociologia das Organizações, o conceito de supervisão é muito discutido, referindo-se, fundamentalmente, à prática de controle das atividades do funcionário subordinado pelo seu superior hierárquico. Essa prática faz a intermediação entre as decisões dos dirigentes quanto aos objetivos e às estratégias organizacionais e a execução das tarefas correspondentes pelos trabalhadores3, podendo vir a ser um efetivo mecanismo de coordenação4. Embora vise sempre assegurar que as ordens superiores sejam cumpridas, a supervisão assume, grosso modo,
duas formas distintas: (1) a cobrança da obediência a regras pré-definidas, acompanhada, geralmente, de incentivos materiais; ou (2) a motivação psicológica dos subordinados para que internalizem, como pessoais, os objetivos organizacionais5
Na área acadêmica, nomeadamente, a forma da motivação psicológica está mais associada à prática de supervisão do que a da cobrança da obediência a regras. Com efeito, a supervisão acadêmica é entendida como o processo sistemático de orientação do aluno, por um docente responsável, sobre os melhores métodos para progredir na sua educação. Ainda que haja regras a seguir – e o supervisor deve ter o cuidado de comunicá-las –, o aprendizado está nas mãos do próprio aluno, sendo papel principal do supervisor dar o apoio necessário para que o estudante assuma o protagonismo no processo de ensino-aprendizagem6. Além disso, ainda que sendo um contrato negociado entre o aluno e seu orientador, a supervisão acadêmica deve se basear em uma relação ética de confiança mútua. Para isso, é necessário reconhecer a existência de diferenciais de conhecimento e poder, atribuindo-se, equitativamente, obrigações maiores àqueles que acumulam mais conhecimento e poder7. No que concerne ao Projeto Mais Médicos, a Portaria MEC nº 585 amplia bastante a definição de supervisão acadêmica, atribuindo-lhe objetivos que extrapolam, em muito, a relação a relação entre supervisor e estudante. Com efeito, o parágrafo 2º do artigo 1º define como objetivos fortalecer: a educação permanente em saúde e a integração ensino-serviço, a Atenção Básica, a formação de profissionais nas redes de Atenção à Saúde e a articulação dos eixos educacionais do Projeto Mais Médicos. Tais objetivos estão, claramente, longe do alcance da atividade de supervisão, o que talvez tenha levado os redatores da portaria, no parágrafo 3º, a serem mais específicos sobre a competência da supervisão acadêmica, limitada a “singularizar a vivência dos médicos participantes do Projeto”.
Interpretando a definição adotada pelo Ministério da Educação, Pereira8 entende que, no âmbito do PMMB, a supervisão acadêmica possui três dimensões – pedagógica, gerencial e política –, sendo:
A dimensão pedagógica se relaciona às ações de qualificação da gestão e da assistência, a partir da reflexão e transformação das ações e dos serviços; a dimensão gerencial, que incorpora elementos da supervisão enquanto estratégia de “convisão” (NUNES, 2008), identificando práticas e instrumentos de atuação conjunta sobre o objeto de trabalho na produção do cuidado; e, finalmente, a dimensão política, que revela a implicação da supervisão acadêmica com os propósitos políticos e democráticos do SUS e da Atenção Primária à Saúde no Brasil.8:25
Seguramente, a interpretação de Pereira8 explicita e torna mais claro o alcance que o PMMB pretende dar à atividade de supervisão acadêmica, contudo, adotar a definição proposta torna, desde logo, muito provável uma avaliação negativa da supervisão, dada a magnitude dos efeitos que se deveriam esperar.
Nesse sentido, para fins da discussão do papel da supervisão acadêmica no âmbito do Projeto Mais Médicos, a partir da experiência vivenciada recentemente em dois municípios da Bahia, adota-se aqui a definição de supervisão acadêmica como processo sistemático de orientação do médico-especializando, voltado para apoiar o aprendizado da prática médica na atenção primária, incluindo o conhecimento das suas regras institucionais.
Para identificar o papel cumprido pela supervisão – definida como processo sistemático de orientação do médico-especializando – na experiência do Projeto Mais Médicos em Salvador e Lauro de Freitas, foram buscadas informações em uma amostra aleatória de relatórios postados pelos supervisores no Sistema Web Portfólio Unasus e nos registros das reuniões de tutoria, realizadas mensalmente, entre 2019 e 2021, com as participações do tutor, dos supervisores atuantes nos dois municípios e da apoiadora institucional do Ministério da Educação. Além disso, a vivência da tutoria, seja nas reuniões formais, seja nos frequentes contatos com os supervisores, propiciou o acesso a muita informação e, mais que isso, permitiu a formação de um juízo de valor sobre a supervisão acadêmica no âmbito do Projeto Mais Médicos.
As informações obtidas foram tratadas de acordo com os procedimentos da análise de conteúdo9. Assim, os relatórios e os registros foram, inicialmente, submetidos a uma leitura “flutuante”, que permitiu a formulação de hipóteses sobre o papel da supervisão acadêmica no âmbito do Projeto Mais Médicos, tendo como referência a Portaria MEC nº 585.
A partir dessa primeira leitura, foi possível constituir o corpus a ser analisado, estabelecer as categorias analíticas e definir as direções da análise. Concretamente, o corpus foi constituído de 80 relatórios de supervisão e 16 registros de reuniões e foram definidas quatro categorias analíticas, a saber: 1) objetivos da supervisão; 2) temáticas abordadas; 3) ofertas educacionais; e 4) classificação do desempenho do médico. Por fim, a análise foi direcionada para a identificação das contribuições e dos limites da supervisão no contexto recente do Projeto em Salvador e Lauro de Freitas, cotejando-os com os objetivos estabelecidos normativamente.
Os documentos analisados mostram que as atividades de supervisão ocorreram regularmente, todos os meses do período analisado. Ao longo de 2019 e até março de 2020, as supervisões foram realizadas in loco, individualmente, com a visita do supervisor à unidade de saúde onde atuava cada médico sob sua supervisão, ou em encontros locorregionais, que reuniram todos os médicos e supervisores de Salvador e Lauro de Freitas, nos meses de janeiro, abril, julho e outubro de 2019 e fevereiro de 2020. A partir de abril de 2020, as sessões de supervisão passaram a ser realizadas remotamente, por meio de plataformas digitais de comunicação, como parte das medidas de prevenção da transmissão de covid-19.
As atividades de supervisão são registradas, mensalmente, em relatórios padronizados preenchidos e postados no Sistema Web Portfólio Unasus pelos supervisores. Até março de 2020, o relatório se dividia nas seguintes seções: identificação do supervisor e do médico, processo de supervisão, avaliação mensal, suporte do município, ocorrências e próxima supervisão. A partir de abril do mesmo ano, a seção referente à avaliação mensal foi substituída por uma seção intitulada acompanhamento longitudinal (mediado por tecnologias digitais de comunicação) que se tornou a única forma de supervisão possível.
Foram analisadas particularmente as seções referentes ao processo de supervisão e à avaliação mensal (até março de 2020) ou ao acompanhamento longitudinal (a partir de abril de 2020), pois concentram os itens de interesse deste estudo: os objetivos, os temas e os métodos pedagógicos da supervisão, as modalidades educacionais ofertadas pelo PMM e a avaliação geral de desempenho do médico, classificada em uma escala de cinco pontos: ruim, regular, bom, muito bom e excelente.
É importante não perder de vista que os relatórios têm opções definidas de respostas, sendo formulários padronizados pelo Sistema Web Portfólio, embora haja bastante espaço para comentários e observações livres dos supervisores. Assim, a maior parte das informações inseridas pelos supervisores advém da opção por uma entre as categorias préexistentes. Os espaços de livre preenchimento são, geralmente, pouco usados.
No que se refere aos objetivos, a “qualificação das ações apenas do médico participante” é a opção mais frequentemente assinalada pelos supervisores, seguida, de longe, pela opção “avaliação das atividades do ano”. Quanto aos temas, a primeira opção é, invariavelmente, “aperfeiçoamento da conduta clínica, diagnóstico, terapêutica e reabilitação”, sendo mais diversificados os temas secundários que incluíram, a título de exemplos: protocolo clínico da Atenção Básica, acesso e acolhimento com classificação de risco, regulação em saúde,
redes de atenção, covid-19 e pós-covid, insuficiência cardíaca congestiva, imunização, promoção da saúde, atendimento de urgência e emergência. Os métodos pedagógicos da supervisão variaram entre reuniões, exposições dialogadas e revisão de casos clínicos e eventos clínicos.
As modalidades educacionais, por sua vez, se alternaram entre os módulos ofertados pelo Sistema da UNA-SUS, a telessaúde, o Portal Saúde Baseado em Evidências e os Cadernos da Atenção Básica, incluindo ainda notas técnicas emitidas pelas secretarias da saúde. Finalmente, as avaliações gerais de desempenho dos médicos se concentraram bastante na categoria “muito bom”, seguida de “excelente”, com poucos casos de “bom” e “regular” e raríssimos casos de “ruim”.
Além dos relatórios mensais de supervisão, para identificar o papel cumprido pela supervisão, seus limites e suas contribuições ao Projeto Mais Médicos em Salvador e Lauro de Freitas, foram analisados os registros das reuniões de tutoria, que serviram ainda como suporte material para confirmar ou infirmar as impressões e avaliações geradas pela experiência de tutoria.
Nos registros dessas reuniões, destacam-se como assuntos abordados as avaliações de desempenho dos médicos – incluindo o cumprimento da carga horária de trabalho e de estudo, o acesso às ofertas educacionais e as condições de trabalho na unidade de saúde – e as atividades de educação permanente tanto dos médicos supervisionados, quanto do grupo formado por supervisores, tutor e apoiadora institucional.
Em regra, os médicos cumprem adequadamente a carga horária de trabalho, sendo o atendimento aos usuários uma prioridade, constantemente cobrada por parte das gerências das unidades de saúde. O cumprimento da carga horária de estudo, ao contrário, é frequentemente prejudicado, seja pela priorização da assistência aos usuários das unidades, seja pela dificuldade de acesso à internet nos locais de trabalho. Por fim, as condições de trabalho são, geralmente, motivos de reclamações dos médicos, notadamente, no que tange à infraestrutura predial, incluindo ventilação ou climatização do ambiente. Há também frequentes menções às dificuldades de referenciamento de pacientes para consultas ou exames especializados.
Em relação à educação permanente, os registros das reuniões de tutoria evidenciam o compromisso e a preocupação do grupo de supervisão em apoiar os médicos no desenvolvimento de competências relativas à atuação na Atenção Primária à Saúde. Para ajudar a cumprir esse compromisso, as reuniões de tutoria são usadas como espaços de reflexão sobre abordagens pedagógicas, buscando contribuir para a qualificação do grupo. Metodologicamente, a reflexão se baseia na apresentação e análise de experiências de supervisão, vividas pelos supervisores do próprio grupo.
Discutem-se ainda, nessas reuniões, a realização dos encontros locorregionais, incluindo a seleção de temas e as estratégias pedagógicas. Os temas abrangem diversas
condições clínicas e de saúde – como hipertensão, diabetes, sífilis, hanseníase, saúde mental, saúde do idoso, saúde da mulher –, assim como diferentes aspectos de organização dos serviços, incluindo acolhimento e referenciamento de pacientes. As estratégias pedagógicas também são variadas, embora sempre buscando incentivar a aprendizagem ativa dos médicos. Nesse sentido, é valorizada a discussão, em pequenos grupos, de casos clínicos trazidos pelos médicos, que são, em seguida, apresentados à plenária e debatidos com especialistas convidados.
Usualmente, as reuniões contam com a participação especial de técnicos e gestores das secretarias de saúde de Salvador e Lauro de Freitas e da Bahia. Nestes momentos, são dadas notícias e se fala sobre a condução político-administrativa no Projeto Mais Médicos, nas esferas federal, estadual e municipal, ou sobre a Atenção Básica ou ainda sobre a ocorrência de surtos que requerem o alerta dos serviços de saúde.
Com a chegada da covid-19 ao Brasil, em fevereiro de 2020, a pandemia e todas as suas repercussões passaram a ser tema constante das reuniões, tanto no que se refere à clínica e à epidemiologia da doença quanto no que se refere à reorganização dos serviços. Com efeito, o impacto da pandemia sobre os serviços de saúde tem sido enorme desde o início, tendo começado pela suspensão das atividades das unidades básicas, passado, a seguir, pela transformação de muitas delas em unidades de atendimento exclusivo a infecções respiratórias e casos suspeitos de covid-19 e chegado, em meados de 2021, à avalanche de atendimento a todas as condições clínicas que ficaram “represadas”, ou seja, sem atendimento devido às restrições impostas pelas medidas de prevenção da covid-19. Vale acrescentar que a pandemia provocou uma reviravolta na condução pelo governo federal do Projeto Mais Médicos: enquanto, ao longo de 2019, se preparava a substituição do PMMB pelo Programa Médicos pelo Brasil, no início de 2020, decidiu-se pela manutenção do Mais Médicos, com o lançamento de novos editais.
Finalmente, deve-se registrar que são assuntos recorrentes nas reuniões de tutoria situações problemáticas específicas, relativas ao comportamento de médicos – atrasos ou faltas, resistências ao atendimento de certos grupos de pacientes, conflitos entre colegas – ou à relação entre médicos e gerentes dos centros de saúde, incluindo pressões para ampliação do número de atendimento e desrespeito ou desvalorização dos momentos de estudo.
Em suma, a análise dos relatórios individuais de supervisão, postados pelos supervisores no Sistema Web Portfólio Unasus, mostra que o objetivo declarado da supervisão é, usualmente, qualificar as ações do médico; o tema principal é o aperfeiçoamento da conduta clínica; os métodos usuais são reuniões, exposições e revisão de casos clínicos; e as modalidades educacionais mais comuns são as disponibilizadas pela Unasus. Ademais, constata-se que a grande maioria dos médicos tem o desempenho avaliado, pelo supervisor, como muito bom.
A análise dos registros de reuniões de tutoria, por sua vez, indica que a supervisão é um meio utilizado para a avaliar o cumprimento da carga horária de trabalho e de estudo, o acesso às ofertas educacionais e as condições de trabalho e, em alguma medida, para realizar atividades educativas, com a discussão de casos clínicos e o estudo de temas específicos relacionados à Atenção Básica. Ademais, a supervisão se presta à troca de experiências e ao debate de toda e qualquer questão que incomode ou mobilize os médicos, sejam questões técnicas, administrativas, sejam problemas de relacionamento interpessoal.
ÂMBITO DO PMM
A experiência relatada permite identificar como contribuição mais importante da supervisão acadêmica o suporte pedagógico dado aos médicos no processo de desenvolvimento de competências necessárias à atuação na Atenção Primária à Saúde, notadamente no que concerne às condutas clínicas. Esse apoio pedagógico é oferecido por meio da discussão de textos científicos, ou, de modo mais relevante, pela reflexão sobre as práticas realizadas por médicos e equipes de saúde.
Outra contribuição significativa se refere ao fato de a supervisão ser um espaço livre que favorece a construção de relações de confiança, permitindo que se abordem questões para as quais os médicos têm dificuldade de encontrar interlocutores entre os demais membros da equipe de saúde. Nesse sentido, os supervisores desempenham um papel tanto de orientação técnica quanto de apoio moral e emocional.
A experiência em Salvador e Lauro de Freitas revela também alguns limites da supervisão. Em primeiro lugar, há o fato de se restringir ao profissional médico, ao invés de abarcar todos os profissionais de saúde da unidade básica, perdendo-se assim uma oportunidade de fortalecer a integração da equipe de saúde. Em segundo, a supervisão sofre com os efeitos da desarticulação, mas tem pouca capacidade de contribuir para melhorar a articulação entre as direções das secretarias de saúde, de um lado, e as gerências e equipes das unidades de saúde, de outro. Nesse aspecto, há uma sensação de abatimento entre os médicos, quando veem que a supervisão acadêmica é incapaz de resolver questões administrativas relativas ao funcionamento das unidades básicas, em particular, ou da rede de atenção, em geral.
Ainda que não se trate de uma limitação própria da supervisão, vale registrar que os cursos de especialização que todos os médicos fizeram ou faziam não foram mencionados, positiva ou negativamente nos relatórios de supervisão e nas reuniões de tutoria.
Os poucos estudos publicados sobre a supervisão acadêmica no âmbito do Projeto Mais Médicos possuem semelhanças e diferenças com as conclusões da análise da experiência dos dois municípios baianos aqui apresentada.
Estudo realizado em 2015, analisando as temáticas abordadas nos momentos de supervisão, identifica, como as mais frequentes, as doenças crônicas não transmissíveis, as doenças tropicais negligenciadas, a saúde mental, o processo de trabalho na atenção básica e o próprio Projeto Mais Médicos. Ressaltando que tais temáticas convergem com o perfil epidemiológico prevalente e com a atuação na atenção básica, os autores concluem que a supervisão acadêmica é “uma ferramenta potente para a qualificação do programa e da Atenção Básica”10:1291
Uma dissertação, defendida na UnB, analisa a atuação do Grupo Especial de Supervisão (GES), instituído pelo MEC para realizar o acompanhamento de médicos em regiões de difícil acesso no estado do Amazonas. O autor11 atesta a realização pelo GES de todas as atividades preconizadas para a supervisão in loco, ainda que sejam grandes as dificuldades de deslocamento pela região.
Pesquisa sobre a supervisão acadêmica no Programa Mais Médicos na Paraíba, em 2015 e 2016, conclui que, na perspectiva dos supervisionados, a supervisão acadêmica é “muito positiva”, destacando-se a relação cordial, o fácil acesso ao supervisor e o apoio às condutas clínicas. Como aspecto negativo, é ressaltada a incapacidade da supervisão de resolver problemas de gestão12
Estudo conduzido em Santa Catarina, em 2015, identificou como fundamentos da tutoria acadêmica do Projeto Mais Médicos: a urgência de “apagar incêndios”, a necessidade de qualificação dos participantes e a adoção de uma “perspectiva processual”. Conclui, com base nisso, que a tutoria acadêmica “não corresponde a um enfrentamento pedagógico isolado, […] [mas] corresponde dialeticamente a movimentos de ruptura, resistência, emancipação”13
Com o objetivo de avaliar o PMM a partir das atitudes dos médicos, foi aplicado um questionário a 377 médicos participantes. No geral, os resultados mostram uma avaliação positiva. No que tange à supervisão acadêmica, as avaliações são divergentes, mas enfatizam sempre a atuação do supervisor como mediador da relação entre o médico e a gestão municipal14. Em uma pesquisa bastante rigorosa, Pereira8 analisa a prática de supervisão acadêmica do PMM, buscando identificar pontos fortes e fracos, com base na sua própria experiência como apoiadora institucional do MEC junto a três instituições supervisoras no estado da Bahia. A autora avalia que a supervisão acadêmica é importante para o funcionamento do projeto, mas não consegue contribuir para a efetiva integração ensino-serviço. Mais que
isso, conclui que a supervisão “não é capaz de transformar a prática médica, pois se constitui, sobretudo, de forma burocrática e gerencial, estando muito aquém do que se espera de uma supervisão qualificada”8:8
Como se vê, há semelhanças entre a análise da experiência em Salvador e Lauro de Freitas e as análises que afirmam que a supervisão contribui para o funcionamento e a qualificação do PMM, mas é incapaz de resolver problemas político-administrativos. Há, contudo, diferenças importantes. Diferentemente da avaliação de Baião e Melo14, a supervisão na capital baiana e em seu município vizinho não enfatiza o papel do supervisor como mediador da relação entre médico e gestão municipal. Ao contrário do que Sales-Dias11 avalia no Amazonas, a supervisão na Bahia não realiza todas as atividades preconizadas pelas normas oficiais. Por fim, distintamente do que avalia Pereira8, a análise da experiência de Salvador e Lauro de Freitas não sugere que a supervisão seja burocrática e gerencial. Considerando que a presente reflexão e o trabalho de Pereira tratam, ambos, da experiência em terras baianas, ainda que o segundo seja mais abrangente do que a primeira, a divergência encontrada requer maior discussão. Certamente, a explicação para essa divergência reside nas distintas concepções de supervisão adotadas. Enquanto se adota aqui uma definição restrita de supervisão como processo sistemático de orientação do médico-especializando, Pereira abraça uma concepção ampliada, alinhada com os objetivos elencados no parágrafo 2º do artigo 1º da Portaria MEC nº 585. Com efeito, é bastante diferente esperar que a supervisão ajude os médicos a adquirirem conhecimento e a desenvolverem habilidades e atitudes que qualifiquem sua atuação na Atenção Básica ou que, além disso, transforme a prática médica, exercendo funções pedagógicas, gerenciais e políticas que levam ao fortalecimento da educação permanente em saúde e da integração ensino-serviço, da atenção básica e da formação de profissionais nas redes de atenção à saúde.
A presente reflexão sobre o papel da supervisão acadêmica no âmbito do Projeto Mais Médicos, feita a partir da experiência recente (2019-2021) dos municípios de Salvador e Lauro de Freitas, com base em relatórios preenchidos por supervisores e em registros de reuniões de tutoria, se conclui com uma visão positiva, embora restrita, desse papel.
Com efeito, a supervisão, na experiência avaliada, tem cumprido o papel de suporte pedagógico aos médicos participantes do PMM, ajudando-os a desenvolverem as competências requeridas para a atuação na Atenção Primária à Saúde. Por um lado, são desenvolvidas competências cognitivas (clínicas, sobretudo), através de leituras, exposições e
discussões de casos, assim como habilidades e atitudes por meio da constante problematização das práticas executadas nas unidades de saúde. Por outro lado, a supervisão não cumpre o papel de intermediação gerencial, nem o de formação ético-política, sendo incapaz de resolver problemas político-administrativos ou, menos ainda, de transformar a prática médica.
Nesse sentido, vis-à-vis à Portaria MEC nº 585/2015, a supervisão cumpre o papel normativamente proposto de ofertar suporte para o fortalecimento de competências necessárias para o desenvolvimento das ações da Atenção Básica, sem alcançar, contudo, todos os objetivos elencados – fortalecimento da educação permanente em saúde e da integração ensino-serviço, da atenção básica e da formação de profissionais nas redes de atenção à saúde – nessa mesma portaria.
Por fim, é preciso reconhecer que este estudo tem limitações importantes. A experiência estudada abrange um curto período e um espaço geopolítico particular. Ademais, a análise, ainda que tenha adotado estratégias de objetivação, está marcada pelo ponto de vista subjetivo de um ator periférico do Projeto Mais Médicos. De todo modo, espera-se que a divulgação desta reflexão estimule o debate e, assim, contribua para a consolidação de um programa, cujos resultados para a saúde da população brasileira são comprovadamente positivos.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Luis Eugênio Portela Fernandes de Souza.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Luis Eugênio Portela Fernandes de Souza.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Luis Eugênio Portela Fernandes de Souza.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Luis Eugênio Portela Fernandes de Souza.
1. Brasil. Lei n. 12.871, de 22 de outubro de 2013. Institui o Programa Mais Médicos, altera as Leis nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e nº 6.932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências. Brasília (DF); 2013.
2. Brasil. Portaria n. 585, de 15 de junho de 2015. Dispõe sobre a regulamentação da Supervisão Acadêmica no âmbito do Projeto Mais Médicos para o Brasil e dá outras providências. Brasília (DF); 2015.
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Recebido: 9.2.2022. Aprovado: 1.3.2022. Publicado: 7.7.2022.
DA BAHIA
Larissa Pimentel Costa Menezes Silvaa
https://orcid.org/0000-0003-1239-1320
Carmen Fontes de Souza Teixeirab
https://orcid.org/0000-0002-8080-9146
Resumo
Este artigo analisa a percepção dos gestores e dos profissionais envolvidos no Projeto Mais Médicos sobre os desafios do provimento e da reorganização do processo de trabalho médico frente ao cenário de pandemia do coronavírus no município de Ilhéus (BA), em 2020. A produção de dados foi feita por meio de revisão documental e entrevistas aos gestores de saúde do município e a quatro profissionais médicos contratados pelo programa. A análise dos resultados contemplou a percepção dos gestores acerca do provimento médico no município bem como as ações de monitoramento, supervisão e avaliação do desempenho dos profissionais realizadas pela coordenação da Atenção Básica. A análise do processo de trabalho médico, por sua vez, tratou de identificar se houve mudanças nos objetos, meios de trabalho utilizados pelos profissionais e formas de organização do trabalho, antes e durante a eclosão da pandemia da covid-19. As conclusões apontam que, apesar de o número de vagas ser insuficiente para atender as necessidades do município em relação à cobertura da Atenção Básica, o provimento e fixação de médicos por meio do Projeto Mais Médicos para o Brasil ampliou o acesso da população aos serviços e, consequentemente, ao atendimento de necessidades decorrentes da alta prevalência de doenças crônicas, desnutrição, violência doméstica e, mais recentemente, da pandemia da covid-19.
Palavras-chave: Atenção primária de saúde. Processo de trabalho médico. Programa Mais Médicos.
a Enfermeira. Mestre em Saúde Coletiva. Ibicaraí, Bahia, Brasil. E-mail: larissa.menezes82@hotmail.com b Médica. Doutora em Saúde Pública. Professora (aposentada) do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências. Docente do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: carment@ufba.br
Endereço para correspondência: Rua Monsenhor Gaspar Sadoc, n. 89, Condomínio Marazul, Edifício Itapoan, ap. 301, Costa Azul. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 41760-200. E-mail: carment@ufba.br
Abstract
This paper analyzes the challenges perceived by managers and professionals involved in the Mais Médicos Project regarding the provision and reorganization of the medical work process during the coronavirus pandemic in the municipality of Ilhéus, Bahia, Brazil, in 2020. Data was collected by means of a document review and interviews with the municipality’s health managers and four medical professionals hired by the project. Result analysis included the managers’ perception regarding medical supply in the municipality, as well as the monitoring, supervision, and evaluation of professional performance carried out by the Primary Care coordination. Analysis of the medical work process, in turn, tried to identify whether the objects, means of work used by professionals, and ways of work organization changed before and during the outbreak of the COVID-19 pandemic. The findings indicate that, despite the insufficient number of vacancies to meet the needs of the municipality in terms of Primary Care coverage, the provision and retention of physicians by the More Doctors for Brazil project expanded the population’s access to services and, consequently, to meeting needs arising from the high prevalence of chronic diseases, malnutrition, domestic violence, and, more recently, the COVID-19 pandemic.
Keywords: Primary health care. Medical work process. More doctors program.
PERCEPCIÓN DE GESTORES Y PROFESIONALES SOBRE EL PROYECTO “MÁS MÉDICOS PARA BRASIL” EN LA PANDEMIA DEL CORONAVIRUS EN UN MUNICIPIO DEL SUR DE BAHÍA
Resumen
El objetivo de este trabajo es analizar la percepción de los gestores y profesionales involucrados en el Proyecto Más Médicos sobre los desafíos de la prestación y reorganización del proceso de trabajo médico frente al escenario de la pandemia del coronavirus en el municipio de Ilhéus, en Bahía (Brasil), en 2020. Los datos se obtuvieron mediante la revisión documental y entrevistas con los gestores de salud del municipio y cuatro profesionales médicos contratados por el programa. El análisis de los resultados incluyó la percepción de los gestores sobre la prestación médica en el municipio, así como las acciones de seguimiento, supervisión y evaluación del desempeño de los profesionales realizadas por la coordinación de atención primaria. El análisis del proceso de trabajo médico, a su vez, trató de identificar si hubo cambios en los objetos, medios
de trabajo utilizados por los profesionales y formas de organización del trabajo antes y durante el estallido de la pandemia del Covid-19. Las conclusiones indican que, a pesar de que el número de plazas es insuficiente para satisfacer las necesidades del municipio en cuanto a la cobertura de la Atención Primaria, la provisión y fijación de médicos a través del Proyecto Más Médicos para Brasil amplió el acceso de la población a los servicios y, en consecuencia, la satisfacción de las necesidades derivadas de la alta prevalencia de enfermedades crónicas, la desnutrición, la violencia doméstica y, más recientemente, la pandemia del Covid-19.
Palabras clave: Atención primaria de salud. Proceso de trabajo médico. Programa Más Médicos.
A implementação da Política Nacional da Atenção Básica (PNAB) enfrenta um conjunto de desafios, tais como a insuficiente legitimidade social, o baixo grau de coordenação de cuidado e a integração com os demais serviços das redes de atenção, a necessidade de melhorar o acesso e os modos de cuidar nas unidades de saúde, a necessidade de formar, prover e fixar bons profissionais na Atenção Primária à Saúde (APS), a superação do subfinanciamento, entre outros1. Uma das críticas desse processo são os vazios assistenciais, isto é, a existência de locais que não provêm e fixam profissionais de saúde na Atenção Básica, em especial médicos, não garantindo acesso aos serviços básicos de saúde pela população2.
O esforço de garantir o provimento e fixação de médicos em áreas remotas, especialmente em municípios de pequeno porte no interior do país e nas periferias das grandes cidades, tem sido objeto de vários estudos e pesquisas3, que apontam a carência relativa desses profissionais, porquanto observa-se uma concentração de profissionais nas regiões, estados e municípios mais desenvolvidos econômica e socialmente. De fato, segundo o Ministério da Saúde4, o cenário existente no Brasil, entre 2011 e 2013, apresentava os seguintes aspectos: número de médicos por habitantes abaixo da média de países com padrão similar de desenvolvimento ao do Brasil, aos países com sistemas universais de saúde e aos 34 países da Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), médicos concentrados nas regiões metropolitanas e de maior renda mesmo nas grandes cidades, ausentes nas áreas de maior vulnerabilidade. Além disso, mais de 1.900 municípios possuíam menos de um médico para cada três mil habitantes na Atenção Básica, e o Brasil precisaria de 168.424 médicos, de acordo com a população atual, para alcançar o índice de países com maior cobertura assistencial pública (a exemplo do Reino Unido, do Canadá e da Austrália).
Nesse contexto, em 4 de fevereiro de 2013, a Frente Nacional dos Prefeitos do Brasil (FNP) lançou a campanha “Cadê o médico?”, e organizou uma petição reivindicando do Governo Federal5 medidas necessárias para a provisão de médicos nas diversas regiões do país. Mobilizado por essa questão, em 2013, o Governo Federal criou o Programa Mais Médicos (PMM), por meio da Medida Provisória 621, de 8 de julho de 2013, convertida na Lei 12.871, de outubro desse mesmo ano, estruturado em três eixos: (1) investimento na melhoria da infraestrutura da rede de saúde, particularmente nas unidades básicas de saúde, por meio do Programa Requalifica UBS; (2) ampliação e reformas educacionais dos cursos de graduação em medicina e residência médica no país; (3) o terceiro, intitulado “Projeto Mais Médicos para o Brasil” (PMMB), contemplou a provisão emergencial de médicos em áreas vulneráveis para ampliar a oferta de atenção médica na Atenção Primária à Saúde (APS) no Sistema Único de Saúde (SUS)6.
Vale destacar que o governo atual lançou, em agosto de 2019, o Programa Médicos pelo Brasil (PMPB) em substituição ao PMMB. Criado por meio da Medida Provisória 890/2019. Instituído por meio da Lei 13.958, de 18 de dezembro de 2019, esse programa tem o objetivo de redirecionar os médicos vinculados ao projeto para os locais com maior dificuldade de acesso e vulnerabilidade, além de formá-los em especialistas em Medicina da Família e Comunidade7.
A partir de 2020, com a emergência da pandemia da covid-19, declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) em 30 de janeiro de 2020, e, a partir de 3 de fevereiro de 2020, como Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) pelo Ministério da Saúde no Brasil, o MS estabeleceu o Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus (2019-nCoV), cujas medidas contemplam: (1) vigilância; (2) suporte laboratorial; (3) medidas de controle da infecção; (4) assistência; (5) assistência farmacêutica; (6) vigilância sanitária; (7) comunicação de risco; e (8) gestão. Entre as ações constantes do eixo da assistência, encontra-se a promoção e organização para atendimento aos casos de Síndrome Gripal e Síndrome Respiratória Aguda Grave, bem como a garantia de acolhimento, reconhecimento precoce e controle de casos suspeitos pelo novo coronavírus8.
Nesse cenário, entendemos que um dos maiores desafios tem sido a reorganização dos processos de produção de serviços e de gestão do trabalho em saúde no âmbito da APS, essencial para o enfrentamento da pandemia da covid-199. Segundo a Rede de Pesquisa em APS10, o fortalecimento da Atenção Primária e do SUS no enfrentamento da pandemia facilita a atenção e a orientação de toda população do país.
Nessa perspectiva, consideramos relevante investigar a percepção dos gestores de saúde e profissionais médicos sobre o processo de implementação do PMMB no contexto de pandemia. Este estudo, portanto, tem como objeto de pesquisa a Política de Provimento do MS, especificamente o PMMB, e buscou analisar, por meio da percepção dos gestores de saúde e profissionais médicos, os possíveis desafios e impactos da implementação desta política no cenário da pandemia, como contribuição para o debate em torno do fortalecimento da APS e da mudança do modelo de atenção à saúde no âmbito do SUS.
Trata-se de um estudo descritivo e exploratório, que adotou como referencial teórico a compreensão da dupla dimensão – assistencial e gerencial – do processo de trabalho médico, a partir da revisão dos estudos de Mendes Gonçalves11-13 e de textos da área de Gestão do Trabalho em Saúde14. Nessa perspectiva, o trabalhador é percebido como sujeito e agente transformador de seu ambiente, e não apenas um mero recurso humano realizador de tarefas previamente estabelecidas pela administração local, gozando de uma autonomia relativa para adequar seu processo de trabalho às condições materiais e às circunstâncias históricas e institucionais em que atua15
Por outro lado, a escassez e a má distribuição dos trabalhadores de saúde, a inadequação dos perfis profissionais às necessidades dos serviços, bem como a precarização das relações de trabalho no setor e ausência de compromisso de grande parte dos profissionais e trabalhadores de saúde para com o SUS, são considerados “nós críticos” do processo de mudança da gestão e da atenção à saúde no país14. A análise das condições em que vem sendo implementado o PMMB em um município específico, como é o caso de Ilhéus, portanto, pode ilustrar tanto as dificuldades e limitações que vêm sendo enfrentadas como as respostas que os gestores e profissionais médicos têm dado a estas dificuldades e limitações.
Com base nesse referencial, esse estudo partiu da análise da percepção dos gestores acerca do processo de implantação do PMMB no município, incluindo a definição das necessidades de médicos para o município, se estas necessidades foram atendidas com o provimento médico fornecido pelo PMPB, em número e tipo, ou seja, em termos quantitativos (número de médicos solicitados), e perfil profissional dos médicos (clínicos gerais, pediatras, especialistas de outras especialidades etc.), bem como as características dos agentes (médicos) e do processo de trabalho que desenvolvem nas unidades básicas do município, analisando sua percepção acerca da finalidade do trabalho, do objeto, instrumentos e atividades que realizam.
Os sujeitos da pesquisa foram os gestores de saúde do município de Ilhéus (BA), a saber, secretário de saúde, diretora da atenção básica, diretora de planejamento e os médicos
participantes do PMMB. Para identificação dos sujeitos que preencheriam os critérios de inclusão da pesquisa, foi realizado contato pessoal, via telefone e/ou e-mail, com a Secretaria Municipal de Saúde e/ou com o coordenador da atenção básica, esclarecendo sobre a proposta da pesquisa. O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA (CEP-ISC), sob o parecer número 4.680.896. Uma cópia do projeto foi enviada para a Secretaria de Saúde do município em estudo, solicitando-se autorização para o levantamento documental.
A produção de dados foi feita com base em análise documental (dados secundários) e entrevistas (dados primários) aos sujeitos da pesquisa, acima indicados. Foram realizadas sete entrevistas semiestruturadas, sendo quatro com profissionais médicos participantes do PMMB e três com gestores de saúde do município de Ilhéus (BA). Para as entrevistas, foram empregados roteiros semiestruturados com perguntas gerais sobre a trajetória profissional dos gestores de saúde e dos profissionais médicos e perguntas específicas sobre o PMMB e o sobre o enfrentamento ao coronavírus e covid-19. As entrevistas foram realizadas entre as datas de 19 de maio a 28 de maio de 2021, sendo gravadas, após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelos entrevistados.
A análise de dados foi desenvolvida em dois momentos: (1) análise documental por meio de uma matriz de dados, preenchida de acordo com a extração de informações relativas ao PMMB; (2) análise das respostas das entrevistas com base em uma matriz contendo os trechos das respostas dos entrevistados às perguntas efetuadas, contemplando: (1) percepção dos gestores acerca do provimento médico proporcionado pelo PMMB no município em 2020 e dos mecanismos de gestão do trabalho acionados para o monitoramento e avaliação do desempenho dos médicos do PMMB no município, antes e durante a pandemia da covid-19; (2) percepção dos médicos entrevistados acerca de sua atuação nas unidades básicas do município de Ilhéus em 2020, levando-se em conta o período anterior à pandemia e as mudanças que podem ter ocorrido na organização do processo de trabalho no contexto da pandemia.
PERCEPÇÃO DOS GESTORES DE SAÚDE SOBRE PROVIMENTO DOS MÉDICOS
PELO PMMB EM ILHÉUS
As entrevistas com os gestores permitiram identificar que, de um modo geral, o processo de implantação do PMMB no município de Ilhéus (BA) se deu por meio de manifestação de interesse do ente federativo por meio de celebração de termo de adesão e compromisso
junto ao Ministério da Saúde. Ainda que não detalhem como se deu, de fato, esse processo, os trechos das falas colocados abaixo confirmam a participação da Secretaria Municipal de Saúde de Ilhéus, atendendo à chamada do edital publicado pelo MS:
“A implantação do Mais Médicos no município de Ilhéus se deu pelas portarias do Ministério da Saúde.” (Gestor 1).
“Então, assim, os participantes do Projeto Mais Médicos para o Brasil se deram através de chamada pelo edital da Secretaria de APS, do ano vigente.” (Gestor 2).
Observou-se também que o gestor, à época, não pôde decidir pelo quantitativo de provimento tendo em vista que o programa estabeleceu critérios de vagas conforme disposições das legislações. A partir dos trechos das falas, nota-se que o quantitativo de vagas disponibilizadas, atualmente, pelo PMMB para o município de Ilhéus não é suficiente para atender às necessidades do município, evidenciando a permanência de um problema crônico de escassez de profissionais médicos na rede básica dos municípios de médio porte do interior do estado da Bahia, problema ainda mais grave nos pequenos municípios, não só na Bahia, mas no Brasil como um todo.
“A gente gostaria de dobrar o número, principalmente nas zonas rurais onde tem algumas unidades mais distantes, a gente sente uma necessidade.” (Gestor 3).
AVALIAÇÃO GERAL DO PMMB E MUDANÇAS OBSERVADAS NA APS COM A ADESÃO AO PMMB
Apesar da insuficiência quantitativa de médicos alocados no município de Ilhéus pelo PMMB, as falas dos gestores entrevistados são unânimes em reconhecer a importância do programa e especialmente da atuação dos profissionais para a melhoria da atenção à saúde da população nas áreas cobertas. Observa-se, assim, uma avaliação positiva do trabalho desses profissionais, especialmente no que se refere ao acolhimento, humanização e estabelecimento de vínculo com a população assistida.
“O Programa Mais Médicos para o município de Ilhéus realmente tem grande valia. Principalmente pela qualidade do programa, porque assim, nas supervisões que tenho feito nas áreas, percebo a felicidade da comunidade. A questão do acolhimento, da humanização, de o médico estar mais próximo do paciente através das atividades que são desenvolvidas no próprio Programa Mais Médicos.” (Gestor 1).
Chama a atenção, inclusive, o destaque que é dado, na fala de alguns dos gestores entrevistados, ao cumprimento da carga horária por parte dos médicos do programa.
“Acredito que o programa Mais Médicos dentro de Ilhéus é um divisor de águas, de posturas, de ações e serviços, porque é justamente aquilo que falei a continuidade do cuidado e a longitudinalidade do cuidado, a comunidade cria um vínculo com o profissional e ela tem não só a confiança, mas ela tem esse profissional como um membro próximo da família uma vez que se reportam o tempo todo e quando a gente vai na comunidade, vai fazer a supervisão, você observa pelos relatos que são só elogios, então existe um vínculo não só do médico com a comunidade, mas do médico com a equipe que são coisa que a gente não observa no cotidiano dos profissionais que atuam fora do programa.” (Gestor 2).
Percebeu-se, durante as entrevistas, em falas semelhantes dos gestores, que a alocação dos profissionais médicos participantes do PMMB foi essencial para a reorganização da Atenção Básica no município.
“O impacto foi grande, doutora. Na verdade, foi um impacto que nós tivemos logo de imediato. Primeiro nós tínhamos Unidades que não conheciam esse Programa. Várias comunidades. Com a chegada do Mais Médicos, a gente percebe que houve mais uma questão de segurança no atendimento. E a Atenção Básica, por ela ser a porta de entrada do usuário, e um dos grandes objetivos da Atenção Primária é filtrar os fluxos, mais leve e o mais grave para serem encaminhados para alta e média complexidade, isso dignificou muito o trabalho do Mais Médicos dentro das comunidades.” (Gestor 1).
Pelo exposto, parece haver, na percepção dos gestores do município, um entendimento da importância e relevância do PMMB para a implementação do processo de trabalho médico no âmbito da Atenção Básica, que se coaduna com os princípios e diretrizes que fundamentam as propostas de mudança no modelo de atenção à saúde no SUS.
MÉDICOS DO PMMB
A percepção geral dos gestores acerca do processo de trabalho do médico do PMMB na APS aponta a melhoria da qualidade da atenção prestada aos usuários em todos os ciclos de vida, com destaque para a visita domiciliar.
“A visita domiciliar, por exemplo, serviu até de referência quando a gente passou a fazer reunião com os médicos que não eram do programa porque eles achavam que eles sempre tinham que fazer a visita com a equipe toda, médico, enfermeiro, técnico, todo mundo. E o médico do programa Mais Médicos não, ele trouxe esse olhar diferenciado, ele vai fazer a visita como membro da equipe ou não.” (Gestor 2).
Os gestores também relataram que, mesmo no contexto de pandemia do novo coronavírus, os profissionais do PMMB mantiveram o compromisso e responsabilidade com a comunidade e se envolveram diretamente na execução de atividades de atenção aos casos suspeitos e confirmados de covid-19. Apesar disso, os gestores entrevistados também apontaram as dificuldades que enfrentaram para reorganizar e adaptar a rede de serviços ao contexto da pandemia, considerando que, ao mesmo tempo em que tinham que prestar atendimento aos suspeitos e casos de covid-19, precisavam prevenir a contaminação dos profissionais e trabalhadores de saúde e, ademais, manter, em paralelo, os demais serviços de rotina, o que significou um desafio para as Equipes de Saúde da Família e para os gestores municipais.
“[…] esse vírus chegou de uma forma agressiva dentro da comunidade e até mesmo inesperada, porque nós não conhecíamos, não tínhamos ciência do que é o covid-19. Então assim, houve alguns entraves em relação a visita domiciliar: não adentrar, na casa da família; manter um distanciamento entre todos de 1 metro e meio a 2 metros, mas não ficou sem ir à localidade.” (Gestor 2).
DO PMMB
As respostas dos gestores entrevistados acerca do monitoramento e avaliação do desempenho dos médicos do PMMB apontaram mudanças do processo antes e durante a pandemia, no entanto, foi unânime o reconhecimento da importância do acompanhamento e monitoramento tanto pelo município como pela supervisão do Ministério da Educação (MEC).
“Antes a supervisão era mais frequente, era mais efetiva, inclusive durante a supervisão tinha um momento com o município, com os coordenadores, com as pessoas ligadas até mesmo com os gestores, tinha esse momento de avaliação para que pudesse ter uma percepção do que os supervisores regionais tinham visto.” (Gestor 2).
Um aspecto que chamou a atenção, ainda no que se refere à supervisão dos médicos do PMMB, foi a demanda dos gestores pelo compartilhamento dos relatórios produzidos durante as supervisões do MEC com o secretário de saúde.
“Agora, uma coisa que eu sinto é que a avaliação desses médicos o secretário não tem o retorno, eu digo que o responsável não tem, mas eu sinto que falta um relatório para que a gente possa trocar figurinhas, ninguém sabe mais que o outro, mas é aquele negócio, a gente gostaria até para talvez interferir no processo, só sinto essa falta dos relatórios que precisaria ter nomes, mas eu acho que assim de forma sucinta poderia ser compartilhado com o secretário.” (Gestor 3).
O objeto de trabalho dos médicos do PMMB, segundo a percepção apontada pelos entrevistados, abarca um conjunto de problemas e necessidades de saúde apresentadas pela população atendida nas unidades básicas onde eles atuam. Assim, fazem referências aos problemas mais comuns, e apontam o que poderíamos considerar como determinantes destes problemas, relacionados com as condições de vida, especialmente as carências em termos socioeconômicos, a falta de saneamento básico, precárias condições de moradia, e mesmo problemas sociais, a exemplo da violência doméstica.
“Os mais comuns seriam as doenças crônicas, que seria o nosso dia a dia. Hipertensão, diabetes, é o mais corriqueiro né. Aquela coisa básica, que eu já com 10 anos de formada não encontrava muito que é a desnutrição, eu tenho encontrado. Verminose, uma grande quantidade, imensa, de verminose para estar tratando. Agora a desnutrição e a gestação na adolescência também, que é uma coisa que me deixa um pouco tensa. Violência doméstica, eu tive um caso de feminicídio o ano passado.” (Médico 1).
Além dos problemas socioeconômicos da população que influenciam negativamente as condições de saúde dos usuários, também foi destacado pelos profissionais a dificuldade enfrentada pelos pacientes no acesso e continuidade do cuidado (consultas e acesso a medicamentos), além da insuficiência de recursos humanos, especialmente o reduzido número de agentes comunitários de Saúde.
“Hoje acho que o maior problema que a gente vem enfrentando é a dificuldade dos pacientes de conseguirem algumas consultas com especialistas, dificuldade em conseguir acesso aos medicamentos que vem faltando, acho que esses são os principais problemas.” (Médico 2).
Seguindo a análise dos elementos que compõem o processo de trabalho médico, novamente encontramos uma percepção bastante genérica, com referências restritas à “formação em saúde da família”, aos “cadernos da Atenção Básica”, e, muito superficialmente, uma menção ao trabalho em equipe e outra ao “apoio” do agente comunitário.
“Mas temos também o agente comunitário de saúde com quem nós apoiamos muito e falamos sobre a questão de, como eles estão mais em contato com a população, nos apoiarem mais, fazendo algum tipo de atualização das distintas formas de como prevenir e como promover saúde.” (Médico 4).
“Os cadernos da Atenção Básica também, eu gosto bastante daqueles caderninhos, as diretrizes da Atenção Básica.” (Médico 1).
“[…] é fundamental a inter-relação entre nós para poder dobrar o nosso objetivo.” (Médico 3).
Apesar da limitação das respostas, é importante destacar que, além do conhecimento adquirido na formação acadêmica, os entrevistados citaram como “instrumento” utilizado no cotidiano do trabalho dos profissionais o vínculo estabelecido entre os profissionais (inter-relação) e com os usuários, o que pode evidenciar, inclusive, a valorização do diálogo como uma “tecnologia leve”, acionada na organização do trabalho da equipe e para o acolhimento e melhoria da qualidade do atendimento prestado à população.
NO
Considerando que a pandemia, e seu enfrentamento, impactam diretamente o processo de trabalho das equipes da Atenção Básica, tratamos de inquirir os médicos entrevistados acerca da rotina anterior à pandemia e às mudanças que ocorreram em seu processo de trabalho no contexto pandêmico. As respostas relativas ao período anterior apontam o seguinte:
“Antes era agendado, tinha um certo agendamento e um número específico para demanda espontânea. Deixava sempre um número específico de agendamento e o restante seria para essa demanda espontânea.” (Médico 1).
Com base nos relatos dos profissionais médicos, podemos dizer que, antes da pandemia, existia uma rotina assistencial característica da Estratégia Saúde da Família (ESF),
com a organização do processo de trabalho por demanda agendada e demanda espontânea, sala de espera temática e visita domiciliar.
Os relatos dos médicos entrevistados evidenciam que as equipes da ESF de Ilhéus tiveram que adotar rotinas assistenciais e processos de trabalho diferentes do “normal”.
“O que mudou: durante a pandemia, no início, como foram suspensos todos os atendimentos eletivos a gente ficou mais com as urgências, né, o atendimento das urgências. E aí, pouco tempo depois, a gente já começou a atender as gestantes, e aí passou só as gestantes permaneceram com agendamento como é até hoje.” (Médico 4).
Os entrevistados relataram o grande impacto do contexto pandêmico nas ações e serviços públicos desenvolvidos no âmbito da Atenção Básica. Na visão dos médicos entrevistados, as atividades rotineiras tiveram que parar devido à suspensão do transporte público, o que dificultou o deslocamento da equipe e da população em geral, além da necessidade de manter os protocolos recomendados de distanciamento social e evitar aglomerações.
“Na fase inicial, a prefeitura emitiu uma portaria com as normas de quais serviços deveriam ser suspensos e quais deveriam ser continuados, então foi suspensa as atividades coletivas.” (Médico 2).
A partir dos trechos das falas nota-se que o quantitativo de vagas disponibilizadas, atualmente, pelo PMMB para o município de Ilhéus, não é suficiente para atender as necessidades do município, evidenciando a permanência de um problema crônico de escassez de profissionais médicos na rede básica dos municípios de médio porte do interior do estado da Bahia, problema ainda mais grave nos pequenos municípios, não só na Bahia, mas no Brasil como um todo.
Desse modo, a garantia do direito ao acesso a serviços de Saúde, especialmente de Atenção Básica, em quantidade e qualidade coerentes com as necessidades de saúde da população, atrela-se às medidas estruturantes do PMM, que, ademais do provimento médico, incluíam a ampliação de vagas e criação de novos cursos de medicina, implementação de políticas e planos de cargos, carreiras e salários para profissionais da saúde e melhorias na infraestrutura das unidades de saúde, em cumprimento das diretrizes e estratégias contidas na PNAB16.
Apesar disso, parece haver, na percepção dos gestores do município, um entendimento da importância e relevância do PMMB para a implementação do processo de
trabalho médico no âmbito da Atenção Básica, que se coaduna com os princípios e diretrizes que fundamentam as propostas de mudança no modelo de atenção à saúde no SUS, especialmente no que se refere à melhoria da qualidade da atenção básica, em termos de acolhimento, qualidade e humanização do cuidado prestado à população17-19
Nessa perspectiva, cabe reafirmar o que for disposto na PNAB20, segundo a qual a Atenção Básica deve ser o primeiro lugar de cuidado e atenção às necessidades do usuário e pode resolver em torno de 85% dos problemas de saúde da população, mas para isso deve estar centrada no usuário, de modo que o atendimento eficiente possa minimizar retornos constantes do cliente à unidade de saúde, longas esperas por marcações de consultas e até mesmo busca por serviços particulares.
Ademais, considerando a necessidade de contenção da epidemia, é importante destacar que um dos mecanismos cruciais é a implementação de ações de vigilância com o objetivo de detectar o maior número possível de casos, rastreamento dos contatos, implementação de ações de controle e acompanhamento dos casos leves, como também ações de educação para saúde na perspectiva do autocuidado9. Tais ações são de responsabilidade da APS, por ter maior chance de êxito quando orientadas por profissionais e trabalhadores de saúde que atuam próximos à comunidade, o que tem exigido a rápida reorganização dos serviços de saúde e a estruturação de fluxos de atenção21.
De fato, ao colocar o cotidiano da população como ponto central do cuidado em relação à covid-19, esse processo inclui a prevenção por meio de ações de educação em saúde, a realização de testes, a vacinação, a detecção precoce dos casos e controle dos contatos, o tratamento e acompanhamento dos casos confirmados e das eventuais complicações e sequelas, constituindo, assim, um enorme desafio, que demanda a reorganização dos processos de trabalho das equipes de APS e da própria dinâmica da rede de serviços de base territorial22
Este trabalho, embora padeça das limitações de um estudo de caso único, realizado em um município de médio porte do interior do estado da Bahia, aponta que o provimento e a fixação de médicos na Atenção Básica, por meio do PMMB, vêm garantindo avanços importantes no que concerne a melhorias na Atenção Básica de Saúde, no acesso à rede e à humanização do cuidado.
Além disso, considerando-se o contexto atual de enfrentamento da pandemia da covid-19 e o processo de reorganização da Atenção Básica, torna-se ainda mais premente a necessidade de expansão quantitativa e qualificação técnica dos profissionais e trabalhadores de
saúde, inclusive a incorporação nas ações de Vigilância em Saúde, não apenas os médicos, mas todos que compõem as equipes de Saúde da Família, de modo a se configurar uma estratégia potente de enfrentamento e controle da pandemia.
Desse modo, concluímos apontando a necessidade de continuidade e expansão dos estudos dessa natureza, que possam aprofundar a análise das mudanças necessárias no processo de trabalho médico, especialmente tendo em vista a Educação Permanente destes profissionais e a incorporação de tecnologias adequadas à realização do seu trabalho nas condições adversas em que se encontra o sistema público de saúde, o SUS, e a população em geral.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Larissa Pimentel Costa Menezes Silva e Carmen Teixeira.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Larissa Pimentel Costa Menezes Silva e Carmen Teixeira.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Larissa Pimentel Costa Menezes Silva e Carmen Teixeira.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Larissa Pimentel Costa Menezes Silva e Carmen Teixeira.
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Recebido: 19.1.2022. Aprovado: 8.3.2022. Publicado: 7.7.2022.
Eliana Barbosa Pereiraa
https://orcid.org/0000-0003-0105-5567
Catharina Leite Matos Soaresb
https://orcid.org/0000-0002-8131-4831
Resumo
Este artigo analisou as facilidades, dificuldades, ações e estratégias utilizadas na prática da supervisão acadêmica do Projeto Mais Médicos para o Brasil (PMMB) no estado da Bahia. Os dados foram produzidos por meio dos relatórios do sistema WebPortfólio pertencente à Universidade Aberta do Sistema Único de Saúde (UNA-SUS) e de entrevistas com os supervisores vinculados às instituições incluídas no programa. Os resultados demonstraram que a obrigatoriedade em ser supervisionado, o deslocamento para municípios distantes, a resistência dos médicos em relação à avaliação de suas condutas técnicas, as fragilidades da comunicação entre as coordenações estaduais e nacionais em relação à inabilidade técnica e o descumprimento de regras do programa são pontos que dificultam a supervisão acadêmica. A possibilidade de incluir as equipes na execução da supervisão da modalidade in loco foi considerada um facilitador. A supervisão longitudinal é favorecida por ser realizada coletivamente. Temas relacionados ao processo de trabalho, ao regramento do programa e relacionados às atividades dos ciclos formativos eram mais recorrentes entre os médicos diplomados no Brasil. Quanto à realização de discussões clínicas e científicas sobre temas relevantes ao aperfeiçoamento das ações em Atenção Básica, percebe-se que eram priorizadas entre médicos cubanos, intercambistas individuais e médicos brasileiros diplomados no exterior. Este estudo trouxe a reflexão de que o contexto da pandemia pelo
a Psicóloga. Mestre em Saúde Coletiva com concentração em Gestão de Sistemas de Saúde, ênfase em Trabalho e Educação em Saúde. Gestora de Campo no Projeto Cuida APS (Proadi-SUS/Haoc). Analista de Tutoria no Projeto Saúde Mental na APS (Proadi-SUS/SBIBAE). Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: eliana.barbosapsi@gmail.com b Odontóloga. Mestre em Saúde Coletiva. Doutora em Saúde Pública. Professora Adjunta do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia. Docente do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: clms@ufba.br
Endereço para correspondência: Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia. Rua Basílio da Gama, s/n, Canela. Salvador, Bahia, Brasil. CEP:40110-040. E-mail: clms@ufba.br
novo coronavírus trouxe impactos para a supervisão acadêmica. Além disso, a instabilidade política em torno do governo federal implicou uma descontinuidade na construção das diretrizes e dos espaços formativos, acarretando fragilidades na supervisão acadêmica.
Palavras-chave: Atenção Básica. Mais Médicos. Supervisão.
ACADEMIC SUPERVISION WITHIN THE MAIS MÉDICOS PARA O BRASIL PROGRAM IN BAHIA: FACILITIES, CHALLENGES AND STRATEGIES FOR PEDAGOGIC INTERVENTION
Abstract
This paper analyzes the facilities, difficulties, actions and strategies used by academic supervision within the Mais Médicos para o Brasil Program (PMMB) in the state of Bahia, Brazil. Data were collected by means of reports available in the WebPortfólio system, from the Open University of the Unified Health System (UNA-SUS), and interviews conducted with advisors linked to the institutions included in the program. Results show that the compulsory supervision, displacement to distant municipalities, the physicians’ resistance towards an evaluation of their technical conducts, the communication gaps between the state and national coordinations regarding technical inability, and non-compliance with program rules are factors that hinder academic supervision. The possibility of including teams in on-site supervision was considered a facilitator. Longitudinal supervision is favored because it is carried out collectively. Brazilian physicians often look at themes related to the work process, program regulation and the activities developed in training cycles. In turn, clinical and scientific discussions on topics relevant for improving Primary Care actions were by Cuban doctors, individual exchange students and Brazilian doctors graduated abroad. This study demonstrates that the pandemic caused by the new coronavirus interfered with academic supervision. Moreover, the political instability surrounding the federal government generated discontinuities in the development of guidelines and training spaces, leading to gaps in academic supervision.
Keywords: Primary Care. More Doctors. Supervision.
LA SUPERVISIÓN ACADÉMICA DEL PROYECTO MÁS MÉDICOS PARA BRASIL EN BAHÍA:
INSTALACIONES, DESAFÍOS Y ESTRATEGIAS EN INTERVENCIÓN PEDAGÓGICA
Este artículo analizó las facilidades, dificultades, acciones y estrategias utilizadas en la práctica de la supervisión académica del Proyecto Más Médicos para Brasil (PMMB) en el estado
de Bahía. Los datos fueron recogidos de informes en el sistema WebPortfólio de la Universidad Aberta do Sistema Único de Saúde (UNA-SUS) y de entrevistas a supervisores vinculados a las instituciones incluidas en el programa. Los resultados demuestran que la obligación de ser supervisado; el desplazamiento hacia municipios lejanos; la resistencia de los médicos con relación a la evaluación de sus conductas técnicas; las debilidades con relación a la comunicación entre las coordinaciones estatales y nacionales respecto a la incapacidad técnica y el incumplimiento de las normas del programa son los puntos que dificultan la realización de la supervisión académica. Se consideró como facilitadora la posibilidad de incluir a los equipos en la ejecución de la supervisión en la modalidad in loco. Se favorece la supervisión longitudinal porque se lleva a cabo de forma colectiva. Los temas relacionados con el proceso de trabajo, las reglas del programa y las actividades de los ciclos de formación fueron los más recurrentes entre los médicos egresados de las facultades de medicina de Brasil. En cuanto a la realización de discusiones clínico-científicas sobre temas relevantes para el perfeccionamiento de las acciones en la Atención Primaria, se aprecia que fueron priorizadas entre médicos cubanos, estudiantes de intercambio y médicos brasileños graduados en el exterior. Este estudio plantea la reflexión de que el contexto de la pandemia provocada por el nuevo coronavirus trajo impactos a la supervisión académica. Además, la inestabilidad política en torno al gobierno federal implicó una discontinuidad en la construcción de lineamientos y espacios de formación, conllevando debilidades a la supervisión académica. Palabras clave: Atención Primaria. Más Médicos. Supervisión.
O Projeto Mais Médicos para o Brasil (PMMB) foi criado em 2013 pela Lei 12.871¹, com o objetivo de suprir a escassez de médicos nas equipes de saúde da família e efetivar a universalização do acesso da população aos serviços de saúde, sobretudo aos cuidados primários. Entre as ações previstas para a consecução dos objetivos do PMMB, destaca-se o fomento ao aperfeiçoamento dos médicos da Atenção Básica nas regiões prioritárias do Sistema Único de Saúde (SUS), mediante integração do ensino, do serviço e da comunidade, inclusive por meio do intercâmbio internacional¹. O Projeto Mais Médicos para o Brasil foi instituído no âmbito do Programa Mais Médicos (PMM), implicando o provimento médico emergencial para os municípios com escassez desse profissional. Sua coordenação fica a cargo dos Ministérios da Educação e da Saúde, responsáveis pelo regramento e pela gestão da participação das Instituições de Educação Superior (IES). Nesse caso, o médico participante do Projeto Mais
Médicos se envolve em processos de aperfeiçoamento profissional na perspectiva da Educação
Permanente em Saúde (EPS), por meio da supervisão acadêmica e dos ciclos formativos ofertados pelo Ministério da Educação e da Saúde, respectivamente.
A supervisão é composta pelo supervisor acadêmico (médico selecionado pela Instituição Supervisora (IS)) e pelo tutor acadêmico (médico indicado e vinculado à IS). Esse controle tem como objetivos: fortalecer a Política de Educação Permanente em Saúde, integrar o ensino ao serviço na atenção básica, formar profissionais nas redes de atenção à saúde e articular os eixos educacionais (ciclos formativos) do projeto. Para tanto, é previsto a periodicidade de encontros presenciais (in loco e locorregional) e remotos (longitudinal)².
O PMMB tem sido objeto de estudo em vários trabalhos. Entre os trabalhos que discutem a supervisão acadêmica, podemos encontrar análises que abordam o componente pedagógico, bem como trabalhos que discutem o eixo de formação do PMMB3, os ciclos formativos4,5 e a mudança curricular dos cursos de graduação em medicina, a partir do PMMB6-8.
Entretanto, ainda são poucos os trabalhos sobre essa temática e a dimensão da prática de supervisão não foi explorada. Dessa forma, este artigo tem o objetivo de analisar as facilidades e dificuldades encontradas nas práticas de supervisão do PMMB no estado da Bahia, bem como analisar as ações e estratégias utilizadas pelos supervisores para o desenvolvimento dessa prática. Ressalta-se que, a partir de elementos da realidade, a supervisão acadêmica permite levantar hipóteses de soluções para os problemas encontrados, revendo os processos, refletindo teoricamente e experimentando novas estratégias para enfrentar os desafios da consolidação da Atenção Primária no país.
Realizou-se uma pesquisa exploratória, descritiva, com abordagem qualitativa, cujo objeto foi a supervisão acadêmica do PMMB no estado da Bahia, no período de 2020 a 2021. Segundo Taquette e Minayo9, a pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, possui significativa relevância para responder questões que se apresentam no cotidiano da prática assistencial médica. Incluiu-se no estudo dois supervisores vinculados a cada tutor das IS apoiados pela instituição pesquisadora, tais como:
Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, Universidade Federal do Oeste da Bahia, Universidade Federal do Vale do São Francisco da Bahia. Como critério de inclusão, visando possibilitar uma análise consistente, foram considerados tanto supervisores com vínculo acadêmico e, portanto, docentes; quanto supervisores sem vínculo acadêmico. Destaca-se que a escolha dos supervisores para participação na pesquisa foi aleatória, totalizando 12 supervisores.
Os dados foram produzidos por meio da análise documental e, para tanto, foram utilizados quatrocentos relatórios de supervisão publicados pelos supervisores incluídos na pesquisa no sistema WebPortfólio UNA-SUS, durante o ano de 2019. A escolha desse período se justifica pelo fato de que em 2019 se formou o atual quadro de tutores e supervisores, além da instituição pesquisadora ter atuado como apoiadora no estado, durante o referido ano. As informações produzidas pela análise documental foram complementadas por entrevistas parcialmente estruturadas com os supervisores selecionados. Devido ao contexto de pandemia pelo novo coronavírus (covid-19), as entrevistas foram realizadas por meio de ferramentas tecnológicas síncronas disponibilizadas pelo Ministério da Educação (MEC) para as atividades telepresenciais. Complementaram-se, ainda, os dados por meio de observação direta, cujos registros foram feitos em diário de campo. Os dados obtidos pelas distintas fontes foram processados em matrizes analíticas produzidas pela autora e cotejados de modo a analisar as facilidades e dificuldades, bem como as estratégias pedagógicas adotadas pelos supervisores do PMMB na prática da supervisão acadêmica no estado da Bahia.
O projeto de investigação foi aprovado pelo parecer 4.681.213 pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, com base na Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde10, em que todos os participantes da pesquisa foram informados dos objetivos e estratégias metodológicas, assim como esclarecidos sobre a liberdade de optar por não participar da pesquisa. Para isso, foi utilizado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Neste estudo, os participantes foram identificados pela letra S e um número, com o objetivo de preservar a privacidade dos entrevistados.
FACILIDADES E DIFICULDADES ENCONTRADAS NAS PRÁTICAS DE SUPERVISÃO DO PMMB
Entre as dificuldades encontradas na prática da supervisão acadêmica, houve concordância entre alguns supervisores de que a obrigatoriedade da supervisão representava um problema devido à resistência dos médicos em serem supervisionados por um colega de profissão, sugerindo a falta de compromisso dos médicos com a supervisão acadêmica.
“Eu sinto que os colegas participam da supervisão porque são obrigados senão eles não fariam.” (S2).
“Uma dificuldade é ser uma atividade compulsória. Compulsória em que sentido?
O médico não pode fazer parte do Mais Médicos sem estar submetido à uma supervisão.” (S7).
Além disso, durante a execução da supervisão in loco, também foi identificado como dificuldade o deslocamento dos supervisores para municípios de difícil acesso.
“Antigamente a maior dificuldade era as distâncias, às vezes para você fazer uma supervisão rodava mais de 200 km por dia, então isso dificultava muito a supervisão.” (S10).
“Da supervisão anterior, in loco, a maior dificuldade era quando eu ia para os municípios distantes, a dificuldade era o acesso até às unidades, porque são unidades distantes de acesso ruim, estrada ruim, então realmente a maior dificuldade era essa.” (S4).
Ademais, a definição de uma agenda comum entre os médicos do PMMB e médicos supervisores também apareceu como um empecilho no material empírico da pesquisa.
“No formato in loco a dificuldade é o malabarismo que a gente tem que fazer para encaixar as agendas. No in loco, eu tinha que encaixar a agenda quando eles estavam na unidade e não estavam fora, e não era reunião de equipe e nem visita domiciliar, então esse encaixe aí era bem complexo e acabava reduzindo as possibilidades […]. No EaD tem dificuldades com as agendas também, mas aí a gente tem alguma facilidade por causa do computador.” (S5).
A pesquisa também revelou disputas internas entre os dois atores sociais médicos, notadamente os trabalhadores do PMMB e os supervisores. Nesse aspecto, percebe-se a resistência dos profissionais do programa em ter sua conduta clínica avaliada por um colega de profissão.
“Tem algum grau de resistência no campo do corporativismo médico, eu vejo que nem sempre é confortável para os supervisores e para os supervisionados, dependendo da forma como a gente chega e de como eles enxergam que é esse nosso papel, em fazer e aceitar ponderações em relação às condutas deles.” (S5).
Na execução da supervisão longitudinal, o fato de os supervisores não dialogarem com as equipes médicas e não conhecerem – in loco – as unidades de saúde em que os médicos estão atuando apareceu como dificultador para a execução da supervisão. Também foi identificada uma passividade dos médicos durante essa modalidade de supervisão.
“Eu tenho pedido para eles trazerem casos clínicos, mas é uma coisa bem complicada, não sei, eles nunca têm um caso para trazer […]. Eu acho que também esse formato assim de tela não é a mesma coisa de você discutir as coisas ao vivo, mas é o que se tem no momento. Eu acho que o meio eletrônico facilita e possibilita muitas coisas, mas a dificuldade mais é que tem pessoas que não se interessam muito em estar ali.” (S8).
Outro aspecto negativo apontado pelos entrevistados foram os encaminhamentos adotados pela coordenação estadual e nacional do PMMB sobre as demandas relatadas pelos médicos. Nesse caso, registraram-se a inabilidade técnica do médico e o descumprimento das regras do PMMB, por exemplo: o não cumprimento de carga horária, problemas na realização dos ciclos formativos, entre outros. Além disso, a comunicação inadequada entre os médicos do programa e o Ministério da Saúde apresentou-se como elemento de constrangimento da supervisão acadêmica, já que os médicos direcionavam seus problemas administrativos aos supervisores e eles, por sua vez, não tinham gerência sobre alguns processos, impossibilitando a articulação das demandas apresentadas com o Ministério da Saúde e, consequentemente, a resolução dos problemas, contribuindo, portanto, para o desinteresse dos médicos em relação à supervisão acadêmica.
“Uma questão que dificulta é eles quererem que eu resolva coisas que eu não tenho governabilidade para resolver, tipo uma bolsa, um salário que não recebeu, a coordenação da atenção básica tirou o dinheiro da alimentação que eles tinham, são coisas assim que chegam a mim a informação, mas de mim vai para onde se a minha supervisão é com o ministério da educação e não com o da saúde?” (S3).
“Eu acho que na prática, a supervisão agrega uma tarefa de escuta, uma tarefa de amparo ao processo de trabalho que extrapola às vezes só o papel do médico na atenção primária, então é uma escuta sobre a relação com a secretaria de saúde, dificuldade em relação aos eventuais problemas de inserção profissional, que versa mais sobre a contratação do profissional de saúde, às questões trabalhistas, do que eventualmente as ofertas educativas. Então talvez parte dos conflitos surja daí, porque os profissionais muitas vezes identificam na gente a escuta possível e acabam trazendo a demanda que formalmente foge da governabilidade prevista formalmente da supervisão acadêmica.” (S7).
Entretanto, houve relatos que consideraram essa questão como um elemento facilitador para o desenvolvimento da supervisão acadêmica.
“Por outro lado, no esvaziamento do lugar do governo federal para a gestão disso, em que essas demandas “não tem a quem se referir”, isso acaba sendo uma facilidade, contraditoriamente, porque o supervisor é o interlocutor, então há uma atratividade positiva, porque eu vou aproveitar o que eu tenho, se eu tenho ali o supervisor vou ali perguntar para ele tudo. A gente ajuda a processar isso na forma de uma escuta, e quando mais tem esse perfil de proximidade com a atenção primária, com problemas da rede etc., o supervisor tem mais capacidade de fazer essa interlocução, então isso é um facilitador, diria assim.” (S7).
Na modalidade de supervisão in loco, os supervisores identificaram como potencialidade a possibilidade de ter a equipe de saúde e os usuários dos serviços como interlocutores para a construção do conteúdo pedagógico a ser trabalhado com os médicos. O próprio processo de supervisão revelava a prática do médico no programa.
“Na modalidade in loco era uma facilidade poder visualizar o dia a dia deles, sabe, organização mesmo de sala de espera, porque é isso que eu fazia quando ia nas unidades acho que era bem mais útil, era bem mais produtivo porque a gente começava a dar umas ideias e trazer algumas sugestões mesmo, baseado no que a gente já viveu no programa de saúde da família, é diferente você não estar vendo o dia a dia deles.” (S3).
Já a modalidade longitudinal de supervisão foi vista pelos entrevistados como uma potencialidade, uma vez que possibilitou a ampliação da discussão dos casos e temas, bem como a participação de convidados especialistas envolvendo outros atores na prática de supervisão. Além disso, o fato de não estarem na unidade de saúde durante a supervisão permitiu que o médico estivesse mais disponível.
“A potencialidade é exatamente essa, você poder estar próximo ao médico, poder contribuir à educação e ao trabalho você consegue nesse tipo de supervisão. Diferente da supervisão presencial, onde você tem muito pouco tempo, você tem que visitar vários médicos, e tal, e nem sempre você consegue usar um tema
para você conseguir discutir, conversar, e tal, às vezes a equipe ou até mesmo os usuários interrompem a supervisão, reclamam da demora para o atendimento, o médico não se concentra na supervisão.” (S6).
O Quadro 1 sumariza as facilidades e as dificuldades encontradas pelos supervisores do programa na prática de supervisão, segundo os entrevistados do estudo.
Quadro 1 – Facilidades e dificuldades encontradas pelos supervisores do programa na prática de supervisão. Salvador, Bahia, Brasil – 2021
1 – Discussão com a equipe de saúde e os usuários dos serviços para a construção do conteúdo pedagógico a ser trabalhado com os médicos (na modalidade de supervisão in loco)
2 – Realização da supervisão de forma remota e coletiva com os supervisionados (na modalidade longitudinal);
3 – A possibilidade de convidar especialistas para debater os temas propostos (na modalidade longitudinal);
4 – Compulsoriedade da supervisão acadêmica;
5 – Deslocamento dos supervisores para municípios de difícil acesso;
6 – Confluência de agenda entre os supervisores e supervisionados;
7 – Corporativismo médico;
8 – Não discussão com a equipe sobre o processo de trabalho no território (na modalidade longitudinal);
9 – Passividade dos médicos durante a supervisão (modalidade longitudinal);
10 – Ausência de retorno quanto a encaminhamentos/ notificações dos supervisores para as coordenações estadual e federal;
11 – Não governabilidade dos supervisores em gerenciar questões administrativas;
12 – Fragilidade na comunicação entre os médicos participantes do programa e as referências técnicas do Ministério da Saúde.
O cotejamento dos dados produzidos por este estudo aponta que os supervisores apoiam os médicos participantes do PMMB de várias formas. Em alguns momentos, presencialmente e, em outros, por meio de ferramentas tecnológicas. Regularmente, a supervisão acontecia de forma presencial in loco. Os supervisores estavam presentes, mensalmente, e as visitas eram realizadas individualmente nas unidades de saúde de lotação dos médicos do programa. A partir de março de 2020, devido à pandemia do novo coronavírus (covid-19), as supervisões passaram a ser realizadas na modalidade longitudinal. Ou seja, de forma telepresencial e com a possibilidade de supervisão coletiva, modalidade que até então era autorizada apenas para a supervisão dos médicos atuando na região da Amazônia Legal,
que corresponde à área de atuação da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia, de acordo com o Manual da Supervisão Acadêmica. Em ambos os casos, os supervisores ficam disponíveis para o apoio pedagógico seja pelo telefone seja pela internet – sobretudo por meio de ferramentas assíncronas, a exemplo do WhatsApp –, realizando uma segunda opinião formativa, ou seja, respondendo as dúvidas dos médicos com base em evidências relacionadas aos problemas prioritários de Atenção Primária à Saúde (APS) ou relacionadas a outras atividades de formação do médico.
“A gente tem um grupo de WhatsApp em que a gente discute casos que o profissional está com dificuldade para atender quer seja por dificuldade para entender o fluxo, porque a rede está deficitária, ou porque não tem exame, enfim, a gente não sabe da clínica mesmo. Daí a gente vai opinando, olha eu já fiz isso e deu certo, olha, tenta entrar no fluxo de tal forma que aqui, enfim, então eu acho que eles se fortalecem muito como coletivo quando a gente faz esse espaço assim em grupo.” (S5).
Os resultados obtidos nesta pesquisa indicaram que, durante a execução da supervisão in loco, isto é, no período anterior à pandemia pelo novo coronavírus (covid-19), o deslocamento dos supervisores para municípios de difícil acesso se configurou como dificultador para a prática de supervisão acadêmica. Penha e colaboradores11 discutem que o provimento de médicos em locais com unidades de difícil fixação de profissionais é um dos objetivos do projeto, portanto, a gestão da supervisão acadêmica compreenderia uma estratégia de viabilização de recursos humanos em constante debate sobre a qualidade das estradas e rodovias, do deslocamento entre municípios, assim como o estudo de rotas e mapas, visto que essas questões impactavam no perfil da supervisão. A partir do desenho territorial de cada IS, os tutores organizavam a vinculação dos supervisores, conforme a distribuição dos médicos participantes no território. Nessa perspectiva, questões como gestão do tempo nos municípios, deslocamento entre cidades e demandas apresentadas pela equipe e pela gestão influenciavam na prática da supervisão acadêmica. Portanto, as evidências desta pesquisa demonstraram que a dificuldade em encontrar profissionais disponíveis para assumirem a supervisão nas regiões de difícil acesso resultou no processo de ativação de profissionais que residiam em regiões distantes dos locais de realização da supervisão acadêmica.
Os dados analisados revelaram que, entre os atores apresentados na pesquisa, há diferentes estratégias de supervisão para médicos formados no Brasil, médicos intercambistas e cooperados. Observa-se que as questões gerenciais, tal como o cumprimento da carga horária de trabalho e de estudo, são evidenciadas na supervisão de médicos formados no Brasil registrados no Conselho Regional de Medicina (CRM). Logo, esses médicos supervisionados são habilitados para atuação em áreas além da Atenção Primária à Saúde (APS). Contudo, profissionais intercambistas e cooperados que não passaram pelo processo de revalidação do diploma somente podem atuar com o Registro Único do Ministério da Saúde (RMS) na Atenção Primária à Saúde. Dessa forma, apesar de identificarem o descumprimento de regras do programa, tal como o descumprimento da carga horária e o uso do dia de estudo para plantões em outros dispositivos de saúde, essas questões quase não são indicadas nos relatórios de supervisão.A discussão de temas clínicos era priorizada, por alguns supervisores, entre médicos intercambistas e cooperados, visto que relataram lacunas na formação médica desses profissionais, bem como identificaram condutas não condizentes com a realidade brasileira. Cabe destacar que grande parte da classe médica se mobilizou contrariamente ao PMMB, principalmente em relação à contratação de médicos estrangeiros para trabalhar no Brasil sem a avaliação feita pelo exame de revalidação do diploma, o Revalida12.
A revalidação do diploma constituiu-se em um ponto polêmico do PMMB, apontado em vários trabalhos da literatura científica sobre o tema. Segundo Gusso12, até 2011, só era possível revalidar diplomas obtidos no exterior por meio de alguma universidade federal apta a realizar este processo. Consequentemente, a quantidade de médicos que conseguiram revalidar o diploma foi pequena e não contemplou a demanda, especialmente dos médicos brasileiros diplomados em países da América Latina. Talvez, por esse motivo, Shimizu et al.13 admitam que a supervisão acadêmica foi mais valorizada pelos médicos diplomados no exterior com formação e vivência em outras realidades, sobretudo pelos cooperados, visto que a supervisão acadêmica proporcionou apoio nas práticas clínicas e no reconhecimento do território.
Em outra direção, Postorivo 14 afirma que houve uma disputa política e midiática entre as Entidades Médicas (EI), em especial a Associação Médica Brasileira (AMB), o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Governo Federal, em relação à opinião pública, quanto à participação de médicos estrangeiros no PMMB sem revalidação do diploma. Observou-se que a grande mídia se posicionou contra o PMMB em vários aspectos, sugerindo tanto uma dúvida em relação à qualidade dos médicos cubanos quanto supostos interesses privados do Governo
Federal com Cuba. Segundo o autor, as EI defenderam um discurso discriminatório de exaltação aos médicos brasileiros, enquanto desqualificavam os médicos cubanos15. Essas referências encontram ressonâncias em posturas corporativas dos supervisores e médicos formados no Brasil. O embate visto na mídia coaduna com uma classe médica elitista e corporativista 16 cuja prática política representa presença constante entre grupos na defesa de interesses no Brasil17 Embora os movimentos sociais em curso no Brasil pressionem pela expansão dos serviços públicos de saúde, a lógica dos interesses coletivos não perpassa profissões como a medicina. Estudos corroboram tal argumento, já que seus resultados apontam que os rígidos vínculos corporativos determinam barreiras substantivas a qualquer processo reformador 17
O estudo revelou um conjunto de limites no processo de supervisão seja in loco ou longitudinal que dialoga com os problemas do próprio Sistema Único de Saúde em seus vários componentes18. Entretanto, acrescenta-se o componente ideológico oriundo do campo médico19, quando observadas as questões corporativas.
Por último, observando os temas tratados na supervisão acadêmica e as estratégias adotadas pelas práticas de supervisão dos supervisores, houve distinção e diversidade de acordo com a inserção dos supervisores no mercado profissional, sendo mais próximo dos princípios e das diretrizes da educação permanente em saúde 20 a prática de supervisão daqueles que atuam nas IES. Nesse ponto, o estudo de Penha et al.5 apresenta que a gestão da supervisão acadêmica pelas IS fortalece algumas ações estratégicas, como a ênfase na educação permanente e a integração ensino-serviço. Nessa perspectiva, os temas trabalhados na execução da prática da supervisão acadêmica abarcam a atenção, a gestão e a educação, no caso de alguns supervisores.
Os resultados deste estudo revelaram que a supervisão acadêmica apresentou diferentes limites e possibilidades, assim como inovação, por causa da pandemia de covid-19. Se, por um lado, a realização da supervisão acadêmica de forma coletiva entre o supervisores e supervisionados trouxe benefícios em relação ao debate dos temas propostos e troca de experiências entre os médicos; por outro, deixou de acompanhar in loco as atividades que favoreciam a integração ensino e serviço. Nesse particular, elementos como interconsulta, participação em reunião de equipe, visita domiciliar, entre outros foram descartados na prática da supervisão acadêmica dos supervisores do programa.
Como consequência, segundo os resultados desse estudo, a supervisão acadêmica deixa de interagir com a equipe de atenção básica e com o campo de prática e se restringe à interlocução com o médico supervisionado. Além disso, a descontinuidade na construção das diretrizes e espaços formativos para os tutores e supervisores acarretaram fragilidades na supervisão acadêmica.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Eliana Barbosa Pereira e Catharina Leite Soares Matos.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Eliana Barbosa Pereira e Catharina Leite Soares Matos.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Eliana Barbosa Pereira e Catharina Leite Soares Matos.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Eliana Barbosa Pereira e Catharina Leite Soares Matos.
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Recebido: 11.3.2022. Aprovado: 29.4.2022. Publicado: 7.7.2022.
DOI: 10.22278/2318-2660.2022.v46.n1.a3583
Catharina Leite Matos Soaresa
https://orcid.org/0000-0002-8131-4831
Carmem Fontes Teixeirab
https://orcid.org/0000-0002-8080-9146
David Ramos da Silva Riosc
https://orcid.org/0000-0003-2439-6161
Isabela Cardoso de Matos Pintod
https://orcid.org/0000-0002-1636-2909
A criação e implantação do Programa Mais Médicos (PMM), a partir de 2013, têm estimulado a realização de um conjunto de pesquisas sobre os diversos eixos temáticos – provimento médico, formação e supervisão acadêmica e melhoria da infraestrutura da Atenção Básica. Os estudos também abordam as discussões políticas em torno dos objetivos e das estratégias de implementação do programa, inclusive a contratação de médicos estrangeiros, aspecto polêmico que gerou a redefinição do PMM na conjuntura mais recente, com sua substituição pelo Programa Mais Médicos para o Brasil (PMMB). Este artigo apresenta os resultados de uma revisão da literatura sobre o programa, publicada nos últimos cinco anos, tratando de atualizar um mapeamento da produção científica sobre o PMM que cobriu o período de 2013 a 2016. O levantamento dos artigos mais recentes foi feito em duas bases de dados – Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e Plataforma de
a Odontóloga. Mestre em Saúde Coletiva. Doutora em Saúde Pública. Professora Adjunta do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia. Docente do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: clms@ufba.br
b Médica. Doutora em Saúde Pública. Professora (aposentada) do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências e Docente do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: carment@ufba.br
c Médico de Família e Comunidade. Mestrando em Saúde Coletiva na Universidade Federal da Bahia. Mestrando em Saúde da Família na Universidade Federal do Sul da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: david-rios@hotmail.com
d Mestre em Saúde Coletiva. Doutora em Administração. Professora Associada do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia. Docente do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. Salvador, Bahia, Brasil.
E-mail: isabela@ufba.br
Endereço para correspondência: Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia. Rua Basílio da Gama, s/n, Canela. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 40110-040. E-mail: isc@ufba.br
Periódicos Capes – tendo sido selecionados 135 artigos, que foram classificados e analisados segundo sua distribuição temporal, tipo de estudo e temas e subtemas abordados. Os resultados evidenciam a manutenção do interesse da comunidade científica da área de saúde pública/saúde coletiva em acompanhar e avaliar o processo de implementação desse programa, devido a sua importância estratégica no processo de fortalecimento e melhoria da qualidade da Atenção Básica de Saúde no Sistema Único de Saúde (SUS). Nessa perspectiva, são apontados os avanços e as dificuldades enfrentadas pelos gestores e profissionais envolvidos no processo de implantação, contribuindo, assim, para o aprofundamento do debate em torno das estratégias a serem acionadas e aperfeiçoadas.
Palavras-chave: Programa Mais Médicos. Política de saúde. Educação médica.
Abstract
Created and implemented in 2013, the Mais Médicos Program (PMM) has stimulated research on various thematic axes – medical provision, academic education and advisement, and improvement of Primary Care infrastructure. Studies also address the political discussions on the objectives and implementation strategies of the Program, including the hiring of foreign doctors, a controversial aspect that led to its redefinition in the most recent juncture and replacement by the Mais Médicos Program for Brazil (PMMB). This integrative review focuses on the literature produced about the program, published in the last five years, for a updated mapping of the scientific production on PMM which covered the period from 2013 to 2016. Literature search was carried out in the Virtual Health Library (VHL) and Periódicos Capes Platform databases, returning 135 articles that were selected, classified, and analyzed according to year of publication, type of study, and themes and subthemes addressed. Results show a recurring interest of the public health / collective health scientific community in monitoring and evaluating PMM’s implementation process, due to its strategic importance in the process of strengthening and improving the quality of SUS Primary Health Care. In this regard, they point out advancements and the difficulties faced by managers and professionals involved in the implementation process, thus furthering the debate on the strategies to be put into practice and improved.
Keywords: Mais Médicos Program. Health Policy. Education, Medical.
Resumen
La creación e implementación del Programa Más Médicos (PMM) a partir de 2013 ha promovido un conjunto de estudios e investigaciones sobre los diversos ejes temáticos –provisión médica, formación académica y supervisión, y mejoramiento de la infraestructura de la Atención Primaria. Los estudios también plantean discusiones políticas sobre los objetivos y estrategias de implementación del programa, incluida la contratación de médicos extranjeros, aspecto controvertido que llevó a la redefinición del PMM en la coyuntura más reciente, con su sustitución por el Programa Más Médicos para Brasil (PMMB). Este artículo presenta los resultados de una revisión de la literatura sobre el programa, publicada en los últimos cinco años, y trata de actualizar con un mapeo de la producción científica sobre el PMM que abarcó el período 2013-2016. Se realizó una búsqueda de los artículos más recientes en dos bases de datos –Biblioteca Virtual en Salud (BVS) y Plataforma de Periódicos Capes –, lo que resultó en la selección, clasificación y análisis de 135 artículos según su distribución temporal, tipo de estudio, temas y subtemas abordados. Los resultados muestran que el interés de la comunidad científica del área de salud pública/salud colectiva se mantuvo en el seguimiento y evaluación del proceso de implementación de este Programa, por su importancia estratégica en el proceso de fortalecimiento y mejora de la calidad de la Atención Primaria de Salud en el Sistema Único de Salud (SUS). Desde esta perspectiva, se señalan los avances y dificultades enfrentados por los gestores y profesionales involucrados en el proceso de implementación, contribuyendo con un debate enfocado en las estrategias que deben ser impulsadas y perfeccionadas.
Palabras clave: Programa Más Médicos. Política de Salud. Educación Médica.
O Programa Mais Médicos (PMM), criado em 2013 por meio de medida provisória posteriormente transformada na Lei 12.871, em outubro do mesmo ano1, tem sido implantado em vários estados e municípios do país, gerando uma série de mudanças na distribuição territorial dos profissionais de saúde. Foram criados cerca de 18 mil novos postos de trabalho médico em municípios de médio e pequeno porte, que, historicamente, não dispunham desses profissionais em número suficiente para garantir o acesso e a qualidade dos serviços à população1,2.
Conforme seus objetivos originais, o PMM também promoveu a criação de mais de cinco mil vagas nos cursos de medicina, por meio da implantação de novas escolas em áreas remotas, e estimulou a expansão de residências médicas com a criação de cerca de cinco mil novas vagas para residentes, principalmente em medicina de família e comunidade (MFC). Além disso, o programa estimulou a introdução de mudanças pedagógicas nos cursos de medicina, com ênfase na valorização da inserção dos estudantes em unidades da rede básica do Sistema Único de Saúde (SUS), ao mesmo tempo que investiu cerca de cinco bilhões de reais na melhoria da infraestrutura da rede em aproximadamente quatro mil municípios do país2,3. O desenvolvimento do processo de implantação do PMM gerou um grande interesse por parte dos pesquisadores da área de política, planejamento e gestão em saúde, materializado em projetos de pesquisa e avaliação do programa, cujos resultados foram apresentados em diversos eventos e publicados em revistas científicas de várias áreas. Um dos primeiros mapeamentos dessa produção, realizado por Rios e Teixeira3, publicado no periódico Saúde e Sociedade, cobriu 137 publicações, entre artigos, dissertações, teses, notas, entrevistas, editoriais e livros, publicados no período entre 2013 e 2016 em inglês, francês, espanhol e italiano e presentes em uma das três diferentes bases de dados: Biblioteca Virtual em Saúde, Portal de Periódicos da Capes e Plataforma de Conhecimentos Programa Mais Médicos. Esses trabalhos foram analisados, entre outros aspectos, segundo a evolução temporal, o tipo de estudo que deu origem à publicação e, principalmente, os diversos temas abordados, destacando-se o debate político em torno do PMM e os resultados alcançados, ou seja, os avanços no provimento médico, os efeitos sobre a formação e qualificação dos profissionais e impacto sobre a prestação de ações e serviços. Os resultados indicaram que, até aquele momento, o programa havia contribuído para a redução das iniquidades em saúde e melhoria da qualidade da relação médico-paciente, além de favorecer a integração das práticas dos diferentes profissionais das equipes de saúde e aumentar a efetividade das ações nas unidades básicas.
No mesmo ano em que esse mapeamento foi publicado, evidenciando o sucesso alcançado nos primeiros anos de implantação do PMM, acirraram-se as críticas à contratação e permanência dos médicos cubanos no programa, principalmente por parte de um dos candidatos à presidência do Brasil, no contexto do processo eleitoral, o que motivou o governo de Cuba, em respostas às ameaças do referido candidato, eleito em novembro, a romper o Acordo de Cooperação Internacional e ordenar o regresso de cerca de oito mil médicos cubanos ao seu país4,5.
A partir daí, o Ministério da Saúde (MS) do Brasil precisou reajustar as estratégias de provimento para garantir a substituição desses profissionais, lançando, assim, em novembro e dezembro de 2018, editais para chamamento de médicos brasileiros formados no Brasil e no exterior. Com isso, o programa passou a contar, em sua grande maioria, com médicos
brasileiros, com algumas exceções. No entanto, apesar do aumento considerável da adesão de médicos “CRM Brasil”, a ocupação de vagas em municípios de maior vulnerabilidade e difícil acesso permaneceu muito baixa, cabendo ressaltar que o tempo de permanência dos médicos nesses municípios tem sido inferior a noventa dias5
A partir de 2019, a mudança da direcionalidade da política de saúde por parte do governo federal provocou reconfigurações nas atividades e nos projetos que estavam em curso no MS, inclusive no PMM, sendo lançado em agosto o programa “Médicos pelo Brasil”. Criado por meio da Medida Provisória 890/2019 e instituído por meio da Lei 13.958, de 18 de dezembro de 2019, esse programa tem o objetivo de redirecionar os médicos vinculados ao projeto para os locais com maior dificuldade de acesso e vulnerabilidade, além de formá-los em especialistas em medicina da família e comunidade6.
Diante dessa mudança de cenário e passados cinco anos desde o primeiro mapeamento da produção científica sobre o PMM, torna-se necessário atualizar a revisão de literatura, de modo a identificar tendências em termos da evolução temporal dos estudos e da configuração temática e metodológica dos artigos publicados nos últimos cinco anos. Assim, este artigo tem como objetivo analisar a produção científica brasileira sobre o PMM, publicada no período de 2017 a 2021, com o intuito de verificar até que ponto essa produção evidencia as mudanças que vêm ocorrendo no desenho e no processo de implantação do programa nos últimos anos.
Trata-se de um estudo de revisão integrativa da literatura, em bases de dados nacionais, que buscou reproduzir a estratégia metodológica de um dos primeiros mapeamentos na área e identificar os temas e as abordagens das pesquisas acerca do PMM nos últimos cinco anos. A revisão foi realizada em dezembro de 2021, por dois pesquisadores previamente treinados, em duas bases de dados – Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e Plataforma de Periódicos Capes –com o seguinte descritor “Programa Mais Médicos”. Apesar de nesse processo de busca não ter ocorrido empates, um terceiro pesquisador, com maior experiência acadêmica, foi designado para decidir caso ocorressem essas situações. Foram incluídos no estudo os artigos que respeitavam os seguintes critérios de inclusão: (1) versavam exclusivamente sobre o PMM; (2) publicados em inglês, espanhol, português, francês ou italiano; (3) publicados nos últimos cinco anos; e (4) havia versão online completa disponível gratuitamente. Excluíram-se da análise outros tipos de publicações. Inicialmente, os pesquisadores realizaram as buscas nas bases de dados com o descritor “Programa Mais Médicos”. Os artigos encontrados tiveram os seus títulos e resumos lidos na íntegra e aqueles que se adequavam aos critérios de inclusão predeterminados foram selecionados, tendo suas informações sistematizadas em uma planilha de análise.
É importante ressaltar que apesar de o estudo se fundamentar na metodologia adotada por Rios e Teixeira3, optou-se por não incluir nessa nova busca a Plataforma de Conhecimentos Programa Mais Médicos, visto que ela não se encontra ativa e o seu site foi descontinuado. Ademais, outra diferença importante é a natureza dos trabalhos selecionados: foram analisados, nessa atualização, apenas artigos, uma vez que eles representaram aproximadamente 60% dos resultados do primeiro mapeamento, e os objetivos desse novo estudo se concentram principalmente na análise das abordagens das pesquisas acerca do PMM, optando-se, portanto, por publicações com maior rigor científico.
A busca resultou em 1.506 artigos, dos quais 343 satisfizeram os critérios de inclusão predeterminados. Procedeu-se, então, à exclusão dos artigos duplicados em uma mesma base, sendo excluídos 19 na BVS e 13 na Plataforma de Periódicos Capes. As listas resultantes passaram posteriormente por um processo de interseção, no qual foram excluídas 168 publicações, que estavam presentes em ambas as bases. A seleção final, composta por 143 artigos, teve seus resumos lidos na íntegra, tendo sido excluídas, nesse momento, oito publicações, em decorrência da impertinência temática ou pelo fato de a análise minuciosa do trabalho evidenciar que alguns dos critérios preestabelecidos não foram obedecidos adequadamente. A seleção final, composta por 135 artigos, foi sistematizada em uma planilha no software Excel nas seguintes categorias: título, referência completa, ano de publicação, objetivos, métodos, resultados, conclusões e temas abordados. As diferentes etapas descritas anteriormente são apresentadas na Figura 1.
BVS = 751
Plataforma de Periódicos Capes = 755 Sele ç ão BVS = 208
Total =1 506
Artigos elegíveis
Plataforma de Periódicos Capes = 135
Total =343
igura 1 – Fluxograma de busca e seleção dos artigos sobre o PMM, 2017-2021. Salvador, Bahia, Brasil – 2022 B u s c a
138 = 143
Total =143
Artigos excluídos devido à duplicação = 200
Fonte: Elaboração própria.
selecionados =
Artigos excluídos por impertinência temática / editoriais / comunicações = 8
Total =135
Amostra f inal
A análise do conteúdo dos artigos selecionados considerou as seguintes categorias: (1) ano de publicação; (2) tipo de estudo que subsidiou a publicação, levando em conta os objetivos e a estratégica metodológica mencionada pelos autores no resumo do artigo; e (3) tema e subtemas abordados, tomando-se como referência a classificação temática realizada no mapeamento anterior3, ajustada em função da reconfiguração temática do conjunto de artigos analisados.
DISTRIBUIÇÃO TEMPORAL DAS PUBLICAÇÕES
Conforme pode ser visualizado no Gráfico 1, as 135 publicações selecionadas distribuem-se de forma mais ou menos homogênea no período de 2017 a 2020, observandose forte queda no número de publicações em 2021. De fato, em 2017, foram registrados 36 artigos (26,7%), com leve queda em 2018, quando foram identificados 25 artigos, número elevado para trinta em 2019 (22% do total), alcançando em 2020 um número equivalente ao início do período, com 33 artigos (25,2%). Isso revela um interesse sustentado por parte dos pesquisadores que se debruçaram sobre o tema, com um total de trabalhos bem semelhante ao número de publicações registradas nos quatro primeiros anos do PMM3.
A maior parte dos trabalhos encontrados é definida por seus autores como estudos do tipo qualitativo (43 publicações), seguidos dos estudos quantitativos (13 publicações),
descritivos (12 publicações, majoritariamente do tipo análise documental) e dos relatos de experiência e das revisões de literatura, ambos com 11 publicações cada. A distribuição dos trabalhos encontrados segundo os objetivos e a metodologia, de acordo com os seus próprios autores, é apresentada no Gráfico 2. Chama a atenção o quantitativo de artigos que se definem como pesquisa qualitativa, mantendo a proporção de um terço dos trabalhos com essa abordagem, como verificado, também, no mapeamento anterior.
Gráfico 2 – Tipo de estudo segundo objetivos e estratégia metodológica. Salvador, Bahia, Brasil
A análise temática da produção selecionada privilegiou os seguintes eixos: (1) análise política do PMM, incluindo nesse tópico a repercussão do debate político sobre o PMM na mídia; (2) provimento e fixação dos médicos na APS; (3) formação médica e supervisão acadêmica; (4) avaliação dos resultados do PMM; (5) impacto do PMM nas práticas de atenção à saúde; e (6) outras temáticas, incluindo estudos sobre a atuação do programa com povos específicos (indígenas), financiamento do programa e outros (Tabela 1).
Tabela 1 – Distribuição dos artigos selecionados segundo tema abordado. Salvador, Bahia, Brasil – 2022
Nesse grupo, foram encontrados 27 artigos, concentrando 20,1% da produção científica sobre o PMM nos últimos cinco anos, o que revela a continuidade do debate político, ao nível nacional, sobre o significado estratégico do programa no âmbito da política de saúde. Foi possível observar o embate entre os diferentes atores do legislativo, das entidades representativas da classe médica e da sociedade civil, portadores de distintos interesses políticos e ideológicos em torno do programa. Nessa perspectiva, alguns artigos analisam o contexto de emergência do PMM correlacionando sua criação com as jornadas de junho de 20137, como respostas às reivindicações populares no período, outros analisaram os eventos críticos na formulação e implementação do programa, apontando as polêmicas em torno das questões trabalhistas8. Ferla et al.9, por exemplo, investigaram os posicionamentos dos candidatos a cargos no processo eleitoral de 2014 quanto ao Programa Mais Médicos e seus achados mostram que o componente provimento emergencial ocupou a agenda dos gestores, independentemente do posicionamento acerca do programa. Gomes e Merhy10 analisaram o posicionamento das entidades médicas em relação ao programa, enquanto Oliveira et al.11 centraram-se na análise das disputas que ocorreram no âmbito legislativo.
A cooperação entre Brasil e Cuba apareceu como objeto de estudo em alguns artigos, como os de Soares e Furtado12 e Melo e colaboradores13, que abordam a perspectiva das entidades médicas, enquanto a pesquisa de Oliveira e Pinto14 analisa a importância da cooperação entre países, para fins de provimento da força de trabalho para a atenção primária no Brasil. Outro estudo15 aponta evidências de que tanto os médicos brasileiros quanto os cubanos se beneficiaram da cooperação.
Focando a conjuntura mais recente, um dos artigos discute o fato de o PMMB não estar presente na agenda do Ministério da Educação em 2019 e, assim, parece não estar comprometido com a causa coletiva e com a universalidade do acesso da população brasileira à assistência à saúde conforme previsto para os usuários do SUS16. Nessa perspectiva, outro trabalho compara o PMM com o PMMB, apontando as fragilidades do programa substituto do PMM, porquanto se concentra apenas no provimento médico17.
Outros estudos desse grupo abordaram o PMM como política pública, a exemplo do artigo de Macedo e Ferreira18, buscando identificar a relação entre os arranjos institucionais e a capacidade estatal para analisar o desempenho do programa, e o estudo de Hanna19, que analisa a dimensão jurídica e normativa do PMM.
Finalmente, cabe destacar os estudos que trazem o debate sobre o programa na mídia20-24, especialmente a revisão feita por Paula et al.25, que identificaram o viés político, a polarização das opiniões no período inicial e a mudança em torno dessa opinião devido à aprovação popular do programa. Em geral, os trabalhos que abordam os diversos meios de comunicação apontam os interesses e as disputas entre vários atores sociais relacionados ao programa, instâncias governamentais, entidades representativas de classe e outros10,22, mas convergem ao constatar que houve uma maior polêmica em torno do PMM em suas origens20-22, com certo arrefecimento ao longo da sua implementação, principalmente diante da aprovação do programa pelos usuários do SUS.
Nesse grupo, encontram-se os estudos que tomaram como objetos de pesquisa o provimento e a fixação dos profissionais médicos na APS (9,8% do total), sendo unânimes em ressaltar a importância e magnitude do programa nesse aspecto26-30. Pinto Junior et al.31, por exemplo, destacam que a implantação do programa resultou em incremento na taxa de médicos de APS, em todas as áreas consideradas prioritárias, especialmente nos municípios com mais de 20% dos habitantes vivendo em situação de pobreza. Alguns artigos, entretanto, comentam que, embora seja inegável o papel do PMM, persistiram iniquidades ao longo do processo30 e diferenças regionais31.
Vários trabalhos analisados ressaltam os efeitos positivos do incremento de profissionais na APS, quais sejam, o aumento da cobertura de consultas e procedimentos, a expansão das equipes de Saúde da Família, a realização de práticas clínicas humanizadas e diferenciadas, mudanças na rede de Atenção à Saúde, a ampliação do acesso da população aos serviços de APS, principalmente em municípios vulneráveis e de difícil acesso28,29,32,33,
reconhecendo, inclusive, a importância da parceria entre o Ministério da Saúde e as autoridades locais, como evidenciado no estudo de caso sobre as estratégias utilizadas para o provimento de médicos na APS em áreas vulneráveis e periurbanas da Grande Brasília33
Um número expressivo de artigos (28,3% do total analisado) integra esse grupo, que reúne estudos sobre o impacto do PMM nos cursos de graduação em medicina17,34-37, relatos de experiências das supervisões acadêmicas e qualificação do processo de trabalho dos médicos inseridos no programa38-42, efeitos do PMM na residência médica17,43,44 e na gestão do trabalho médico na APS, na visão dos gestores45,46, bem como a percepção dos estudantes e docentes dos cursos de medicina sobre o PMM47 e sobre a responsabilidade social das escolas médicas33
Vários estudos acerca do componente pedagógico do PMM vão além da descrição do que foi realizado e discutem os problemas enfrentados no processo, a exemplo do trabalho de Pedrosa35, que aponta os fatores que favorecem ou limitam a implementação de mudanças no curso de medicina, chamando a atenção para a importância da presença de sujeitos comprometidos com esse processo. Além disso, é importante ressaltar a análise apresentada no estudo de Matias et al.48, que aponta lacunas na operacionalização do componente pedagógico do PMM, especialmente no que se refere ao desenvolvimento da educação interprofissional.
Outro estudo enfatiza o distanciamento das matrizes curriculares dos cursos de medicina em relação às DCN de 201437, enquanto Silva e Paraíso36 consideram que já se observam pequenas mudanças nos cursos, sobretudo no que se refere à aproximação com um trabalho mais humanizado. Sobre os programas de residência em medicina de família e comunidade, Storti et al.44 analisam a expansão de vagas, a valorização da preceptoria e a integração com a graduação e outras residências. Assim, de modo geral, os estudos apontam que a formação médica na APS permite o desenvolvimento de um trabalho qualificado, mesmo em condições adversas45, e tem contribuído, inclusive, para a introdução de mudanças na gestão do trabalho na APS no âmbito municipal46
O módulo de acolhimento desenvolvido para os médicos cooperados foi objeto de análise de dois trabalhos. O primeiro analisa o instrumento de avaliação do desempenho dos médicos, concluindo que ele utiliza uma linguagem adequada e permite avaliar a apropriação de conhecimentos específicos49. O segundo analisa o planejamento e a operacionalização desse módulo e propõe ajustes a partir da crítica ao modelo tradicional utilizado no processo de ensino-aprendizagem50.
Finalmente, a supervisão acadêmica, um dos pilares estratégicos do programa, aparece em vários relatos de experiência38-41, que reafirmam a importância dessa supervisão no processo de qualificação da prática médica na APS, principalmente por abordar o cotidiano do processo do trabalho médico e trazer à tona elementos da gestão na Atenção Básica.
O conjunto de estudos avaliativos corresponde a 14,8% do total de artigos analisados, cobrindo uma gama variada de objetos e abordagens de avaliação, desde a análise lógica51 e apreciações normativas do programa52, até a satisfação dos usuários53,54, passando por estudos sobre o processo de implantação55,56, o desempenho do programa57,58, a qualidade do programa 59,60 e, ainda, seus efeitos e impactos52,61-63
No caso das análises de implantação21,56, destaca-se o trabalho de Gasparini e Furtado55, que, tomando os atributos da APS como referência, evidenciou que o PMM tornou mais igualitária a distribuição dos médicos e produziu efeitos positivos em relação à longitudinalidade, ao acolhimento humanizado e à criação de vínculo terapêutico. Estudos sobre o desempenho do programa concordam que o PMM foi responsável por reduzir o déficit de médicos em todo o território nacional e fortaleceu a atenção primária no país57,58. Resultados semelhantes foram apontados por apreciação normativa do programa53 e nos trabalhos que abordaram os seus efeitos52,61-64
Quanto à satisfação dos usuários, o trabalho de Telles et al.65 destacou a experiência dos médicos cooperados na atenção primária, com qualidade no atendimento e de modo humanizado, gerando a satisfação da população com o atendimento médico na fase inicial do programa. Outro artigo destacou o vínculo e a confiança como valores estruturantes no cuidado médico para a satisfação da população54
Esse grupo inclui 15,8% dos trabalhos encontrados, a maioria se concentra na análise das características do cuidado prestado pelos médicos estrangeiros, principalmente os cubanos66-70. Desse conjunto, cabe destacar os estudos de Franco et al.69,70, que ressaltam a ampliação das ações assistenciais, com amplo leque de ações comunitárias, enfoque preventivo e práticas humanizadas de cuidado, apontado que tais práticas se desenvolvem com abordagem centrada na pessoa e baseada na integralidade da atenção primária, destacando, ainda, o planejamento de ações, o relacionamento interpessoal da equipe, as posturas e técnicas de acolhimento, vínculo e responsabilização. Os autores reconhecem, como contraponto, limites
quanto às práticas participativas com as coletividades, à ampliação da autonomia de usuários nas decisões clínicas, ao manejo de problemas de ordem psíquica, à sistematização de ferramentas de abordagem e à realização de procedimentos invasivos.
Alguns trabalhos se debruçaram sobre os efeitos do PMM na atenção à saúde30,61,71, verificando que o PMM contribuiu para a redução das internações sensíveis à APS, tanto em crianças quanto em adultos, em especial nos municípios com população exposta à maior vulnerabilidade social, além de melhorar a qualidade da atenção à saúde em geral. Adicionalmente, o estudo de Bexson et al.72 compara as taxas de mortalidade infantil em municípios antes e depois da implantação do programa e aponta o efeito positivo do PMM na redução desse coeficiente.
Embora os artigos que tratam da atuação do PMM em comunidades específicas, a exemplo dos povos indígenas, representem apenas 2,9% da produção analisada, consideramos relevante destacar alguns dos seus resultados, inclusive pelas dificuldades históricas dessa população ao acesso a serviços de saúde. Nesse sentido, cabe ressaltar o estudo de Fontão e Pereira73, que discute o desafio da prática profissional médica que considere a articulação dos saberes científicos com os saberes e práticas tradicionais desses grupos populacionais.
Outros trabalhos chamam a atenção para a importância de uma formação adequada e disponibilidade para a interação desses profissionais com a comunidade indígena74, visto que o cuidado em saúde indígena requer olhar singular e diferenciado, aspectos presentes no trabalho dos médicos cubanos, que proporcionou provimento estável, melhora dos registros de informações dos procedimentos, qualificação das ações dos programas específicos de parto e puerpério e melhoria nos indicadores de saúde de consulta pré-natal para a população indígena75.
A atualização da revisão de literatura sobre o PMM apresentada neste artigo evidencia, em primeiro lugar, que esse programa continuou sendo tema de interesse por parte da comunidade de pesquisadores da área de saúde pública/saúde coletiva. Foi mantida a tendência verificada em trabalho anterior, com uma frequência de publicações entre 25 e 35 trabalhos por ano, número somente reduzido no ano de 2021, provavelmente em função das mudanças na linha editorial das revistas da área, que passaram a priorizar publicações que abordavam a pandemia do novo coronavírus e seus efeitos sobre a situação de saúde e o sistema de saúde brasileiro.
A análise do conjunto de artigos selecionados revelou, também, a manutenção de uma tendência à diversificação de abordagens metodológicas, com ênfase em estudos qualitativos, que utilizam análise documental (leis, normas, portarias e relatórios) bem como entrevistas com informantes-chave, incluindo gestores, supervisores do programa, estudantes e docentes dos cursos de medicina e residência médica, representantes de entidades de classe etc.
Os estudos revisados enfatizam os efeitos positivos do PMM e sua contribuição para a melhoria da APS, pelo menos até o ano de 2017, cabendo destacar a necessidade de novas investigações nesse campo, que abordem as mudanças mais recentes dessa política pública, considerando, inclusive, o cenário da pandemia da covid-19, que alterou significativamente a situação de saúde e colocou enormes desafios ao SUS.
Destaca-se como uma limitação deste estudo a opção por publicações apenas provenientes de periódicos científicos, uma vez que negligencia, portanto, elementos advindos da literatura cinzenta, relevantes para a compreensão adequada de um programa como esse que apresenta diferentes vieses políticos e sociais. Apesar de os objetivos desta publicação justificarem essa escolha metodológica, é recomendável a realização de novas pesquisas nessa linha, com uma abordagem mais ampla, de modo a se compreender adequadamente os impactos do PMM, suas limitações, entraves e conquistas, contribuindo para subsidiar a formulação de outras políticas públicas dessa natureza.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Catharina Leite Matos Soares, Carmem Fontes Teixeira, David Ramos da Silva Rios e Isabela Cardoso de Matos Pinto.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Catharina Leite Matos Soares, Carmem Fontes Teixeira, David Ramos da Silva Rios e Isabela Cardoso de Matos Pinto.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Catharina Leite Matos Soares, Carmem Fontes Teixeira, David Ramos da Silva Rios e Isabela Cardoso de Matos Pinto.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Catharina Leite Matos Soares, Carmem Fontes Teixeira, David Ramos da Silva Rios e Isabela Cardoso de Matos Pinto.
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Recebido: 9.3.2022. Aprovado: 2.5.2022. Publicado: 7.7.2022.
ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE
PARA O PROGRAMA MAIS MÉDICOS: ANÁLISE COMPARATIVA DA EXPERIÊNCIA
DESENVOLVIDA PELO ISC/UFBA
Catharina Leite Matos Soaresaa
https://orcid.org/0000-0002-8131-4831
Ednir Assis Souzab
https://orcid.org/0000 0001 5845 6527
Gabriela Rangel-Sc
https://orcid.org/0000-0003-2203-2225
Jane Mary de Medeiros Guimarãesd
https://orcid.org
0000-0002-9538-2675
Maria Lígia Rangel-Se
https://orcid.org/0000-0001-7340-3132
Yara Oyram Ramos Limaf
https://orcid.org/0000-0002-2252-1566
Resumo
Este artigo relata a experiência da implementação do curso de especialização em saúde coletiva, realizada pela UNA-SUS/UFBA, por meio do Instituto de Saúde Coletiva (ISC) e da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, para a formação dos médicos vinculados ao Programa Mais Médicos (PMM) no estado da Bahia. A análise da experiência
a Professora Adjunta do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia da Área de Política, Planejamento e Gestão em Saúde. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: clms@ufba.br
b Professora Adjunta da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: ednir.assis@ufba.br
c Psicologa. Membro da Equipe de Coordenação do Curso de Especialização em Saúde Coletiva, Concentração em Atenção Básica – Saúde da Família (UFBA). Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: gabrielarmouras@gmail.com
d Professora Adjunta e Vice-Coordenadora do Mestrado Profissional em Saúde da Família da Universidade Federal do Sul da Bahia. Itabuna, Bahia, Brasil. E-mail: janemg@ufsb.edu.br
e Professora Titular do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: lirangel@ufba.br
f Professora Adjunta do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: oyram@ufba.br
Endereço para correspondência: Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia. Rua Basílio da Gama, s/n, Campus Canela. Salvador, Bahia, Brasil. CEP 40.110.040. E-mail: clms@ufba.br
foi apresentada com base na formulação de Donabedian sobre estrutura, processo e resultado, aplicada ao curso. Para isso, foram estabelecidos critérios das três dimensões e indicadores de análise, que mostraram, ao final, uma análise positiva da proposta analisada. Os resultados apontaram que o curso apresentou uma estrutura inovadora, do ponto de vista teórico e metodológico, pelos dispositivos utilizados e pela articulação de suas atividades. No processo, foram fundamentais as experiências e vivências do tutor da aprendizagem e, por último, a importância dos projetos de intervenção focados na realidade do médico.
Palavras-chave: Programa Mais Médicos. Educação permanente. Formação médica.
Abstract
This paper reports the experience carried out by UNA-SUS – UFBA, with support from the Institute of Public Health and the Faculty of Medicine of the University of Bahia, to implement a specialization course in public health for the training of Mais Médicos Program physicians in Bahia, Brazil. The experience was analyzed based on Donabedian’s formulation about structure, process and result, applied to the course. For this purpose, the study established criteria for each dimension and analysis indicators, which showed a positive analysis of the proposal. Results showed that the course presented an innovative structure, from a theoretical and methodological perspective, due to the resources used and the articulation of its activities. The professor’s experiences and the intervention projects focused on the physician’s reality were fundamental in the process.
Keywords: More Doctors Program. Permanent Education. Medical training.
CURSO DE ESPECIALIZACIÓN EN SALUD COLECTIVA CON ÉNFASIS EN ATENCIÓN
PRIMARIA PARA EL PROGRAMA MÁS MÉDICOS: ANÁLISIS COMPARATIVO DE LA EXPERIENCIA DESARROLLADA POR EL ISC/UFBA
Resumen
Este artículo describe la experiencia en la implementación del Curso de Especialización en Salud Colectiva realizado por la UNA-SUS-UFBA a través del Instituto de Saúde Coletiva y la
Facultad de Medicina de la Universidad da Bahia para la formación de Médicos incluidos en el Programa Más Médicos (PMM) en el estado de Bahía. El análisis de la experiencia se presentó a partir de la formulación de estructura, proceso y resultado de Donabedian, aplicada al curso.
Para ello, se establecieron criterios de las tres dimensiones e indicadores de análisis, que permitieron realizar un análisis positivo de la propuesta analizada. Los resultados mostraron que el curso presentó una estructura innovadora desde el punto de vista teórico y metodológico, debido a los dispositivos utilizados y la articulación de sus actividades. Las experiencias y vivencias del tutor de aprendizaje fueron fundamentales en el proceso y también la importancia de los proyectos de intervención con énfasis en la realidad del médico.
Palabras clave: Programa Más Médicos. Educación permanente. Formación médica.
Os esforços para provimento e fixação de profissionais de saúde, especialmente os profissionais médicos, têm sido objeto de políticas governamentais no Brasil desde a década de 1960 e antecede a criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Em geral, essas experiências buscaram inserir os profissionais na atenção primária à saúde, a exemplo do Projeto Rondon, em 1968, e o Programa de Interiorização das Ações e Serviços de Saúde (Piass), em 19761. Com a implantação do SUS e o processo de descentralização das ações e serviços, várias iniciativas foram observadas, de modo a prover profissionais de saúde nos municípios da federação. Entre as ações verificadas desde a implantação do SUS até os dias atuais, pode-se destacar o Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde (Pits), o Programa de Valorização da Atenção Básica (Provab) e, mais recentemente, o Programa Mais Médicos (PMM)1,2.
Esse último foi estabelecido por meio da Lei 12.871, de 2013, com vistas a suprir a escassez de médicos nas equipes de saúde da família em todo o território nacional. Trata-se de um programa que conjuga o trabalho e a formação e, portanto, apresenta no seu escopo ações das distintas naturezas, quais sejam: provimento de médicos nas áreas remotas, mudanças curriculares nos currículos dos cursos de medicina, ampliação de vagas nas escolas médicas e fundação de novas escolas, além da formação de especialistas para os médicos em serviço3.
No segmento formação de especialistas, a proposta prevê que os médicos em ação nos territórios participem, obrigatoriamente, de um dos cursos de especialização oferecidos pelas universidades públicas. Esses cursos têm sido ofertados pelas instituições de ensino superior que integram a rede UNA-SUS, inclusive a Universidade Federal da Bahia (UFBA),
cuja oferta, desde o ano de 2018, direciona-se a médicos do referido programa que atuam no estado da Bahia, encontrando-se, atualmente, na sua quinta turma.
A produção científica sobre o PMM tem se concentrado no segmento provimento médico4-11, embora outras temáticas relacionadas ao programa tenham sido abordadas, como os ciclos formativos12-14; as mudanças curriculares15 e a formação médica em geral16
As análises críticas sobre os cursos de especialização ainda são escassas, mas, entre os estudos realizados, destacam-se três estudos que nos chamaram a atenção: o de Freire Filho et al.17, que buscou analisar os projetos políticos pedagógicos (PPP) dos cursos, em aproximação ao referencial teórico da interprofissionalidade, concluindo que os documentos não trazem explicitamente a intencionalidade de adoção desse marco teórico metodológico; um segundo trabalho, que valoriza a análise do curso a partir da narrativa de estudantes médicos18; e um terceiro trabalho, que tomou o curso de especialização como objeto de reflexão, analisando, além do PMM, o Provab, abordando os seus conteúdos e observando a sua adequação às especificidades de saúde e do contexto sociocultural de diferentes regiões do país19
A rede UNA-SUS, por meio dos seus encontros nacionais periódicos, tem estimulado a produção de estudos que reflitam sobre a práxis desses cursos. Assim, a equipe do curso de especialização da UFBA elaborou e publicou dois trabalhos em livros que abordam diferentes aspectos do referido curso, além de ter apresentado vários pôsteres sobre recortes específicos, publicados em anais dos eventos. No primeiro livro, realizou-se um relato de experiência da coordenação pedagógica do curso20, enquanto no segundo foi realizada uma análise avaliativa, a partir dos cursistas, com o foco na proposta de interdisciplinaridade do curso21. Já este artigo tem o propósito de realizar uma análise da experiência vivenciada em quatro turmas, dentre as cinco, promovida pela UNA-SUS/UFBA, por meio do Instituto de Saúde Coletiva (ISC) e pela Faculdade de Medicina (FM) da UFBA, abordando a estrutura do curso, seu processo e alguns resultados.
Realizou-se uma análise da experiência do curso de especialização em saúde coletiva com foco em Atenção Básica/Saúde da Família, ofertado aos médicos do Programa Mais Médicos que atuam no estado da Bahia. O curso foi desenvolvido pelo Instituto de Saúde Coletiva em parceria com a Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, por meio da rede
UNA-SUS/UFBA. Para esta análise, foram consideradas apenas as quatro turmas que concluíram o curso, ofertadas entre 2018 e 2020. Ressalta-se que o número de cursistas das turmas 1 (T1), vagas residuais (VR), 2 (T2), e 3ga (T3) e 4 (T4) foram, respectivamente, 880, 171, 552 e 300.
g Ressalta-se que as turmas 3 e 4 foram realizadas de forma simultânea, em um mesmo espaço no AVA, por isso, os seus dados serão apresentados de forma conjunta neste artigo.
Para a produção dos dados, foram utilizados os documentos produzidos pelo curso, notadamente o PPP, os relatórios das coordenações específicas (pedagógica e acadêmica) e o final, da coordenação geral, além de informações do ambiente virtual de aprendizagem (AVA) produzidas para o seu desenvolvimento. Para a análise da experiência do curso, utilizouse como referência teórica a tríade de Donabedian22, composta por estrutura, processo e resultado, a partir da qual se construiu um conjunto de critérios com base no documento de referência do curso, conforme Quadro 1.
Na estrutura, tomou-se como critérios a construção das UA de acordo com o PPP do curso no AVA, as atividades didáticas, as referências bibliográficas e os dispositivos pedagógicos utilizados, além da gestão acadêmica, com suas instâncias consultivas e deliberativas, e a constituição da equipe de construção e gestão do curso. Já no processo, tomou-se como padrão de análise a dinâmica pedagógica de gestão do processo de ensinoaprendizagem produzido ao longo das turmas, a metodologia de acompanhamento do curso e o desenvolvimento da tutoria. Finalmente, no caso dos resultados, foram analisados os possíveis efeitos do curso nas práticas dos médicos do programa, por meio dos temas e das intervenções propostas nos TCC. Ao final, analisou-se a implantação do curso em relação aos critérios adotados para os três componentes, considerando quatro condições de ocorrência, a saber: sempre, algumas vezes, raras vezes e nunca.
Na análise dos resultados, foram privilegiados os princípios que nortearam a proposta pedagógica do curso, quais sejam: (1) vigilância da saúde, enquanto modelo de atenção projetado, imagem-objetivo de um contexto de práticas, orientando toda a construção das unidades de aprendizagem: território enquanto processo; análise da situação de saúde, como elemento fundamental das intervenções nos grupos prioritários; ações em todos os níveis de atenção à saúde; (2) princípios da clínica centrada na pessoa, com foco na clínica ampliada e no projeto terapêutico singular. Cabe salientar que o curso foi composto por quatro UA, quais sejam: (1) Saúde da criança e do adolescente; (2) Saúde da mulher; (3) Saúde do adulto e prevenção de doenças crônicas; e (4) Saúde do idoso. Em todas elas, a prática médica e suas ações e serviços de saúde voltados para a população adscrita da unidade tiveram centralidade na construção das atividades.
A partir dos documentos acima mencionados e das referências teóricas e metodológicas explicitadas, construiu-se uma matriz de análise que auxiliou a correlação entre o material empírico acessado e a concepção teórica que orientou a construção dessa proposta de estudo. Os resultados foram redigidos buscando observar aproximações e distanciamentos entre a “concepção” e a “ação”, por meio da experiência relatada.
Dimensão Critério
Padrão de análise T1 T2 T3 T4
As atividades das unidades de aprendizagem (UA) contemplam ações sobre o território Sempre Sempre Sempre Sempre
As atividades das UA abordam os principais problemas de saúde da população
As atividades privilegiam os projetos terapêuticos singulares como forma de tratar os problemas de saúde
Estrutura
Organização do curso no ambiente virtual de aprendizagem
As atividades abordam o processo saúde-doença como produto da dinâmica social em cada realidade singular
As atividades abordam cuidados na atenção primária, na promoção da saúde, prevenção de riscos e agravos, assistência e até reabilitação
Sempre Sempre Sempre Sempre
Sempre Sempre Sempre Sempre
Sempre Sempre Sempre Sempre
Sempre Sempre Sempre Sempre
As UA apresentam iniciativas interdisciplinares Sempre Sempre Sempre Sempre
As atividades do curso estimulam a intervenção sobre os problemas de saúde locais
As atividades do curso fomentam o planejamento e a avaliação das intervenções de saúde locais
Os tutores são capacitados para mediação durante todo o processo do curso
Os tutores realizam a mediação de modo a estimular a articulação teoria e prática, considerando a realidade singular de cada especializando
Os tutores estimulam a troca de experiências entre os especializandos
Os tutores estimulam o pensamento crítico e reflexivo sobre a realidade sanitária de ação de cada especializando
Sempre Sempre Sempre Sempre
Sempre Sempre Sempre Sempre
Sempre Sempre Sempre Sempre
Sempre Sempre Sempre Sempre
Sempre Sempre Sempre Sempre
Sempre Sempre Sempre Sempre
Os tutores encorajam o aprimoramento das atividades
Os tutores mantêm uma frequência regular no ambiente, de modo a estimular a discussão do grupo em tempo oportuno
Os tutores mantêm canais de contato direto com os especializandos para orientações, resolução de dúvidas e outras necessidades individuais
A coordenação pedagógica está presente no AVA, norteando o trabalho dos tutores
A coordenação pedagógica realiza oficinas para avaliação e ajustes no processo de mediação
Os temas escolhidos pelos alunos privilegiam os problemas principais de saúde da população
Raras vezes Raras vezes Raras vezes Raras vezes
Sempre Sempre Sempre Sempre
Nunca Nunca Raras vezes Raras vezes
Sempre Sempre Sempre Sempre
Sempre Sempre Sempre Sempre
Sempre Sempre Sempre Sempre
Fonte: Elaboração própria.
As abordagens utilizadas nos trabalhos de conclusão de curso (TCC) são próximas da saúde coletiva
Sempre Sempre Sempre Sempre
A estrutura do curso, nas quatro turmas, em todas as unidades de aprendizagem, obedece a um padrão, que se articula com a proposta pedagógica: consiste na análise de situação de saúde, como ponto de partida, bem como na identificação dos problemas prioritários e possíveis intervenções sobre eles. No caso das intervenções sobre os problemas, as atividades contemplam ações de promoção da saúde, prevenção de riscos e agravos e cuidados específicos para cada grupo central da unidade.
Oito indicadores analíticos compuseram a dimensão estrutura do curso, que tomou como critério a sua organização no AVA. Esses indicadores pedagógicos, que envolveram as ações no território de atuação dos médicos de família, a priorização dos problemas para a população alvo, entre outros (Quadro 1), se articulam, empiricamente, no caso complexo construído para cada UA. Desse modo, em todas as UA, o ponto de partida foi a análise de um caso, denominado “caso complexo”, que aborda o território com suas potencialidades, problemas sociais e físicos, assim como os principais problemas do estado de saúde, relacionados a cada grupo e suas possibilidades de solução, de forma crescente e acumulativa, alcançando níveis mais complexos. Para isso, as disciplinas estruturantes do curso colaboraram, cada uma com sua expertise, para a análise dos problemas prioritários que interferem na saúde da população em voga, em cada UA.
Embora o estudo de caso traga uma realidade fictícia no seu conteúdo, a reprodução da realidade concreta dos médicos nas equipes de saúde da família foi privilegiada na construção do caso complexo. Ademais, desenvolveu-se, nos diferentes componentes curriculares, um esforço de articulação interdisciplinar. Assim, nos casos dispostos, em todas as unidades, há conteúdo dos pilares da saúde coletiva, notadamente das ciências sociais em saúde, epidemiologia e da política, planejamento e gestão.
Não apenas os pilares da saúde coletiva compuseram a produção do caso complexo, mas também os princípios da medicina de família e comunidade (MFC), pois pretendia-se estimular uma abordagem dos problemas de saúde de acordo, também, com esse conteúdo disciplinar. Considerando o problema definido no caso, em cada unidade, incentivouse a articulação de tais fundamentos por meio de atividades complementares, a exemplo da análise do prontuário e elaboração de um projeto terapêutico singular (PTS), realizados na unidade de saúde da mulher e na unidade de saúde do adulto. Esses fundamentos, ainda, nas unidades de saúde da criança e da saúde do idoso, foram apresentados na forma de estações, focadas em tratamentos aos problemas fundamentais de cada grupo prioritário.
Com relação a um curso voltado para médicos atuantes da atenção primária, importa destacar a preocupação na abordagem integral das populações, seja ela vertical ou horizontal. Nesse quesito, regularmente, em todas as unidades, esteve presente uma atividade que visou estimular o conhecimento acerca da rede de serviços de saúde de referência para cada situação específica, envolvendo os problemas de cada grupo em diálogo com as escolhas feitas por cada médico, de acordo com as inserções desses atores sociais nos seus territórios de atuação. É possível observar que uma atividade dessa natureza, além de cumprir com o princípio da integralidade da atenção, visa inserir na prática do médico da família a reflexão sobre a região de saúde, sua infraestrutura disponível, seus vazios assistenciais, entre outras questões que envolvem tal assunto. O mais importante dessa prática foi apresentar aos médicos a estrutura disponível para que eles a utilizassem em suas práticas assistenciais sempre que necessário.
Em síntese, considerando os critérios adotados para a análise da estrutura/ arcabouço do curso de especialização desenvolvido pela UNA-SUS/UFBA, por meio do ISC e da FM, as evidências mostram coerência e consonância tanto com os pilares da saúde coletiva quanto com os princípios da MFC, em especial a clínica centrada na pessoa. As adoções das estratégias pedagógicas, bem como o conteúdo das atividades, ilustram uma proposta interdisciplinar, distinta da tradicionalidade da fragmentação do conhecimento em disciplinas estanques e sem interconexão.
Com relação aos indicadores mencionados na matriz de análise para a avaliação da estrutura do curso, nota-se que, em todas as unidades, eles foram trabalhados nas atividades didáticas, no conteúdo abordado e nas distintas unidades de aprendizagem. O fio condutor adotado, partindo da análise de situação de saúde, e os fundamentos do planejamento e da programação local, tendo por base o território da saúde da família, foram fundamentais para articular teoria e prática nas equipes de saúde da família, sendo o médico e sua equipe protagonistas no processo de cuidado da população adscrita.
Em suma, no que tange à estrutura, as bases pedagógicas e teóricas foram bem representadas nas atividades didáticas, como se vê a seguir:
A Vila do Futuro é um bairro novo da periferia do município Nossa Terra, sendo o mais populoso, com cerca de 10.000 habitantes, dispostos em 2.000 domicílios. Começou a ser povoado há dez anos, por meio das invasões aos terrenos da prefeitura, onde as primeiras casas foram construídas. No ano de 2017, a prefeitura entregou 500 escrituras dos terrenos, sendo os demais ainda caracterizados como ocupações e dentre elas, ocorrem locações. O acesso aos domicílios, predominantemente, ocorre por meio de chão batido, com cerca de 10% das ruas asfaltadas. Metade dos domicílios é
construída de tijolos, sem revestimento […] A saúde da população do bairro é de responsabilidade da USF da Vila do Futuro, na qual atuam duas equipes. A equipe de Saúde da Família (eSF) verde, tem uma população adscrita de 3.250 pessoas e é composta pela enfermeira Luciana, a médica Renata, as técnicas de enfermagem Joselita e Maria, seis agentes comunitários de saúde (Ana, Argemiro, Dolores, Joana, Pedro e Vera), o dentista Rogério e a auxiliar de consultório dentário Fabrícia […]. (UA 1 – Saúde da Criança)
Na turma T1, o processo formativo de tutores passou por três momentos distintos. O primeiro iniciou no próprio processo seletivo, em que os tutores foram acompanhados/as no AVA/Moodle da UFBA pela coordenadora pedagógica e pelos assistentes pedagógicos, com o objetivo de integrar a equipe de tutores à coordenação pedagógica e prepará-la para o processo de mediação de aprendizagem que envolvesse estratégias metodológicas diferenciadas. Foram propostas mediações individuais, em dupla e em pequenos grupos, privilegiando o compartilhamento de vivências e problematizações nos espaços interativos e possibilitando a melhoria na qualidade das narrativas dos tutores compartilhadas nos fóruns temáticos das quatro unidades de aprendizagem. Essa qualidade era acompanhada a partir de indicadores que poderiam ser observados nos fóruns, como problematização com os/as especializandos/ as, incentivo ao relato de suas experiências vivenciadas nos espaços de ação, bem como a interatividade, a desconstrução de erros conceituais e a elaboração de sínteses.
Nas turmas subsequentes, o movimento de rotatividade dos tutores, seja por questões pessoais ou diminuição do número de especializandos/as, ocasionou a inserção de novos tutores no curso. Destaca-se que esses/as tutores não passaram pelo momento inicial da formação em decorrência de suas trajetórias em mediação de cursos na modalidade a distância e/ ou experiência prévia na própria instituição do curso, que atendia a um dos critérios da seleção.
O segundo momento formativo contemplou todos/as os/as tutores/as e corresponde às oficinas pedagógicas realizadas pela coordenação pedagógica, no início de cada unidade de aprendizagem, para avaliação e ajustes no processo de mediação; esclarecimento de dúvidas do processo avaliativo dos/as especializandos/as; e compartilhamento de estratégias utilizadas no processo de mediação dos fóruns e resgate dos ausentes no AVA. Além disso, foi oferecido suporte à equipe de tutores para intervenção no fórum temático mediante a disponibilização prévia do tema específico de cada unidade, com a participação dos professores responsáveis pelas diversas unidades de aprendizagem.
O terceiro momento formativo, também comum a todos/as os/as tutores/as, ocorreu na sala virtual do curso, um espaço específico para os/as tutores/as, docentes e a equipe pedagógica, no dispositivo “Fórum da coordenação acadêmica, docentes e tutores”. O objetivo da criação desse espaço interativo foi possibilitar à tutoria o esclarecimento de dúvidas com a equipe de professores especialistas, responsáveis pela construção das UA. As dúvidas relatadas pelos/as especializandos/as no fórum de esclarecimento de dúvidas das UA, quando os tutores não conseguiam esclarecê-las, eram compartilhadas pelos/as mesmos/as tutores/as com a coordenação pedagógica e professores responsáveis, conforme segue:
“Poderia me dar uma luz nas questões 4 e 5 da estação 1? Mesmo com o gabarito explicado, mantenho discordância. […] Como posso responder a esta aluna, gostaria que os responsáveis pela atividade me orientassem sobre esta questão colocada pela aluna.” (T1).
“Professores, a aluna […] questionou como deve ser feita a atividade 2 (análise do prontuário clínico). Segue a fala da mesma: […] estou com muita dúvida e totalmente perdida para realizar a atividade 2 de revisão de prontuário. Já é disponibilizado o prontuário da paciente com todos os dados e desfecho. Em vista disso, não entendi realmente o que é pra fazer. É pra seguir de exemplo? completar? fazer um novo nas modalidades do Soap? Já reli o caso complexo, o material apresentado, só falta um norte.” (T1).
Outro objetivo foi possibilitar aos/às tutores/as o esclarecimento de dúvidas referentes à funcionalidade administrativa e dinâmica do curso, como demonstrado nos exemplos abaixo:
“[…] Outra pergunta é se o AVA vai puxar essa carga horária automaticamente (entendi que sim), e como podemos saber por essa via, qual o passo a passo para saber se o estudante já tem a CH preconizada pelo TESC, ou teremos que abrir cada certificado?” (T2).
“Estou com uma dúvida: os alunos têm até o dia 22.07.2018 para realizar o texto da atividade 3 e os critérios de avaliação estão bem claros. Entretanto, imagino que em alguns casos será necessário refazer a atividade após a primeira postagem, porque alguns alunos têm dificuldade em entender a proposta, aprofundar minimamente a reflexão ou mesmo escrever uma narrativa com clareza e
coerência. Os casos que se enquadrarem nessa situação e postarem antes do prazo, penso em dar um feedback, sugerindo correções, é isso? E aqueles que postarem na data limite e precisarem melhorar, terá uma prorrogação do prazo pra isso?” (T3).
“[…] gostaria de saber sobre os critérios avaliativos das UAs, as quais alguns estudantes ficaram em recuperação. Pois estou recebendo e-mail com essas perguntas!” (T4).
Para além disso, buscava-se privilegiar a autonomia do tutor:
“Ao preparar a postagem no Fórum Temático desta Unidade, percebi que o caso complexo traz nas 3 primeiras páginas a temática de Rede de Atenção, já o material orientador nos orienta a falar sobre mortalidade e violência. Enfim, mudei a dinâmica da primeira semana, aproveitando que os cursistas estão trabalhando a temática de RAS e fiz uma abordagem diferente da proposta inicial, acreditando que fique mais condizente com o material proposto.” (T5).
“Gostaria de sugerir à equipe pedagógica a inserção da Cartilha COES – Determinantes sociais do processo saúde-doença: conceito para uma nova prática em saúde, uma produção da Direção Executiva dos Estudantes de Medicina […]” (T6).
Ademais, buscou-se aprimorar narrativas a partir das devolutivas dos tutores, considerando o conteúdo que o especializando então apresentava, acrescido das devidas considerações, assim como direcionar o processo de trabalho do mediador de aprendizagem para os princípios da área de saúde coletiva, sendo a categoria “trabalho” central no processo de construção do conhecimento.
A partir do trabalho como eixo central, o processo de mediação foi direcionado de modo a estimular os/as especializandos/as para a articulação teoria-prática nos espaços de discussão virtual, como fóruns de abertura, fóruns temáticos e demais atividades avaliativas propostas, considerando as realidades singulares dos respectivos locais de ação.
Como exemplo, no fórum temático da UA1, destinado ao estudo da saúde da criança e do adolescente, uma especializanda compartilhou no grupo a assertiva abaixo, a partir da problematização “Vamos discutir os desafios atuais do SUS? Qual a visão dos trabalhadores do SUS nos locais mais longínquos deste país e qual a percepção do impacto da nova política da atenção básica neste contexto?”:
“[…] Acho que você chegou ao maior desafio para o SUS nos tempos sombrios que virão. Essa PEC 95 conhecida como PEC dos gastos públicos deverá retirar R$ 654 bilhões da saúde. Aí vem a pergunta: como poderemos evoluir se teremos 20 anos sem poder abraçar novos procedimentos que a princípio são caros? A certeza é que o SUS será oprimido em detrimento das grandes obras que os presidentes gostam de fazer para mostrar que suas gestões são grandiosas e visionárias.” (T7).
“[…] Assim como os dois participantes dos vídeos eu também não acredito no FIM do SUS, pelo contrário, acredito que esse continuará emanando novas estratégias e aperfeiçoando outras, pode acontecer que em algum determinado ponto aconteça um enfraquecimento mas no geral vai evoluir sempre para algo positivo (ao menos assim espero!!!).” (T8).
“Acredito nessa evolução positiva porque durante meu dia a dia vejo o desdobrar e o esforço dos profissionais que fazem parte desse sistema driblando as adversidades em prol do melhor para a população. Muito desse sentimento se deve ao acreditar no SUS que ele funciona mais uma vez concordo com o professor Jairnilson os profissionais do SUS são sua melhor arma frente às problemáticas.” (T9).
Nos espaços de discussão coletiva, os tutores fomentavam a troca de experiências entre os/as especializandos/as, como estratégia pedagógica para a ampliação da compreensão dos processos saúde-doença-cuidado, conforme consta nas narrativas dos especializandos compartilhadas no fórum temático da UA 2 – Saúde da Mulher:
“Na minha área de atuação tenho muitos casos similares aos do caso complexo. São pacientes com estilos de vida inadequados favorecido por a cultura alimentar do Nordeste que na verdade é deliciosa mas nem sempre saudável, além de a chamada pinga a qual é muito consumida na região e que misturada com a alimentação, sedentarismo, obesidade, desemprego, estresse, falta de procura de atenção médica e muitas vezes falta de prevenção e promoção por nós o pessoal de saúde faz a mistura perfeita para o desenvolvimento e detecção tardia das doenças crônicas não transmissíveis trazendo como consequências amputações, AVC, IMA, entre outras. Na minha realidade falta muito por fazer ainda para mudar os estilos de vida e prevenir estas temidas doenças que tanto mal traz para o doente como gastos para a saúde pública em geral.” (T10).
“As mulheres da comunidade onde trabalho tem um perfil parecido ao da vila do futuro, sobretudo as que moram nas comunidades distantes do posto. Também tem diferenças a taxa de mortalidade materna é de 0, a taxa de gravidez é de 2.1/100 mulheres; a maioria dos empregados na comunidade são mulheres, elas ficam preocupadas por se superar e estudar e assistem na consulta de planejamento familiar procurando ajuda e conselhos sobre os métodos anticoncepcionais, e como falou a doutora na conferência, o método de anticoncepção de emergência é bem pouco usado. Até agora não tenho identificado algum caso de violência, pode ser que existam, mas as mulheres ficam com vergonha de falar.” (T11).
Portanto, o pensamento crítico reflexivo sobre a realidade sanitária de ação de cada especializando foi estimulado pelos tutores, que desenvolveram estratégias inseridas em seus processos formativos, de modo a qualificar as narrativas dos/as especializandos/as, propondo problematizações a partir do material didático, de conceitos teóricos e da troca de experiências, em uma perspectiva de “educar entre si”.
Na perspectiva da mediação de aprendizagem, o tutor, em sua narrativa, apresentou a referência bibliográfica com o objetivo de incentivar a leitura e aprofundar as discussões no fórum, conforme segue:
“Sua narrativa coaduna com Guimarães et al.20 ao ressaltarem: Importante destacar a APS como tendo o papel neste momento de identificar precocemente os casos, ser muito resolutiva nos casos leves e encaminhar rápida e corretamente os casos graves. As medidas para enfrentar uma pandemia não são fechamento de unidades e afastamento da população, mas coordenação do cuidado e compreensão dos fluxos de atendimento na rede.” (T12).
Ainda no processo de mediação, o tutor inseriu, oportunamente, conceitos teóricos nos espaços de discussão coletiva, de forma a destacá-los e, assim, proporcionar maior clareza, compreensão e qualificação das narrativas dos/as especializandos/as, conforme segue:
O Método Clínico Centrado na Pessoa (MCCP) é uma ferramenta clínica centrada na pessoa, e não na doença. Esse método foi desenvolvido no Canadá por uma assistente social e um grupo de trabalho multiprofissional (médico de família e comunidade e enfermeiras). Sustenta-se em uma abordagem compreensiva e em uma ênfase na qualidade da relação profissional-pessoa.” (T13).
Ao mesmo tempo, verificou-se, no processo de mediação, o destaque para a troca de experiências, que se consolida como ferramenta pedagógica potente para uma aprendizagem significativa e como instrumento de mudança de realidade:
“Alguns projetos de intervenção desenvolvidos por cursistas deste grupo têm proposto ações a partir da identificação dos fatores associados a não adesão terapêutica entre pessoas com DCNT’s. Isso demonstra a multiplicidade de situações associadas à dificuldade de adesão e à necessidade de maior conhecimento sobre a população e o território, de modo a produzir intervenções mais específicas e, portanto, mais efetivas […].” (T14).
“Em relação às práticas de saúde, a integralidade ainda exige a instauração de uma visão ampliada por parte dos/as profissionais em direção às diversidades de demandas, à superação das iniquidades e invisibilidades produzidas e ao estabelecimento de projetos terapêuticos orientados às singularidades que se apresentam, buscando-se a construção dialógica do cuidado23. O que podemos fazer nas nossas unidades de saúde para modificar esta realidade?” (T15).
Considerando o aprendizado como processo contínuo de reflexão crítica, os tutores encorajavam os/as especializandos/as a aprimorarem suas atividades. Para isso, o estímulo à leitura como fundamentação teórica e a reflexão sobre o território de atuação eram constantes, conforme trecho destacado:
“A Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso reconhece que o principal problema que pode afetar o idoso é a perda da sua capacidade funcional e é consequência da evolução de suas enfermidades e de seu estilo de vida […].
Na sua realidade, algum idoso já apresentou ou apresenta caso semelhante ao de Dona Julia? Como abordar os idosos “nervosos” e tristes diante de determinadas situações cotidianas? Quais as representações das pessoas sobre a relação entre envelhecimento e saúde para os idosos na Vila do Futuro e na sua realidade? Como garantir a integralidade do cuidado da pessoa idosa na Vila do Futuro e na sua realidade? Quais são as principais competências profissionais no cuidado integral ao idoso? Lembre-se de fundamentar suas colocações através dos referenciais bibliográficos disponíveis em: Material Básico e Material Adicional.” (T16).
Para o alcance dos resultados no acompanhamento dos/das especializandos/as, foi fundamental a presença sistemática do/a tutor/a no AVA, a resposta oportuna ao esclarecimento de dúvidas, a mediação dos fóruns temáticos e o compartilhamento individual dos resultados pedagógicos obtidos.
O apoio à equipe da tutoria foi realizado pela equipe pedagógica, que, para isso, criou espaços interativos, para além do AVA, a exemplo de e-mails pessoais, contato por celular e a criação de grupo no WhatsApp. Essa estratégia visou maior agilidade na disseminação de informação
A coordenação pedagógica foi responsável pelo acompanhamento diário, no AVA, do trabalho dos tutores, via participação de especializandos/as e tutores nos fóruns, para verificação das estratégias de mediação utilizadas, qualidade das intervenções, estímulos à participação utilizados e tempo de retorno às dúvidas dos/as especializandos/ as. Para acompanhamento dessa frequência, no AVA, foi criado um instrumento estruturado com os seguintes itens: nome do tutor, grupo, nome dos/das especializandos/as, unidade de aprendizagem e suas respectivas atividades e frequência semanal.
Os tutores mantiveram canais de contato direto com os/as especializandos/as para orientações, soluções de dúvidas e outras necessidades individuais, enquanto a coordenação pedagógica esteve presente no AVA, norteando o trabalho dos tutores.
Com relação aos TCC, nas T1, VR e T2, a proposta do curso foi a realização de uma intervenção aplicada e avaliada no território de atuação do cursista. Posteriormente, nas T3 e T4, em decorrência da pandemia do coronavírus, a proposta foi alterada para um projeto de intervenção sem a sua aplicação, devido às condições sanitárias desfavoráveis. No entanto, esteve presente, em todas as turmas, a orientação para que o/a especializando/a mantivesse diálogo com a equipe de saúde para definição do tema do projeto, de modo a refletir um problema prioritário de saúde do território de atuação do aluno e de interesse da equipe.
A UA relativa à metodologia do TCC foi desenvolvida, em todas as turmas, de forma transversal ao curso, com o objetivo de apoiar o aluno na construção individual do seu TCC. Nesse componente curricular, foram propostas atividades de planejamento, execução (e avaliação, para as turmas iniciais) de um projeto de intervenção em saúde, voltado para a implantação de práticas de saúde, no contexto de trabalho do PMM, no âmbito da Atenção Primária à Saúde (APS).
No que tange aos resultados, o primeiro aspecto considerado foi o tema de escolha do TCC, bem como suas abordagens. Para a seleção dos temas dos TCC, foram escolhidos os termos que mais apareceram e que estavam associados às UA do curso como apresentado no Gráfico 1
Gráfico 1 – Temas de TCC desenvolvidos por turma. Salvador, Bahia, Brasil – 2022.
P r i nc i pai s te m a s do s TC C
T1 - 260 Trabalhos Apresentados VR - 109 Tra balhos Apresentados
T2 - 27 0 Trabal hos Apresentados T3 - T4 - 17 2 Traba lhos Apresentados
Fonte: Elaboração própria.
De forma geral, como apresentado acima, os temas escolhidos pelos/as cursistas privilegiaram os principais problemas de saúde da população, com destaque para as doenças crônicas não transmissíveis, implicando a organização da APS/AB e contribuindo para a saúde coletiva, além de estarem inseridos nos títulos da maioria dos TCC.
Foi possível inferir que as escolhas pelos principais problemas de saúde da população, no dado território de atuação do cursista, envolveram a participação da equipe e sua ponderação sobre a necessidade de ações de todos os profissionais/trabalhadores da equipe, no sentido da intervenção sobre o referido problema, evidenciando a perspectiva de uma ação baseada na interprofissionalidade.
Ressalta-se que não foram apresentados projetos de intervenção atinentes aos problemas de serviços de saúde, apesar de constar indicação dessa possibilidade nas orientações da unidade de aprendizagem de metodologia do TCC.
Finalmente, no que tange às abordagens, como apontou Ferreira24 em análise aprofundada dos TCC da T1 em recente dissertação de mestrado em saúde comunitária do
Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do ISC-UFBA, foram encontrados projetos de intervenção em todas as temáticas das UA, com maior ênfase na prevenção de agravos, com foco nas doenças, em detrimento da promoção da saúde, o que evidencia a necessidade da continuidade da formação desses profissionais, quando se almeja mudanças no modelo de atenção à saúde.
Os resultados apresentados neste artigo, acerca da experiência desenvolvida pelo ISC e Famed/UFBA na oferta do curso de especialização aos médicos do PMM, revelaram que essa foi uma iniciativa inovadora, desde o ponto de vista teórico e metodológico, a estrutura curricular, os dispositivos pedagógicos utilizados, até a articulação das atividades com o processo de trabalho do médico na APS. O estudo sugere que é possível que essa estrutura interdisciplinar, com base no trabalho como princípio educativo24, proporcione uma reflexão crítica dos cursistas sobre a prática médica desenvolvida nos serviços de atenção primária, tanto por eles como pelas equipes de saúde da família em que estão inseridos.
O modelo pedagógico adotado e a estrutura curricular do curso mostraram potencialidades para a construção da desafiadora interdisciplinaridade, que se fez enfatizando a contribuição de cada disciplina em distintas unidades25.
No que diz respeito ao processo, as narrativas apresentadas no ambiente virtual de aprendizagem mostraram vivências e experiências refletidas à luz do referencial teórico do curso, possibilitando a construção de uma práxis potencialmente transformadora nos processos de trabalho em saúde, como preconizado pelos princípios e diretrizes da educação permanente em saúde26
A importância da formação dos tutores do ensino a distância (EaD), também ressaltada por Oliveira e Pinto28, por suas contribuições relevantes para a política de educação permanente em saúde no Brasil é evidenciada neste estudo pela ênfase na mediação da aprendizagem de qualidade, dialógica, interativa, capaz de influir no olhar e no pensar do profissional especializando, não só sobre a doença, mas também sobre o sistema de saúde, as condições de vida da população assistida, as limitações e potencialidades das equipes de saúde, entre outros. O tutor é o sujeito que, ao longo do curso, produz com os/ as estudantes a tessitura dos conteúdos dos diversos componentes da estrutura curricular, tradicionalmente ofertados separadamente. Nessa experiência, eles enfrentam o desafio de se orientar diante de problemas de saúde para elaborar estratégias individuais e coletivas para seu enfrentamento.
Quanto aos resultados referentes aos temas escolhidos para os projetos de intervenção dos TCC, eles coadunam com aqueles encontrados por Araújo et al.29, em cursos realizados pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Esses autores analisaram a distribuição temática dos TCC ao longo de cinco anos (2013 a 2017), observando o destaque às doenças crônicas não transmissíveis, principalmente a hipertensão arterial sistêmica e o diabetes, além da inclusão da temática saúde mental, a partir de 2016. Os autores, assim como o estudo de Ferreira24, atribuem o perfil dos TCC desses cursos à ênfase na doença na formação profissional.
Com relação à importância e à vasta produção acadêmica sobre formação profissional em saúde em nível de especialização, são poucos os estudos que abordam processos educativos de profissionais médicos que atuam na Atenção Básica. Se, por um lado, a reflexão crítica sobre a formação médica superespecializada tem sido bem compreendida em determinados segmentos de formação desses profissionais, comprometidos com a superação das desigualdades sociais em saúde e com a necessidade de mudança no modelo de atenção, tendo inclusive influenciado a inserção de novas disciplinas na estrutura curricular da formação médica, visando ampliar o olhar desse profissional, por outro lado, a persistência da hegemonia do modelo médico assistencial, e do ensino disciplinar, concorre para que persista a inadequação da formação médica, prejudicando a oferta de atendimento adequado às necessidades de saúde das populações nos territórios. O esforço de desenvolver um curso com uma abordagem interdisciplinar, estruturado de modo orientado por princípios que apontam para a construção de novos modelos de atenção à saúde, deve necessariamente estar aliado a um processo de reflexão crítica sobre a prática de ensino-aprendizagem em si e seus resultados. Neste estudo, adotar ao referencial teórico de Donabedian, embora muito utilizado para analisar qualidade em serviços de saúde, contribuiu para organizar a experiência em termos de estrutura, processo e resultados, permitindo identificar a validade do esforço e os desafios que essa proposta tem a enfrentar, tal como a interdisciplinaridade, na produção do conhecimento, e a integralidade, no cuidado, em um sistema de saúde e um sistema educacional em saúde estruturados em torno da doença. O desafio é ainda mais significativo quando se trata de uma oferta educacional voltada para profissionais da Atenção Básica do SUS, a porta fragilizada do sistema. O que motiva a proposta do curso é contribuir para que as atividades realizadas possam impactar, de algum modo, não só o processo formativo dos médicos, mas, sobretudo, as práticas de profissionais em exercício com as populações vulneráveis a todo tipo de doenças e agravos. A busca pela
ampliação da perspectiva desse profissional tenta contribuir para superar alguns limites da formação médica na compreensão dos problemas de saúde e desenvolver a capacidade de atuar na prevenção de doenças e promoção da saúde. Essa perspectiva pode fortalecer as iniciativas de formação médica que visam atender ao direito à saúde e à cidadania. Entretanto, somente a continuidade desse tipo de formação, com o correspondente processo de avaliação de impacto nos serviços de saúde, poderá apresentar resultados mais robustos e explicitar os limites e potencialidades dessas experiências.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Catharina Leite Matos Soares, Ednir Assis, Gabriela Rangel-S, Jane Mary Guimarães, Maria Lígia Rangel-S e Yara Oyram.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Catharina Leite Matos Soares, Ednir Assis, Gabriela Rangel-S, Jane Mary Guimarães, Maria Lígia Rangel-S e Yara Oyram.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Catharina Leite Matos Soares, Ednir Assis, Gabriela Rangel-S, Jane Mary Guimarães, Maria Lígia Rangel-S e Yara Oyram.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Catharina Leite Matos Soares, Ednir Assis, Gabriela Rangel-S, Jane Mary Guimarães, Maria Lígia Rangel-S e Yara Oyram.
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Recebido: 11.3.2022. Aprovado: 9.5.2022. Publicado: 7.7.2022.
Miguel Andino Depallensa
https://orcid.org/0000-0001-6499-8437
Emerson Gomes Garciab
https://orcid.org/0000-0002-5752-840X
Ramon da Costa Saavedrac
https://orcid.org/0000-0003-4892-0052
José Cristiano Sosterd
https://orcid.org/0000-0002-2109-5905
Tereza Cristina Paim Xavier Carvalhoe
https://orcid.org/ 0000-0002-8148-7599
Resumo
No Brasil, múltiplas políticas foram desenvolvidas para atender às demandas da saúde materno-infantil. Em 1983, sob pressão do movimento feminista, iniciou-se um programa voltado para a atenção à saúde da mulher “em sua totalidade” – o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM). Embora a Constituição Cidadã de 1988 afirme, no artigo 186 dos direitos sociais, que a saúde é um bem universal, essa premissa de fato nunca foi alcançável em todo território brasileiro, apesar de toda a formulação de a Médico. Docente do Curso de Medicina da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Tutor do Programa Mais Médicos – Bahia. Doutorando em Saúde Coletiva pela Universidade Federal da Bahia. Mestre em Saúde Coletiva pela Universidade do Mato Grosso do Sul e Universidade Federal do Sul da Bahia. Especialista em Medicina de Família e Comunidade. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: miguel.depallens@gmail.com
b Enfermeiro Obstetra. Especialista em Saúde da Família. Mestre em Enfermagem. Doutor em Administração pela Universidade Federal da Bahia. Diretor do Programa Mais Médicos – Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: emerson.garcia@saude.ba.gov.br
c Dentista. Doutorando em Saúde Coletiva pela Universidade Federal da Bahia. Sanitarista da Diretoria de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Saúde da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: rcsaavedra40@gmail.com
d Enfermeiro. Diretor da Atenção Básica da Saúde do Estado da Bahia Mestrando em Administração pela Universidade Federal da Bahia. Residência em Saúde Coletiva pela Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul. Especialista em Micropolítica de Saúde pela Universidade Federal Fluminense. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: cristianodab2@gmail.com e Médica. Especialista e com Residência Médica em Neonatologia. Especialista em Gestão para o SUS. Subsecretária de Saúde do Estado da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: tereza.paim@saude.ba.gov.br
Endereço para correspondência: 4ª Avenida, n. 400, Centro Administrativo da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 40301-110. E-mail: emerson.garcia@saude.ba.gov.br
políticas e estratégias, como o Programa Saúde da Família. Assim, o Programa Mais Médicos pelo Brasil (PMMB) foi estruturado em 2013 na expectativa de fortalecer a Estratégia Saúde da Família, garantindo o acesso universal ao Sistema Único de Saúde (SUS) por meio da Atenção Primária. O objetivo deste trabalho foi estudar o efeito desse programa em nosso país. No Brasil, a razão da mortalidade materna (RMM) passou de aproximadamente 140, em 1990, para 57 óbitos maternos por cem mil nascidos vivos (NV) em 2019. Na Bahia, em 2019, foi registrada uma RMM de 51,2. Em 2020, esse índice alcançou o valor de 81,1. Apesar dos avanços significativos, esses resultados estão ainda distantes da meta dos objetivos de desenvolvimento do milênio (ODM), que foi definida em 35,8 em 2015. Os resultados também demonstram a existência de dificuldades para atingir a meta dos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), ou seja, trinta por cem mil NV até 2030, conforme o que foi demonstrado na análise dos dados discutidos neste artigo. Palavras-chave: Saúde. Gravidez. PMMB.
BAHIAN REGIONS BETWEEN 2010-2019
Abstract
In Brazil, multiple policies have been developed to meet the demands of maternal and child health. In 1983, pressured by feminist movement, the country implemented a program to focus on women’s health ‘in its entirety’ – the Comprehensive Women’s Health Care Program (PAISM). Although the 1988 Citizen Constitution states, in its Article 186, that health is a universal good, this premise has never in fact been achievable throughout Brazil, despite all the policies and strategies developed, such as the Family Health Strategy. As such, the More Doctors Program for Brazil (PMMB) was structured in 2013 to strengthen the Family Health Strategy, ensuring universal access to the Unified Health System (SUS) through Primary Care. Given this context, this study sought to investigate the effect this program had in the country. In Brazil, the maternal mortality ratio (MMR) went from approximately 140 in 1990 to 57 maternal deaths per 100,000 live births (LB) in 2019. In 2019, Bahia recorded an MMR of 51.2. In 2020, this index reached the value of 81.1. Despite significant advances, these findings are still far from the millennium development goals (MDGs) target, which was set at 35.8 in 2015. The results point to difficulties in achieving the Sustainable Development Goals (SDGs) target, that is, 30 per 100,000 LB by 2030.
Keywords: Health. Pregnancy. PMMB.
En Brasil, se han desarrollado múltiples políticas para atender las demandas de salud materno-infantil. En 1983, bajo la presión del movimiento feminista, se inició un programa orientado hacia la salud de la mujer “en su totalidad”, el Programa de Acción Integral a la Salud de la Mujer (PAISM). A pesar de que la Constitución de 1988 de Brasil dispone en su artículo 186 sobre los derechos sociales que la salud es un bien universal, esa premisa, de hecho, nunca fue alcanzable en todo el territorio brasileño, incluso con la formulación de políticas y estrategias, como el Programa de Salud Familiar. Así, el Programa Más Médicos para Brasil (PMMB) se estructuró en 2013 con la expectativa de fortalecer la Estrategia de Salud Familiar, garantizando el acceso universal al Sistema Único de Salud (SUS) a través de la Atención Primaria. El objetivo de este trabajo fue evaluar el efecto de este programa en el país. En Brasil, la razón de mortalidad materna (RMM) aumentó de aproximadamente 140 en 1990 para 57 muertes maternas por 100.000 nacidos vivos (NV) en 2019. En Bahía, en 2019 se registró una RMM de 51,2. En 2020 este índice alcanzó el valor de 81,1. A pesar de los avances significativos, estos resultados todavía están lejos de la meta de los Objetivos de Desarrollo del Milenio (ODM), que se fijó en 35,8 en 2015. Los resultados también demuestran las dificultades que existen para alcanzar la meta de los Objetivos de Desarrollo Sostenible (ODS), es decir, de 30 por 100.000 NV para 2030, como lo demuestra el análisis en este artículo. Palabras clave: Salud. Embarazo. PMMB.
A atenção à saúde das mulheres no período pré-natal constitui uma ferramenta fundamental para alcançar os melhores desfechos na população materno-infantil e reduzir as complicações perinatais. No Brasil, o acompanhamento clínico das gestantes no Sistema Único de Saúde (SUS) é realizado pelas equipes multiprofissionais de Atenção Primária à Saúde (APS), essencialmente pelos profissionais de enfermagem e medicina. Nesse sentido, a expansão da Estratégia de Saúde da Família (ESF) – que atua a partir da vigilância em saúde das comunidades adstritas – permitiu ampliar a atenção integral dessas populações, orientada pelas necessidades de saúde identificadas.
No Brasil, múltiplas políticas foram desenvolvidas para atender às demandas da saúde materno-infantil. Um dos primeiros passos ocorreu em 1940 com a criação do
Departamento Nacional da Criança, que fortaleceu os cuidados às crianças e às suas mães. Na década de 1970, o Programa de Saúde Materno-Infantil e o Programa de Prevenção à Gravidez de Alto Risco foram implementados enquanto programas verticais de atenção à saúde. Em 1983, sob pressão do movimento feminista, foi criado um programa voltado para a atenção à saúde da mulher “em sua totalidade”: o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM). A Constituição de 1988 fortalece os direitos reprodutivos, enfatizando o direito ao aleitamento materno, a proteção das gestantes, mães e crianças, a licença-maternidade, o planejamento familiar, entre outros. Nos anos 1990, as recém-aprovadas Leis Orgânicas da Saúde, n° 8.080 e n° 8.142, promoveram a operacionalização do SUS por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde embasadas na participação e controle social fortalecendo as medidas para encerrar o ciclo do modelo assistencial médico-privatista. Nesse sentido, em 1994, o Ministério da Saúde operacionaliza o Programa de Saúde da Família (PSF) por meio da atuação de equipes multiprofissionais, atuando com base em uma estratégia de vigilância ativa da população e com o objetivo principal de reduzir as taxas de mortalidade infantil. Alguns anos depois, a Portaria nº 569/2000 implementou o Programa Nacional de Humanização do Pré-Natal e Nascimento (PNHPN), que almeja impactar as altas taxas de mortalidade neonatal, perinatal e materna no Brasil. Essa última estratégia tinha alguns objetivos concretos, por exemplo, a captação precoce na consulta de pré-natal, até o quarto mês de gestação, a realização de no mínimo seis consultas até o parto e uma no puerpério, a garantia de alguns exames-chave (por exemplo: tipagem sanguínea, VDRL, hemoglobina, testagem anti-HIV, entre outros), bem como a atualização do esquema vacinal, classificação de risco gestacional e vinculação às unidades de referência para atendimento à gestação de alto risco1
Embora a Constituição Cidadã de 1988 afirme, no artigo 186 dos direitos sociais, que a saúde é um bem universal, essa premissa de fato nunca foi alcançável em todo o território brasileiro, apesar da formulação de políticas e estratégias, como o Programa Saúde da Família.
Assim, o Programa Mais Médicos pelo Brasil (PMMB) foi estruturado em 2013 na expectativa de fortalecer a Estratégia Saúde da Família, garantindo, assim, o acesso universal ao SUS por meio da Atenção Primária à Saúde (APS). Para isso, três eixos formam os pilares desse programa: provimento de médicos na APS, apoio financeiro na construção ou reforma de unidades básicas de saúde e ampliação de vagas de graduação em medicina e residência médica2. Neste estudo, o foco maior foi dado ao eixo de provimento (Projeto Mais Médicos), que possibilitou uma expansão considerável na cobertura da população brasileira pela ESF.
No Brasil, a razão de mortalidade materna (RMM) passou de aproximadamente 140, em 1990, para 57 óbitos maternos por cem mil nascidos vivos (NV) em 2019. Na Bahia,
em 2019, foi registrada uma RMM de 51,2, enquanto em 2020 esse índice alcançou o valor de 81,1. Apesar dos avanços significativos, esses resultados ainda estão distantes da meta dos objetivos de desenvolvimento do milênio (ODM), que foi definida em 35,8 em 2015.
Os resultados também demonstram a existência de dificuldades para atingir a meta dos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), ou seja, trinta por cem mil NV até 2030 (Figura 1).
Figura 1 – Óbito materno por cem mil nascidos vivos. Salvador, Bahia, Brasil –1990 a 2019
Tendência joinpoint
RMM
Vigilância de óbito
Meta ODM = 35,8
Meta ODS = 30
Em 2009, foram registrados no Brasil 72 óbitos para cada cem mil nascidos vivos, enquanto países como Canadá e Estados Unidos registram, em média, valores de 11/100.000 NV, demonstrando a disparidade entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Acredita-se que na América Latina, cerca de 15 mil mulheres morrem por ano devido a complicações na gravidez, no parto ou no puerpério. Cabe ressaltar que aproximadamente 95% dos óbitos são considerados evitáveis3 Sabe-se que o parto cesariano expõe a mulher a um maior risco de complicações e morte. Esse risco aumentado pode ser associado a tromboembolismo, infecção puerperal e complicações anestésicas4. Sobre as principais causas de morte materna, destacam-se doença hipertensiva da gestação, infecção pós-aborto e hemorragias5
A pré-eclâmpsia/eclâmpsia continua sendo a primeira causa de morte materna no Brasil e determina o maior número de óbitos perinatais, além do aumento significativo do número de neonatos com sequelas, caso sobrevivam aos danos da hipóxia cerebral. As aferições
da pressão arterial em todas as consultas de pré-natal e instauração de condutas de tratamento corretas permitiriam salvar muitas mulheres e crianças6.
Este artigo tem o objetivo de expor os resultados intermediários de uma pesquisa que visa avaliar os impactos do PMMB – por meio da expansão da ESF – sobre os desfechos materno-infantis.
O foco principal será a RMM e será analisada, especificamente, a situação de três regiões de saúde do estado da Bahia (Camaçari, Guanambi e Salvador) sob uma perspectiva transversal e descritiva.
A morte materna foi definida como “a morte de uma mulher durante a gestação ou dentro de um período de 42 dias após o término da gestação, independentemente da duração ou da localização da gravidez, devida a qualquer causa relacionada com ou agravada pela gravidez ou por medidas em relação a ela, porém não devida a causas acidentais ou incidentais”7, em conformidade com a Organização Mundial da Saúde (OMS), na décima revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10)7.
A taxa, coeficiente ou razão de mortalidade materna (RMM) é um indicador que permite ajustar o número absoluto de óbitos maternos ao número de gestação em um local definido. De acordo com os sistemas de informações em saúde vigentes, o melhor indicador encontrado para esse ajuste foi o número de nascidos vivos (NV). Dessa forma, a RMM é calculada pela relação do número de mortes maternas por cem mil nascidos vivos de mães residentes em um espaço geográfico definido, no ano considerado8.
As regiões de saúde selecionadas para análise são Camaçari, constituída por seis municípios que totalizam uma população de 626.687 habitantes; Guanambi, com 22 municípios e população de 477.796 habitantes; e Salvador, que contempla dez municípios e população de 3.489.230 habitantes, por englobar a capital do estado. Enquanto a região de Guanambi faz parte da macrorregião de saúde sudoeste, Camaçari e Salvador fazem parte da macrorregião de saúde leste.
Considerando o período de estudo de 2010 a 2019, são apresentadas a seguir as populações dessas regiões de saúde nos referidos anos (Tabela 1).
Tabela
e Salvador, Bahia, Brasil – 2010 e 2019
Os indicadores levantados neste estudo estão caracterizados a seguir, com suas respectivas fontes de dados:
1) População anual e cobertura municipal anual no mês de dezembro de cada ano entre 2010 e 2020 e das regiões de saúdefa;
2) Número de médicos do PMMB nos municípios das regiões no mesmo período (dados levantados pela Sesab por meio dos editais publicados no Diário Oficial da União);
3) Número de consultas de pré-natal nos municípios das regiões no mesmo período, conforme município de residência das parturientes de nascidos vivosgb;
4) Número de nascidos vivos nos municípios das regiões no mesmo período, conforme município de residência das parturienteshc;
5) Número de óbitos maternos nos municípios das regiões no mesmo período, conforme município de residência das parturientesid;
6) Cálculo da taxa de mortalidade materna (número de óbitos maternos por cem mil nascidos vivos);
7) Número de procedimentos após abortamento retido aspiração manual intrauterina e curetagem.
No período analisado, de 2010 a 2019, a taxa de mortalidade materna por cem mil nascidos vivos apresentou maiores oscilações nas regiões de Guanambi, cujos menores índices ocorreram nos anos de 2012 e 2014 (vinte por cem mil nascidos vivos) e o maior valor encontrado foi justamente entre esses dois anos, em 2013 (120 por cem mil nascidos vivos).
A região de Camaçari também apresentou comportamento heterogêneo, variando entre a taxa de vinte por cem mil nascidos vivos nos anos de 2014 e 2015 e noventa por cem mil nascidos vivos em 2012, sendo a região que apresentou maior tendência de queda no período. A região de saúde de Salvador apresentou menor variação, permanecendo durante todo o período com a taxa de noventa por cem mil nascidos vivos em 2010 e cinquenta por cem mil nascidos vivos em 2019. Camaçari e Salvador apresentaram uma tendência de queda mais acentuada no período analisado (Figura 2).
f Disponível em: https://egestorab.saude.gov.br/paginas/acessoPublico/relatorios/relHistoricoCoberturaAB.xhtml
g Disponível em: http://www3.saude.ba.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinasc/nvba.def
h Disponível em: http://www3.saude.ba.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinasc/nvba.def
Disponível em: http://www3.saude.ba.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sim/obitomat.def
Figura 2 – Taxa de mortalidade materna por cem mil nascidos vivos nas regiões de Salvador, Camaçari e Guanambi entre 2010 e 2019. Camaçari, Guaniambi e Salvador, Bahia, Brasil – 2010 e 2019
Com relação à proporção de óbitos maternos, segundo raça/cor, nos anos de 2010 e 2019, verifica-se que a raça/cor preta é a única cujo percentual aumenta nas três regiões analisadas. A raça/cor branca apresenta diminuição nas proporções de óbitos maternos nas regiões de Camaçari e Guanambi, mantendo-se a mesma em Salvador. Já com relação à raça/ cor parda, ocorre decréscimo em Camaçari e Salvador e aumento em Guanambi (Tabela 2).
Tabela 2 – Proporção de óbitos maternos segundo raça/cor nas regiões de saúde de Camaçari, Guanambi e Salvador, 2010 e 2019. Camaçari, Guaniambi e Salvador, Bahia, Brasil – 2010 e 2019
O indicador relativo à escolaridade materna apresenta-se como uma informação frágil, uma vez que na maioria dos casos trata-se de um dado ignorado. Ainda assim, percebe-se que entre as mães cuja informação foi identificada, a maioria apresentou tempo de escolaridade que variou de quatro a 11 anos (Tabela 3).
Tabela 3 – Número de anos de estudo da mãe nas regiões de saúde de Camaçari, Guanambi e Salvador, 2010 e 2019. Camaçari, Guaniambi e Salvador, Bahia, Brasil – 2010 e 2019
No que tange ao tipo de causa obstétrica, tanto em 2010 quanto em 2019, as causas indiretas predominaram nas regiões de Camaçari e Salvador, enquanto as causas diretas predominaram em Guanambi (Tabela 4).
Tabela 4 – Causas obstétricas, segundo tipo, ocorridas nas regiões de saúde de Camaçari, Guanambi e Salvador, 2010 e 2019. Camaçari, Guaniambi e Salvador, Bahia, Brasil – 2010 e 2019
Como era de se esperar, os partos do tipo cesariano realizados pelo SUS alcançaram valores bem superiores na região de saúde de Salvador, não apenas por ser o território com maior densidade populacional, mas também por ter uma rede assistencial mais robusta. Enquanto as cesarianas pelo SUS nas regiões de Camaçari e Guanambi, em sua grande
maioria, não ultrapassam o quantitativo de duas mil, em Salvador está sempre margeando o valor de dez mil cesarianas (Figura 3).
Figura 3 – Número de partos cesarianos realizados pelo SUS nas regiões de saúde de Camaçari, Guanambi e Salvador, de 2010 a 2019. Camaçari, Guaniambi e Salvador, Bahia, Brasil – 2010 e 2020
No que se refere à cobertura da Estratégia de Saúde da Família (ESF) nas três regiões de saúde analisadas, percebe-se, claramente, a maior cobertura na região de Guanambi, que avançou de pouco menos de 80% em 2010 para 90% em 2019; enquanto a cobertura na região de Camaçari progrediu de 60% para 70% no mesmo período. Já a região de Salvador, embora tenha apresentado a maior variação positiva, de aproximadamente 22% de cobertura da ESF em 2010 para em torno de 38% em 2019, ainda demonstra índices aquém dos minimamente desejados para essa importante intervenção de atenção básica à saúde (Figura 4).
Paradoxalmente, ao avaliar o número de médicos do Programa Mais Médicos pelo Brasil (PMBB) nas respectivas regiões de saúde, ou mesmo a proporção de médicos do PMMB que compõem equipes da ESF, verifica-se a notória predominância desses profissionais na região de Salvador, com aumento vertiginoso nos primeiros anos do período analisado, acompanhado de uma tendência de queda nos períodos seguintes, ainda que se mantendo sempre acima das outras duas regiões observadas (Figuras 5 e 6).
Figura 4 – Cobertura de ESF (%) nas regiões de saúde de Camaçari, Guanambi e Salvador entre 2010 e 2020. Camaçari, Guaniambi e Salvador, Bahia, Brasil – 2010 e 2020
Figura 5 – Número de médicos do PMMB nas regiões de Camaçari, Guanambi e Salvador entre 2013 e 2021. Camaçari, Guaniambi e Salvador, Bahia, Brasil – 2013 e 2021
Salvador; Soma de 2015; 184
Salvador; Soma de 2020; 190
Salvador; Soma de 2018; 137
Salvador; Soma de 2013; 37
Guanambi; Soma de 2015; 44 Guanambi; Soma de 2020; 39
Guanambi; Soma de 2013; 16 Camaçari; Soma de 2013; 6
Fonte: Ministério da Saúde.
Camaçari; Soma de 2015; 29
Camaçari; Soma de 2018; 19
Camaçari; Soma de 2020; 32 Guanambi; Soma de 2018; 17
Camaçari Guanambi Salvador
Figura 6 – Porcentagem de médicos do PMMB nas Equipes de Saúde da Família das regiões de Camaçari, Guanambi e Salvador entre 2013 e 2021. Camaçari, Guaniambi e Salvador, Bahia, Brasil – 2013 e 2021
Salvador; 2015; 86
Salvador; 2018; 40 Salvador; 2021; 42 Guanambi; 2015; 39
Camaçari; 2015; 33
Guanambi; 2021; 26
Camaçari; 2021; 22
Camaçari; 2018; 19
Salvador; 2013; 16
Camaçari; 2013; 7
Guanambi; 2018; 13
Camaçari Guanambi Salvador
Com relação ao número de consultas de pré-natal realizadas, observa-se que o percentual de parturientes com uma a três consultas sofreu decréscimo em todas as regiões analisadas, o que é um ponto positivo na medida em que indica que as gestantes estão tendo melhor acompanhamento. Isso também pode ser observado na proporção de parturientes com sete consultas ou mais, demonstrando significativo aumento nas três regiões. Nesse quesito destaca-se a região de Guanambi com maior proporção, avançando de 58% em 2010 até 79% em 2019 (Figuras 7 e 8).
Figura 7 – Porcentagem de parturientes de nascidos vivos com uma a três consultas de pré-natal nas regiões de saúde de Camaçari, Guanambi e Salvador entre 2010 e 2019. Camaçari, Guaniambi e Salvador, Bahia, Brasil – 2010 e 2019
Camaçari; 2010; 12
Salvador; 2010; 10
Guanambi; 2010; 6
Salvador; 2019; 8
Camaçari; 2019; 7 Guanambi; 2019; 3
Figura 8 – Porcentagem de parturientes de nascidos vivos com sete ou mais consultas de pré-natal nas regiões de saúde de Camaçari, Guanambi e Salvador entre 2010 e 2019. Camaçari, Guaniambi e Salvador, Bahia, Brasil – 2010 e 2019
Em período fértil passível de maternidade, compreendendo os ciclos etários em que temos menos de 15 anos e mais de 35 anos, existem fatores de risco que podem até levar à morte, quando associados a complicações de saúde como síndromes hipertensivas e hemorrágicas. Como descrito na literatura, adolescentes de até 14 anos, grávidas e primíparas, bem como mulheres com mais de 35 anos em primeira gestação estão mais suscetíveis aos fatores de risco e tendem a desenvolver doença hipertensiva específica da gravidez quando comparadas às gestantes com idade entre 15 e 34 anos. Além disso, mulheres multíparas com mais de 35 anos estão mais propensas ao desencadeamento das síndromes hemorrágicas9,10
A análise literária e os documentos oficiais apontam para a necessidade de observar a situação da mulher negra no Brasil, uma vez que os coeficientes de mortalidade materna apontam que a raça/cor é um indicador a ser observado e necessita ser avaliado na discussão por aqueles que elaboram e constroem as políticas pública de saúde. Esses dados podem ser explicados pela maior associação de patologias hipertensivas e a dificuldade de acesso aos serviços de saúde, que muitas vezes imprimem a baixa qualidade da assistência11
Um estudo realizado no município de São Paulo (SP) constatou que nas áreas mais carentes ocorreu quase o dobro de óbitos maternos em comparação a regiões que apresentam melhor escolaridade, habitação e acesso a serviços de saúde12. Outro estudo retrospectivo realizado em Porto Alegre (RS) registrou que 12,3% dos óbitos maternos estavam relacionados a aborto séptico13.
De acordo com o Manual Técnico de Gestação de Alto Risco, do Ministério da Saúde, 10% a 15% das gestações apresentam hemorragias, que podem representar complicação gestacional ou agravos ginecológicos concomitantes com o período gravídico. As mais importantes situações hemorrágicas são: abortamento, gravidez ectópica, mola hidatiforme e descolamento corioamniótico, comuns na primeira metade da gestação; e placenta prévia, deslocamento prematuro de placenta, rotura uterina e vasa prévia na segunda metade da gestação14
No entanto, vale ressaltar que essas causas podem ser prevenidas ou controladas, já que durante o pré-natal várias patologias podem ser diagnosticadas e tratadas previamente, evitando assim complicações que podem levar ao óbito materno e neonatal. Reforçando essa ideia, estudos destacam a importância da realização de pré-natal para identificação de riscos potenciais, garantia de suporte nutricional à gestante, tratamento de doenças e estabelecimento de programa de imunização materna, objetivando diminuir o risco obstétrico15
A análise por grupos de causas demonstra que a hipertensão, a hemorragia, as infecções puerperais, as doenças do aparelho circulatório complicadas pela gravidez, parto e puerpério e o aborto são as cinco principais causas de morte maternal.
De acordo com as orientações do Ministério da Saúde e da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), uma gestante deve ter no mínimo seis consultas de pré-natal. No entanto, caso a gestante consiga, deverá realizar seguidas consultas mensais até o sétimo mês, por se tratar de um procedimento fundamental para garantir que a mulher e o bebê tenham uma gestação e um parto saudáveis e sem complicações. O acompanhamento, além de prevenir e diagnosticar precocemente doenças e problemas que podem se agravar, também orienta a mulher sobre temas importantes referentes à maternidade.
O processo de implementação do Programa Mais Médicos (PMM), com a inserção de profissionais em Equipes de Saúde da Família, trouxe importantes resultados que indicam a instituição de política pública alinhada com os preceitos constitucionais e um importante instrumento para a efetivação do direito à saúde. Contudo, o êxito do PMM não deve impedir a realização de estudos que permitam acompanhar o desenvolvimento do programa e que direcionem para o aperfeiçoamento de ações já existentes.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Miguel Andino Depallens, Emerson Gomes Garcia, Ramon da Costa Saavedra, José Cristiano Soster e Tereza Cristina Paim Xavier Carvalho.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Miguel Andino Depallens, Emerson Gomes Garcia, Ramon da Costa Saavedra, José Cristiano Soster e Tereza Cristina Paim Xavier Carvalho.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Miguel Andino Depallens, Emerson Gomes Garcia, Ramon da Costa Saavedra, José Cristiano Soster e Tereza Cristina Paim Xavier Carvalho.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Miguel Andino Depallens, Emerson Gomes Garcia, Ramon da Costa Saavedra, José Cristiano Soster e Tereza Cristina Paim Xavier Carvalho.
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3. Brasil. Ministério da Saúde. Manual dos comitês de mortalidade materna. 3a ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2009.
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Recebido: 17.3.2022. Aprovado: 10.5.2022. Publicado: 7.7.2022.
José Luiz Moreno Netoa
http://orcid.org/0000-0002-9066-6476
Caíque Beijes da Paixãob
http://orcid.org/0000-0002-9725-9005
Jorgana Fernanda de Souza Soaresc
https://orcid.org/0000-0003-0448-8130
Resumo
A Atenção Básica em Saúde tem como principal proposta de reorientação do modelo assistencial a Estratégia de Saúde da Família. Contudo, um dos entraves para a sua resolubilidade se dá pela falta de médicos nas áreas de maior vulnerabilidade. Para atrair esses profissionais, foram instituídas políticas de provimento. Um indicador de qualidade da Atenção Primária em Saúde é a proporção de internações por condições sensíveis à Atenção Básica. O objetivo deste estudo foi descrever a tendência de internações por condições sensíveis à Atenção Básica em um distrito sanitário de Salvador (BA) antes e durante a atuação do Projeto Mais Médicos. Como metodologia, empregou-se estudo de tendência temporal realizado com os dados do Sistema de Informação Hospitalar e do Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde para um distrito sanitário de Salvador (BA), entre 2010 e 2016. Foram calculadas as proporções de médicos pelos programas de provimento e a proporção de internações por condições sensíveis à Atenção Básica em Saúde em geral e para os vinte grandes grupos. Os resultados demonstraram que as internações por condições sensíveis à Atenção Básica variaram de 21,8% do total de internações hospitalares em 2010 para 8,2% em 2016, com redução
a Médico. Doutor em Antropologia. Professor Adjunto 3, Departamento de Medicina Preventiva e Social, Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: jlmorenoneto@gmail.com
b Médico. Residente em Infectologia no Hospital Universitário Professor Edgar Santos, Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: caique.paixao@yahoo.com
c Enfermeira. Doutora em Saúde Pública. Departamento de Medicina Preventiva e Social, Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: jorgana.soares@ufba.br
Endereço para correspondência: Faculdade de Medicina da Bahia. Departamento de Medicina Preventiva e Social. Praça XV de Novembro, s/n, Largo do Terreiro de Jesus. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 40026-010. E-mail: jose.moreno@ufba.br
após a instituição dos programas de provimento. Portanto, parece haver influências dos programas de provimento na redução das internações por condições sensíveis à Atenção Básica, recomendando-se a realização de outros estudos para a comprovação dessa hipótese.
Palavras-chave: Atenção primária à saúde. Hospitalização. Medicina de família e comunidade.
Abstract
Primary Health Care concerns itself with shifting the care model by employing the Family Health Strategy. One obstacle to this resolution is the lack of doctors in the most vulnerable regions. To attract these professionals, hiring policies have been instituted. One indicator of Primary Health Care quality is the proportion of hospitalizations for conditions sensitive to Primary Care. Given this context, this study describes the time trend of hospitalizations for conditions sensitive to Primary Care in a health district of Salvador, Bahia, Brazil, before and during the implementation of the Mais Médicos Project. Data were collected from the Hospital Information System and the National Registry of Health Establishments for the district, between 2010 and 2016. Proportion of physicians by the provision programs and the proportion of hospitalizations for conditions sensitive to Primary Care was calculated in general and for the 20 major groups. Results showed that hospitalizations for conditions sensitive to Primary Care ranged from 21.8% of total hospital admissions in 2010 to 8.2% in 2016, decreasing after implementation of the provision programs. These findings suggest that the provision programs influenced the reduction of hospitalizations for sensitive conditions to Primary Care, pointing to the need for further studies to prove this hypothesis.
Keywords: Primary health care. Hospitalization. Family practice.
PROYECTO MÁS MÉDICOS Y HOSPITALIZACIÓN PARA CONDICIONES SENSIBLES A LA ATENCIÓN PRIMARIA EN EL DISTRITO DE SALUD, SALVADOR, BA, BRASIL
Resumen
La Atención Primaria de Salud tiene como principal propuesta reorientar el modelo asistencial de la Estrategia de Salud Familiar. Sin embargo, uno de los obstáculos para su resolución es la falta de médicos en las zonas de mayor vulnerabilidad. Para atraer a estos profesionales, se instituyeron políticas de contratación. Un indicador de la calidad de la Atención Primaria de
Salud es la proporción de hospitalizaciones por condiciones sensibles a la Atención Primaria. El objetivo de este estudio fue describir la tendencia de internaciones por condiciones sensibles de la Atención Primaria en un Distrito de Salvador, BA (Brasil), antes y durante la ejecución del Proyecto
Más Médicos. Se utilizó en la metodología el estudio de tendencia temporal realizado con datos del Sistema de Información Hospitalaria y del Registro Nacional de Establecimientos de Salud para un Distrito de Salvador, BA, entre 2010 y 2016. Se calcularon la proporción de médicos por los programas de provisión y la proporción de hospitalizaciones por padecimientos sensible a la atención básica de salud en general y para los veinte macrogrupos. Los resultados mostraron que las hospitalizaciones por condiciones sensibles en Atención Primaria oscilaron entre el 21,8% del total de ingresos hospitalarios en 2010 y el 8,2% en 2016, con una mayor disminución después de la institución de los programas de provisión. Se concluye que pudo haber una influencia de los programas de provisión en la reducción de hospitalizaciones por condiciones sensibles a Atención Primaria, lo que se recomienda realizar otros estudios para confirmar esta hipótesis.
Palabras clave: Atención primaria de salud. Hospitalización. Medicina familiar y comunitaria.
A Atenção Básica (AB) é fundamental para a estruturação de um sistema de saúde resolutivo. Os cuidados prestados podem ser medidos por meio de indicadores de cobertura e efetividade1. Nesse nível de atenção, espera-se que a maior parte dos problemas de saúde seja resolvida, bem como haja a coordenação do cuidado na Rede de Atenção à Saúde (RAS)2. Uma das formas de avaliar o desempenho das práticas na AB se dá por meio do uso do indicador Internações por Condições Sensíveis à Atenção Básica (ICSAB). As ICSAB representam doenças e agravos à saúde capazes de causar internações hospitalares, entretanto são passíveis de prevenção na AB3 – principal porta de entrada ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Um dos entraves para a resolutividade da AB é a acessibilidade, já que nem sempre ela cobre a maioria da população, sobretudo nos grandes centros urbanos. Além disso, com relação à presença de unidades básicas de saúde nos territórios, equipes de Saúde da Família (eSF), isso ocorre tanto devido à falta de médicos interessados em trabalhar nas prioritárias quanto devido à dificuldade de retê-los como membros da Estratégia de Saúde da Família (ESF)4,5. Acredita-se que o problema decorra de dois fatores. O primeiro, a baixa autonomia organizacional e técnica do médico em sua prática na AB devido à excessiva burocracia nas relações de trabalho, o segundo, por conta da comunicação inadequada com outros profissionais da equipe de saúde de outros serviços da RAS, necessários ao atendimento do usuário4.
Na tentativa de solucionar esse problema, o Governo Federal constituiu políticas de provimento, tais como o Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (PROVAB) e o Projeto Mais Médicos pelo Brasil (PMMB). O PROVAB, instituído em 2011 6, teve como objetivo estimular e valorizar os trabalhadores da saúde atuantes em equipes multiprofissionais nos municípios de difícil acesso e nos municípios ou de populações de maior vulnerabilidade social, conforme os critérios fixados pela Portaria
1.377 de 13 de junho de 2011 7. Os profissionais eram incentivados a atuar nesses locais por meio do recebimento de uma bolsa e de pontuações diferenciadas nas provas de residências médicas 6
Já o PMMB, criado e regulamentado em 2013, é direcionado apenas aos médicos.
Além da bolsa recebida, o programa também prevê investimentos em infraestrutura de serviços de saúde, fortalecimento da integração ensino e serviço, bem como alterações curriculares para expansão dos cursos de graduação e residência médica, a fim de formar profissionais capacitados para a AB8,9
Por meio da implantação desses programas, obteve-se uma distribuição de médicos em locais antes desassistidos, aumentando a cobertura de AB em várias cidades do Brasil10, inclusive em Salvador, capital do estado da Bahia. A cobertura da ESF no município, entre janeiro de 2010 a janeiro de 2013, antes da instituição dos programas de provimento, encontrava-se, respectivamente, em 13,4% e 13,9%, progredindo para aproximadamente 28% em dezembro de 2016 – três anos após a instituição do PROVAB e do PMMB11 - embora tenha permanecido abaixo da média de cobertura nacional para o mesmo período (51,3% em janeiro de 2010 e 62,6% em dezembro de 2016)11
Salvador, seguindo a diretriz da regionalização do SUS, a qual implica a responsabilização pela assistência à população conforme uma base territorial delimitada12, divide-se em 12 Distritos Sanitários: Barra, Rio Vermelho, Centro Histórico, Boca do Rio, Brotas, Cabula, Beiru, Cajazeiras, Itapagipe, Itapuã, Liberdade, Pau da Lima, São Caetano/Valéria e Subúrbio Ferroviário13, com diferenças importantes no que tange aos determinantes sociais de saúde representados por graus distintos de vulnerabilidade da população adscrita.
O Distrito Sanitário do Subúrbio Ferroviário (DSSF) representa um dos maiores territórios vulneráveis de Salvador, cuja população é majoritariamente negra, de baixa renda e escolaridade, com elevado índice de violência urbana14. Assim, é caracterizado como área prioritária para a implantação dos programas de provimento. Por conta desses indicadores, o DSSF recebeu notória quantidade de médicos do PROVAB e do PMMB13, embora se desconheça a influência desse incremento nos indicadores de saúde.
Com isso, neste artigo, objetivou-se descrever a tendência de Internações por Condições Sensíveis à Atenção Básica em um distrito sanitário de Salvador (BA) antes e durante a atuação do Projeto Mais Médicos.
Trata-se de um estudo ecológico de série temporal descritivo realizado no Distrito Sanitário do Subúrbio Ferroviário (DSSF) de Salvador entre 2010 e 2016. Escolheu-se o período, pois compreende o intervalo anterior e posterior ao recrutamento dos primeiros médicos pelo PROVAB e pelo PMMB ocorrido no ano de 2013. Os dados referentes às ICSAB foram coletados no Sistema de Informação Hospitalar do SUS (SIH-SUS).
Neste estudo, consideraram-se os vinte grupos de condições sensíveis à Atenção Básica15, compreendidos por: (1) Doenças imunizáveis (A33-A37, A95, B16, B05-B06, B26, A17.0, A19), (2) Condições evitáveis (A15-A16, A18, A17.1-A17.9, 00-I02, A51-A53, B50-B54, B77), (3) Gastroenterites infecciosas e complicações (A00-A09, E86), (4) Anemia (D50), (5) Deficiências nutricionais (E40-E46, E50-E64), (6) Infecções do ouvido, nariz e garganta (H66, J00-J03, J06, J31), (7) Pneumonias bacterianas (J13-J14), (8) Asma (J45-J46), (9) Doenças das vias aéreas inferiores (J20, J21, J40-J44, J47), (10) Hipertensão (I10-I11), (11) Angina pectoris (I20), (12) Insuficiência cardíaca (I50, J81), (13) Doenças cerebrovasculares (I63-I67, I69, G45-G46), (14) Diabetes mellitus (E10-E14), (15) Epilepsias (G40-G41), (16) Infecções do rim e do trato urinário (N10-N12, N30, N34), (17) Infecções da pele e do tecido subcutâneo (A46, L01-L04, L08), (18) Doença inflamatória de órgãos pélvicos femininos (N70-N73, N75-N76), (19) Úlcera gastrointestinal (K25-K28), (20) Doenças relacionadas ao pré-natal e parto (O23, A50, P35.0). Obteve-se o número de unidades de atendimento em AB (tanto Unidade de Saúde da Família – USF quanto Unidade Básica de Saúde – UBS), no DSSF, por meio do site da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Salvador. No Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) foram obtidos os números de eSF, entre 2010 e 2016, com médicos vinculados à SMS ou aos programas de provimento (PROVAB e PMMB). Devido à variação mensal do número de médicos conforme o vínculo, calculou-se a média aritmética anual dividindo o somatório do número de médicos mensal pelo número de meses do ano (12).
Na análise de dados foram empregadas técnicas de estatística descritiva. Calculou-se a frequência relativa de ICSAB no Distrito Sanitário do Subúrbio Ferroviário nos anos do estudo. Para tal, dividiu-se o número de ICSAB pelo total de internações no distrito, multiplicando-se por 100. Além disso, calculou-se separadamente as frequências relativas das internações hospitalares para os vinte grupos de condições sensíveis à Atenção Primária, em
relação ao valor total de ICSAB no distrito, multiplicado por 100. Optou-se pelo emprego de frequências relativas ao invés da estimativa do coeficiente de ICSAB devido à indisponibilidade do contingente populacional do DSSF discriminado anualmente para o período proposto.
Para avaliar a tendência global das ICSAB no período após a implantação dos programas de provimento (2014-2016), empregou-se a fórmula
Os dados foram tabulados e analisados em planilhas para dados quantitativos.
Em dezembro de 2016, conforme os dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), havia sessenta equipes de Saúde da Família no DSSF em que atuavam 44 médicos do PMMB, representando 73,3% de cobertura por esse programa. No Gráfico 1, observa-se que o aumento do número médio de médicos nas eSF se deu, a partir de 2013, devido à incorporação dos médicos tanto do PROVAB quanto do PMMB. Salienta-se que, a partir de março de 2015, o PMMB se transformou no único programa de provimento a ofertar médicos para a ESF em Salvador
Gráfico 1 – Média anual entre 2010 e 2016 de médicos conforme o vínculo com a Secretaria Municipal de Saúde de Salvador e com Programas de Provimento.
– 2017
Com relação às ICSAB, observa-se que houve um decréscimo na sua proporção entre 2010 e 2016, variando de 21,8% do total de internações hospitalares em 2010 a 8,2%
em 2016, representando diminuição de 2,7 vezes no período analisado. Observa-se que a redução foi mais acentuada a partir de 2013, ano em que foram implantados os programas de provimento no DSSF (Tabela 1).
Tabela 1 – Internações hospitalares e por Condições Sensíveis à Atenção Básica, no Distrito Sanitário do Subúrbio Ferroviário de Salvador entre 2010 e 2016. Salvador, Bahia, Brasil – 2017
Fonte: Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH-SUS).
Entre as ICSAB, percebe-se que, de 2010 a 2016, houve decréscimo no DSSF, exceto para a doença inflamatória de órgãos pélvicos femininos, bem como para doenças relacionadas ao pré-natal e ao parto. As doenças inflamatórias de órgãos pélvicos femininos variaram de 0,6% em 2010 a 11,2% em 2015 com uma ligeira diminuição em 2016 (9,8%). Já as relacionadas ao pré-natal e parto aumentaram de 14,4% em 2010 para 85,3% em 2016, destacando-se o aumento de 33,1% em 2013 para 73,7% em 2014. Já entre as doenças que apresentaram reduções, destacam-se as gastroenterites infecciosas e complicações que representavam 7,5% entre 2010 e 2013, caindo para 1,5%, no período de 2014 a 2016, representando, portanto, uma tendência global decrescente de 80% (Tabela 2).
Tabela 2 – Proporção de causas específicas de internamento por condições sensíveis à Atenção Básica no Distrito Sanitário do Subúrbio Ferr oviário, entre 2010 e 2016. Salvador, Bahia, Brasil – 2017
Tabela 2 – Proporção de causas específicas de internamento por condições sensíveis à Atenção Básica no Distrito Sanitário do Subúrbio Ferroviário, entre 2010 e 2016. Salvador, Bahia, Brasil – 2017 (conclusão)
Ao final de 2016, mais de dois terços dos médicos das eSF do DSSF advinham do PMMB, representando uma configuração em que todas as USF apresentavam equipes completas. A partir disso, pode-se compreender que as vagas não preenchidas anteriormente por médicos com vínculos empregatícios com a SMS de Salvador foram ocupadas pelos do PMMB, houve substituição dos médicos vinculados com a SMS pelos do projeto, ou a concomitante ocorrência de ambas as situações. Estes dados representam o potencial dos programas de provimento na melhoria da assistência à saúde prestada no distrito decorrente do aumento da cobertura de médicos na AB.
Outro tópico relevante é a evidência de que menores proporções de ICSAB estão associadas à maior disponibilidade de médicos generalistas por habitante na AB16. Isso foi evidenciado em todo o território nacional durante a redução das ICSAB, após a implantação do PMMB, com destaque para as regiões Norte e Nordeste do País17, por exemplo no território de Marajó e Pará18. Além do impacto do aumento da cobertura de médicos na AB, possivelmente a diminuição das ICSAB também se deva ao cuidado longitudinal com maior número de consultas focadas em prevenção19. Além disso, menores proporções de ICSAB foram identificadas em
regiões com maior cobertura da ESF e com equipes profissionais completas. Outro ponto interessante se dá pela elevada proporção de ICSAB em regiões com maior quantidade de leitos hospitalares privados20, demonstrando a importância de um modelo assistencial na saúde pública baseado na universalidade e nos dispositivos da AB.
Uma das reduções expressivas neste estudo foi a do grupo das gastroenterites infecciosas e complicações. Esse grupo é considerado uma condição sensível para avaliar alterações nas ações da AB em curto prazo, devido ao seu caráter agudo, o tratamento simples e a necessidade de atendimento médico aos doentes21. Ao considerar que no período final deste artigo, o PMMB havia sido implantado há apenas três anos no DSSF, esse indicador possivelmente seja o mais sensível para demonstrar a efetividade das ações do programa e a sua importância para a prevenção de doenças no contexto estudado.
Outras condições sensíveis à AB com reduções importantes a destacar-se são as das doenças de vias aéreas inferiores, representadas principalmente pela bronquiolite aguda; doenças cerebrovasculares e deficiências nutricionais, particularmente a desnutrição proteicocalórica, com possibilidades de ação preventiva proporcionadas pelo acompanhamento periódico com profissional médico da AB.
Entre as Infecções de Vias Aéreas Inferiores (IVAS), destaca-se a bronquiolite, geralmente de etiologia viral, que ocasiona elevado percentual de internações hospitalares, sobretudo em crianças menores de um ano. Tal condição pode ser evitada mediante a articulação na AB de ações de prevenção primária e secundária22. Observou, dessa forma, a redução dos internamentos por esse grupo de causas devido à qualificação do cuidado às crianças após a implantação dos programas de provimento, resultando em uma otimização da utilização dos outros dispositivos componentes da RAS.
As doenças cerebrovasculares - comuns em idosos - e as deficiências nutricionais -prevalentes em crianças de um a quatro anos - representaram redução anterior à implantação dos programas de provimento não possibilitando, neste estudo, a avaliação dos fatores relacionados a isso. Destaca-se, entretanto, que de 2013 a 2016 não houve casos de internação por doenças cerebrovasculares no DSSF, fato que pode evidenciar um provável sub-registro ocorrido neste período, dificultando a análise das tendências destas doenças.
Outro aumento ocorrido se deu por conta das internações por infecções de pele e tecido subcutâneo, em 2013, tendência que sofreu diminuição significativa com o aumento da cobertura de médicos. Há ações preventivas, como cuidados com as soluções de continuidade na pele, diagnóstico preciso e tratamento eficaz de manejo ambulatorial na AB. Internações por essas causas podem resultar de ações de prevenção primária inexistentes
ou insuficientes, assim como de manejo inadequado por falta de acompanhamento médico. Contudo, como observado, após a implantação dos programas de provimento no DSSF houve redução significativa de internações por essas causas, corroborando, mais uma vez, a relevância deles para a efetividade das ações na AB.
Não houve redução na tendência das internações para doenças inflamatórias pélvicas de órgãos femininos, tão pouco as relacionadas ao pré-natal e parto. A doença inflamatória pélvica pode estar associada com infecções sexualmente transmissíveis, principalmente as causadas pelo Chlamydia trachomatis e pela Neisseria gonorrhoeae.
O tratamento dessas infecções exige uma ação imediata devido ao seu potencial em ocasionar problemas reprodutivos sérios23. Internações por essas causas, provavelmente, indicam falha nas eSF, uma vez que são facilmente tratáveis no nível de atenção básica, ocasionando, portanto, um aumento da demanda por outros serviços da RAS, provocando problemas sociais para a usuária e maior gasto na terapêutica para o sistema de saúde.
Em relação às doenças relacionadas ao parto e ao pré-natal, pode-se fazer uma comparação com o que foi observado na literatura ao analisar esse indicador após a implantação da Rede Cegonha no Brasil (RCB)24. Inúmeras hipóteses surgem para explicar a baixa efetividade das intervenções em saúde, por exemplo a implantação dos programas de provimento nos territórios. Uma hipótese é de que as ações realizadas estejam circunscritas ao modelo biomédico do pré-natal, o qual não tem como objeto de trabalho determinantes sociais da saúde como a cultura. Dessa forma, além da ampliação da cobertura de médicos presentes na AB, é necessário, por parte deles, a sensibilidade para compreensão dos significados sobre a gravidez pertencentes às gestantes.
Grupos que não apresentaram reduções chamam atenção pela baixa qualidade da atenção à saúde da mulher em idade fértil tanto nos cuidados preventivos ginecológicos quanto no acompanhamento pré-natal, evidenciando que o aumento de cobertura ocorrida no DSSF não foi capaz de causar impacto relevante. Prova disso é que, nenhuma das USF atingiu a meta mínima de 20% na cobertura do exame citopatológico ou de 60% na realização de pré-natal – primeira consulta realizada antes da vigésima semana de gestação com o mínimo de seis consultas realizadas. Para modificar essa realidade local, é necessário que o exame citopatológico seja ofertado para todas as mulheres entre 25 e 64 anos de idade e aquelas que acessam a USF independentemente da necessidade apresentada. Em relação à realização do pré-natal, é necessário que as eSF estejam atentas aos sinais de gestação entre as mulheres em idade fértil; disponibilizando testes rápidos de gravidez; monitorando a realização de consultas pelas gestantes, agendando a próxima avaliação no momento em que elas estão na USF e realizando uma busca ativa às grávidas ausentes25.
O limite metodológico de obter dados da Classificação Internacional de Doenças (CID) de quatro dígitos impede uma análise mais profunda do grupo de pneumonias bacterianas. Essa limitação da base de dados secundários de domínio público dificulta a análise de um possível impacto do aumento da cobertura sobre esse grupo de doenças. Assim, recomendase que em outros estudos sejam empregadas bases de dados secundários individualizados ou a realização de inquéritos epidemiológicos com amostras probabilísticas, possibilitando maior detalhamento das variáveis de interesse com o emprego de técnicas de estatística inferencial.
Levando em conta que a implantação do PMMB ocorreu de forma gradual, mudanças mais efetivas no perfil de saúde da população do DSSF serão observadas ao longo do tempo, resultantes do maior acesso à assistência médica. A frequência das ICSAB possivelmente apresentará tendência decrescente até esgotar o impacto positivo oriundo do aumento da cobertura e, a partir desse ponto, para que seja mantida, mudanças para além do campo da saúde precisarão acontecer. Assim, não é possível afirmar que o aumento da cobertura da ESF devido às políticas de provimento tenha sido o único e principal fator responsável pela redução das ICSAB, mas certamente foi um dos fatores contributivos.
Portanto, as elucidações presentes neste artigo necessitam ser analisadas com parcimônia devido aos limites próprios dos estudos ecológicos – problemas na qualidade dos dados, tais como sub-registro; possível correlação temporal, ou seja, as observações podem não ser independentes no tempo; e variáveis importantes para a compreensão do fenômeno podem estar indisponíveis ou não desagregadas conforme o necessário para responder aos objetivos das pesquisas26
As ICSAB, no período do estudo, foram reduzidas com o aumento da cobertura dos médicos devido aos programas de provimento como o PMMB, sugerindo uma possível relação entre elas.
Por mais que essa redução geral tenha ocorrido, as doenças relacionadas à saúde da mulher não demonstraram reduções, ao contrário de todas as outras condições, revelando fragilidades em uma área prioritária, a despeito das políticas de saúde voltadas a essa população.
Algumas doenças específicas da lista de ICSAB utilizada, como a maioria das pneumonias, eram fornecidas em CID de quatro dígitos, não sendo possível obtê-las em bancos de dados.
Por conta do caráter descritivo do estudo, é impossível determinar uma relação direta da redução das ICSAB com o aumento de cobertura de médicos em ESF. Contudo,
permite-se levantar essa hipótese, sugerindo, dessa forma, a realização de outros estudos com dados primários oriundos de inquéritos epidemiológicos com amostragem probabilística para identificar estatisticamente a possibilidade de existência dessa associação, a fim de incorporar novos modos de avaliação da efetividade da AB.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: José Luiz Moreno Neto, Jorgana Fernanda de Souza Soares e Caíque Beijes da Paixão
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: José Luiz Moreno Neto e Jorgana Fernanda de Souza Soares
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: José Luiz Moreno Neto e Jorgana Fernanda de Souza Soares
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: José Luiz Moreno Neto, Jorgana Fernanda de Souza Soares e Caíque Beijes da Paixão.
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Recebido: 14.3.2022. Aprovado: 16.5.2022. Publicado: 7.7.2022.
DOI: 10.22278/2318-2660.2022.v46.n1.a3588
Andreia Beatriz Silva dos Santosa
https://orcid.org/0000-0003-3755-021X
José Luiz Moreno Netob
http://orcid.org/0000-0002-9066-6476
Resumo
A produção do cuidado na atenção primária à saúde demanda um perfil de formação e qualificação permanente de profissionais de saúde que incorporem, a partir de suas práticas, os valores coletivos para a produção de saúde das pessoas e populações. Trata-se aqui do relato de experiência dos tutores acadêmicos do Projeto Mais Médicos pelo Brasil, vinculados à Universidade Estadual de Feira de Santana como instituição supervisora (IS), a partir da reflexão sobre as ofertas pedagógicas e dispositivos de ensino-aprendizagem empregados durante as modalidades de supervisão acadêmica de cunho coletivo, antes e durante a pandemia de covid-19, entre 2018 e 2021. Descrevemos o processo de supervisão acadêmica instituído pela IS e os desdobramentos das práticas de saúde atravessadas pela crise sanitária. Foram levantados temas e estratégias metodológicas adotadas em encontros de supervisão locorregionais e longitudinais, apontando alguns desafios e lições aprendidas para práticas de educação permanente em saúde durante o período analisado. Antes da pandemia, os momentos educativos focavam o aperfeiçoamento de condutas clínicas voltadas para qualificação de práticas no cotidiano da APS, enquanto no primeiro ano da emergência em Saúde Pública, mobilizaram-se em torno da resposta à pandemia da covid-19 naquele nível de atenção. Consideramos que a APS se mostrou como locus de grande relevância ao acolher as demandas já existentes no território de abrangência, mas também no contexto de a Médica de Família e Comunidade. Mestra em Saúde Coletiva. Professora Assistente do Departamento de Saúde da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Tutora Acadêmica do Projeto Mais Médicos do Brasil/UEFS. Feira de Santana, Bahia, Brasil. E-mail: abssantos@uefs.br b Médico Sanitarista. Doutor em Antropologia. Mestre em Saúde Coletiva. Professor Adjunto do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da Bahia, Universidade Federal da Bahia. Tutor Acadêmico do Projeto Mais Médicos do Brasil/UEFS. Feira de Santana, Bahia, Brasil. E-mail: jlmorenoneto@gmail.com Endereço para correspondência: Departamento de Saúde da Universidade Estadual de Feira de Santana. Avenida Transnordestina, s/n, Novo Horizonte. Feira de Santana, Bahia, Brasil. CEP: 44036-900. E-mail: abssantos@uefs.br
uma pandemia com consequências imensuráveis na saúde e na vida das pessoas, suas famílias e comunidades, sobretudo em populações mais vulnerabilizadas.
Palavras-chave: Atenção primária à saúde. Educação permanente. Programa Mais Médicos.
DURING THE PANDEMIC: WHAT HAVE WE LEARNED?
Abstract
Primary Health Care demands a profile of continuing education and qualification of health professionals who incorporate, in their practices, collective values to produce health of people and populations. This paper is an experience report of the Mais Médicos pelo Brasil Project academic tutors, linked to the Feira de Santana State University as a supervisory institution (IS), based on reflections about the pedagogical offers and teaching-learning resources used during collective academic supervisions before and during the COVID-19 pandemic, between 2018 and 2021. It describes the academic supervision process instituted by IS and the unfoldings of health practices crossed by the health crisis. Themes and methodological strategies adopted in locoregional and longitudinal supervision meetings were surveyed, pointing out some challenges and lessons learned for continuing health education practices during the analyzed period. Before the pandemic, the educational moments focused on improving clinical behaviors aimed at qualifying daily PHC practices, while in the first year of the pandemic, they mobilized around combating it at this level of care. PHC showed itself as a locus of great relevance in meeting the country’s pre-existing demands, but also in the context of a pandemic with immeasurable health and life consequences for the people, their families and communities, especially in more vulnerable populations.
Keywords: Primary health care. Continuing education. Mais Médicos Program.
SUPERVISIÓN ACADÉMICA EN EL PROYECTO MAIS MÉDICOS PELO BRASIL ANTES Y
DURANTE LA PANDEMIA: ¿QUÉ HEMOS APRENDIDO?
Resumen
La producción del cuidado en la Atención Primaria de Salud exige un perfil de formación y calificación permanente de profesionales de la salud que incorporen, desde sus prácticas, los valores colectivos para la producción de salud de las personas y poblaciones. Este es el
relato de experiencia de los tutores académicos del Proyecto Más Médicos para Brasil, vinculado a la Universidad Estadual de Feira de Santana como institución supervisora (IS), a partir de la reflexión sobre las ofertas pedagógicas y los dispositivos de enseñanza-aprendizaje utilizados durante las modalidades de la supervisión académica de carácter colectivo, antes y durante la pandemia del Covid-19, entre 2018 y 2021. Describimos el proceso de supervisión académica instituido en la IS y la evolución de las prácticas en salud bajo la crisis sanitaria. Se plantearon los temas y estrategias metodológicas adoptadas en encuentros de supervisión locorregionales y supervisión longitudinal, señalando algunos desafíos y lecciones aprendidas para las prácticas de educación permanente en salud durante el período analizado. Antes de la pandemia, los momentos educativos se centraron en la mejora de los comportamientos clínicos destinados a calificar las prácticas en el cotidiano de la APS, mientras que en el primer año de la emergencia de Salud Pública, se movilizaron en torno a la respuesta a la pandemia del Covid-19 en este nivel de atención. Consideramos que la APS ha demostrado ser un locus de gran relevancia en la acogida de las demandas que ya existen en el territorio de cobertura, pero también en el contexto de una pandemia con consecuencias inconmensurables en la salud y la vida de las personas, sus familias y comunidades, especialmente en las poblaciones más vulnerables.
Palabras clave: Atención primaria de salud. Educación continua. Programa Más Médicos.
O Sistema Único de Saúde (SUS) tem como princípios a universalidade, a integralidade e a equidade, e entre suas diretrizes operacionais a descentralização de ações e serviços de saúde disponibilizados para a população em território brasileiro em toda a sua extensão em redes regionalizadas, que, apesar das ameaças de sustentabilidade, ainda se encontram em vias de consolidação1. Por sua vez, na perspectiva de superação da fragmentação, o SUS orientase pela implementação das Redes de Atenção à Saúde (RAS), definidas como a organização de forma horizontal dos serviços de saúde, nas quais a atenção primária à saúde deve ocupar centralidade como ponto ordenador de comunicação. Esse arranjo, potencialmente, permite promover a assistência contínua à determinada população, ocorrendo no tempo certo, no lugar adequado, com custo certo e de qualidade. Desse modo, a APS é quem se responsabiliza pelos resultados sanitários e econômicos relativos ao grupo populacional2
A proposta de organização supracitada favorece que o sistema público reúna condições para garantir a integralidade das ações de saúde que as pessoas demandam3.
Nesse caminho, as equipes da Estratégia da Saúde da Família (ESF) podem contribuir para o acompanhamento do processo de saúde e adoecimento das pessoas, suas famílias e suas comunidades. Assim, concorrem para o fortalecimento do modelo de atenção à saúde que dialoga com as características e as necessidades de saúde das pessoas no território onde vivem. Revelam-se, ainda, uma importante estratégia de organização da Atenção Primária à Saúde (APS), sendo fundamental o envolvimento das famílias (cuidado recebido), gestores (na gestão do sistema de saúde) e dos profissionais de saúde (com seu processo de trabalho imbricado na proposta)4.
A APS representa a entrada preferencial das pessoas no sistema de saúde, acolhendo todas as suas necessidades ou os seus problemas de saúde quando se apresentam e, ao longo do tempo, promovendo o acompanhamento das pessoas e não das doenças. Ao coordenar e integrar os cuidados à saúde, articulando a atenção dispensada em algum outro lugar ou por terceiros, o cuidado na APS requer o manejo de pessoas que geralmente têm múltiplas queixas e motivos — ainda indefinidos e não simplesmente encaixáveis em diagnósticos conhecidos5 — que as levam a buscar uma consulta. A produção do cuidado na APS demanda um perfil de formação e qualificação permanente de profissionais de saúde que incorporem, a partir de suas práticas, os valores coletivos para a produção de saúde das pessoas e populações, exigindo uma articulação entre diversos olhares, saberes e modos de agir que reconheçam as pessoas, suas famílias e comunidades em seus imbricamentos no local onde suas vidas acontecem6
Na ESF, o trabalho em equipe é sustentáculo para transformações eficazes do atual modelo biomédico, ainda hegemônico, convocando a interação constante e intensa entre os trabalhadores das diversas categorias que lá atuam, com diversidade e horizontalidade de conhecimentos e habilidades que interajam entre si para que o cuidado das pessoas seja o imperativo ético-político que organiza a intervenção técnico-científica7
A organização do processo de trabalho em uma equipe de saúde da APS ou ESF configura um grande desafio e envolve a aplicação de recursos humanos qualificados e capacitados, tecnologias e racionalidades adequadas dentro dos princípios propostos para a promoção do cuidado à saúde das pessoas, reunindo assim características que têm capacidade de responder às necessidades de saúde das pessoas e promover a satisfação dos usuários e das equipes de saúde. Além disso, a organização do trabalho em equipe pressupõe que os diversos profissionais atuem de forma colaborativa, qualificada e articulada8 naquele nível de atenção.
Este artigo é um relato da experiência dos tutores acadêmicos do Projeto Mais Médicos pelo Brasil, vinculados à Instituição Supervisora Universidade Estadual de Feira de
Santana (UEFS), a partir da reflexão sobre os dispositivos pedagógicos coletivos e as práticas de supervisão acadêmica, instituídos entre 2018 e 2021, antes e durante a pandemia, direcionados aos grupos de médicos participantes vinculados aos supervisores acadêmicos, através dos encontros locorregionais e da supervisão longitudinal, com enfoque no levantamento das temáticas desenvolvidas e das estratégias metodológicas empregadas.
DESCRIÇÃO E ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA
Sobre o Projeto Mais Médicos pelo Brasil
O Projeto Mais Médicos do Brasil (PMMB) foi implantado em 2013, por meio de uma medida provisória9, depois convertida na Lei n. 12.871/2013, com objetivo principal de provimento emergencial10, ou seja, a busca da superação da dificuldade de fixar profissionais médicos na APS, sobretudo em municípios mais distantes11. No eixo de provimento, o projeto delineia-se no sentido de qualificação dos médicos participantes para o exercício profissional no nível primário de atenção, com ênfase na valorização da vivência, compartilhamento de saberes e saberes-fazeres, bem como na expansão e consolidação da APS. Durante a estadia no PMMB, os profissionais participam de processos de aperfeiçoamento profissional, na lógica da educação permanente, organizada em ciclos formativosc
A supervisão acadêmica (SA) é um dos eixos educacionais do PMMB responsável pelo fortalecimento da política de educação permanente por meio da integração ensino-serviço no componente assistencial da formação dos médicos participantes do projeto. Nesse âmbito, a supervisão tem como objetivos: o fortalecimento da educação permanente em saúde; o incremento da integração ensino-serviço; e o suporte pedagógico para fortalecimento de competências profissionais necessárias para o desenvolvimento de boas práticas na atenção básica, da formação de profissionais nas redes de atenção à saúde e da articulação dos eixos educacionais do Projeto Mais Médicos pelo Brasil. Além disso, esse suporte pedagógico envolve profissionais médicos, com diferentes atuações: o médico participante, com atuação nas ESF, o supervisor acadêmico e o tutor acadêmico. Esses últimos selecionados pela IS, com formação preferencialmente na área de saúde coletiva, medicina de família e comunidade ou clínica médica, pediatria ou áreas afins.
c Durante o primeiro ciclo, o participante deve cursar a especialização e ser acompanhado sistematicamente pela supervisão acadêmica, por meio de visitas regulares e encontros locorregionais trimestrais, de caráter coletivo e, excepcionalmente, por meio de supervisão longitudinal. Já o segundo ciclo formativo está subdividido em aperfeiçoamento, extensão e supervisão acadêmica.
Entre as modalidades de supervisão previstas, os encontros locorregionais reúnem médicos que estão em processo de qualificação, supervisores acadêmicos que realizam visita in loco mensalmente, intercalando com um ESL a cada três meses, totalizando quatro encontros de supervisão locorregional por ano. Enquanto a supervisão longitudinal, em regime de excepcionalidade ou em situações especiais, compreende uma oferta específica, a exemplo das medidas restritivas adotadas durante a pandemia, possibilita o contato entre supervisor/médico participante, mediada por tecnologias de informação e comunicação.
A Universidade Estadual de Feira de Santana, instalada no portal do sertão baiano, nasceu no bojo de um projeto político de interiorização da educação superior no estado da Bahia que, até sua criação, estava circunscrita à capital, Salvador. Nessa perspectiva, o município de Feira de Santana foi escolhido em função de seus indicadores econômicos e sociais, além de sua condição estratégica como centro polarizador de desenvolvimento do interior do Estado, à época de sua instalação. A UEFS vem se expandindo rapidamente, concentrando suas ações no centro-norte baiano, território que integra o semiárido, e está presente em cerca de 150 municípios baianos, em cumprimento do seu objetivo social que é preparar cidadãos que venham a exercer, tanto liderança profissional e intelectual no campo das atividades a que se propõem quanto a terem responsabilidade social no sentido de serem capazes de desempenhar, propositivamente, o seu papel na definição dos destinos da sociedade baiana e brasileira: uma universidade integrada em si mesma e a sua região 12
A adesão da UEFS ao Projeto Mais Médicos do Brasil ocorreu a partir do mês de julho de 2018, passando, então, a atuar como IS, responsabilizando-se pelo acompanhamento pedagógico de médicos que atuam nos municípios da macrorregião de saúde Centro-Leste do estado da Bahia, que optaram por aderir ao PMMB. A região de saúde é composta por quatro microrregiões (Quadro 1). No que se refere ao acompanhamento longitudinal, em conformidade com a parametrização definida pelo Ministério da Educação (MEC), estabeleceuse a relação de um tutor acadêmico para número igual ou superior a dez supervisores e de um desse para cada sete a 13 médicos participantes, a depender das características de cada município, levando em consideração suas singularidades e a heterogeneidade do território assistido. No caso da UEFS, atuam dois tutores acadêmicos, 24 supervisores acadêmicos e um número médio de 250 médicos participantes presentes em 64 municípios da região e um Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI).
Revista Baiana de Saúde Pública
Quadro 1 – Distribuição da tutoria e supervisão acadêmica nos municípios da macrorregião Centro-Leste e por microrregiões Feira de Santana, Serrinha, Seabra e Itaberaba que aderiram ao PMMB. Feira de Santana, Bahia, Brasil – 2018
Microrregião Municípios aderidos ao PMMB Tutores/supervisores acadêmicos
Feira de Santana, Amélia Rodrigues, Santa Bárbara, Mundo Novo, Santo Estevão, Ipirá, Anguera, Conceição do Jacuípe, Coração de Maria, Baixa Grande, Teodoro Sampaio, Terra Nova, Candeal, Pintadas, Riachão do Jacuípe, Pé de Serra, Irará, Antônio Cardoso, Capela do Alto Alegre, Rafael Jambeiro, Nova Fátima, Santanópolis, Ipecaetá.
T1 + S1; S5; S6; S8; S10; S12; S15; S16; S17; S23
Serrinha
Serrinha, Cansanção, Tucano, Araci, Euclides da Cunha, Biritinga, São Domingos, Monte Santo, Teofilândia, Valente, Monte Santo, Conceição do Coité, Quijingue, Santa Luz, Lamarão, Barrocas, Queimadas, Água Fria, Nordestina, Retirolândia + DSEI.
Seabra Mucugê, Seabra, Novo Horizonte, Palmeiras, Iraquara, Lençóis, Boninal, Ibitiara, Piatã, Abaíra.
Itaberaba Itaberaba, Andaraí, Boa Vista do Tupim, Bonito, Iaçu, Itaete, Macajuba, Nova Redenção, Ruy Barbosa, Utinga, Wagner.
T1/T2 + S4; S9; S11; S13; S16; S18; S19; S21; S22; S24
T2 + S2; S3; S14
T2 + S2; S7; S9;
A dinâmica dos encontros de supervisões locorregional e longitudinal foi estabelecida de acordo com o perfil epidemiológico e sanitário dos territórios de atuação, bem como com as necessidades demandadas pelos próprios médicos participantes ou, ainda, por cenários de oportunidades de aprendizagem, mas, fundamentalmente, construídas durante o processo de supervisão acadêmica.
Os temas escolhidos para serem discutidos emergiram das necessidades reconhecidas pelos supervisores a cada visita de supervisão in loco que realizavam e nas quais identificavam as principais temáticas a serem discutidas e pontos a serem aprimorados para a prática na estratégia de saúde da família. Do ponto de vista acadêmico-pedagógico, foram discutidos tanto os temas mais relevantes apontados pelos supervisores, bem como as melhores estratégias pedagógicas, dadas as características locorregionais identificadas através das bases de dados oficiais do SUS quanto temas reconhecidamente relevantes para a qualificação das práticas e do processo de trabalho dos médicos e médicas do projeto.
Além disso, tutores e supervisores acadêmicos se reuniam mensalmente para discutir questões ligadas ao cumprimento das condicionalidades do PMMB, como estadia dos profissionais de saúde, ajuda de custo, acesso à internet, entre outros, nos municípios onde foram alocados para a realização das atividades do PMMB, os quais também têm deveres com os profissionais. Do mesmo modo, mensalmente, as reuniões de tutores com supervisores e
apoiadores do MEC e, com presença eventual do apoiador descentralizado do Ministério da Saúde, permitem tanto o alinhamento das questões relacionadas à logística já citadas, como também a resolução de outras dúvidas de domínio sociotécnico que surjam.
Quadro 2 – Mês, tema e estratégia pedagógica do encontro de supervisão locorregional. Feira de Santana, Bahia, Brasil – 2018
Mês/2018 Tema central Estratégias metodológicas
Agosto
Novembro
Dezembro
Aperfeiçoamento de condutas clínicas, com ênfase na atenção integral à saúde das mulheres e cuidado humanizado / A experiência de implementação de PIC na APS.
Linha de cuidado às doenças crônicas: manejo adequado da hipertensão arterial / preenchimento de declaração de óbito.
Diabetes mellitus tipo 2: abordagem, diagnóstico e tratamento na APS / Avaliação do processo de supervisão acadêmica.
Fonte: Elaboração própria.
Exposição dialogada + discussão de casos clínicos e situações-problema.
Exposição dialogada + discussão de casos clínicos e situações-problema. Treinamento de habilidades.
Exposição dialogada + discussão de casos clínicos e situações-problema.
Quadro 3 – Mês, tema e estratégia pedagógica do encontro de supervisão locorregional. Feira de Santana, Bahia, Brasil – 2019
Mês/2019 Tema central Estratégias metodológicas
Março
Hipertensão arterial resistente: manejo clínico na APS e rede de atenção à saúde / planejamento das ofertas educacionais para o ano de 2019.
Junho
Atualização em condutas clínicas em doenças de interesse sanitário: hepatite C e leishmaniose – situação epidemiológica e terapêutica. Organização e registro de práticas clínicas – bases conceituais.
Setembro Registro clínico orientado por problemas (RCOP) e sua importância para a APS.
Dezembro Saúde mental na APS / Avaliação de desempenho na APS e da integração ensino-serviço.
Fonte: Elaboração própria.
Exposição dialogada + discussão de casos clínicos e situações-problema. Apresentação e discussão do consolidado de fragilidades e necessidades identificadas no processo de supervisão, perfil epidemiológico e alcance de indicadores de saúde nos territórios.
Exposição dialogada + discussão de casos clínicos e situações-problema.
Exposição dialogada + discussão de casos clínicos e situações-problema. Treinamento de habilidades.
Exposição dialogada + discussão de casos clínicos e situações-problema.
Conforme se identifica nos Quadros 2 e 3, até março de 2020, antes da declaração de emergência em Saúde Pública pela pandemia da covid-19 pela OMS13, foram realizados encontros locorregionais intercalados com a supervisão in loco, empreendida pelos supervisores nas unidades de saúde onde os médicos atuam, podendo, dessa forma, conhecer melhor o local de atuação, assim como ampliar as discussões sobre os limites e possibilidades junto ao grupo e a tutoria acadêmica. Os principais temas discutidos estão listados nos quadros
apresentados, com destaque para o aperfeiçoamento de condutas clínicas, a exemplo da abordagem às doenças crônicas na APS, como diabetes mellitus tipo 2 e hipertensão arterial sistêmica, saúde mental na APS, além de reorganização do processo de trabalho das equipes e desafios interpostos pelas redes de atenção à saúde nos territórios. Entre o público-alvo, além de tutores, supervisores e médicos do PMMB, contávamos com a presença de convidados externos, estendida aos gestores de saúde e comunidade acadêmica.
O último ELS realizado em nosso território foi em março de 2020, tendo como tema: Hanseníase: suspeita, diagnóstico e tratamento na APS. A partir de abril de 2020, já no contexto da pandemia da covid-19, após comunicado oficial do MEC por meio da Coordenação Geral de Expansão e Gestão da Educação em Saúde, foi estabelecida a modalidade de supervisão longitudinal. A mudança necessária demandou adaptação dos profissionais envolvidos com a supervisão acadêmica, no sentido de buscar subsídios nos protocolos existentes até o momento para que os médicos estivessem aptos a abordagem à covid-19 nos seus territórios, dadas as condições já conhecidas de localidades distantes dos grandes centros, além de estrutura e recursos limitados para atendimento dos casos moderados e graves da doença. Os temas mais importantes nos primeiros meses da pandemia foram: abordagem à covid, organização do processo de trabalho frente à pandemia por covid-19, bem como manifestações clínicas das doenças, medidas de intervenção, entre outros.
Quadro 4 – Supervisão longitudinal coletiva, distribuída por mês e oferta pedagógica. Feira de Santana, Bahia, Brasil – 2021
Mês Tema central Estratégias metodológicas
Março Situação epidemiológica – Emergência da pandemia de covid-19: conhecimentos e práticas de vigilância, biossegurança.
Abril Manejo clínico da covid-19.
Roda de conversa a partir das normas técnicas e orientações do Ministério da Saúde.
Leitura e discussão do manual do Ministério da Saúde + Discussão dos Casos atendidos.
Maio Organização da APS no contexto da pandemia por covid-19. Discussão de artigos publicados.
Junho Estratégias de organização do processo de trabalho no contexto da pandemia por covid-19. Leitura de artigos + discussão exposição dialogada.
Julho Tratamento da covid-19 na APS. Leitura de artigos + discussão exposição dialogada.
Agosto Síndromes respiratórias agudas graves. Leitura de artigos + discussão exposição dialogada.
Setembro Humanização em saúde. Leitura de artigos + discussão exposição dialogada.
Outubro Reflexos da pandemia na saúde mental das pessoas e sofrimento psíquico.
Novembro Covid-19: complicações e manifestações atípicas.
Dezembro Covid-19: manifestações cutâneas e neurológicas.
Fonte: Elaboração própria.
Leitura de artigos + discussão exposição dialogada.
Leitura de artigos + discussão exposição dialogada.
Leitura de artigos + discussão exposição dialogada.
No dia 30 de janeiro de 2020, a OMS confirmou o surto do novo coronavírus como emergência de saúde pública de importância internacional (ESPII)13. Em 11 de março de 2020, a covid-19 foi caracterizada como pandemia. Inúmeros desafios foram postos e uma série de medidas têm sido tomadas pelos gestores a fim de conter a pandemia ou mitigar seus danos. A partir de então, a oferta pedagógica passou a ser unicamente por supervisão longitudinal coletiva, restrita aos supervisores e médicos vinculados ao seu grupo de supervisão, com possibilidade de participação dos tutores, apoiadora institucional do MEC e convidados especialistas na temática abordada, mas ainda centrada na experiência em curso e no compartilhamento de saberes, contribuindo para (re)desenho ou construção de novas competências para a atuação profissional qualificada.
Nesse contexto, a APS se torna locus de grande relevância no sentido de estar preparada para acolher as demandas já existentes, mas também no contexto de uma pandemia com consequências imensuráveis na saúde e na vida das pessoas, suas famílias e comunidades. A organização do processo de trabalho nas equipes demandou adequação aos novos protocolos, bem como ao novo fazer, num contexto de muitas incertezas frente aos novos modos de viver e adoecer e dos reflexos na vida das pessoas, bem como dos profissionais de saúde. Em 2021, as novas tecnologias e protocolos passaram a fazer parte das rotinas de atendimento das equipes de saúde, demandando a qualificação e atualização permanente e adoção de novas racionalidades dentro dos princípios propostos para a promoção do cuidado à saúde das pessoas. Entretanto, nas discussões entre tutoria e supervisão acadêmica, identificou-se a necessidade de manter o foco nos agravos mais frequentes na APS, tendo em vista que durante muito tempo essa demanda ficou secundarizada.
Quadro 5 – Supervisão longitudinal coletiva, distribuída por mês e oferta pedagógica.
Feira de Santana, Bahia, Brasil – 2021
Mês Tema central Estratégias metodológicas
Janeiro Avaliação coletiva do processo de supervisão acadêmica no contexto da pandemia da covid-19 / Arboviroses.
Fevereiro Hipertensão arterial sistêmica.
Março Abordagem da diabetes mellitus tipo 2 na APS.
Abril Atenção integral à saúde das pessoas idosas: foco em síndromes demenciais.
Leitura de Artigos + Discussão exposição dialogada.
(continua)
Leitura e discussão das diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia.
Leitura e discussão das diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes.
Exposição dialogada com especialista + Roda de conversas e discussão de casos.
Quadro 5 – Supervisão longitudinal coletiva, distribuída por mês e oferta pedagógica. Feira de Santana, Bahia, Brasil – 2021
Mês Tema central Estratégias metodológicas
Maio Síndrome pós-covid-19 e obesidade. Leitura e discussão de artigos + Exposição de vídeos.
Junho Diabetes mellitus tipo 2 na APS.
Julho Hipertensão arterial sistêmica na APS.
Agosto Abordagem de doenças de pele na APS.
Setembro Práticas integrativas complementares / Abordagem no suicídio.
Outubro Abordagem dos transtornos mentais mais frequentes na APS / Saúde da mulher.
Novembro Rastreamento na APS / Saúde do homem.
Dezembro Abordagem das infecções sexualmente transmissíveis na Atenção Primária à Saúde (Prep, abordagem sindrômica, material educativo, insumos) / Saúde do homem II.
Fonte: Elaboração própria
Leitura + Discussão das diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes.
Leitura das diretrizes + Artigos selecionados e discussão de casos clínicos da prática.
Leitura de Artigos + Discussão de casos com principais diagnósticos diferenciais.
Leitura da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares, apresentação de vídeo sobre Pics e discussão.
Leitura de artigos + Discussão de casos.
Leitura do caderno de atenção básica 29 do Ministério da Saúde e discussão de casos.
Leitura de artigos e discussão de casos.
Ao fim do conjunto de encontros de supervisão locorregional e longitudinal, foi possível perceber maior identificação dos profissionais envolvidos, sobretudo dos médicos participantes do projeto que atuam nas USF, com o processo que vivenciaram. A possibilidade de encontros periódicos e coletivos no âmbito acadêmico, com suporte da UEFS tanto para a realização dos encontros em suas dependências quanto para a mobilização de recursos e tecnologias disponíveis, por meio do processo de formação disparado por tutores/supervisores para a discussão de temas relacionados ao cotidiano de médicas e médicos, permitiu-nos compreender a relevância desse eixo educacional.
Para além de um momento de formação circunscrito, também se constitui em espaço de discussão das demandas e caminhos para a resolutividade de questões relacionadas às dificuldades de acesso aos cuidados, limitações de recursos diversos, organização do processo de trabalho, dificuldades com a RAS, entre outros. O processo ampliou os horizontes para a reflexão sobre os limites e potencialidades existentes frente aos desafios na formação profissional para uma prática efetivamente colaborativa, mas também os caminhos e possibilidades de atuação no contexto real das práticas na Estratégia de Saúde da Família. Dessa forma, a imersão periódica se revelou uma importante estratégia para o despertar da construção coletiva do cuidado, a partir do ESL e supervisão longitudinal como parte do conjunto de ações de educação permanente.
Cabe-nos destacar que os limites impostos à supervisão acadêmica e as contigencialidades no contexto da pandemia para a realização de visitas locais e dos encontros de coletivos presenciais permite-nos inferir que os encontros de supervisão longitudinal mensais, apoiados pela tutoria acadêmica, apontam caminhos para a ampliação do processo de qualificação de equipes de saúde de forma estruturada e qualificada, integrando ensino e serviço, para além dos limites do PMMB. Essa pode ser uma experiência aplicável e replicável em outros projetos, entretanto, apresentam limitações para as práticas de supervisão acadêmica, se vistas isoladamente.
Agradecemos aos supervisores acadêmicos, médicas e médicos participantes e apoiadores institucionais que atuam no PMMB na região Centro-Leste do estado da Bahia.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Andreia Beatriz Silva dos Santos e José Luiz Moreno Neto.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Andreia Beatriz Silva dos Santos e José Luiz Moreno Neto.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Andreia Beatriz Silva dos Santos e José Luiz Moreno Neto.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Andreia Beatriz Silva dos Santos e José Luiz Moreno Neto.
1. Paim JS. Sistema Único de Saúde (SUS) aos 30 anos. Ciênc Saúde Colet. 2018;23(6):1723-28.
2. Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Ciênc Saúde Colet. 2010; 15(5):2297-305.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 4.279 de 30 de dezembro de 2010. Estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília (DF); 2010.
4. Giovanella L, Mendonça MHM, Almeida PF, Escorel S, Senna MCM, Fausto MCR, et al. Saúde da família: limites e possibilidades para uma abordagem integral de atenção primária à saúde no Brasil. Ciênc Saúde Colet. 2009;14(3):783-94.
5. Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília (DF): Unesco, Ministério da Saúde; 2002.
6. Feuerwerker LCM. Micropolítica e saúde: produção do cuidado, gestão e formação. Porto Alegre (RS): Rede Unida; 2014.
7. Figueiredo EN. Estratégia de Saúde da Família na Atenção Básica do SUS. São Paulo (SP): Unasus; 2012.
8. Santos DS, Mishima SM, Merhy EE. Processo de trabalho na Estratégia de Saúde da Família: potencialidades da subjetividade do cuidado para reconfiguração do modelo de atenção. Ciênc Saúde Colet. 2018;23(3):861-70.
9. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria Interministerial n. 1.369, de 8 de julho de 2013. Dispõe sobre a implementação do Projeto Mais Médicos para o Brasil. Brasília (DF); 2013.
10. Brasil. Lei n. 12871, de 22 de outubro de 2013. Institui o Projeto Mais Médicos, altera as Leis n. 8.745 de 9 de dezembro de 1993, e n. 6932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília (DF); 2013 out 23. Seção 1, p. 1.
11. Campos FE, Machado MH, Girardi SN. A fixação de profissionais de saúde em regiões de necessidades. Divulg Saúde Debate. 2009;44:13-24.
12. Universidade Estadual de Feira de Santana. Nossa história [Internet]. 2021 [citado em 2021 nov 16]. Disponível em https://www.uefs.br/modules/ conteudo/conteudo.php?conteudo=12
13. Organização Pan-americana de Saúde. OMS declara emergência em saúde pública de importância internacional por surto de novo coronavírus [Internet]. 2020 [citado em 2021 nov 9]. Disponível em: https://www.paho.org/pt/ news/30-1-2020-who-declares-public-health-emergency-novel-coronavirus
Recebido: 14.3.2022. Aprovado: 17.5.2022. Publicado: 7.7.2022.
Mariângela Costa Vieiraa
https://orcid.org/0000-0002-9460-8644
Edison Buenob
https://orcid.org/0000-0002-4203-0879
Talita Rocha de Aquinoc
https://orcid.org/0000-0001-6576-478X
Resumo
Os programas de provimento têm sido estratégias para superar a má distribuição de médicos no território nacional. As apostas do governo federal, nos últimos dez anos, propõem programas que oferecem, para além de profissionais, uma estratégia pedagógica no formato de supervisão das médicas e médicos do programa. Este trabalho tem como objetivo avaliar a atividade de supervisão a médicas e médicos dos programas de provimento do governo federal, na perspectiva desses atores, na Bahia. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, com referencial teórico-metodológico na hermenêutica dialética, que realizou entrevistas com médicos vinculados aos programas e supervisores na Bahia. Os resultados evidenciaram, como potencialidades, contribuições na qualificação do cuidado integral, na organização do processo de trabalho e na função de apoiador da prática dos profissionais.
O formato, a frequência das visitas de supervisão e sua organização local foram apontados como dificuldades no processo. Destaca-se a importância da experiência na Atenção Primária à Saúde (APS) para a prática da supervisão, apontando o conhecimento produzido como estratégia pedagógica de ensino/aprendizagem. Por fim, reiteramos a necessidade de
a Médica de Família e Comunidade. Mestra em Saúde Coletiva. Docente na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: maracv@gmail.com
b Médico Sanitarista. Doutor em Saúde Coletiva. Docente na Universidade Estadual de Campinas. Campinas, São Paulo, Brasil. E-mail: edisonb@unicamp.br
c Médica de Família e Comunidade. Mestra em Saúde Coletiva. Docente na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: tatiaquinorocha@gmail.com
Endereço para correspondência: Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Avenida Carlos Amaral, n. 1015, Cajueiro. Santo Antônio de Jesus, Bahia, Brasil. CEP: 44570-000. E-mail: maracv@gmail.com
construção inventiva e interrogadora e apontamos alguns caminhos e sugestões para superar o desafio da prática supervisora dos programas de provimento na Bahia. Palavras-chave: Programa Mais Médicos. Atenção básica. Tutoria.
Abstract
Provision programs have been used as strategies to overcome the poor distribution of physicians in Brazil. In the last ten years, the federal government has proposed programs that offer, besides professionals, a pedagogical strategy in the form of supervision of doctors in the program. Hence, this study evaluates the activity of supervision to physicians of the federal government’s provision programs in Bahia, based on their perspective. Informed by dialectical hermeneutics, this qualitative research carried out interviews with physicians linked to the programs and supervisors. Results pointed to possible contributions to qualify comprehensive care, organize the work process and offer support to professional practice. Format, frequency of supervision visits and their local organization were identified as difficulties in the process. Experience in Primary Health Care (PHC) features as an important factor for acting as a supervisor, given the knowledge produced as a teaching/learning pedagogical strategy. Finally, the text reiterates the need for inventive and interrogative construction and point out some paths and suggestions to overcome challenges faced by the supervisory practice in provision programs in Bahia.
Keywords: Mais Médicos Program. Primary care. Mentoring.
EVALUACIÓN DE LAS ACTIVIDADES DE SUPERVISIÓN EN LOS PROGRAMAS DE
PROVISIÓN DE MÉDICOS DE BAHÍA
Los programas de provisión han sido estrategias para superar la mala distribución de médicos en el territorio brasileño. Las apuestas del gobierno federal en los últimos diez años proponen programas que ofrezcan, además de profesionales, una estrategia pedagógica, en el formato de supervisión de los médicos del programa. El objetivo de este trabajo es evaluar la actividad de supervisión de médicas y médicos en los programas de provisión del gobierno federal desde la perspectiva de estos actores en Bahía. Se trata de una investigación cualitativa,
con referencial teórico-metodológico en hermenéutica dialéctica, que realizó entrevistas con médicos vinculados a los programas y supervisores en Bahía (Brasil). Los resultados mostraron las potenciales contribuciones en la calificación de la integralidad del cuidado, en la organización del proceso de trabajo y en el papel de apoyo de la práctica de los profesionales. El formato, la frecuencia de las visitas de supervisión y su organización local se identificaron como dificultades en el proceso. Se destaca la importancia de la experiencia en la Atención Primaria de Salud (APS) para la práctica de la supervisión, señalando el conocimiento producido como estrategia pedagógica de enseñanza-aprendizaje. Por último, se reitera la necesidad de una construcción inventiva e interrogativa y se apuntan algunos caminos y sugerencias para el desafío de la práctica de supervisión de los programas de provisión en Bahía.
Palabras clave: Programa Más Médicos. Atención primaria. Tutoría.
O problema da escassez de médicos no território brasileiro é considerado o ponto de partida para a criação do Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (Provab) em 2011 e o Programa Mais Médicos (PMM) em 2013. Sendo a aposta do governo brasileiro como indução do provimento emergencial de médicos na atenção básica. O eixo do provimento emergencial de médicos é chamado na Lei de Projeto Mais Médicos para o Brasil (PMMB) e sua coordenação fica a cargo dos Ministérios da Educação (MEC) e da Saúde (MS)1,2.
A Bahia foi um dos estados que mais recebeu médicos em todas as edições dos dois programas3. Em 2016, o estado contava com 5 instituições supervisoras (IS), 24 supervisores médicos vinculados ao Provab, 170 no PMMB e mais de 1.500 médicos inscritos e acompanhados nos dois programas4. Em 2015, iniciou-se a incorporação do Provab ao PMM no estado da Bahia por meio dos supervisores e das instituições supervisoras de ambos os programas. Essa transição aconteceu à medida que o Provab tinha suas vagas reduzidas e direcionadas para o PMM. A extinção do programa ocorreu em 2017, ficando vigente apenas o PMM no território nacional. Em janeiro de 2022, estão atuando, em território baiano, no Mais Médicos, quase 1.500 médicos e médicas. Desses, 13 na tutoria e 146 na supervisão, representando seis IS. A IS Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) – na qual as autoras exercem funções de docentes do curso de medicina e tutoras do programa – conta com 24 supervisores e supervisoras e 242 médicos e médicas, vinculados a setenta municípios em cinco regiões de saúde do estado; nos núcleos regionais de saúde leste, nordeste e sul. Ambas as tutoras citadas tiveram oportunidade de realizar supervisão nos programas de provimento, antes de assumirem o referido cargo.
O Provab e o PMMB propõem, para além de ofertar provimento de profissionais para atuação na Atenção Básica (AB), uma oferta pedagógica em que uma das frentes é a supervisão das médicas e médicos participantes do programa. No entanto, apenas em 15 de junho de 2015 a Portaria nº 585 regulamenta a supervisão acadêmica. Segundo essa portaria, a supervisão se caracteriza como um dos eixos educacionais do PMMB, sendo responsável pelo fortalecimento da política de educação permanente em saúde, por meio da integração ensinoserviço, formando profissionais nas redes de atenção à saúde; no componente assistencial da formação dos médicos participantes do projeto. Consequentemente, fortalecendo também a Atenção Básica e a articulação dos eixos educacionais do Projeto Mais Médicos para o Brasil5
A supervisão acadêmica, sendo eixo transversal, está presente nos dois ciclos formativos previstos no programa. Compondo o primeiro com a especialização, que tem o objetivo de aproximação do médico com o SUS, com a Atenção Básica e com o território adscrito da sua Unidade de Saúde Familiar (USF), além de sua realidade. No segundo ciclo, a supervisão soma-se ao aperfeiçoamento e extensão, com o objetivo de propiciar o aprofundamento do conhecimento do médico em temas relevantes
Na proposta educacional dos programas, existem funções de supervisores e tutores, desempenhadas por profissionais médicos ligados a instituições de ensino superior do território nacional. A tutoria trabalha em parceria com as coordenações estaduais do projeto e são responsáveis pela orientação acadêmica, planejamento, acompanhamento e avaliação das atividades dos supervisores7
A supervisão tem suas atuações coordenadas pela tutoria e, de forma geral, têm o objetivo de acompanhar e apoiar, de forma permanente e longitudinal, as médicas e os médicos participantes do programa1,5. Esse médico é selecionado entre profissionais de medicina por meio de edital, conforme critérios e mecanismos estabelecidos pela instituição, aderentes e validados pela coordenação estadual do PMMB. Assim, sendo responsáveis pelo acompanhamento e fiscalização das atividades de ensino-serviço do médico participante, em conjunto com o gestor do SUS no município. Tem como atribuições mínimas a realização de visita periódica mensal para acompanhar atividades das médicas e médicos no município, estar disponível por meio de telefone e internet, aplicar instrumentos de avaliação e, em conjunto com o gestor do SUS, acompanhar e avaliar a execução das atividades de ensino-serviço quanto ao cumprimento da carga horária prevista de quarenta horas semanais7
Preconiza-se que o supervisor, durante a primeira visita de supervisão presencial, realize um diagnóstico das condições de trabalho, estrutura da unidade, disponibilidade de materiais, medicamentos e recursos e das necessidades de saúde da população por meio de
um “relatório de primeira visita”5. Esse instrumento, em formato de checklist, também tenta buscar as necessidades para o desenvolvimento de competências do profissional. O supervisor deve definir, em conjunto com o profissional, quais serão os planos de educação permanente8
Acreditamos que o momento da supervisão deveria problematizar a prática cotidiana e ser impulsionadora da reflexão, da possibilidade de resolução de problemas e do aprimoramento da prática do médico da saúde da família com o intuito de melhorar a qualidade do cuidado9. Dessa forma, o supervisor deve ter a função de “apoiador” do médico, em uma perspectiva de suporte e impulso, ajudando nas reflexões dos dilemas e impasses, ofertando recursos e empurrando para atingir objetivos; tanto no núcleo de saberes quanto no campo. Poderíamos fazer uma alusão ao “Apoio Paideia” como referencial para pensar o fazer da supervisão, já que pode ser utilizado na gestão (apoio institucional), nas relações interprofissionais (apoio matricial) e na relação clínica (clínica ampliada e compartilhada)10. Sendo assim, este trabalho teve como objetivo principal avaliar a atividade de supervisão às médicas e aos médicos dos programas de provimento do governo federal, na perspectiva desses atores, na Bahia. Espera-se contribuir para aumentar a capacidade de análise e de produzir inovações possibilitando renovações11. Pretende-se a compreensão ampliada, pelos sujeitos da pesquisa, sobre as potencialidades e fragilidades do trabalho da supervisão médica dos programas.
A fim de avaliar a prática da supervisão do PMM na Bahia, a pesquisa de caráter qualitativo, tem como referencial teórico-metodológico a hermenêutica dialética, combinação que, segundo Habermas citado por Minayo12, faz a síntese dos processos compreensivos e críticos. possibilitando uma reflexão que se funda na práxis. Sob a ótica hermenêutica, entender a realidade é entender o outro e entender-se no outro. Incorporando o pensamento dialético:
“A mesma razão que compreende, esclarece e reúne, também contesta e dissocia”12
Os dados foram coletados por meio da realização de entrevistas abertas para cada clientela específica (médicos participantes ou ex-participantes do PMMB ou do Provab e médicos supervisores ou ex-supervisores dos programas). A escolha dos médicos e supervisores ocorreu por meio de carta-convite, por meio eletrônico, enviada a todos que compunham o programa à época, mediante o acesso aos bancos de dados fornecidos pelo MS e MEC, os quais autorizaram a pesquisa por meio de termo de anuência. Os profissionais, a priori, foram selecionados aleatoriamente entre os que se interessaram e, em sua maioria, tinham Salvador (BA) ou região metropolitana como campo de trabalho. Não foram entrevistados médicos supervisionados pela pesquisadora.
Os instrumentos de coleta de dados da pesquisa foram questionários, acompanhados do termo de consentimento livre e esclarecido. A entrevista aberta contou também com questões norteadoras, sendo quatro perguntas para cada grupo. Foi solicitado aos entrevistados que falassem livremente sobre o processo de supervisão e suas percepções. As entrevistas tiveram em média quarenta minutos cada, variando de vinte a noventa minutos de duração, livre de escuta de outras pessoas. A coleta de dados das entrevistas foi interrompida quando foi atingida a saturação teórica. A saturação da temática em questão foi constatada quando um determinado conjunto de percepções a partir da amostra passou a ser repetitivo, e as diferenças que se apresentaram anteriormente já haviam sido valorizadas e exploradas13.
Os encontros aconteceram entre os meses de março e setembro de 2016. As entrevistas foram gravadas pela pesquisadora, e os respectivos áudios foram armazenados pelo tempo necessário para transcrição e análise temática dos dados obtidos, sendo posteriormente descartados e utilizados exclusivamente para este projeto. Os resultados apresentados neste artigo fizeram parte do trabalho de dissertação de mestrado da pesquisadora.
A pesquisa foi conduzida dentro dos padrões éticos exigidos, e o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/Unicamp) sob o nº 1.254.711, versão 2, CAAE: 48057515.9.0000.5404, no dia 1º de outubro de 2015.
Os dados foram submetidos à análise de conteúdo temática, realizada com auxílio do software Nvivo 11. Elaborou-se uma primeira classificação por temas mais relevantes, que envolvem potências, fragilidades e dispositivos do processo de supervisão. Essas expressões, ou palavras significativas, codificaram dados a partir de unidades de registros e foram categorizadas em dois núcleos de sentido, quatro temas e sete categorias apresentados na seção resultados e discussão (Quadro 1).
Quadro 1 – Núcleos de sentido, temas e categorias de análise. Salvador, Bahia, Brasil – 2016
Núcleos de sentido Temas
Percepções sobre a supervisão
Potencialidades
Fragilidades
Categorias
Contribuição na qualificação do cuidado integral Contribuições na organização do processo de trabalho
Equalizando caminhos entre apoio e fiscal
Entraves ao processo de supervisão: do formato à organização local Importância da experiência em APS para a qualidade da prática supervisora: “a cabeça pensa onde os pés pisam”
Dispositivos utilizados na prática da supervisão
Relatórios Variações entre trabalho morto e indução de visita: “Menos relatórios, mais encontros.”
Outros dispositivos Quebrando o gesso do protocolo e reinventando o fazer supervisão
Fonte: Elaboração própria.
A técnica de saturação resultou em 14 entrevistas, conforme características expostas nos Quadros 2 e 3. Duas das supervisoras já foram médicas vinculadas aos programas, uma do Provab e a outra do PMM. Sendo assim, expuseram suas opiniões acerca dos dois papéis: supervisionar e ser supervisionada. Apenas uma supervisora estava vinculada a uma entrevistada médica.
Quadro 2 – Caracterização dos participantes do grupo 1 – supervisores e supervisoras dos programas de provimento do Governo Federal na Bahia. Salvador, Bahia, Brasil – 2016
Nº Idade (anos) Sexo Especialidade
Quadro 3 – Caracterização dos participantes do grupo 2 – médicas e médicos dos programas de provimento do Governo Federal na Bahia. Salvador, Bahia, Brasil – 2016
Tema 1 – Potencialidades
Categoria 1.1 – Contribuição na qualificação do cuidado integral
Percebemos, nas entrevistas, inferências sobre a potencialidade no processo de supervisão em relação ao tema da integralidade. Levamos em consideração, para as análises a seguir, que a produção do cuidado se dá no cotidiano dos processos de trabalho, construtores das práticas de saúde14
Algumas vozes nas entrevistas transparecem sentidos da integralidade como um desafio tecnológico de arranjar, criar e recriar ações de modo a produzir, de maneira universal e equitativa, não apenas tratamento, prevenção ou recuperação da saúde, mas ações de cuidado14,15 Foram apontadas abordagens de supervisoras com tentativas de contribuir para a possibilidade de escuta, vínculo e, consequente, cuidado efetivo centrado no paciente; desde orientações clínicas quanto às atitudes e habilidades.
“O paciente fala três palavras e eles já vão pra queixa, não deixam a pessoa falar. Às vezes parece até polícia. […] Foi bem tranquilo dizer assim: Oh, tenta fazer isso, escutar mais um pouco […].” (Grupo 1, nº 1).
Para Mattos16: “integralidade implica uma recusa ao reducionismo, uma recusa à objetivação dos sujeitos”. Como a supervisora aponta:
“[…] existiu no espaço da consulta, no atendimento conjunto, um momento em que eu pudesse falar assim: “vamos pensar de uma outra forma menos prescritiva”, e ela foi completamente aberta. E hoje eu já a vejo […] sem precisar mais da minha abordagem.” (Grupo 1, nº 2).
Foi relatada também a ressignificação atitudinal do médico supervisionado na busca de reconhecer, para além das demandas explícitas, as outras necessidades de saúde visando o cuidado integral, por meio da visita domiciliar17
“[…] contribuiu para atualizar um pouco […] porque a gente conversou sobre estar no domicílio, o cuidador […] dessas outras interferências que dentro do consultório a gente não vive.” (Grupo 1, nº 6).
A supervisão tenta propor a compreensão de que, para tentar resolver as necessidades de saúde da população, precisamos praticar e fazer parte de uma rede de atenção integrada com a atenção básica como coordenadora do cuidado.
“[…] meu supervisor é angiologista e aqui é terrível para se conseguir um angiologista, e a gente vê muita úlcera, muito transtorno vascular. […] e ele discutiu todos os melhores tratamentos, os melhores esforços. […] Ele ajudou de alguma forma a que conseguisse tratar o paciente sem precisar da rede.” (Grupo 2, nº 13).
Nesse caso, não ocorreu a desejada integração da rede de saúde, mas a supervisão foi potente em contemplar o olhar para a resolutividade e responsabilização pelo cuidado integral18.
A supervisão pode ser potente ao buscar incentivar a integralidade, a integração de diversas esferas e recursos de trabalho em saúde, podendo, assim, ocorrer uma integração horizontal. Essa supervisão, que propõe ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, que se relacionam mutuamente nas situações concretas de saúde-doença e cuidado, entra em articulação com uma integração também vertical, entre atenção primária, secundária e terciária15
O processo de trabalho não segue um padrão, pois as práticas de cuidado se dão pela singularidade, e nessa produção subjetiva do cuidado em saúde ocorre uma produção de si mesmos como sujeitos do trabalho19.
Em consonância, a supervisão se mostrou um dispositivo tensionador de práticas preestabelecidas, como o relato de que a demanda espontânea grande não era percebida como forma de expressão de uma lacuna nas necessidades de saúde e continuava sendo ignorada na organização desta USF16.
Por meio do relato da supervisora, percebemos a ativação dessa percepção, apresentando o acolhimento como uma nova ferramenta para os trabalhadores, como dispositivo de reorganização do processo de trabalho em equipe na Atenção Básica (AB). Possibilitando inclusive a conversa entre eles, a participação coletiva nas decisões e a cogestão. Facilitando o repensar e refazer das práticas a partir de ofertas teóricas e olhar externo20
“[…] Conversei como era que as equipes funcionavam e o atendimento à demanda espontânea. E aí eles falavam muito que eles atendiam a quem chegava [todo mundo] nas unidades. E ficavam até tarde atendendo. Aí, a gente discutiu
um pouco sobre a importância de a pessoa ser acolhida por todos os profissionais da equipe. O quanto era importante dividir o trabalho. […] E as duas enfermeiras eram enfermeiras de hospital, depois foi que eu consegui perceber […] eu vou participar de reunião com toda a equipe para a gente discutir e conversar sobre acolhimento.” (Grupo 1, nº 1).
Das entrevistas, emergiram outras questões importantes, como a participação ou ausência dos médicos supervisionados em reuniões de equipe, espaços de decisão e as consequentes investidas da supervisora, que questiona a racionalidade gerencial hegemônica e aposta em um espaço mais democrático20
“Eu vou lá até a coordenadora de atenção básica: “você sabe que reunião de equipe é importante. Faz parte dos preceitos, das ideias de atenção primária.”
[…] Aí a gestão: “ah, mas vai perder um turno.” Isso! Vai perder um turno, talvez agora, mas vai produzir saúde no futuro. A médica não pode estar sendo chamada a atenção enquanto ela está numa reunião de equipe. […] Aí, assim, eu não sei se eles acham que eu tenho o poder, mas eu também não falo que eu não tenho. E a partir das reuniões seguintes, a médica já está sendo chamada regularmente. […] É uma mudança.” (Grupo 1, nº 4).
Aqui, o trabalho em equipe deve ser encarado como setting pedagógico e terapêutico, reconhecendo que há coprodução de sujeitos e de coletivos a partir da vida cotidiana20. Evidenciamos, assim, uma característica fundamental do trabalho em saúde: ele é relacional. Além disso, é complexo, diverso, criativo, dinâmico e proporciona o encontro entre trabalhador e usuário. O trabalhador possui um razoável autogoverno sobre o seu processo de trabalho e o seu fazer. Ele pode escolher se a assistência ocorrerá baseada em atitudes acolhedoras ou de forma burocrática, protocolar, prescritiva, priorizando procedimentos e embebida em tecnologias duras21.
“Meu supervisor falava: “Converse com os seus agentes comunitários de saúde (ACS), explique a importância da visita, por que deve ser feita a visita, qual o paciente que precisa do médico em casa. […]” Sugeriu criar os critérios […] a gente montava uma escala de acordo com os artigos […] e o paciente que alcançasse mais pontos teria prioridade. […] Só pelo fato de ter uma médica que vai em
casa, eles acham que a gente deve fazer porque eles querem, e tem pacientes que não precisam de visitas. […] É a filha quem cuida e quer que a gente vá lá, e a paciente não tem nada! Não tem queixa nenhuma, só para o médico ver e falar que tá tudo bem. […] isso não existe! […] Então hoje, quem faz o meu critério de atendimento sou eu. […] “Ok, quantos anos? Tá acamado, tá com o quadro de que […].” (Grupo 2, nº 9).
O trabalho de supervisão nem sempre encontra reverberação. O profissional autogoverna seu processo de trabalho (morto), comprometido ou não, com os interesses dos usuários, agindo como dispositivos liberadores ou castradores de processos autonomizantes22
O termo supervisão pode ser associado, historicamente, a formas de controle autoritário, fiscalização, inspeção e poder sobre o trabalhador, mas o conceito vem ganhando outros significados e práticas, como de apoio23. Campos imprimiu a expressão “Apoio Paideia”, referindo-se ao apoiador, que teria por função, entre outras, algumas que podemos utilizar como referenciais para a prática de supervisão aos médicos do PMM20, como fomentar e acompanhar processos de mudança, ofertar suporte e buscar fortalecer coletivos, construir de maneira compartilhada com os outros interlocutores.
A compreensão de construir, de maneira compartilhada com os outros interlocutores, o incentivo para fazer a gestão do trabalho em equipe, pensar a clínica, os processos pedagógicos de maneira dialógica, os saberes, valores e papéis são exemplos do que se pode buscar integrar à experiência do supervisor20,24.
Usando o conceito de apoio matricial, podemos também fazer paralelos com um perfil de supervisão que tenha como objetivo propiciar a cogestão do processo de cuidado, dos processos de trabalho e o compartilhamento da clínica25.
Vejamos algumas das situações relatadas:
“Eu me coloco enquanto pessoa que dá apoio para toda a equipe, mas é um apoio acadêmico e também um apoio em relação à gestão; em coisas que eles não conseguirem resolver. Porque as equipes se sentem amparadas […].” (Grupo 1, nº 1).
“Ele é alguém que quer saber qual a dificuldade que você tem para ajudar, quer saber como melhorar o processo de trabalho, o problema de relacionamento com a gestão. Ele para pra refletir.” (Grupo 2, nº 12).
“Ela sempre juntava todo mundo e fazia sempre uma dinâmica pra começar a conversa. Algumas reuniões […] ela trazia um caso clínico, que não aquela conduta técnica […] ela queria ver mais a questão do como que eu gerenciava os cuidados dos pacientes mais complexos […].” (Grupo 2, nº 10).
Enquanto o ser supervisor no outro polo pode ser revestido de verticalidade, funcionando como um “super olhar”, uma “cabeça pensante” vinda do exterior, sem envolvimento com o cotidiano dos serviços, sem produção de mudanças24
“[…] a gente ouve supervisionar e já fica estressado. “Poxa, vai ver meu trabalho, vai ver como é que estou no trabalho, se estou atendendo, se estou cumprindo carga horária.” “[…] Ele também faz isso. Mas ele é sempre disponível e pergunta sobre demandas e sempre conversa com o gerente.” (Grupo 2, nº 13).
Compreendendo as mudanças como processos longitudinais, a proposta para a supervisão pode ser instituir processos facilitadores, com troca de opiniões, para a formação de uma outra subjetividade profissional, centrada na abertura para o diálogo e na capacidade de assumir compromissos com a saúde dos usuários26
Ainda como supervisor-apoiador, é necessário não reforçar isolamento profissional, hegemonia do poder médico e fragmentação das práticas. Assim, o profissional deve atuar como apoiador na unidade de saúde da família na qual o médico está inserido, trabalhando em equipe. Além disso, deve-se incentivar a não redução do campo de responsabilidade ao núcleo de saberes restrito ao médico. Dessa maneira, permanece o desafio da busca da interprofissionalidade, a intersetorialidade e ampliação do olhar para além da assistência médica. Por último, outro movimento feito pela UFRB foi a aproximação das equipes de apoio institucional da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) a fim de ampliar as possibilidades de atuação nos territórios acompanhados.
Categoria 2.1 – Entraves ao processo de supervisão: do formato à organização Com relação ao formato, os aspectos mais apontados pelos entrevistados foram a frequência das visitas e a sua consequente efetividade. Apesar de evidenciarmos algumas contribuições da supervisão no cuidado integral que os médicos oferecem nos programas de provimento, a maioria dos entrevistados relatou o processo de supervisão como pontual. Eles
acreditam que existe uma potencialidade, entretanto, com um certo limite na influência sobre as práticas. As falas abaixo evidenciam que o formato da supervisão no PMMB tem limitadores.
“E a supervisão, por ser pontual, não muda tanto o processo de trabalho, ou melhora a conduta, porque é uma vez no mês. Como vou ser responsável pela conduta do médico nos outros dias? […] E espero que não seja minha função, porque não tem como!” (Grupo 1, nº 5).
“Eu acho que a gente nem consegue controlar isso (cumprimento de carga horária ou habilidades), porque eu não consigo estar com eles. Se eles fizerem uma consulta comigo, por exemplo, não quer dizer que eles irão repetir.” (Grupo 1, nº 4).
“É algo mais pontual, porque é uma visita rápida que acontece uma vez por mês […] porque no PSF o problema não dura um mês. Em um mês, ou você resolve, ou problema se resolve.” (Grupo 2, nº 12).
“Eu não recebi orientação nenhuma de como fazer. Tinha um roteiro, né, mas assim, pouco apoio do tutor, pouca orientação. Para a última locorregional, a orientação era que “façam”. Muito solto assim, sabe? Então, do mesmo jeito que o outro supervisor fez a supervisão pelo telefone, eu podia fazer a supervisão pelo telefone e ninguém iria saber.” (Grupo 1, nº 1).
“A supervisão não tem um alinhamento, é muito complicado porque cada tutor tem um direcionamento, alguns que chegam um pouco mais próximos do supervisor, outros que deixam o supervisor definir qual a sua área de atuação na supervisão. Isso acaba dando essa diversidade de ações.” (Grupo 1, nº 7).
O estudo de Lima et al.27 mostra algumas contradições entre perfis de tutores e “modos de fazer” tutoria. Refere-se que a produção de um ethos do grupo de tutoria, formando um balizamento pedagógico, seria essencial para a qualificação do projeto, o que também é evidenciado nesta pesquisa. A valorização dos espaços coletivos horizontais de escuta, análise e avaliação precisa ser premissa da estrutura da tutoria e supervisão acadêmica do PMM. Com a pandemia da covid-19, instalada em 2020, e a necessidade de reduzir o trânsito de pessoas, reorganizar os fluxos dos serviços de saúde e contribuir com a medidas de distanciamento social e não aglomeração nos espaços físicos, o formato de supervisão do PMMB sofreu alterações. As visitas para supervisão pedagógica passaram a ser “longitudinais”, de forma remota, digitalmente, trazendo desafios mas também
potencialidades para esse novo momento da saúde. Com essa modalidade sendo a única possível, se esgarça o contato com as gestões municipais, equipe de saúde e usuários. A supervisão fica restrita a encontros virtuais apenas com médicas e médicos supervisionados. Por outro lado, a possibilidade de fazer um encontro coletivo aos moldes da modalidade “encontro locorregional”, para discussão temática e escuta coletiva, tem apresentado potencialidades e sendo bem avaliado pelas médicas e médicos durante o processo de avaliação anual, proposto pela IS.
Categoria 2.2 Importância da experiência em APS para a qualidade da prática supervisora: “a cabeça pensa onde os pés pisam”
A Portaria 585 afirma que é competência dos supervisores “ofertar suporte para o fortalecimento de competências necessárias para o desenvolvimento de ações da Atenção Básica” 5. Entretanto, questiona-se se estariam preparados para trabalhar competências, como o conceito ampliado de saúde no processo de supervisão dos médicos inseridos na atenção básica 27
“Ela não tinha vivência, notadamente ela não sabia o que fazer. Sabe aquelas pessoas que tipo assim: “poxa, abriu vaga pra supervisão!” Tipo: “tal valor, legal! Eu vou fazer isso!” (Grupo 2, nº 12).
A experiência na APS é considerada fator central na prática de supervisão. Os saberes da experiência, a forma como se lida, ou lidou, com todas as dificuldades e surpresas do trabalho inevitavelmente contribuem para qualificar o apoio aos médicos do PMM28. Isso parte da vivência e do aprendizado cotidiano, contribuindo para que o supervisor seja autor e produtor do conhecimento na medida em que se deparou com a realidade e seja desafiado a produzir respostas e soluções para problemas do cotidiano do seu trabalho. Aposta-se na possibilidade de o supervisor utilizar o conhecimento produzido na experiência como estratégia pedagógica de ensino e aprendizagem durante o processo de supervisão.
Uma questão levantada na pesquisa é que muitas das contribuições não são, necessariamente, dependentes dos saberes de núcleo do supervisor médico. Além disso, propomos a reflexão da desnecessidade de apenas médicos serem supervisores, já que, para as entrevistadas, na maioria das visitas, as ações de campo se sobrepõem às de núcleo, além da outra potencialidade apontada, do supervisor como “função apoio”. Entendemos, nesse sentido, que a formação de outras categorias propicia ferramentas para exercer funções
de apoio, articulação e construção coletiva, e que elas poderiam trazer novos olhares para a supervisão do PMM. Nos anos que se seguiram, até 2022, a supervisão continuou restrita aos profissionais da medicina. A UFRB incentivou, entretanto, por meio da seleção de supervisores e supervisoras, que estes tenham formação na área; tendo no seu corpo, docentes universitários e médicos(as) de família e comunidade com experiência e atuação na AB, para que impulsionem a discussão de forma a extrapolar a biomedicina.
NÚCLEO DE SENTIDO 2 – DISPOSITIVOS UTILIZADOS NA PRÁTICA DA SUPERVISÃO
Tema 3 – Relatórios
Categoria 3.1 Variações entre trabalho morto e indução de visita: “menos relatórios, mais encontros”
Por meio dos relatórios de supervisão, os supervisores registram atividades realizadas que podem variar entre visitas e reuniões. Os relatórios contêm questões sobre cumprimento de carga horária, situações de absenteísmo, temáticas discutidas e sua metodologia utilizada, ofertas educacionais e planejamento da supervisão do mês seguinte. Evidenciou-se, para alguns supervisores, que os relatórios atuam como um dispositivo indutor e orientador das visitas. Entretanto, uma armadilha de seu uso pode ser o apresamento do supervisor ao relatório, fazendo assim um trabalho morto, com processo de trabalho pré-programado, sob o comando dos instrumentos e o aprisionamento do trabalho vivo. Dessa maneira, limita-se a ação do supervisor àquilo que já foi determinado pela programação da máquina, pelo protocolo e pelo formulário21
“Esse excesso de informação dura, atrapalha o desenvolvimento de outras informações mais produtivas. O tempo que a gente passa preenchendo aquele relatório, poderia estar encontrando as pessoas.” (Grupo 1, nº 2).
“[…] o que eu percebo, assim, é que ele é muito “o entrevistador” ou alguém que está ali fazendo checklist […] eu acho que a supervisão poderia ser também bem mais íntima, mais próxima de quem está sendo supervisionado, né?” (Grupo 2, nº 8).
Assim, a normatividade se antepõe ao trabalhador (supervisor, no caso) no momento do ato produtivo. Abre-se, portanto, a possibilidade de o mundo do trabalho configurar-se como um lugar de captura de ações produtivas do trabalhador29
Tema 4 – Outros dispositivos
Categoria 4.1 – Quebrando o gesso do protocolo e reinventando o “fazer supervisão”
Há variações no modo de agir na hora da atividade produtiva, dependendo de quem é o trabalhador que está fazendo a atividade. Os campos das práticas da saúde e da educação são bons exemplos da evidência e da importância dessa fissura de liberdade, que há no mundo limitador dos processos produtivos29. Na Bahia, na supervisão dos programas de provimento médico, também percebemos evidências de que há liberdade no agir do supervisor.
“Ela extrapolou as metas, as questões de puramente fazer o que se pede […] da função habitual, predeterminada, de checklist da supervisão” (Grupo 2, nº 8).
Um outro dispositivo importante, apresentado neste estudo, foi o de um “devir apoiador”26 na supervisão. Guardadas as devidas proporções, tendo como norte ou utopia, a tarefa de supervisão se aproximaria dessa função de apoio. O apoiador (supervisor) pode levar à possibilidade de “borrar os mapas vigentes, cronificados”, mesmo à revelia de tentativas de aprisionamentos, homogeneizações e burocratizações. Juntamente,ultrapassando os conceitos e métodos habituais é que se dá a invenção e a possibilidade dos deslocamentos30
Sinalizamos elementos para contribuir com a reflexão desse processo e prática nos programas de provimento, identificando facilitadores e obstáculos à qualificação da supervisão. Reiteramos que, para o “fazer supervisão”, há a necessidade de construção inventiva e interrogadora, não de um trabalhador moral que adere automaticamente, de corpo e alma, aos modelos de gestão (ou a determinados modos de se organizar o cuidado) propostos. O importante seria estar aberto aos encontros; “o modo de” fazer tutoria e supervisão estaria sendo gerado pelas relações entre supervisores e médicos. O trabalho em saúde acontece a partir de encontros e ações, construindo os novos perfis dos profissionais de saúde no Brasil.
Compreendemos ainda que o olhar de quem constrói as supervisões, assim como o de quem as recebe, qualifica a análise sobre essa oferta pedagógica, proporcionando uma reflexão da ação diária e contribuindo para que novas estratégias possam ser pensadas para o crescimento dos programas de provimento médico no território brasileiro.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação de dados: Mariângela Costa Vieira, Edison Bueno.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Mariângela Costa Vieira, Edison Bueno e Talita Rocha de Aquino.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Mariângela Costa Vieira, Edison Bueno e Talita Rocha de Aquino.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Mariângela Costa Vieira, Edison Bueno e Talita Rocha de Aquino.
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Recebido: 18.2.2022. Aprovado: 19.5.2022. Publicado: 7.7.2022.
Emerson Gomes Garciaa
https://orcid.org/0000-0002-5752-840X
Janaína Peralta de Souzab
https://orcid.org/0000-0002-5964-9811
Vera Lúcia Peixoto Santos Mendesc
https://orcid.org/0000-0003-4265-4216
Ricardo Coutinho Mellod
https://orcid.org/0000-0002-3265-6595
Ícaro da Silva Fariase
https://orcid.org/0000-0001-9828-6518
Resumo
Este artigo tem o objetivo de avaliar o processo de aprimoramento e acompanhamento das variáveis envolvidas na consolidação do Progama Mais Médicos para o Brasil (PMMB) na Bahia, bem como a gestão da informação associada aos avanços tecnológicos. A pesquisa é de natureza qualitativa e do tipo estudo de caso. Os dados pertinentes ao monitoramento e planejamento estratégico do PMMB, no estado da Bahia, foram coletados mensalmente, a partir das bases de dados do Ministério da Saúde, Ministério da Educação e municípios, para
a Enfermeiro Obstetra. Especialista em Saúde da Família. Mestre em Enfermagem. Doutorando em Administração pela Universidade Federal da Bahia. Diretor do Programa Mais Médicos-BA. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: emerson.garcia@saude.ba.gov.br
b Advogada. Administradora de Empresas. Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental. Superintendente de Recursos Humanos da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: janaina.peralta@saude.ba.gov.br
c Enfermeira Sanitarista. Especialista em Saúde Pública. Mestre em Administração Pública. Doutora em Administração Pública com Pós-Doutorado em Direito Internacional da Saúde. Pesquisadora e Coordenadora do Grupo de Pesquisa Observa Políticas Públicas. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: verapeixoto09@gmail.com
d Administrador de Empresas. Mestre em Ciência da Informação. Doutor em Difusão do Conhecimento. Professor do Quadro Permanente da Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail:ricardocoutinho@live.com
e Aluno da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia. Aluno de Iniciação Científica do Projeto Regulação 2.0: Uma Proposta de Solução Telemática para os Processos Regulatórios no Estado da Bahia por Professor Dr. Ricardo Coutinho Mello. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: icarosfarias@gmail.com Endereço para correspondência: 4ª Avenida, n. 400, Centro Administrativo da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 41745-002. E-mail: emerson.garcia@saude.ba.gov.br
serem agrupados em uma planilha eletrônica do Microsoft Excel, por meio do recurso Power Business Intelligence (Power BI), programa que está em constante modificação, permitindo visualizar a qualquer momento as variáveis desejadas. Assim, a distribuição de médicos atuantes no PMMB, no território baiano, corrobora os estudos que apontam o crescimento do provimento de médicos, sobretudo nas regiões mais isoladas, pobres e vulneráveis. A construção dos painéis, realizada pela captação e sistematização de diferentes fontes de dados relativos à gestão do PMMB na Bahia, permitiu avaliar: a distribuição dos médicos atuantes no PMMB na Bahia, as regiões de maior concentração de médicos, a porcentagem dos municípios contemplados pelo programa, a distribuição da rede de apoio no estado da Bahia, a distribuição dos cursos de medicina no estado e as regiões que realizam teleconsultorias. Por meio desta pesquisa, foi possível concluir que o número de médicos destinados à atenção de saúde nas populações mais carentes e isoladas vem aumentando gradativamente, embora ainda seja insufuciente. Além disso, pode-se concluir que a gestão da informação associada aos avanços tecnológicos podem servir como instrumento de monitoramento e avaliação na área da saúde. Palavras-chave: Tecnologia e Saúde. Monitoramento. Provimento.
Abstract
This qualitative case study evaluates the improvement and monitoring processes concerning the variables involved in the consolidation of the More Doctors Program (PMM) in Bahia, Brazil, as well as the management of information associated with technological advances. Data relevant for monitoring and strategic planning the PMM in the state were collected monthly from the Ministry of Health, Ministry of Education and municipalities databases, and then grouped in a Microsoft Excel spreadsheet using power BI, an everchanging software that allow us to view the desired variables at any time. The results on the distribution of PMM doctors in the broad territory of Bahia corroborate studies that point to an increased supply of physicians, especially in more isolated, poorer and vulnerable regions. The panels developed by capturing and systematizing different data sources regarding PMM management in Bahia allowed to evaluate: the distribution of PMM doctors in the state, the regions with the highest concentration, the percentage of municipalities covered by the program, the distribution of the support network within the state, the distribution of medical undergraduate programs in the state; the regions that offer teleconsultations. In conclusion, the number of physicians offering health care to the poorest and most isolated populations has been
increasing gradually, but remains insufficient. Moreover, the management of information associated with technological advances can serve as a monitoring and evaluation instrument in health care.
Keywords: Technology and Health. Monitoring. Provision.
Este estudio tiene como objetivo evaluar el proceso de mejora y seguimiento de las variables involucradas en la consolidación del Programa Más Médicos (PMM) en Bahía (Brasil), así como la gestión de la información asociada a los avances tecnológicos. La investigación es de carácter cualitativo, de tipo estudio de caso. Los datos relevantes para el seguimiento y la planificación estratégica del PMM en el estado de Bahía fueron recopilados mensualmente de las bases de datos del Ministerio de Salud, del Ministerio de Educación y municipios, para ser agrupados en una hoja de cálculo de Microsoft Excel, a través del recurso Power BI que se modifica constantemente, lo que permite ver las variables en cualquier momento. Así, la distribución de los médicos que actúan en el PMM en el amplio territorio de Bahía corrobora estudios que apuntan al crecimiento de la oferta de médicos, especialmente en las regiones más aisladas, pobres y vulnerables. La construcción de los paneles, realizada a partir de la captura y sistematización de diferentes fuentes de datos, relacionados con la gestión del PMM de Bahía, permitió evaluar: la distribución de los médicos que actúan en el PMM de Bahía, las regiones con mayor concentración de médicos, el porcentaje de municipios cubiertos por el programa, la distribución de la red de apoyo en el estado de Bahía, la distribución de los cursos de medicina en el estado, y las regiones que realizan teleconsultas. Esta investigación permite concluir que el número de médicos dedicados a la atención de la salud en las poblaciones más necesitadas y aisladas ha ido aumentando paulatinamente, aunque aún es insuficiente. Además, se concluye que el manejo de la información asociada a los avances tecnológicos puede servir como una herramienta de seguimiento y evaluación en salud.
Palabras clave: Tecnología y Salud. Monitoreo. Provisión.
O Programa Mais Médicos para o Brasil (PMMB) surgiu com a proposta de suprir a demanda levantada pela marcha dos prefeitos a Brasília realizada em janeiro de 20131.
Nessa manifestação, foram reivindicadas soluções para a carência de profissionais médicos nos municípios e regiões de vulnerabilidade social. Assim, com a intenção de atender às solicitações e ampliar o acesso da população aos serviços de Atenção Básica, a implementação dessa meta partiu de três grandes pilares: o provimento emergencial de médicos brasileiros ou estrangeiros; a melhoria da infraestrutura de unidades básicas de saúde, com a reforma e construção de novas unidades voltadas para a Atenção Básica; e a formação e interiorização de recursos humanos, por meio de cursos de especialização em Saúde de Família ofertados aos médicos do programa1-4.
No estado da Bahia, o programa se aproxima de uma década da sua criação e, apesar de alguns dados apontarem a melhoria dos índices, é importante realizar um balanço sobre a experiência do PMMB. Dessa forma, foi necessário avaliar e monitorar dados de forma sistemática, a fim de mensurar os avanços e as perspectivas da implementação do programa, bem como o processo de racionalização das práticas de atenção em saúde no território da Bahia, sobretudo nos locais contemplados pelo programa. Conforme Silva, o monitoramento corresponde ao acompanhamento sistemático sobre algumas das características dos serviços, contribuindo com a produção de informações necessárias ao planejamento de ações5. Para isso, é fundamental o registro contínuo de variáveis ao longo do tempo.
O apontamento no qual os diversos sistemas de informações não dialogam entre si, a fragmentação dos dados e a pouca interoperabilidade estão entre as principais dificuldades enfrentadas no planejamento. Tais fatos geram uma série de obstáculos na tomada de decisões estratégicas e, por vezes, uma repetição de trabalho com aumento de gastos desnecessários. Soma-se a isso o fato de que o sistema de informação em saúde é permeado por complexidades, devido à permanente interação entre os dados pessoais dos profissionais e dos usuários do serviço, havendo, portanto, diferentes abordagens para tratá-los, dependendo do setor de interesse (administrativo ou assistencial). Assim, percebe-se a existência de lacunas no escopo dos registros abastecidos pelos sistemas de informação6. A falta de acesso às informações quantitativas sobre o processo operacional em atividade sempre se apresentou como um desafio na gestão pública de saúde do estado da Bahia.
Ressalta-se que, neste artigo, ao longo do tempo, foram observados que as solicitações de dados simples, tais como o número de médicos disponíveis em determinada região, poderiam levar, em média, até 48 horas para serem informados. Diante dessa problemática da falta de tempestividade e da baixa acessibilidade das informações, buscouse como objetivo avaliar o processo de aprimoramento e acompanhamento do PMMB na Bahia, bem como a gestão da informação associada aos avanços tecnológicos. A adoção de
uma ferramenta de business intelligence, que pudesse disponibilizar de forma visualmente intuitiva a atuação do PMMB na unidade federativa, tornou-se importante. Para Han e Kamber, business intelligence é a área de estudo interdisciplinar que permite acessar dados históricos, atuais e vistas preditivas de operações organizacionais, baseado em mineração e amarzenamento de dados7
A tecnologia desenvolvida e analisada neste estudo teve o intuito de reduzir o tempo de resposta e melhorar a transparência da atuação do PMMB no estado da Bahia para os gestores públicos e os representantes políticos eleitos pela população.
O estudo é de natureza qualitativa e do tipo estudo de caso, partindo de uma análise documental do conjunto de leis que compõem o marco legal do PMMB pertinente ao estudo. Junto a isso, realizou-se uma revisão bibliográfica da literatura nacional sobre as políticas públicas relacionadas à Atenção Básica e ao PMMB, utilizando os descritores: “programa mais médicos” e “indicadores de saúde” para subsidiar as discussões sobre as variáveis trabalhadas durante o monitoramento desta pesquisa e de que forma essas variáveis seriam exibidas.
Os dados referentes ao monitoramento e planejamento estratégico do PMMB no estado da Bahia foram coletados mensalmente das bases de dados do Ministério da Saúde, Ministério da Educação e municípios. Posteriormente, os dados foram agrupados em uma planilha eletrônica do Microsoft Excel, por meio do programa Power BI. Conforme a inserção dos dados, essa planilha se tornou dinâmica e mutável, permitindo visualizar, a qualquer momento, as variáveis desejadas. Assim, não se pode dizer que este trabalho tenha um referencial temporal.
Esclareceremos, portanto, algumas variáveis com as quais é possível trabalhar, facilitando a compreensão da realidade no âmbito da saúde. Essas variáveis estão descritas a seguir.
(1) O número de médicos do PMM, os municípios em que estão alocados, os supervisores, tutores e Instituição Ensino de Superior (IES) correspondentes – tais informações foram coletadas a partir de consolidados enviados pelo Ministério da Educação (MEC) extraído pela busca no WebPortfólio (2) Universidade Aberta do Sistema Único de Saúde UNA-SUS.
(3) O número de Equipes Saúde da Família (ESF) foi coletado a partir da Coordenação de Avaliação e Monitoramento da Diretoria de Atenção Básica (Coam) pertencente à Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), extraído do site E-Gestor.
(4) O número de cursos de medicina foi obtido a partir do site do Diretório das Escolas de Medicina (Direm).
(5) O número de teleconsultas foi colhido pelo setor de teleconsultas da Sesab, a partir da plataforma de solicitação de teleconsultoria do telessaúde-BA.
(6) O número e a localização dos hospitais complementares, das policlínicas e Unidades de Pronto Atendimento (UPA) foram recolhidos na Diretoria de Atenção Especializada (DAE), pertencente à Sesab, a partir do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). Vale ressaltar, que os dados acima citados são classificados como secundários, coletados a partir de órgãos governamentais.
A partir dessas informações, iniciou-se a construção de um Power Business Intelligence (Power BI), que corresponde a uma coleção de serviços de software, aplicativos e conectores que operam juntos para transformar dados de diferentes fontes, correlacionando as informações, tornando-as de fácil visualização, dinâmicas e interativas8. Desse modo, foi possível realizar a compilação dos dados na construção de gráficos, partindo do mapa da Bahia, relacionados ao monitoramento e planejamento estratégico do PMM nesse estado. As análises podem ser feitas em tempo real.
A proposta de utilização do Power BI surgiu tendo em vista dados integrais e compilados de anos do PMMB junto à dificuldade no planejamento e da rápida tomada de decisão estratégica com informações necessárias para serem divulgadas aos 417 municípios do estado da Bahia em tempo real com facilidade e rapidez. Em reunião com a diretoria do programa, inicialmente indicaram o uso de gráficos, mas que se revelaram pouco precisos para a necessidade do monitoramento. A ferramenta Power BI foi adotada na organização estudada, sendo composta por três painéis, por meio dos quais visualizam-se informações sobre o PMMB, sejam estas a nível estadual, com informações gerais, ou a nível regional ou municipal.
O primeiro painel traz as informações gerais do PMMB no estado, contendo o número geral de médicos atuando na Bahia, número de municípios que contam com a presença de médicos do programa, número total de tutores, supervisores e de instituições de ensino. A primeira tela também apresenta três gráficos, em que o primeiro ilustra o percentual de municípios atendidos pelo programa; o segundo quantifica o total de tutores, supervisores, médicos e municípios por instituição de ensino; o terceiro indica o número de médicos por região de saúde.
Todos os dados contidos na primeira tela são do ano de 2021 e atualizados mensalmente. A partir desse painel foi constatado que a maioria dos municípios é contemplada por 1.419 médicos atuantes no PMMB (86% dos municípios baianos); as regiões centro-leste e leste concentram a maior quantidade de médicos atuantes no PMMB (255 e 241 médicos respectivamente) e as regiões centro-norte e extremo sul possuem as menores concentrações (105 e 96 médicos respectivamente). Além disso, o painel permite sinalizar à Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) que a Instituição de Ensino Superior (IES) possui maior número de médicos (427 médicos) e a Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), que apresenta menor número (144 médicos), conforme Figura 1.
O segundo painel traz o mapa interativo do estado da Bahia com graduação de tonalidades de azul, a partir da distribuição geográfica do número de médicos vinculados ao PMMB por município atendido, sendo visível que o mapa se encontra quase completamente coberto. Também é apresentado o número de equipes de ESF (3.842 equipes), número de teleconsultas realizadas através do programa telessaúde (209 de teleconsultas), número de cursos de medicina (27 cursos), número de policlínicas (16 policlínicas), número de hospitais complementares (87 hospitais) e números de UPA (56 UPA), sendo possível a visualização dos respectivos dados em cada município ao passar o cursor do mouse sobre o município no mapa.
Os dados foram escolhidos por viabilizarem o monitoramento e avaliação dos três pilares que fundamentam o PMMB. A partir desse painel, foi possível constatar que o núcleo regional de saúde leste possui a maior concentração de rede de apoio (21 UPA, duas policlínicas, 18 hospitais complementares), a maior quantidade de cursos de medicina (dez cursos), bem como é a região que mais realiza teleconsultas (133 teleconsultas). O Nordeste apresenta a menor rede de apoio (duas UPA, uma policlínica, cinco hospitais complementares), bem como é a região que menos realiza teleconsultas (duas teleconsultas). Por fim, percebe-se que em todos os núcleos regionais de saúde há pelo menos um curso de medicina.
Ainda no segundo painel, é possível estratificar variáveis através da aplicação de filtros. Essa estratificação se dá por Núcleos Regionais (NRS), Regiões de Saúde (RS), municípios e instituições de ensino. Além disso, há a possibilidade de estratificação por dados específicos de localização no estado. Há uma ferramenta de busca para os municípios, facilitando o acesso à localização do município e a visualização dos respectivos dados ao passar o cursor do mouse sobre o município no mapa, como observado na Figura 1
No terceiro painel há um gráfico de acompanhamento longitudinal indicando os meses dos anos de 2020 e 2021, analisando o número de médicos e supervisores vinculados ao PMMB, além de sugerir um comparativo entre os dois anos. A partir desse painel foi constatado que há uma queda importante do número de médicos entre os meses de março e abril de
cada ano cujo restabelecimento se dá nos meses seguintes. Essa variação, com efeito, pode ser justificada pelo início dos programas de residência médica que costumam captar profissionais atuantes no PMMB, como observado na Figura 2
Antes da introdução da ferramenta do Power BI, a diretoria do PMMB do estado da Bahia não compilava os dados referentes ao programa. Além disso, os órgãos governamentais que poderiam contribuir com o fornecimento de tais dados nem sempre os forneciam atualizados e em tempo ágil, dificultando a construção dos relatórios e o suprimento de informações para gestores, prejudicando assim o próprio planejamento de gestão do programa.
Antes, a produção de relatórios, em decorrência da busca de informação, levava aproximadamente 48 a 72 horas. A partir do Power BI, com a mensal captação e atualização dos dados, a produção de relatórios passou a ser realizada em aproximadamente uma hora. Outra melhora destacada foi a capacidade de detalhamento e cruzamento de dados que vêm possibilitando análises antes não realizadas, influenciando tomadas de decisão por parte da diretoria com os diferentes atores que constroem o PMMB no estado da Bahia. Assim, este estudo mostra também a importância dessa ferramenta tecnológica na avaliação dos processos de monitoramento e da avaliação do PMMB, no estado da Bahia.
A introdução da ferramenta do Power BI à diretoria dos Mais Médicos do estado da Bahia conseguiu compilar os dados referentes ao programa, antes dispersos nos respectivos sistemas de informação. Foi facilitada a exibição da informação para análise e cruzamento dos dados com a construção de painéis dispostos em gráficos e mapas interativo do estado da Bahia com graduação de cores, a fim de viabilizar o monitoramento e a avaliação dos três pilares que fundamentam o PMMB. Isso tudo foi feito conforme a Lei Geral de Proteção aos Dados de 2018 (LGPD), uma vez que nenhuma informação identificava os pacientes, sendo colhidas a partir de bancos de dados anonimizados cedidos por outros agentes públicos9
A distribuição dos médicos atuantes no PMMB no território baiano, constatado no primeiro e segundo painel, corrobora com os estudos que apontam o crescimento do provimento de médicos, sobretudo nas regiões mais isoladas, pobres e vulneráveis cuja oferta era escassa3,10,11. A melhor distribuição de profissionais por municípios cumpriu papel imprescindível na redução das iniquidades do acesso à saúde da população da Bahia. Ao aproximar profissionais de saúde à realidade dos usuários, por meio das equipes de ESF cuja característica resoluta viabiliza o atendimento significativo da demanda por saúde no território de atuação dos médicos do PMMB, reduzindo o deslocamento de pacientes para a capital baiana para qualquer tratamento.
A constatação de que o núcleo regional de saúde leste possui a maior concentração de rede de apoio corrobora com o estudo de Santos sendo reflexo histórico de distribuição da rede de saúde no estado da Bahia e dos aspectos marcantes do processo de regionalização de saúde ao longo dos anos12. Apesar do crescimento na implementação de novas unidades de saúde no interior, ainda é notória a concentração dessa rede, bem como a presença tecnológica de alta densidade no núcleo regional leste, o que pode convergir na atração de usuários de todas as regiões do estado em busca de procedimentos especializados, além de apoio diagnóstico e terapêutico. Tal concentração favorece o aumento dos gastos na área de saúde em decorrência de programas que visam garantir o transporte e a hospedagem para os pacientes que não possuam tratamento no próprio município, além de gerar sobrecargas nos serviços que recebem tais pacientes, sobretudo na capital baiana.
A baixa adesão de médicos do PMMB à teleconsultoria indica a necessidade de desenvolver estratégias para reforçar a ferramenta no desenvolvimento do programa, ressaltando que desse modo os profissionais e trabalhadores da Atenção Básica (AB) podem otimizar os serviços. O telessaúde é um programa instituído pelo Ministério da Saúde (MS) em 2007 com o objetivo de apoiar a Atenção Básica em uma perspectiva de educação permanente, a fim de
ampliar a autonomia e a capacidade resolutiva de quem as solicita, podendo, portanto, reduzir o número de encaminhamentos desnecessários às especialidades e, consequentemente, a sobrecarga nas respectivas especialidades e no setor de regulação11
O processo de aprimoramento da avaliação e monitoramento de informações nos órgãos governamentais tem um papel imprescindível dentro da perspectiva do controle eficiente sobre os resultados das políticas públicas, sobre a determinação dos entes responsáveis pela efetivação das políticas e sobre as ações realizadas por determinados entes que influenciam essas políticas. Desse modo, a avaliação e o monitoramento determinam a tomada de decisão, além de subsidiar gestores e sociedade civil na fiscalização do Estado10
Neste estudo foi relatado como a ferramenta Power BI foi adotada no sentido de aprimoramento e acompanhamento das variáveis envolvidas na consolidação do PMMB na Bahia com a construção de três painéis, por meio dos quais visualizam-se informações sobre o programa a nível estadual, regional ou municipal. Sua construção se deu a partir da captação e sistematização de diferentes fontes de dados relativos à gestão do PMMB na Bahia, dados estes que se encontravam fragmentados entre os diversos sistemas de informação.
A partir do uso do Power BI, foi possível avaliar: a distribuição dos médicos atuantes no PMMB na Bahia, as regiões de maiores concentração expresso no mapa da Bahia por graduação de azul, a porcentagem de municípios contemplados pelo programa, a distribuição da rede de apoio no estado da Bahia, a distribuição dos cursos de medicina no estado e as regiões que realizam teleconsultorias. Dessa forma, compreende-se como a gestão da informação está associada aos avanços tecnológicos na organização estudada, podendo servir como instrumento de monitoramento e avaliação em saúde, por incrementar o processo de monitoramento, planejamento e tomada de decisões por parte dos trabalhadores do setor, contribuindo, portanto, para a resolução de uma recente problemática pouco debatida no campo acadêmico.
Dado o ineditismo dos problemas causados pelo covid-19, este artigo também sugere um debate sobre o uso de agentes inteligentes em tempos de crise, ao mesmo tempo que realça o protagonismo da tecnologia no processo gerencial na área da saúde.
Esta discussão pode ser enriquecida com o aumento e a difusão do uso dessa ferramenta que permite gerar informações em tempo real ou pelo streaming de dados. Logo, centralizando os dados em uma plataforma, abrem-se oportunidades de análises mais profundas cujo cruzamento de dados permitirão o uso do Power BI de forma mais assertiva.
Com relação a este estudo, foi possível chegar à conclusão de que o número de médicos destinados às populações mais distantes vem aumentando, embora seja insufuciente e que a gestão da informação associada aos avanços tecnológicos são benéficas como instrumento de monitoramento e avaliação em saúde.
Dada a impossibilidade de um trabalho de pesquisa esgotar em si mesmo, futuras investigações poderão recorrer a um estudo comparativo entre organizações, especialmente em situações em que haja flexibilidade de incorporação da Inteligência Artificial (IA) na tomada de decisão. As diversas nuances e influências no âmbito do uso de business intelligence devem ser aprofundadas, incluindo fatores não investigados, para ampliar a discussão dos problemas registrados e procurar resolvê-los.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Emerson Gomes Garcia, Janaína Peralta de Souza e Ricardo Coutinho Mello.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Emerson Gomes Garcia, Icaro Silva Farias , Ricardo Coutinho Mello e Janaína Peralta de Souza.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Vera Lucia Peixoto Santos Mendes, Ricardo Coutinho Mello, Icaro Silva Farias, Janaína Peralta de Souza, e Emerson Gomes Garcia.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Emerson Gomes Garcia e Janainan Peralta de Souza.
1. Girardi SN, Van Stralen ACS, Cella JN, Maas LWD, Carvalho CL, Faria EO. Impacto do Programa Mais Médicos na redução da escassez de médicos em Atenção Primária à Saúde. Ciênc Saúde Colet. 2016;21(9):2675-84.
2. Carvalho VKS, Marques CP, Silva EN. A contribuição do Programa Mais Médicos: análise a partir das recomendações da OMS para provimento de médicos. Ciênc Saúde Colet. 2016;21(9):2773-84.
3. Comes Y, Trindade JS, Pessoa VM, Barreto ICHC, Shimizu HE, Dewes D, et al. A implementação do Programa Mais Médicos e a integralidade nas práticas da Estratégia Saúde da Família. Ciênc Saúde Colet. 2016;21(9):2729-38.
4. Miranda GMD, Mendes ACG, Silva ALA, Santos Neto PM. A ampliação das Equipes de Saúde da Família e o Programa Mais Médicos nos municípios brasileiros. Trab Educ Saúde. 2017;15(1):131-45.
5. Silva LMV. Conceitos, abordagens e estratégias para a avaliação em saúde. In: Hartz ZMA, Silva LMV, editores. Avaliação em saúde: dos modelos teóricos à prática na avaliação de programas e sistemas de saúde. Rio de Janeiro (RJ): Fiocruz, 2005; p. 15-39.
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7. Han J, Kamber M. Data mining: concepts and techniques. Burlington: Morgan Kaufmann Publishers; 2001.
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Recebido: 8.3.2022. Aprovado: 20.5.2022. Publicado: 7.7.2022.
Solano Nascimentoa
https://orcid.org/0000-0002-8191-8803
Resumo
Este relato descreve as principais etapas da investigação jornalística que culminaram na reportagem “Os pequenos que se foram”, publicada pela revista piauí .
A reportagem revelou que em municípios pobres a desorganização do sistema de Atenção Básica, provocada pelo desmonte do Programa Mais Médicos, gerou um aumento de 58% nas mortes por causas evitáveis de crianças menores de cinco anos. O relato mostra que a reportagem é resultado da reunião de documentos, parte deles obtida pela Lei de Acesso à Informação (LAI) e por cruzamentos feitos no Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), um banco de dados abertos do Ministério da Saúde. São descritas também pesquisas em cartórios e a busca pelas famílias que perderam crianças em 2019. Por fim, o relato mostra como a reportagem se insere no processo de oferta de informações para deliberação pública.
Palavras-chave: Mais médicos. Atenção básica. Cubanos. Reportagem.
Abstract
This paper describes the main steps of the journalistic investigation that culminated in the report “The little children who are gone,” published by piauí magazine. According to article, the disorganization of the Primary Care system in poor municipalities, caused by the dismantling of the More Doctors Program, led to a 58% increase in deaths from preventable causes in children under the age of five. The report is the result documents obtained by the Access to Information Law (LAI), and by cross-references made in the Mortality Information
a Professor. Jornalista. Doutor em Comunicação. Professor na Universidade de Brasília (UnB). Brasília, Distrito Federal, Brasil. E-mail: nascimento@unb.br
Endereço para correspondência: Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília. Campus Universitário Darcy Ribeiro, ICC – Norte – Asa Norte. Brasília, Distrito Federal, Brasil. CEP: 70910-900. E-mail: fac@unb.br
System (SIM), an open database of the Ministry of Health. Registry office research and the search for families who lost children in 2019 are also described. In short, the article takes part in the process of providing information for public deliberation.
Keywords: Mais médicos. Primary care. Cubans. Report.
Este informe describe las principales etapas de la investigación periodística que culminó con el reportaje “Los niños pequeños que murieron”, publicado por la revista piauí. El reportaje reveló que en los municipios pobres la desorganización del sistema de Atención Primaria, provocada por el desmantelamiento del Programa Más Médicos, generó un aumento del 58% en las muertes por causas evitables de niños menores de cinco años. El informe muestra que el reportaje es el resultado de la recopilación de documentos, parte de ellos obtenidos por la Ley de Acceso a la Información (LAI) y por cruces realizados en el Sistema de Información de Mortalidad (SIM), una base de datos abierta del Ministerio de Salud. También se describen las investigaciones en los registros de muertes y la búsqueda de familias que perdieron a sus hijos en 2019. Finalmente, el informe muestra cómo el reportaje contribuye con el proceso de proporcionar información para la deliberación pública.
Palabras clave: Más médicos. Atención primaria. Cubanos. Reportaje.
Em sua primeira edição de 2022, a revista piauí publicou a reportagem “Os pequenos que se foram”, que revela como o desmonte do Programa Mais Médicos resultou no aumento de mortes evitáveis de crianças em municípios pobres. Na capa da publicação, a chamada para reportagem foi impressa ao lado de uma ilustração na qual o mapa do Brasil está pendurado por uma corda se desfazendo, só restando um fio.
A revista foi criada em 2006 pelo cineasta João Moreira Salles, com assumida inspiração na longeva publicação norte-americana The New Yorker. Com sede na cidade do Rio de Janeiro, a publicação está vinculada ao Instituto Artigo 220, uma associação sem fins lucrativos criada para dar sustentação à revista. Vendida em bancas e por assinatura, a piauí
cujo nome é mesmo escrito em letra minúscula – dedica grande parte de suas páginas a reportagens que tratam temas com profundidade e mantém um site aberto ao público. Desde sua criação, a revista piauí publica reportagens feitas por colaboradores, ou seja, por jornalistas que não são funcionários da publicação, algo raro no Brasil, mas bastante comum na Europa e nos Estados Unidos. Foi esse o caso da reportagem “Os pequenos que se foram”. Neste relato de experiência, será descrito o processo de apuração jornalística que resultou na reportagem sobre o Mais Médicos.
Logo após aquele 14 de novembro de 2018, quando o governo de Cuba anunciou sua saída do Programa Mais Médicos e o consequente retorno de seus profissionais à ilha, vários veículos de imprensa do Brasil divulgaram notícias sobre o assunto. Em grande parte dos textos publicados naquele dia e em dias seguintes, havia a informação de que o Mais Médicos era responsável por 100% da Atenção Básica em 1.100 municípios brasileiros. Ao ler essa informação, suspeitei que em municípios desse grupo nos quais todos os profissionais do Mais Médicos eram cubanos havia uma grande chance de o impacto dessa debandada se refletir em índices de mortalidade.
Foi por isso que, já em agosto de 2019, solicitei os dados sobre esses 1.100 municípios via Lei de Acesso à Informação. Além da identificação dos municípios, solicitei dados específicos sobre os profissionais que trabalhavam neles contratados pelo Mais Médicos, pois assim eu poderia quantificar a dependência específica de cada um deles da presença dos cubanos. Quando recebi os dados, descobri que não se tratava de 1.100 municípios, e sim de 1.039. Concluí que era um número muito alto para eu trabalhar e, por isso, resolvi me deter naqueles municípios mais carentes. Cheguei então a uma lista de 119 municípios que, além de terem o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) baixo ou baixíssimo, têm 20% ou mais de suas populações vivendo em extrema pobreza.
Na primeira semana do ano de 2020, fiz novo pedido ao Ministério da Saúde pela LAI, dessa vez restrito aos 119 municípios carentes. Pedi os dados de presença de profissionais do Mais Médicos registrados no último dia dos anos de 2017, 2018 e 2019. Como a saída dos cubanos se deu no final de 2018, eu poderia quantificar o impacto disso em cada um dos municípios, já que em alguns os profissionais do programa não eram de Cuba.
No decorrer de 2020, os dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) referentes a 2019 foram sendo atualizados, primeiro como preliminares e depois como definitivos. Por saber da relação direta entre a Atenção Básica e as mortes por causas evitáveis,
resolvi me concentrar nesse tipo de óbito, mais especificamente em crianças com menos de cinco anos. Ao cruzar minha lista dos 119 municípios com dados de mortalidade de 2019, verifiquei que, em vários deles, a variação era muito grande, com números de óbitos caindo, aumentando ou se mantendo. Isso ocorria em municípios que não haviam perdido profissionais com a saída dos cubanos ou naqueles em que a perda havia sido compensada com substituições no decorrer de 2019.
Havia um grupo de municípios nos quais a alteração de dados seguia um padrão. Tratava-se de 14 municípios, principalmente das regiões Norte e Nordeste, que com a saída dos cubanos ficaram sem nenhum médico na Atenção Básica. Além disso, nesse grupo, apesar de ter havido reposição de profissionais no decorrer de 2019, ao final desse ano o total de médicos ainda era inferior ao que havia antes da debandada, ou seja, esses municípios perderam todos os profissionais do Mais Médicos, depois só uma parte deles foi reposta e o atendimento nunca voltou ao mesmo nível durante todo o ano de 2019. Nesse grupo de municípios, o número de mortes evitáveis de crianças com menos de cinco anos havia aumentado 58% de 2018 para 2019. Desde 2013, o primeiro ano do Mais Médicos, nunca tantos municípios desse grupo haviam tido aumento de mortes evitáveis de crianças de um ano para outro. Só ao me deparar com esses números concluí que realmente seria possível fazer uma reportagem sobre o assunto.
Propus a reportagem para a revista piauí, que aceitou de imediato, e depois de ter solicitado e recebido autorização da Universidade de Brasília para fazer o trabalho segui em busca das histórias por trás dos números. Selecionei dois municípios do grupo onde o aumento de mortes havia sido muito impactante e passei a buscar dados públicos em cartórios de registros civis sobre os óbitos. Com essas informações, viajei para Manoel Urbano, no Acre, e Pacajá, no Pará.
Os registros das mortes em Manoel Urbano revelavam que as principais vítimas eram crianças indígenas, principalmente Kulinas. Com a ajuda do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), localizei indígenas dessa etnia que estavam acampados em Manoel Urbano para receberem benefícios pagos pelo governo federal. O ideal teria sido visitar as aldeias onde as mortes ocorreram, mas isso implicaria dias de viagens de barco e eu não dispunha desse tempo. Consegui contar a história com os relatos feitos pelos indígenas com os quais conversei e com as narrativas de funcionários da Secretaria Municipal de Saúde sobre os dias que se seguiram à saída dos cubanos. Uma funcionária descreveu a situação como uma “tragédia”.
Em Pacajá, além de também coletar relatos de trabalhadores da área da saúde, visitei várias famílias que tinham perdido crianças menores de cinco anos, por causas evitáveis, em 2019.
As situações variavam muito, e o caso que escolhi para narrar na abertura da reportagem foi de uma menina cujo final da gestação e os primeiros meses de vida coincidiram com a crise sanitária deflagrada com o desmonte do Mais Médicos. Ela se chamava Cecília e morreu aos 11 meses de idade. Depois da viagem, busquei pesquisas científicas que haviam apontado o impacto positivo do Mais Médicos. Eram resultados que foram abalados com o desmonte do programa. Por fim, procurei Luiz Henrique Mandetta, que fora ministro da Saúde em 2019. Procurei também o Ministério da Saúde em busca de entrevistas com os secretários que atualmente cuidam das áreas de Atenção Básica e do Mais Médicos. Desde seu começo, a reportagem responsabilizava autoridades que estão e estiveram no governo pelo desmonte do Mais Médicos, já que ataques feitos por elas estavam na origem da decisão de Cuba de convocar seus profissionais de volta à ilha. Mandetta me deu entrevista, e o ministério prometeu responder a meus questionamentos por meio de duas notas oficiais. Uma trataria das razões pelas quais o ministério resolveu reincorporar cubanos que haviam trabalhado no Mais Médicos e que se encontravam exatamente nas mesmas condições que tinham quando foram muito criticados por autoridades do governo. Essa nota me foi enviada. A outra nota comentaria o aumento de mortes evitáveis de crianças na esteira da saída dos cubanos. Essa nunca chegou.
O pesquisador Wilson Gomes lembra que nos anos 1980 e pelo menos até a metade dos anos 1990 preponderou uma visão negativa do impacto dos meios de comunicação na democracia, mas isso tem mudado. “Embora o debate público tenha continuado predominantemente preso nos quadros do mal-estar que a comunicação causaria à democracia, a discussão acadêmica lentamente vem se afastando desse paradigma”1:11. Hoje não são poucos os estudiosos da comunicação – e de forma mais específica do jornalismo – que, apesar de apontarem problemas da mídia e da imprensa, reconhecem sua importância no processo de deliberação pública. “Defendemos que os meios de comunicação, apesar de seus diversos déficits, exercem funções fundamentais no sistema constitucional das democracias contemporâneas”2:17
Em linha semelhante, Meditsch – que foi um reconhecido repórter investigativo antes de se tornar professor e pesquisador – ressalta a importância, para a cidadania, de informações divulgadas pelo jornalismo. “Numa sociedade que se move em crescente velocidade, a disponibilização pública e permanente deste tipo de informação atualizada é estratégica para a atuação de todos os setores sociais e para a emancipação dos setores oprimidos”3:21
É dentro deste contexto, de tentar contribuir para o processo de deliberação pública, que se enquadra a reportagem foco deste relato. O trabalho jornalístico dá um exemplo
de como ataques verbais e decisões políticas muitas vezes gerados em gabinetes luxuosos de Brasília podem produzir mortes em locais distantes da capital e muito menos requintados, como Pacajá, no Pará, e Manoel Urbano, no Acre.
A reportagem retratou uma consequência específica do desmonte do Programa Mais Médicos e, para isso, se deteve em um grupo de municípios muito pobres que dependiam totalmente da Atenção Básica ofertada pelos cubanos. O foco foram somente as mortes de crianças menores de cinco anos por causas evitáveis. Os números alarmantes – um aumento de 58% nas mortes de um ano para o outro – indicam que outros impactos negativos podem ter ocorrido. Será que, entre municípios nos quais a dependência dos cubanos para Atenção Básica não chegava a 100%, mas era muito grande, não houve aumento de mortes? Será que a falta de médicos em postos de saúde, comprometendo assim o acompanhamento de gestações, não aumentou o número de abortos naturais e a mortalidade materna em alguns municípios? Será que idosos pobres, com doenças crônicas que precisam de acompanhamento permanente em postos de saúde, não pereceram ou tiveram piora de sua condição de saúde por conta do desmonte? A reportagem deixa aberto um caminho longo que, com o passar do tempo e se houver interesse de estudiosos, poderá recontar as sequelas trágicas do desmonte do Mais Médicos.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Solano Nascimento.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Solano Nascimento.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Solano Nascimento.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Solano Nascimento.
1. Gomes W. Apresentação. In: Maia RCM. Mídia e deliberação. Rio de Janeiro (RJ): FGV; 2008. p. 7-14.
2. Maia RCM. Mídia e deliberação. Rio de Janeiro (RJ): FGV; 2008.
3. Meditsch E. Jornalismo e construção social do acontecimento. In: Benetti M, Fonseca VPS, organizadores. Jornalismo e acontecimento: mapeamentos críticos. Florianópolis (SC): Insular; 2010. p. 19-42.
Recebido: 15.2.2022. Aprovado: 30.3.2022. Publicado: 7.7.2022.
DOI: 10.22278/2318-2660.2022.v46.n1.a3585
Emerson Gomes Garciaa
https://orcid.org/0000-0002-5752-840X
Beatriz Gouvêa de Andradeb
https://orcid.org/0000-0001-7035-6190
Liliane de Jesus Mourac
https://orcid.org/0000-0002-2073-7654
Monique Azevedo Esperidiãod
https://orcid.org/0000-0003-1827-3595
Janaína Peralta de Souzae
https://orcid.org/0000-0002-5964-9811
Resumo
A vivência no curso de pós-graduação em forma de residência em Planejamento e Gestão no Programa Mais Médicos (PMM) no estado da Bahia possibilitou a construção de um painel, cujos objetivos principais foram retratar o perfil dos médicos que atuam no estado no referido programa e a utilização da ferramenta do Telessaúde. Para construir essa experiência, a metodologia foi baseada em um estudo descritivo, que permitiu uma coleta de dados e o atendimento das metas propostas. Dessa forma, foi possível perceber que os profissionais médicos que atuam no PMM-BA são, em sua maioria, mulheres 764 (52,1%); um total de 703 (47,9%) corresponde aos homens, que declararam possuir registro profissional, sendo 922 (62,8%) no
a Enfermeiro Obstetra. Especialista em Saúde da Família. Mestre em Enfermagem. Doutor em Administração pela Universidade Federal da Bahia. Diretor do Programa Mais Médicos-BA. Salvador, Bahia, Brasil. Email: emerson.garcia@saude.ba.gov.br
b Sanitarista. Residente em Saúde Coletiva com Ênfase em Planejamento e Gestão – Instituto de Saúde Coletiva/ Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: beatrizgouvea60@gmail.com
c Enfermeira. Especialista em Saúde da Família, Residente em Saúde Coletiva com Concentração em Planejamento e Gestão
– Instituto de Saúde Coletiva/Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: lilamoura@hotmail.com
d Psicóloga. Doutora em Saúde Pública. Professora Associada pelo Instituto de Saúde Coletiva. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: moniqueesper@gmail.com
e Advogada. Administradora de Empresas. Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental. Superintendente de Recursos Humanos da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: janaina.peralta@saude.ba.gov.br
Endereço para correspondência: Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. Quarta Avenida, n. 400, Centro Administrativo da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 40301-110. E-mail: pmmbahia@saude.ba.gov.br
Conselho Regional de Medicina (CRM) e 520 (35,4%) no Registro Médico de Saúde (RMS); 25 (1,7%) não informaram o registro. Quanto ao uso da plataforma Telessaúde, os dados demonstraram que 567 (49,5%) conhecem e possuem cadastro na plataforma, 381 (33,2%) participaram de treinamentos e 446 (38,9%) utilizam a ferramenta. O assunto estudado permitiu propor algumas recomendações, dentre as quais destacam-se: maior investimento em infraestrutura e equipamentos eletrônicos, tais como computadores e acesso à internet, principalmente em localidades mais distantes; treinamento e orientação sobre o uso da plataforma e sua importância para o trabalho na Atenção Básica.
Palavras-chave: Programa Mais Médicos. Perfil médico. Saúde.
Abstract
The graduate program residency in Planning and Management within the Mais Médicos Program (PMM) in the state of Bahia, Brazil, allowed us to build a tableau, whose main objective was to outline the profile of physicians working in that program and the use of Telehealth. To build an experience that would allow data collection and fulfillment of the proposed goals, this study adopted a descriptive approach. Thus, results showed that most medical professionals working in the PMM-BA are women 764 (52.1%), while men account for 703 (47.9%) professionals, who declared having a professional register, with 922 (62.8%) on the Regional Council of Medicine (CRM) and 520 (35.4%) on the Medical Health Record (RMS); 25 (1.7%) did not inform a register. Regarding the use of the Telehealth platform, data showed that 567 (49.5%) physicians know and have a subscription on the platform, 381 (33.2%) participated in training and 446 (38.9%) use the tool. These findings allowed for some recommendations, such as greater investment in infrastructure and electronic equipment, like computers and internet access, especially in remote locations; training and advisement on how to use the platform and its importance for Primary Care.
Keywords: Programa Mais Médicos. Medical Profile. Health.
Resumen
La experiencia en el posgrado en la modalidad de residencia en Planificación y Gestión en el Programa Más Médicos en el estado de Bahía (PMM-BA) permitió construir un panel cuyo objetivo principal fue retratar el perfil de los médicos que actúan en el estado con ese programa y el uso de la herramienta Telesalud. Para construir esta experiencia, la metodología se basó en un estudio descriptivo, que permitió la recolección de datos y el cumplimiento de las metas propuestas. Así, fue posible percibir que el profesional médico que actúa en el PMM-BA es en su mayoría mujeres 764 (52,1%); un total de 703 (47,9%) corresponden a hombres, que declararon tener un historial profesional, con 922 (62,8%) en el Consejo Regional de Medicina (CRM) y 520 (35,4%) en el Registr o Médico de Salud (RMS); 25 (1,7%) no informaron el registro. En cuanto al uso de la plataforma Telesalud, los datos mostraron que 567 (49,5%) conocen y tienen registro en ella, 381 (33,2%) participaron en capacitaciones y 446 (38,9%) utilizan la herramienta. El tema estudiado permitió proponer algunas recomendaciones, entre las que se destacan: mayor inversión en infraestructura y equipos electrónicos, como computadoras y acceso a internet, especialmente en las localidades más alejadas; formación y orientación sobre el uso de la plataforma y su importancia para el trabajo en Atención Primaria.
Palabras clave: Programa Más Médicos. Perfil médico. Salud.
O conhecimento e a vivência dentro do processo de formação do curso de pósgraduação em forma de residência em Planejamento e Gestão motivaram somar as experiências obtidas nesse período, com o Programa Mais Médicos (PMM), na perspectiva de planejar e analisar o perfil dos profissionais que fazem parte do programa.
A Atenção Primária à Saúde (APS) é a principal porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS), além de ser ordenadora da Rede de Atenção à Saúde (RAS), com uma capacidade de maior resolução dos problemas nessa área, coordenando o cuidado e atendendo às necessidades da população do seu território1
No Brasil, a carência de profissionais médicos para atuar na Atenção Primária causa impacto direto na garantia ao artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, da qual o Brasil é signatário: todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe saúde e cuidados médicos. Em busca desses direitos, o PMM nasceu após a “marcha dos prefeitos” em Brasília (DF), em janeiro de 2013, motivada por um clamor social por melhorias que trouxessem impactos imediatos à saúde da população. Assim, pode-se afirmar que o PMM é parte de um amplo pacto social2, criado por meio da Lei 12.871, de outubro de 2013, para suprir a insuficiência de médicos na Atenção Básica (AB), principalmente em regiões prioritárias para o SUS3.
Na Bahia, cerca de seis milhões de pessoas estavam desprovidas de serviços de APS, dentre eles, grupos indígenas e quilombolas, pois não havia profissional médico para dar suporte a essas comunidades. Com a efetivação desses serviços, indígenas e quilombolas passaram a ter tanto a assistência médica como o acolhimento emocional e afetivo.
É importante ressaltar que, quando o programa foi implantado e após negociação e estudos técnicos, a Bahia foi contemplada com 1.720 vagas de médicos/mês, ficando atrás apenas do estado de São Paulo no quantitativo de profissionais. Em junho de 2020, a Bahia atingiu o maior número de profissionais médicos, 1.670.
O programa tem como um dos principais objetivos garantir para a população o atendimento pelo profissional médico, principalmente, como já foi dito, àquelas que sempre tiveram maior dificuldade de acesso aos serviços de saúde: a população mais carente e residente em regiões de difícil acesso no Brasil. Além disso, o programa promove melhorias na qualidade do atendimento, estabelecendo vínculos entre profissionais e usuários e com a comunidade4
Apesar de a Constituição Cidadã de 1988 afirmar, no artigo 186, a saúde como um bem universal, essa premissa nunca foi alcançável a todos os brasileiros, por motivos diversos. O que se buscava, em um momento inicial, era garantir melhor atendimento aos usuários do recém-criado SUS.
O PMM se estrutura em três eixos: provimento emergencial de médicos brasileiros e estrangeiros; educação, com a formação e interiorização de recursos humanos por meio de cursos de graduação e pós-graduação em saúde da família; e infraestrutura, com a melhoria e construção de novas unidades de saúde3
Outra estratégia lançada pelo governo federal é o Telessaúde Brasil Redes, que foi instituído em 2011 e tem como proposta principal potencializar a qualificação dos profissionais da Atenção Primária à Saúde/Estratégia Saúde da Família (APS/ESF) visando a melhoria da qualidade e resolubilidade dos serviços e cuidados em saúde, por meio da utilização das tecnologias de informação e comunicação (TIC)3,5
Em 2013, foi implantado na Bahia o Núcleo Científico do Telessaúde, que faz parte da Diretoria de Atenção Básica (DAB), por meio da Resolução da Comissão Intergestores Bipartite (CIB) 032/2013 e, atualmente, dispõe de uma cobertura de 100% dos municípios baianos 5 .
A teleconsultoria, oferecida pelo Telessaúde, é uma consulta realizada entre trabalhadores, profissionais e gestores da área de saúde, por meio de instrumentos de telecomunicação bidirecional, com o objetivo de prestar esclarecimentos sobre procedimentos clínicos, ações de saúde e questões relacionadas ao processo de trabalho. A consulta se resume a uma troca de informações e opiniões entre profissionais da saúde (profissional da Atenção Básica e um profissional especialista) para auxílio diagnóstico e/ou terapêutico. Teleconsultores especialistas orientam os profissionais da Atenção Básica por meio de uma teleconsultoria, qualificando, assim, o cuidado nessa área.
No contexto da pandemia da covid-19, essa ferramenta, por promover cuidados à saúde a distância, foi potencializada, proporcionando a redução de circulação de pessoas nos serviços de saúde, o que evitou aglomerações e diminuiu o risco de exposição dos profissionais e pacientes6,7
Dessa forma, o que se propõe neste estudo é descrever o perfil dos médicos do Programa Mais Médicos no estado da Bahia, no ano de 2021, além de analisar a utilização da plataforma Telessaúde pelos médicos, relatando suas principais dificuldades.
Trata-se de um estudo descritivo sobre o perfil dos médicos do Programa Mais Médicos na Bahia, realizado com dados secundários que foram obtidos por meio do painel de controle Power BI do PMM-BA e Ministério da Saúde. Além disso, analisa-se a utilização da plataforma Telessaúde pelos médicos do programa, com dados disponibilizados pela diretoria do Programa Mais Médicos Bahia. As informações que alimentam a aba do BI sobre perfil dos médicos são uma junção de planilhas enviadas pelo Ministério da Saúde (MS) e Ministério da Educação (MEC).
A pesquisa de campo utilizada tem como objetivo adquirir informações e/ ou conhecimentos acerca de uma determinada situação, podendo ser definida como uma questão norteadora. Dessa forma, é importante ter sempre como foco a observação de fatos e fenômenos, tal como ocorrem espontaneamente na coleta de dados.
Partindo dessa premissa, é possível entender que, quando se buscam dados preexistentes ou já dispostos, eles permitem, também, que haja novos registros com olhares diferentes, o que facilita a construção de variáveis consideradas relevantes para analisá-los9
Assim, ainda que se trate de dados secundários – um conjunto de informações que já foram coletadas durante um processo de investigação diferente do proposto na pesquisa –, entende-se que a pesquisa de campo com dados secundários deve ser vista não apenas como uma simples coleta de dados, pois exige que o pesquisador seja capaz de ter objetivos definidos e que discrimine o que deve ser coletado. É importante destacar que, para Marconi e Lakatos9, a pesquisa descritiva ocorre quando o pesquisador objetiva relatar as características de certa população ou fenômeno e estabelecer elos entre as variáveis, sem sua manipulação.
Dessa maneira, no processo de coleta de dados para elaboração desse painel, foi elaborada uma planilha com informações sobre o acompanhamento dos médicos pelos seus supervisores, a partir de informações mensais enviadas ao Programa Mais Médicos e à coordenação estadual da Bahia pelo Ministério da Educação. Essa planilha, chamada de “Plano de trabalho”, é dividida em seis partes, com cada uma representando uma instituição de ensino (IES). Elas contêm informações básicas sobre o médico, como nome, cadastro de pessoa física (CPF), supervisor, tutor, informações sobre o desempenho do médico no programa, datas e temas para as próximas supervisões. Para complementar esses dados, foi solicitado ao Ministério da Saúde informações que ajudassem a traçar o perfil do médico participante do programa. Ainda, foi realizado um questionário pela ferramenta Google Forms, solicitado diretamente ao profissional médico que atua no Programa Mais Médicos no estado da Bahia, que permitiu a coleta de dados sobre o uso da ferramenta Telessaúde Bahia.
Os dados disponibilizados pelo MS foram: município de atuação, gênero, ciclo, perfil do médico (CRM/RMS), nacionalidade, início e fim das atividades, prorrogação, raça/cor, se possui especialização em Atenção Básica/Saúde da Família da rede UNA-SUS, residência em medicina de família e comunidade, ou título de especialista em medicina de família e comunidade, reconhecido pela Associação Médica Brasileira (AMB).
Esses dados foram sistematizados em uma planilha de Excel chamada “Planilha base”. Em seguida, os dados foram tratados no software Power Query, que, por meio de comandos predefinidos pela equipe gestora do PMM-BA, gerou resultados que possibilitaram a análise de acordo com o objetivo do estudo.
Por meio da atualização do painel do BI, pode-se então dizer que, a partir desse cruzamento de dados, são obtidos dados estatísticos com o objetivo de possibilitar a avaliação de forma descritiva de gráficos, com porcentagens e números absolutos dos resultados alcançados.
A Business Intelligence, também chamada de BI, é a coleta, análise e visualização de dados que uma empresa realiza, a fim de visualizar possíveis cenários ou informações de forma direta. A partir das informações coletadas, iniciou-se a construção de um Power Business Intelligence (Power BI): uma coleção de serviços de software, aplicativos e conectores que trabalham juntos para transformar dados de diferentes fontes, correlacionando as informações, tornando-as de fácil visualização, dinâmicas e interativas8. Desse modo, os dados foram agrupados na planilha eletrônica elaborada no Microsoft Excel e o acesso à planilha ocorreu por meio do Power BI , sendo possível realizar a compilação dos dados na construção de gráficos, permitindo que os dados do perfil de cada médico pudessem ser visualizados.
Assim, os dados foram tabulados pela plataforma Excel, por meio dos seguintes indicadores: sexo, raça/cor, estado civil, nacionalidade e registro profissional. Sobre a formação acadêmica do profissional, foi perguntado se possui especialização em Atenção Básica/Saúde da Família na rede UNA-SUS e residência em medicina de família e comunidade. Os indicadores utilizados para mensurar o uso da plataforma Telessaúde pelos médicos do PMM-BA foram: conhecimento sobre a plataforma, cadastro na plataforma, se utiliza a ferramenta e já participou de algum treinamento da plataforma.
O Programa Mais Médicos foi implantado na Bahia em 2013 e, desde então, conta uma média de 1.654 médicos, considerando as variações entre entrada e saída desses profissionais em períodos diversos, como os profissionais da seleção de residência médica, distribuídos em 361 municípios baianos, correspondendo a 86,5% da totalidade dos municípios, como demonstrado na Figura 1.
Desde 2018, os profissionais do Programa Mais Médicos vêm sendo cadastrados na plataforma Telessaúde do estado da Bahia. Dessa forma, entre 2018 e 2021, 344 profissionais médicos efetuaram seus cadastros, contabilizando 847 profissionais na plataforma Telessaúde ( Figura 1 ).
Atualmente, o PMM-BA conta com 1.467 médicos, distribuídos em 352 municípios baianos, correspondendo a 84,4% da totalidade dos municípios. Destes, em uma análise do perfil dos profissionais médicos que atuaram no território baiano no período de setembro a novembro de 2021, no que tange à declaração de sexo, 764 (52,1%) se declararam do sexo feminino e 703 (47,9%) afirmaram ser do sexo masculino.
Com relação à autodeclaração de raça/cor, 604 (41,2%) médicos se autodeclararam brancos, 469 (32%) pardos, 214 (14,6%) amarelos, 132 (9%) pretos, 9 (0,6%) indígenas e 39 (2,7%) não se rotularam. Quanto à nacionalidade dos profissionais médicos que atuam no território baiano, 1.208 (82,3%) são brasileiros, 207 (14,1%) cubanos, 39 (2,7%) não informaram a origem e o restante dos médicos, 13 (0,9%), ficaram distribuídos entre as nacionalidades argentina, boliviana, equatoriana, mexicana e peruana. No que diz respeito ao registro profissional, 922 (62,8%) têm registro no CRM e 520 (35,4%) possuem RMS; 25 (1,7%) não mencionaram tal informação.
Sobre a formação acadêmica dos profissionais, apenas 82 (5,6%) têm especialização em Atenção Básica/Saúde da Família, conforme declaração por meio da rede UNA-SUS, e 19 (1,3%) possuem residência em medicina de família e comunidade. Os demais ainda cursam a especialização como uma exigência para se manter no programa. Aqueles que não cumprem o programa de formação realizado por meio das parcerias construídas com instituições de ensino superior são desligados do programa, após a consolidação final da especialização acompanhada pelo UNA-SUS (Tabela 1).
Tabela 1 – Perfil sociodemográfico e de formação dos médicos do PMM-BA. Salvador, Bahia, Brasil – 2021
Os profissionais foram questionados sobre a utilização da plataforma Telessaúde no ano de 2021. De acordo com os dados coletados e avaliados em cruzamento com as informações apontadas pelos médicos do PMM-BA, a partir de uma amostra de 1.146 (78,1%) respostas disponibilizada pela diretoria do PMM-BA, identificou-se que 567 (49,5%) conhecem e possuem cadastro na plataforma, 381 (33,2%) participaram de treinamentos e 446 (38,9%) utilizam a plataforma (Gráfico 1).
Este estudo demonstrou que houve um equilíbrio entre os gêneros, correspondendo 47,9% ao gênero feminino. Esse resultado foi semelhante ao encontrado por Guarda et al.10, em que 47,4% dos médicos que compõem equipes de saúde da família na região metropolitana do Recife (PE) eram mulheres. Segundo Machado11, o trabalho médico é tradicionalmente masculino, mas recentemente assistiu-se à entrada de mulheres nesse mercado. No Brasil, a feminilização ocorreu a partir do final da década de 1930, ganhando mais força nas seguintes11 Apesar de a maioria da população brasileira ser negra, a proporção de pessoas negras que acessa ao ensino superior é consideravelmente menor12. Desse modo, pode-se entender que as escolas de medicina no Brasil são ocupadas majoritariamente por alunos e docentes brancos13 Com resultado semelhante encontrado nesta pesquisa, Souza et al. demonstram que em uma universidade pública de medicina 69,87% dos estudantes se autodeclararam brancos, seguidos de 23,78% pardos, 3,2% pretos e 2,7% amarelos14
Na caracterização do perfil de nacionalidade, observa-se maior número de médicos brasileiros e cubanos, em consonância com os resultados encontrados no estudo de Barbosa et al.15. Um estudo realizado por Cardoso Junior e Sousa16, em 2020, apresentou dados semelhantes, nos quais 70,9% dos médicos tinham como país de origem o Brasil e 29,1% outros cinco países, sendo quatro latino-americanos e 14 europeus.
A pós-graduação médica é uma das mais antigas no Brasil, com enfoque nas formações lato sensu 11 . Este estudo demonstra que apenas 5,6% dos médicos do PMM-BA
têm especialização em Atenção Básica e 1,3% fizeram residência em medicina de família e comunidade. Esse fato pode estar relacionado ao fato de que os médicos que entram para o programa farão, por obrigação, a especialização em Saúde da Família. Em contrapartida, estudo semelhante mostra que 74,1% dos médicos fizeram curso de residência e 40,7% têm cursos de especialização11
Já a telessaúde/telemedicina é um serviço voltado para a atenção à saúde, oferecido pelo SUS, que possibilita a realização de serviços médicos básicos por meio de plataformas virtuais, com atendimento por áudio e vídeo. Sua única exigência é o acesso à internet, possibilitando que o atendimento seja realizado de qualquer lugar.
A plataforma trouxe diversas vantagens para o âmbito clínico, evitando a lotação de diversas unidades de saúde, já que grande parte dos atendimentos pode ser realizada na Atenção Básica mediante o uso da ferramenta. O programa proporciona atendimento direto, de forma virtual, seja na relação médico e paciente ou médico generalista e médico especialista, reduzindo filas de espera para consulta médica ou diagnósticos especializados.
Sobre as dificuldades encontradas para a utilização da ferramenta Telessaúde, os médicos apontaram como principais obstáculos a falta de informação sobre o instrumento e a falta de conhecimento sobre seu manuseio; ausência de treinamento; ausência e/ou instabilidade de internet nas unidades de saúde; insuficiência de equipamentos; sobrecarga de trabalho e pouco tempo disponível para realizar as solicitações das teleconsultorias.
Quando se observa, com base no perfil, qual profissional médico tem feito maior uso da plataforma, vê-se que 70% dos registros no serviço de teleconsultoria são feitos por médicos com CRM, ou seja, com formação e certificação por IES brasileira, o que pode indicar que a ferramenta já faz parte do processo de formação desse profissional.
Além disso, chama a atenção que a maioria das teleconsultas/telemedicina é realizada na região leste, área que envolve a capital baiana, onde o registro da ferramenta é muito acentuado. No levantamento de dados, ficou evidenciada pelos profissionais a dificuldade de acesso à internet no interior da Bahia.
Com base nos dados disponibilizados pela plataforma Telessaúde da Bahia e no cruzamento com as informações do Programa Mais Médicos, dispostas no Power BI, que trata desse perfil, observa-se que a maioria das consultas para a precisão do diagnóstico ou confirmação de indicações para tratamentos clínicos é realizada nas especialidades de: endocrinologia, em especial no tratamento e diagnóstico de diabetes e alterações metabólicas, algo em torno de 32% das consultas médicas feitas pelos profissionais do PMM-BA, seguida por 13% na especialidade de dermatologia e 8% referente à cardiologia.
Os resultados obtidos possibilitaram conhecer o perfil dos médicos do PMM-BA e a utilização do Telessaúde, revelando algumas dificuldades e entraves para o seu uso adequado. São necessários o incentivo e a conscientização sobre a importância da utilização da plataforma Telessaúde pelos médicos, como facilitadora do trabalho, proporcionando maior resolutividade dos problemas de saúde na Atenção Básica e, consequentemente, não sobrecarregando as policlínicas, que respondem pela maioria dos encaminhamentos dos profissionais como forma de confirmação de hipótese de diagnóstico.
Recomenda-se, para a utilização adequada da plataforma Telessaúde, maior investimento em infraestrutura e equipamentos eletrônicos, como computadores e acesso à internet, principalmente em localidades mais distantes; treinamento e orientação sobre a utilização da plataforma e a sua importância para o trabalho da Atenção Básica.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Emerson Gomes Garcia, Beatriz Gouvêa de Andrade e Liliane de Jesus Moura.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Emerson Gomes Garcia, Beatriz Gouvêa de Andrade, Liliane de Jesus Moura, Monique Azevedo Esperidião, Janaína Peralta de Souza.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Emerson Gomes Garcia e Monique Azevedo Esperidião.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Emerson Gomes Garcia, Beatriz Gouvêa de Andrade, Liliane de Jesus Moura, Monique Azevedo Esperidião e Janaína Peralta de Souza.
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3. Brasil. Lei n. 12.871, de 22 de outubro de 2013. Institui o Programa Mais Médicos, altera as Leis nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e nº 6.932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências. Brasília (DF); 2013.
4. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria interministerial n. 1.369, de 8 de julho de 2013. Dispõe sobre a implementação do Projeto Mais Médicos para o Brasil. Brasília (DF); 2013.
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Recebido: 14.3.2022. Aprovado: 5.5.2022. Publicado: 7.7.2022.
DOI: 10.22278/2318-2660.2022.v46.n1.a3576
RELATO DE EXPERIÊNCIA
PROGRAMA MAIS MÉDICOS E AS COMUNIDADES INDÍGENAS DO NORTE DA BAHIA: RELATO DE EXPERIÊNCIA
Manoel Pereira Guimarãesa
https://orcid.org/0000-0001-7780-8946
Mumtaz Ali Memonb
https://orcid.org/0000-0002-7877-1759
Iara Zuleica Nobre e Silvac
https://orcid.org/0000-0002-0753-6364
Anderson da Costa Armstrongd
https://orcid.org/0000-0003-3161-8922
As ações para construção de um modelo de prestação de serviços de saúde para a população indígena só foram intensificadas em 2002, quando foi criada a Política Nacional de Saúde dos Povos Indígenas. Dessa forma, ocorreu a utilização de profissionais oriundos do Projeto Mais Médicos nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas. Assim, este trabalho descreve a experiência de profissionais do Projeto Mais Médicos para o Brasil em comunidades indígenas do norte da Bahia, no polo de Paulo Afonso. Essas comunidades se caracterizam por baixas condições socioeconômicas de maneira geral e os povos indígenas do sertão do nordeste brasileiro são amplamente afetados pelo processo de urbanização. Durante o programa, foi possível perceber que as comunidades indígenas já trazem consigo os efeitos psicológicos das lutas territoriais, dos históricos de repressão violenta e da persistente cultura preconceituosa por parte do não indígena. Além disso, são evidentes o empenho e a dedicação do médico bolsista do Projeto Mais Médicos, bem como seu interesse a Estudante de Medicina. Bolsista apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf). Petrolina, Pernambuco, Brasil. E-mail: manoel.guimaraes@cardiol.br
b Médico do Programa Mais Médicos. Saúde Indígena. Rodelas, Bahia, Brasil. Email: alimemon_mumtaz@yahoo.com
c Médica Supervisora do Programa Mais Médicos no Norte da Bahia. Paulo Afonso, Bahia, Brasil. E-mail: iarazu@hotmail.com
d Médico. Doutor. Docente na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf). Petrolina, Pernambuco, Brasil. E-mail: anderson.armstrong@univasf.edu.br
Endereço para correspondência: Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf). Avenida José de Sá Maniçoba, s/n, Centro. Petrolina, Pernambuco, Brasil. CEP: 56304-917. E-mail: anderson.armstrong@univasf.edu.br
em gerar cuidados para as comunidades tradicionais indígenas de seu polo de atuação, no entanto, vale ressaltar que mesmo após tantos anos da implementação do Projeto Mais Médicos, existe uma grande dificuldade no preenchimento de vagas destinadas ao atendimento nas comunidades indígenas e os últimos editais não conseguiram um médico para preenchimento da vaga em aberto para o polo de Paulo Afonso.
Palavras-chave: Programa Mais Médicos. Saúde de populações indígenas. Distritos sanitários especiais indígenas. Política Nacional de Saúde dos Povos Indígenas.
BAHIA: EXPERIENCE REPORT
Abstract
Actions for building a health service delivery model geared towards the indigenous population became more prominent only in 2002, upon creation of the National Health Policy for Indigenous Peoples. As a result, professionals from the Mais Médicos Project were included in the Special Indigenous Health Districts. Hence, this study describes the experience of professionals from the More Doctor for Brazil project within indigenous communities in northern Bahia, at the Paulo Afonso center. Overall, these communities face low socioeconomic conditions and the indigenous peoples of the Sertão are largely affected by urbanization processes. During the program, the professionals noted that indigenous communities bear the psychological effects of land struggles, the history of violent repression and the persistent prejudiced culture espoused by non-indigenous. Moreover, the commitment and dedication of Mais Médicos physicians, as well as their interest in providing care for the traditional indigenous communities in their area of activity, is evident. Importantly, however, even many years after the implementation of the Mais Médicos Project, vacancies geared towards indigenous health are difficult to fill out and the last public notices were unable to find a doctor to fill the open vacancy for the Paulo Afonso center.
Keywords: More Doctors Program. Health of indigenous populations. Special indigenous health districts. National Health Policy for Indigenous Peoples.
Las acciones para construir un modelo de prestación de servicios de salud a la población indígena recién se intensificaron en el año 2002 cuando se creó la Política Nacional de Salud para los Pueblos Indígenas. De esta forma, se incluyó a profesionales en el Proyecto Más Médicos en los Distritos Sanitarios Especiales de Salud Indígena. Así, este trabajo describe la experiencia de profesionales del Proyecto Más Médicos para Brasil en comunidades indígenas del Norte de Bahía, en el polo Paulo Afonso. Estas comunidades se caracterizan por tener condiciones socioeconómicas bajas en general, y los pueblos indígenas del sertão del Nordeste Brasileño son en gran medida afectados por el proceso de urbanización. Durante el programa se pudo percibir que las comunidades indígenas traen consigo los efectos psicológicos de las luchas territoriales, la historia de represión violenta y la cultura prejuiciosa persistente por parte de los no indígenas. Además, es notorio el compromiso y dedicación del médico becario del Proyecto Más Médicos, así como su interés por brindar atención a las comunidades indígenas tradicionales de su zona de actuación; sin embargo, vale mencionar que aún después de tantos años de implementación del Proyecto Más Médicos, existe una gran dificultad para cubrir las vacantes destinadas a la atención de las comunidades indígenas y los últimos avisos públicos no encontraron a médicos para llenar la vacante abierta para el polo Paulo Afonso.
Palabras clave: Programa Más Médicos. Salud de los pueblos indígenas. Distritos sanitarios especiales indígenas. Política Nacional de Salud de los Pueblos Indígenas.
No Brasil, os povos indígenas são marcados por buscas coletivas para a conquista de direitos de igualdade social à terra, à saúde e à preservação de sua cultura1, porém, a vasta pluralidade cultural entre as etnias, que faz com que as ideologias e os modos de gerir os sentimentos variem em cada população, é um dos motivos por essa conquista não ser plena2 Soma-se a isso a mudança de condição de vida de muitas etnias indígenas após a colonização das terras brasileiras3. Essa colonização aconteceu primeiro no estado da Bahia, onde os impactos iniciais foram ainda maiores4
Diante dos primeiros contatos com colonizadores europeus, a população indígena da Bahia e do restante das Américas foi dizimada por conta de inúmeras doenças
infectocontagiosas para as quais não haviam ainda desenvolvido imunidade efetiva, como coqueluche, difteria, gripe, malária, sarampo, sífilis, entre tantas outras3. Mais recentemente, as doenças infectocontagiosas vêm dando lugar às doenças crônicas não transmissíveis como causas principais de morbimortalidade nessa população. Mudanças para hábitos de vida mais sedentários e consumo de alimentos industrializados, tipicamente relacionados à urbanização, vêm aumentando a prevalência de hipertensão arterial, diabetes e dislipidemia, levando ao aumento da prevalência de doenças cardiovasculares.
Nesse contexto, é nítido que medidas especiais de atenção à saúde dos povos indígenas são necessárias5, porém, no Brasil, as ações para construção de um modelo de prestação de serviços de saúde para a população indígena só foram intensificadas no ano de 2002, quando foi criada a Política Nacional de Saúde dos Povos Indígenas6. Atualmente, temse em funcionamento os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), uma unidade gestora descentralizada do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS), criada em 20026.
Os DSEI atuam a nível estadual, diretamente vinculados à Secretaria Especial de Atenção à Saúde Indígena, no Ministério da Saúde. Analogamente às Unidades Básicas de Saúde presentes no contexto urbano, os polos-base são as unidades descentralizadas nas aldeias que oferecem atendimento multiprofissional em nível primário às comunidades indígenas no país.
Diferente da maioria dos estudos que relatam a experiência dos DSEI localizados na região norte do Brasil7-9, o estudo de Mota de Nunes10 utilizou como local de estudo um DSEI localizado na região nordeste, mais especificamente no DSEI Bahia10. Esse distrito foi criado para atender 71 aldeias que estão localizadas em 27 municípios6 e hoje abrange 135 aldeias localizadas em 30 municípios10, inclusive as comunidades Truká e Fulni-ô, que estão espalhadas pelo Vale do Rio São Francisco entre o norte do estado da Bahia e o sul do estado de Pernambuco11-13.
Há inúmeros desafios na prestação de serviços de saúde às comunidades indígenas, tanto referentes às particularidades de seus modos e costumes quanto relativas à infraestrutura, muitas vezes precária e remota em que se instalam suas comunidades. Talvez em decorrência disso, outro ponto crucial para a não plenitude dos serviços de saúde para esses povos é a carência e a alta rotatividade de profissionais de saúde dedicados aos cuidados médicos nas diversas aldeias14.
Nessa situação, a utilização de profissionais oriundos do Projeto Mais Médicos (PMM) nos DSEI, muitas vezes assumindo polos-base, é uma das formas de sanar essa problemática15,16. A implementação do PMM nos DSEI resulta em uma percepção positiva quanto à satisfação tanto por parte da equipe de saúde quanto dos usuários. Além disso,
outro ponto positivo está na redução da rotatividade médica que corrobora para um maior entendimento cultural da população indígena local e, consequentemente, propicia uma relação não excludente entre o acesso aos serviços biomédicos e o uso de práticas terapêuticas indígenas15. Ademais, de maneira prática, o PMM impactou de forma positiva nos indicadores de procedimentos e de saúde materno-infantil das populações atendidas16
Em total consonância com os princípios norteadores do Programa Mais Médicos, outros aspectos importantes para a prestação de cuidados em saúde para os povos indígenas são os projetos de pesquisa e extensão. Neste relato, ressaltaremos nossa experiência de assistência à saúde para as comunidades tradicionais indígenas por meio de pesquisa e extensão no Projeto de Aterosclerose em Indígenas (PAI). O PAI foi idealizado em 2013 com a intenção de investigar o impacto da urbanização sobre as doenças cardiovasculares nas comunidades indígenas do Vale do São Francisco, que inclui a região norte da Bahia. Adicionalmente, desde 2016, o projeto conta com um braço extensionista que leva cuidados de saúde a povos tradicionais indígenas das etnias Fulni-ô e Truká. O PAI vem então demonstrando de forma pioneira os problemas de saúde enfrentados por essas populações indígena, integrando estudantes da área da saúde, equipe multiprofissional e acadêmicos de diversas formações17-20
Diante do exposto, o objetivo deste trabalho é descrever a experiência de profissionais do Projeto Mais Médicos para o Brasil em comunidades indígenas do norte da Bahia, envolvendo médico bolsista do programa, supervisora e tutor.
Estudo qualitativo, descritivo, tipo relato de experiência. Nosso relato se encontra focado na região norte da Bahia, em especial as que compõem o Vale do Rio São Francisco. São experiências do PMM no polo de Paulo Afonso, além do estudo e extensão do PAI, que atinge as comunidades Truká e Fulni-ô na mesma região.
Interessante ressaltar o perfil de profissional médico atuante no Programa Mais Médicos. O PMM foi lançado em julho de 2013 a partir da Medida Provisória nº 621, posteriormente convertida na Lei nº 12.871, em outubro de 2013. Esse programa foi estruturado para aumentar a oferta de médicos e mitigar o número de municípios brasileiros com condições assistenciais precárias. Para isso, o PMM foi composto em três eixos de ação: (1) o investimento na melhoria da infraestrutura das redes de Atenção à Saúde; (2) a ampliação da oferta de cursos e vagas em medicina, incluindo amplas reformas educacionais na graduação e residência médicas; e (3) a implantação do Projeto Mais Médicos para o Brasil (PMMB)21. Com sua implementação, o PMM aumentou a quantidade e qualidade de atendimentos médicos
pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil22. Durante a pandemia de covid-19, o PMM apresentou grande impacto no manejo dos doentes no estado da Bahia23.
Com relação à saúde indígena, médicos oriundos do PMM estão presentes em todos os 34 DSEI espalhados pelo Brasil24. Na região nordeste do país, os seis DSEI presentes receberam, ao todo, 54 profissionais médicos. Entre os distritos, o DSEI Bahia recebeu 18 profissionais e, por isso, foi o que mais recebeu médicos na região25. No polo de Paulo Afonso, no norte da Bahia, o profissional designado a atuar pelo PMM em 2019 enfrentou desafios.
Em nossa experiência, o PMM tem atraído como bolsistas principalmente médicos no início de carreira, bem como profissionais já mais experientes que buscam novas experiências após aposentadoria de seus empregos principais. No caso deste estudo, o jovem médico não tinha experiência ou formação específica para atendimento a comunidades indígenas, no entanto, buscou esse tipo de colocação motivado por ideais e interesses pessoais em se aprofundar na saúde indígena. A chegada do médico à atenção primária das comunidades indígenas gera, de fato, desafios adicionais para o profissional que é recebido nessas comunidades. A falta de experiência na área e a ausência de treinamento específico parecem ser mitigadas a partir do interesse pessoal, impulsionado pelo apoio acadêmico de profissional mais experiente.
O médico que adere a esse programa e que se encontra em início de carreira se beneficia de apoio institucional para enfrentar as novas atividades desafiadoras. Em sua estrutura de funcionamento, o PMM prevê a existência de um supervisor acadêmico para prestar assistência a cerca de dez médicos atuantes no programa e, como apoio a cada grupo de dez supervisores, prevê a existência de um tutor acadêmico. Supervisores e tutores advêm –geralmente – da comunidade acadêmica nas diversas universidades públicas do país, envolvidos no ensino médico e, idealmente, engajados em projetos de ensino e extensão. Além disso, o programa oferece apoios institucionais do Ministério da Educação e do Ministério da Saúde. O estado da Bahia conta ainda com uma estrutura de apoio e coordenação dedicada ao programa, o que diferencia positivamente a atuação da Secretaria Estadual de Saúde da Bahia junto aos diversos atores que compõem o Programa Mais Médicos.
O médico do Programa Mais Médicos neste relato atua no polo de Paulo Afonso, região norte da Bahia, prestando assistência a nove etnias, dispostas nas aldeias Tuxá, Tuxi, Bento 1, Neo Pankararé, Nova Pankararé, Nova Esperança, Nova Vida, Nova Aliança e Atikum Rodelas. As comunidades indígenas do norte da Bahia se caracterizam por baixas condições socioeconômicas de maneira geral. Particularmente, a comunidade Tuxá, diferentemente das outras oito, tem a característica de ser uma aldeia urbana, com ainda mais precárias condições de moradia e saneamento, além de acessibilidade difícil a regiões urbanas mais estruturadas.
Os povos indígenas do sertão do nordeste brasileiro são amplamente afetados pelo processo de urbanização. De fato, essas comunidades enfrentam mudanças de estilo de vida – como sedentarismo e alimentação à base de alimentos industrializados – que as colocam em contato com problemas crônicos de saúde próprios aos centros urbanizados, como dislipidemia, diabetes e hipertensão arterial. Apesar disso, essas comunidades não têm a mesma assistência à saúde presente nos centros urbanos. Isso cria um aparente paradoxo, no qual as comunidades indígenas recebem o que há de pior na experiência da urbanização, porém, sem ter acesso ao que há de melhor em atenção e educação em saúde que a industrialização promoveu. Isso se reflete no aumento de fatores de risco, doença subclínica e mortalidade cardiovascular, mas também está presente na já citada precariedade de moradia, que favorece a proliferação de vetores e surtos devastadores de doenças infecciosas, como o recentemente enfrentado pelos Fulni-ô referente aos casos de Chikungunya17-20
Há ainda uma dualidade nem sempre harmônica no que se refere à gestão administrativa feita pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e a gestão em saúde, que inicialmente era sob responsabilidade da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e atualmente encontra-se sob coordenação da Sesai. Os indígenas nas aldeias encontram conflitos naturalmente gerados pelo convívio, bem como com outras aldeias. Isso também é avivado pelo constante sentimento de tensão social vivido por essas comunidades tradicionais.
A experiência de enfrentar essas dificuldades foi descrita pelo médico bolsista do PMM, em suas próprias palavras:
“O ser humano tem um funcionamento fisiológico muito parecido em todos os lugares do mundo, mas as condições sociais, culturais, religiosas e econômicas em que eles estão inseridos, faz com que os desafios de entendê-los em contexto, oportunize uma clínica médica mais rica, mais particular e mais desafiadora para que seja assertiva; consequentemente requer do profissional médico atenção, responsabilidade e estudo constante, fatores que me possibilitam crescer como pessoa e como profissional. O trabalho com a população indígena está sendo um desafio interessante e constante, porque embora seja o povo originário do Brasil, ainda lutam pelo respeito a sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. Os conflitos entre algumas tribos, impedem que se organizem e lutem por seus direitos e isso reflete nas condições de vida e saúde deles.” (Médico).
Outro aspecto importante é que as comunidades indígenas já trazem consigo os efeitos psicológicos das lutas territoriais, dos históricos de repressão violenta e da persistente
cultura preconceituosa por parte do não indígena. Isso se reflete em inúmeros problemas de saúde mental, abuso no consumo de álcool e elevados índices de suicídio nessas populações20,26.
Por fim, todos os desafios encontrados são amplificados pelas dificuldades nas relações entre o profissional de saúde e as diversas comunidades indígenas. Cada etnia possui seus próprios ritos, cuidados tradicionais em saúde, estrutura social, espiritualidade e coesão. A experiência de lidar com tamanha diversidade sem dúvidas traz benefícios ao profissional que a isso se abre, mas a adaptação a essa realidade de saúde, nem sempre biomecânica, pode ser árdua ao profissional médico que se inicia4,12. O bolsista do PMM atuante em área indígena terá que lidar com a multiculturalidade própria a essas comunidades, tanto no que se refere às pessoas atendidas como à própria equipe de saúde que preferencialmente possui indígenas na sua composição.
No contexto do PMM, essa adaptação à realidade de trabalho em comunidades indígenas poderia ser atenuada através de um currículo de treinamento específico, bem como de um maior direcionamento dos médicos supervisionados para supervisores e tutores experientes na área. De fato, a despeito da regulamentação da Supervisão e Tutoria no PMM ter papel essencialmente acadêmico, são comuns as demandas a esses profissionais de aspecto assistencial não necessariamente acadêmico, o que na nossa experiência vai de deficiências de infraestrutura nas unidades de saúde até conflitos interpessoais e ameaças aos profissionais bolsistas na ponta da assistência.
O bojo de dificuldades inerentes à assistência às comunidades indígenas faz com que haja carência de profissionais de saúde para esta atuação. O bolsista do PMM sente as dificuldades e busca crescer a partir das experiências já vividas, como pode ser percebido em sua fala:
“A equipe com a qual trabalho é composta por indígenas. Atuando na área técnica de saúde, temos enfermeiras, técnicas em enfermagem e agentes de saúde. Ao todo são sete profissionais e apenas um médico para atender 3.121 indígenas, in loco, nos deslocando nos veículos oficiais ou no posto Tuxá que fica na cidade de Rodelas. Mesmo já tendo morado em diversos países e conhecido outras culturas, nunca abandonei minhas raízes e minhas crenças e, assim como os indígenas e os afrodescendentes preservam dentro de si suas raízes, e seus ensinamentos e sua espiritualidade, passando de geração em geração, também seguimos firme e perseverantes, respeitando as diferenças e defendendo nossa história, que ultrapassam a cor da pele, o idioma e os limites geográficos. As dificuldades não terminaram, nem a discriminação, mesmo a xenofobia sendo
crime. Vejo diariamente o racismo do branco contra o negro, dos nativos contra os estrangeiros, do rico contra o pobre, do letrado contra o inculto, do índio contra o não índio e vice-versa, como também do índio contra o próprio índio e por aí vai.
Se há uma prática que dever ser abolida é a da discriminação.” (Médico).
Vale ressaltar que, mesmo após tantos anos de PMM, existe uma grande dificuldade no preenchimento das vagas para médicos que atuem em comunidades indígenas. Além disso, há aspectos burocráticos que dificultam a reposição de profissionais que se afastam do programa. Como consequência, um outro bolsista do PMM na mesma localidade pediu afastamento, sendo que essa vaga na região persiste em aberto já por período superior a um ano. Enquanto isso, o profissional aqui relatado trabalha sobrecarregado e enfrentando sozinho a demanda de duas equipes, tentando suprir a necessidade de sua região. Isso nos mostra que, mesmo com todo incentivo do PMMB em trazer médicos para regiões tão necessitadas, ainda temos uma grande dificuldade que envolve tanto a motivação da participação de médicos em comunidades indígenas quanto as barreiras para reposição rápida de profissionais que se desligam do programa.
Ao todo, o Brasil conta com 34 DSEI6. Na literatura nacional há poucos relatos sobre os DSEI. Mendonça et al.9 mostram que na região norte do país o DSEI Xingu pode ter impactado na redução da mortalidade infantil. Além disso, esse distrito conta com o auxílio do Projeto Xingu, uma ação extensionista implementada desde 1965, que atua no Parque indígena do Xingu com pesquisa, ensino e cuidados em saúde9. No DSEI Yanomami, distrito que abrange populações indígenas dos estados de Roraima e Amazonas, é evidente a importância da equipe multidisciplinar no cuidado com as comunidades tradicionais indígenas. Nesse sentido, Melo et al.8 destacam a atuação da equipe de enfermagem na realização da visita domiciliar e da vigilância epidemiológica8. No DSEI Rio Negro, um ponto abordado é o princípio de interculturalidade em saúde. O estudo, que envolveu 24 comunidades tradicionais indígenas da região norte, investigou a relação entre as práticas xamânicas e rituais e a atenção à saúde. Nesse contexto, Ferreira et al.7 relatam que as práticas relacionadas à medicina tradicional são cada vez menos frequentes, apesar de isso ser um ponto de abordagem importante nos cuidados com os povos indígenas7.
Nessa mesma linha de abordagem intercultural, Mota e Nunes10 utilizaram um estudo qualitativo para conhecer como o conceito de “atenção diferenciada”, que leva em conta as especificidades socioculturais dos povos indígenas e sua medicina tradicional, impacta na atenção à saúde indígena. Nesse aspecto, as autoras concluem que a abordagem de saúde com respeito e
inserção dos valores culturais dos povos indígenas é benéfica para ampliação dos cuidados. Ademais, elas indicam que a presença de indígenas na gestão contribuiu para a produção de práticas mais contextualizadas e orientadas para os problemas vivenciados pelas comunidades10
O PMM pode ser de grande valia para mitigar a precariedade da estrutura de saúde voltada às comunidades tradicionais indígenas5, porém, a qualidade assistencial aos povos indígenas parece longe do ideal. Há quem aponte a falta de objetividade das responsabilizações institucionais voltada aos cuidados dos povos indígenas e a falta de discussão quanto à participação nos espaços de pactuação como importantes mecanismos que corroboram com a fragilidade dos cuidados em saúde indígena27. Também as próprias limitações de pessoal, no caso relatado de uma equipe multiprofissional composta de apenas oito pessoas, sendo apenas uma delas médico do PMM, prestando atendimento para mais de três mil indígenas em diversas aldeias.
Dessa maneira, conclui-se que no norte da Bahia a inserção de profissionais oriundos do PMM mitigou um pouco a realidade de precarização do acesso à saúde para os povos indígenas. Também se percebe a grande dificuldade com que médicos são inseridos na realidade da atenção primária nas aldeias indígenas, incluindo múltiplos desafios tanto de natureza pessoal quanto estruturais. Fica claro que muito mais investimentos são necessários para ampliar a quantidade e qualidade dos serviços prestados a esses povos. Além disso, fica evidente o potencial benefício no âmbito do PMM da implementação de mecanismos de treinamento e supervisão que incluam as particularidades da assistência às comunidades indígenas.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos aos médicos, supervisores, tutores, gestores e apoiadores do Programa Mais Médicos. Também agradecemos ao DSEI Bahia e Pernambuco. Por fim, nosso muito obrigado às comunidades indígenas mencionadas neste relato.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Iara Zuleica Nobre e Silva e Anderson da Costa Armstrong.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Manoel Pereira Guimarães, Mumtaz Ali Memon, Iara Zuleica Nobre e Silva e Anderson da Costa Armstrong.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Iara Zuleica Nobre e Silva e Anderson da Costa Armstrong.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Anderson da Costa Armstrong.
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Recebido: 3.2.2022. Aprovado: 16.2.2022. Publicado: 7.7.2022.
Revista Baiana de Saúde Pública
DOI: 10.22278/2318-2660.2022.v46.n1.a3579
DO PROVAB AO PROGRAMA MAIS MÉDICOS: CAMINHOS PERCORRIDOS NO ESTADO DA BAHIA
Anderson Freitas de Santanaa
https://orcid.org/0000-0002-2888-2426
Kally Cristina Soares Silvab
https://orcid.org/0000-0002-5995-0903
Maria Clara da Silva Guimarãesc
https://orcid.org/0000-0002-4102-061X
Maria Ferreira Bittencourtd
https://orcid.org/0000-0002-9420-9299
Mariângela Costa Vieirae
https://orcid.org/0000-0002-9460-8644
Viviane Mascarenhas Gois Pradof
https://orcid.org/0000-0003-2499-5201
Resumo
A escassez e a desigualdade de recursos humanos, especialmente de médicos na Atenção Primária à Saúde, são desafios para os sistemas universais de saúde. No Brasil, diversas estratégias para minorar o problema são adotadas desde 1968. Em 2011, foi instituído o Programa de Valorização do Profissional de Atenção Básica (Provab), com a finalidade de prover e qualificar médicos, enfermeiros e odontólogos para atuarem na Saúde da Família. Associado
a Fisioterapeuta. Sanitarista. Mestre em Saúde Comunitária. Coordenador do Apoio Institucional da Diretoria de Atenção Básica da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: anderson.santana@saude.ba.gov.br b Cirurgiã-Dentista. Sanitarista. Mestre em Saúde Coletiva. Gestora do Apoio Institucional da Fundação Estatal Saúde da Família. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail:kallycsoares@gmail.com c Psicóloga. Sanitarista. Doutoranda em Saúde Pública. Integrante do Grupo de Pesquisa Política, Planejamento, Gestão e Avaliação em Saúde da Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: mariaclaraguimaraes@gmail.com d Médica Sanitarista. Pediatra. Mestre em Saúde Coletiva. Professora do Curso de Medicina da Universidade Estadual de Santa Cruz. Tutora do Programa Mais Médicos. Ilhéus, Bahia, Brasil. E-mail:mariafbittencourt@gmail.com
e Médica de Família e Comunidade. Mestra em Saúde Coletiva. Professora do Curso de Medicina da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Tutora do Programa Mais Médicos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: maracv@gmail.com
f Enfermeira. Sanitarista. Mestranda em Saúde Coletiva. Assessora Técnica da Secretaria de Saúde de Camaçari. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: goisviviane276@gmail.com
Endereço para correspondência: Diretoria de Atenção Básica – DAB/Sesab. 4ª Avenida, n. 400, Centro Administrativo da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 41745-900. E-mail: sesab.dab@saude.ba.gov.br
a essa estratégia, foi criado o Programa Mais Médicos para o Brasil, em 2013, com três eixos de atuação: provimento emergencial, formação médica e investimento em infraestrutura dos serviços da rede de atenção. Este artigo tem como objetivo apresentar a experiência do Provab na Bahia, considerando os diversos pontos de vista dos autores referentes ao Provab e ao Programa Mais Médicos na Bahia, dando ênfase ao componente prioritário da formação médica em serviço, sobretudo à integração entre esses programas. Algumas estratégias foram estabelecidas, tais como: ações voltadas à qualificação da formação médica em serviço; qualificação da supervisão médica; implantação da coordenação descentralizada da supervisão; apoio institucional; e integração das comissões coordenadoras estaduais. As estratégias adotadas pelo estado da Bahia para promover a integração entre os programas se mostraram efetivas, como pode ser observado na implantação dos eixos estruturantes do Programa Mais Médicos.
Palavras-chave: Atenção primária à saúde. Estratégia saúde da família. Educação médica. Recursos humanos em saúde.
Abstract
Scarcity and inequality of human resources, especially physicians in Primary Health Care, are a challenge for universal health systems. In Brazil, several strategies to mitigate the issue have been adopted since 1968. In 2011, the Primary Care Professional Appreciation Program (Provab) was established to provide and qualify doctors, nurses, and dentists to work in Family Health. Associated with this strategy, the Mais Médicos pelo Brasil Program was created in 2013, acting on three axes: emergency provision, medical education, and investment in care network services infrastructure. This paper presents the experience of Provab in the state of Bahia, Brazil, considering the different viewpoints regarding Provab and the Mais Médicos Program, emphasizing the priority component of in-service medical education, especially the integration between these programs. Some strategies were established, such as: actions aimed at qualifying in-service medical education; qualification of medical supervision; implementation of decentralized supervision; institutional support; and integration of the State Coordinating Committees. The strategies adopted by the state of Bahia to promote integration between the programs proved to be effective, as can be seen in the implementation of the Mais Médicos Program structuring axes.
Keywords: Primary health care. Family health strategy. Education, medical. Human resources in health.
La escasez y desigualdad de recursos humanos, especialmente de médicos en la Atención Primaria de Salud, es un desafío para los sistemas universales de salud. En Brasil, se han adoptado varias estrategias para mitigar el problema desde 1968. En 2011, se creó el Programa de Valorización del Profesional de Atención Primaria (Provab), con el objetivo de proporcionar capacitación a médicos, enfermeros y odontólogos para actuar en Salud de la Familia. Para sumarse a esta estrategia, se creó en 2013 el Programa Más Médicos para Brasil, con tres ejes de acción: provisión de emergencia, formación médica e inversión en infraestructura de servicios de la red de atención. Este artículo tiene como objetivo presentar la vivencia de Provab en Bahía (Brasil), considerando los diferentes puntos de vista de los autores sobre el Provab y el Programa Más Médicos en Bahía, enfatizando el componente prioritario de la formación médica en servicio, especialmente la integración entre estos programas. Se establecieron algunas estrategias, tales como las acciones dirigidas a la calificación de la formación médica en servicio; calificación de supervisión médica; implementación de la coordinación descentralizada de la supervisión; apoyo institucional; e integración de las Comisiones Coordinadoras Estatales. Las estrategias adoptadas por el estado de Bahía para promover la integración entre los programas fueron eficaces, como se puede ver en la implementación de los ejes estructurantes del Programa Más Médicos.
Palabras clave: Atención primaria de salud. Estrategia de salud familiar. Educación médica. Recursos humanos en salud.
O Sistema Único de Saúde (SUS), desde a sua criação, enfrenta desafios para o provimento, fixação e formação de profissionais médicos para atuarem na Atenção Básica (AB). A escassez e desigualdade de recursos humanos, especialmente de médicos neste âmbito de atenção, não são restritas somente ao contexto brasileiro1,2.
Estratégias para minorar o problema de provimento de recursos humanos são discutidas internacionalmente desde a Conferência de Alma Ata. No Brasil, ações têm sido envidadas com finalidade de garantir e interiorizar ações de saúde através do Projeto Rondon, criado em 1968, e do Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (Piass), a partir de 19761,3,4.
No decorrer do tempo, outros programas e projetos, como o Programa de Interiorização do Sistema Único de Saúde (Pisus), de 1993, e o Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde (PITS), de 2001, foram criados com esta finalidade, contudo, foram desmobilizados pelas gestões que o criaram ou aquelas com distintas disposições políticas.
Na Bahia, houve, ainda, a partir de 2009, a criação de uma estratégia de provimento e fixação de profissionais através da Fundação Estatal Saúde da Família (FESF-SUS)1,2,3.
Dados da demografia médica no Brasil, no período de 2011, apontam que a razão entre médicos e habitantes é de 1,95 por mil habitantes. Esse cenário é inadequado para a resolução dos problemas de saúde da população, e, consequentemente, para a produção do cuidado longitudinal. É nesse contexto que o Brasil, em 2011, cria o Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (Provab), cujo objetivo é prover profissionais médicos, enfermeiros e odontólogos para a Saúde da Família, tendo como pressupostos a educação permanente em saúde e a integração ensino-formação-serviço-comunidade5,6.
Como atrativo para os médicos, diferentemente dos programas anteriores, o Provab garantiu bonificação de 10% nas provas de residência para quem concluísse o programa dentro dos critérios exigidos. Para acompanhamento das condicionalidades previstas na resolução acerca desse benefício para profissionais médicos, foi garantido recursos financeiros com finalidade de garantir supervisão médica bem como todas as atividades pedagógicas delineadas para reorientação da formação médica no âmbito do programa7-9.
Ressalte-se, ainda, que o Provab incluiu três categorias profissionais até 2014 – médicos, enfermeiros e odontólogos – e teve crescimento exponencial da oferta de vagas somente para médicos em 2015. Nesse mesmo ano, 2015, o Provab passou a ter a mesma via de entrada que o Programa Mais Médicos (PMM). O perfil dos médicos que aderiram ao Provab era, na sua maioria, composto por brasileiros recém-formados, em relação ao PMM, o perfil era de médicos experientes que passaram por missões em outros países, sendo a maioria cubanos6,10
O PMM, instituído pela Lei nº 12.871/2013, apresentou uma série de medidas que visavam, assim como o Provab, enfrentar a falta de médicos e a má distribuição desses profissionais entre as regiões do Brasil; articulando medidas de provimento emergencial, robusto investimento para a melhoria da infraestrutura da rede de atenção e qualificação em serviço da formação médica para o Sistema Único de Saúde, em especial para Atenção Básica. Apesar disso, o PMM teve outros objetivos além do provimento de médicos de forma emergência, e buscou interiorizar a formação médica a partir da abertura de novas escolas, com ampliação de vagas de graduação e residência médica e requalificação das estruturas físicas das unidades de saúde da
AB. Este programa também previu mudança do currículo da formação médica com a aprovação das novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) de 2014 para o curso de medicina (SUS)8,11.
O estado da Bahia, por meio da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia, acolheu, apoiou e conduziu ambos os programas (Provab e PMM), chegando a assumir papel de instituição supervisora, bem como sediou, conduziu e unificou as comissões coordenadoras de ambos os programas, conforme direcionalidade do Ministério da Saúde.
Este artigo tem como objetivo apresentar a experiência do Provab na Bahia, considerando os diversos pontos de vista dos autores referente ao Provab e ao Programa Mais Médicos na Bahia, dando ênfase ao componente prioritário da formação médica em serviço e a integração entre estes programas.
Trata-se de um estudo descritivo, analítico, de natureza qualitativa na modalidade de relato de experiência acerca da integração do Provab com o Programa Mais Médicos no Estado da Bahia, compreendendo os componentes de formação médica e gestão do programa no âmbito estadual.
O estado da Bahia possui 417 municípios e está localizado na região nordeste do Brasil, com extensão territorial de 564.760,427 km² e população estimada, em 2021, em 14.985.284 pessoas, colocando-o como quarto maior estado do país em número populacional.
A regionalização das ações e dos serviços de saúde está organizada em nove macrorregiões de saúde (sul, extremo sul, oeste, sudoeste, norte, centro-norte, leste, centro-leste, nordeste)12.
A Diretoria de Atenção Básica (DAB) da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) acolheu o Provab no estado. Essa diretoria é composta por três coordenações e um núcleo técnico científico do telessaúde. À época da implantação do Provab, a Sesab e a Universidade Federal da Bahia (UFBA) atuaram como instituições supervisoras, compondo a coordenação da supervisão e a comissão coordenadora estadual.
Para analisar a experiência do estado da Bahia no processo de integração dos programas, foram definidas duas categorias de análise: formação médica e estratégias da gestão estadual.
O Provab, enquanto precursor do Programa Mais Médico para o Brasil, teve como um dos seus principais desafios preparar futuros supervisores para o PMM, que contribuíssem
concretamente com o enfrentamento da influência flexneriana na formação médica, promovendo uma valorização do hospital enquanto campo de prática, visão individual/fragmentada, sem conteúdo reflexivo, sem ativar educação em saúde, sem ter a realidade como matéria prima para a problematização, de forma que o trabalho médico seja hegemônico.
No prisma desse enfrentamento, a coordenação do Provab na Bahia investiu na qualificação dos supervisores, realizando periodicamente oficinas técnico-pedagógicas, nas quais se dialogava sobre os objetivos da supervisão, as atribuições, atividades do supervisor e se debatia as intencionalidades educacionais a serem desenvolvidas, no processo de supervisão, buscando discutir estratégias didático-pedagógicas que pudessem intervir nos vieses da formação médica e valorizar experiências e práticas voltadas à consecução dos atributos da Atenção Básica.
Vale ressaltar que a concepção adotada pela coordenação do Provab na Bahia para o supervisor traz este como um facilitador/apoiador do processo de trabalho do médico junto à equipe, ao serviço e à comunidade e sua articulação com a gestão local. Neste sentido, a atuação do supervisor assume uma dimensão técnica e pedagógica, estabelecendo relações interpessoais e institucionais no processo de supervisão.
Na tentativa de tornar tal esboço do trabalho da supervisão mais nítido, a coordenação do Provab na Bahia evidenciou, no seu manual de supervisão, a polivalência desta prática que deve ser baseada tanto na dimensão técnico/pedagógica quanto gerencial/ administrativa, considerando como um espaço de qualificação da prática e educação permanente do médico do programa e da sua equipe. Deve problematizar a prática cotidiana e ser impulsionadora da reflexão, da possibilidade de resolução de problemas e do aprimoramento da prática do médico de família no intuito de melhorar a qualidade da Atenção à Saúde13.
Considerando a complexidade da formação médica voltada para a AB, a gestão estadual do Provab inovou implantando a coordenação descentralizada da supervisão, que foi criada com a finalidade de potencializar o programa nas nove macrorregiões de saúde do estado, estando os coordenadores mais próximos das necessidades dos supervisores, médicos e gestores do território sob sua responsabilidade. O foco desta coordenação estava voltado à dimensão pedagógica, ou seja, elaborando planos pedagógicos para os supervisores, acompanhando o desempenho dos médicos bolsistas do programa, conduzindo processos avaliativos formativos e somativos, elaboração de manuais.
Com relação ao eixo interação com o campo de prática, os compromissos do apoio institucional da DAB/Sesab com o programa tiveram como finalidades: informar e orientar os gestores da AB e os trabalhadores sobre o funcionamento do Provab; fazer
articulação e aproximação do supervisor com os gestores municipais (coordenador da AB e/ ou secretário municipal de Saúde) para discutir e pactuar ações de qualificação da AB; realizar reuniões periódicas com os supervisores do Programa Mais Médicos e Provab e referências descentralizadas do Ministério da Saúde (MS) e Ministério da Educação (MEC) para discussão e alinhamento das ações com foco na indução da mudança de práticas; subsidiar os coordenadores descentralizados e supervisores do Provab quanto às diretrizes da Pnab e Peab.
Dada a necessidade de direcionar as atividades pedagógicas dos supervisores médicos, a coordenação da supervisão elaborou o Plano Operativo da Supervisão, no qual estavam expressas as metas pedagógicas a serem alcançadas com os médicos do Provab. Esse planejamento foi elaborado a partir de dois eixos: (1) território e a população local; e (2) sistema local de saúde e a organização da atenção. Cada eixo possui duas etapas com ações propostas a serem realizadas pelo médico junto a equipe/serviço/comunidade.
O estado da Bahia conduziu o Provab de forma distinta das demais unidades federativas devido ao investimento da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia e da Universidade Federal da Bahia, que atuaram como instituições supervisoras, promovendo apoio técnico, didático e operacional ao desenvolvimento da supervisão deste programa.
A experiência da Bahia no processo de integração entre os programas foi efetivada devido ao forte investimento da gestão estadual em dispositivos de gestão, a exemplo do apoio institucional, bem como da coordenação colegiada do componente pedagógico instituída no Provab da Bahia.
Estrategicamente, a DAB da Sesab investiu no Apoio institucional como modo organizacional que propõe um novo agir caracterizado pela horizontalidade e corresponsabilização na relação entre estado e município e entre gestores, trabalhadores e usuários, buscando a ampliação da capacidade de reflexão, análise e de cogestão dos atores envolvidos com o Provab, produzindo autonomia e sustentabilidade, e na coordenação descentralizada do Provab.
Para isso, as nove equipes multiprofissionais de apoio institucional da DAB/ Sesab realizaram em parceria com as referências técnicas do MS para o Provab o convite para participação consciente e qualificada do município no programa, com o objetivo de promover a apropriação dos coordenadores municipais da AB para recepcionar e introduzir os profissionais em suas respectivas equipes de Saúde da Família.
As referidas ações dizem respeito à oferta das informações sobre as condicionalidades e adesão, da implantação, auxílio técnico no desenvolvimento do programa e oferta do acolhimento político pedagógico aos gestores e trabalhadores dos municípios aderidos.
No momento da implantação do Programa Mais Médicos no estado, ainda não existia equipe de coordenação implantada, e, nesse momento, a coordenação da supervisão do Provab, juntamente ao apoio institucional da DAB, acolheu as demandas dos municípios e elucidou dúvidas relacionadas ao processo de adesão, acolhimento e implantação do PMM.
A incorporação do Provab para o PMM aconteceu efetivamente em 2015, quando ocorreu a integração das Comissões Coordenadoras Estadual (CCE), orientadas pela coordenação nacional de ambos os programas. Essas comissões eram instância de coordenação, orientação e execução das atividades necessárias à execução dos programas no âmbito do estado da Bahia.
A CCE do Provab era composta por representação das instituições supervisoras (Sesab, UFBA), MS, Conselho Estadual dos Secretários Municipais de Saúde (Cosems), Sesab e UFBA.
Na perspectiva dos elementos de intersecção entre os programas Provab e Mais Médicos, ambos têm a Estratégia de Saúde da Família como campo de prática, profissionais estudantes como agente do trabalho em saúde, aprendizagem supervisionada em serviço e práticas de saúde norteadas pelos atributos da Atenção Básica. Evidenciou-se ainda que umas das estratégias pedagógicas para viabilizar todas essas características foi o curso de Especialização em Atenção Básica para os médicos participantes14
As práticas de cuidado orientadas pelo modelo flexneriano precisam ser transformadas no cotidiano do processo de trabalho dos profissionais de saúde, iniciando ainda na graduação, defendiam ao definir três grupos de instrumentos na prática médica: (1) “aqueles que lhes servem para se apropriar do objeto”, consistindo nos instrumentos de diagnóstico que visam delimitar o objeto diante das finalidades; (2) “aqueles que lhes servem para efetuar nele [o objeto] a transformação desejada”, ou seja, os instrumentos terapêuticos, cujo objetivo é instrumentalizar a ação diante do objeto visando à finalidade; e (3) o local de trabalho como condição para a atividade, que não deixa de consistir em um instrumento e que, no caso da prática médica, é hegemonicamente o hospital15.
Nesse sentido, concordamos que o apoio institucional é pensado como uma função gerencial que, a partir do princípio da cogestão, visa reformular o modo tradicional de fazer coordenação, planejamento, supervisão e avaliação em saúde. A compreensão é a de que, na cogestão, são experimentadas formas de acolher as demandas provenientes dos diversos
atores envolvidos no contexto, oferecendo diretrizes e submetendo tanto as demandas quanto as ofertas a processos de discussão, negociação e pactuação, com a construção de projetos de mudança de modo mais interativo16
Analisando estudos sobre o Provab, foi possível evidenciar que o estado da Bahia alcançou 82,39% do grau de implantação das atividades previstas para o Provab, o que evidencia que o processo de integração para o Mais Médicos aconteceu em um cenário adequado conforme observado o alcance dos resultados das atividades pedagógicas e de gestão4.
A experiência e o envolvimento da equipe de supervisão médica foram essenciais no desenvolvimento do planejamento pedagógico junto aos médicos do Provab, o que corrobora com o estudo de Vieira17 indicando que o fazer desse supervisor contribuiu tanto no processo de trabalho médico quanto da AB.
Entendemos que o Provab foi uma medida emergencial e temporária, no sentido de minorar a dificuldade de provimento profissional nos pequenos e distantes municípios, todavia, não resolveu as questões de fixação e da precarização do trabalho em saúde, devido à modalidade de bolsista e prescrição de prazo de atuação no programa.
Apesar disso, não devemos deixar de reconhecer seu potencial latente em fomentar discussões sobre a formação médica com integração ensino-serviço-comunidade na AB, com perspectivas de subsidiar a reformulação curricular da área de saúde; de impulsionar a implantação de programas de residência em medicina da família e comunidade em vários municípios. Constatamos que o Provab contribuiu para impulsionar mudanças nas práticas de saúde, capazes de induzir a construção e consolidação de um modelo de atenção pautado na ampliação da clínica; no compartilhamento de saberes; no cuidado à pessoa; na organização das redes de saúde centrada no usuário e em profissionais qualificados e implicados com a sustentabilidade do SUS brasileiro.
A integração entre os programas foi efetivada no estado da Bahia, o que foi fundamental para a implantação dos eixos do Programa Mais Médicos, que contou com a participação de outras universidades federais no estado da Bahia, atuando como instituições supervisoras no âmbito do programa.
Concluímos que a formação na área da saúde é permeada por interesses diversos e que o Provab se revelou como um modo de enfrentamento da dicotomia academia-serviço bem como da cisão entre assistência, promoção, prevenção e cuidado, no cotidiano do trabalhador da Estratégia da Saúde da Família.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Anderson Freitas de Santana, Kally Cristina Soares Silva e Maria Ferreira Bittencourt.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Anderson Freitas de Santana, Kally Cristina Soares Silva, Maria Clara da Silva Guimarães, Maria Ferreira Bittencourt, Mariângela Costa Vieira e Viviane Mascarenhas Gois Prado.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Anderson Freitas de Santana, Kally Cristina Soares Silva, Mariângela Costa Vieira e Viviane Mascarenhas Gois Prado.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Anderson Freitas de Santana, Kally Cristina Soares Silva, Maria Clara da Silva Guimarães, Maria Ferreira Bittencourt, Mariângela Costa Vieira e Viviane Mascarenhas Gois Prado.
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15. Mendes-Gonçalves RB. Tecnologia e organização social das práticas de saúde. São Paulo (SP): Hucitec; 1994.
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17. Vieira MC. Avaliação das atividades de supervisão nos programas de provimento de médicos na Bahia. Campinas (SP). Dissertação [Mestrado em Saúde Pública] – Universidade Estadual de Campinas; 2017.
Recebido: 18.2.2022. Aprovado: 22.4.2022. Publicado: 7.7.2022.
Marcele Carneiro Paima
http://orcid.org/0000-0002-3065-2144
Marcio Lemos Coutinhob
https://orcid.org/0000-0002-8942-7902
Bruno Leonardo C. S. Olivattoc
https://orcid.org/0000-0002-2927-4262
Este relato tem como objetivo destacar a experiência da Escola de Saúde Pública da Bahia (ESPBA) diante das demandas de acompanhamento, monitoramento e formulação de estratégias político-pedagógicas de formação de profissionais no âmbito do Programa Mais Médicos para o Brasil (PMMB), nos primeiros anos do programa no SUS-BA. São apresentadas as ações realizadas pela escola, que, a partir da instituição da comissão estadual do programa, passa a atuar em cooperação com os entes federativos, instituições de ensino e organismos internacionais. Como principais resultados desse processo, destacam-se: credenciamento dos supervisores, monitoramento e acompanhamento das atividades realizadas pelos médicos participantes, supervisores e tutores acadêmicos; oferta dos módulos de acolhimento; realização do curso para formação dos tutores; contribuição para a realização e programação das oficinas locorregionais; construção de um espaço virtual para acompanhamento pedagógico; acompanhamento da avaliação aos médicos intercambistas e realização do apoio técnico-pedagógico às atividades presenciais do curso de especialização a distância. Ressalta-se, assim, o papel importante de uma escola do Sistema Único de Saúde (SUS) no seu perfil de ensino,
a Comunicóloga Sanitarista. Mestre em Saúde Comunitária. Doutora em Saúde Pública. Professora Adjunta da Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: marcele.paim.isc@gmail.com
b Fonoaudiólogo. Especialista em Saúde da Família. Mestre e Doutorando em Saúde pela Universidade Federal da Bahia. Consultor Técnico do Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Saúde. Aracaju, Sergipe, Brasil. E-mail: marcio.eesp@gmail.com
c Pedagogo. Mestre e Doutorando em Educação pela Universidade Federal da Bahia. Diretor do Centro de Estudos e Assessoria Pedagógica. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: bolivatto@gmail.com Endereço para correspondência: Instituto de Saúde Coletiva. Rua Basílio da Gama, s/n, Canela. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 40110-040. E-mail: marcele.paim.isc@gmail.com
investigação, capacidade de articulação inter e intrainstitucional, bem como de estrutura capaz de sustentar o projeto político-cultural da reforma sanitária. Para isso, foi fundamental a experimentação do cotidiano de trabalho enquanto princípio educativo.
Palavras-chave: Escola de saúde pública. Mais Médicos. Sistema Único de Saúde.
Abstract
This paper reports on the experience of the Bahia School of Public Health (ESPBA) regarding the demands for monitoring, follow-up and formulation of political-pedagogical strategies for professional training within the More Doctors for Brazil Program (PMM), in its first years in the Unified Health System (SUS). It presents the actions taken by the school, which, after establishing a state commission for the program, began to work in cooperation with federal entities, educational institutions and international organizations. The main results of this process are: accreditation of supervisors; monitoring and follow-up of activities carried out by participating physicians, supervisors, and academic tutors; offer of user embracement modules; courses for tutor training; contribution to the implementation and programming of local and regional workshops; construction of a virtual space for pedagogical monitoring; monitoring the evaluation of exchange doctors; and provision of technical-pedagogical support to the on-site activities of the distance learning specialization course. These findings highlight the important role played by the SUS School in terms of its teaching profile, research, inter and intra-institutional articulation capacity, as well as its structure capable of sustaining the political-cultural project of the health reform. For which the experimentation of daily work as an educational principle was essential.
Keywords: School of public health. Mais Médicos Program. Unified health system.
BRASIL: BASE PEDAGÓGICA INSTITUCIONAL DEL SUS-BA
Este informe tiene como objetivo presentar la vivencia de la Escola de Saúde Pública da Bahia (ESPBA) frente a las demandas de seguimiento, monitoreo y formulación de estrategias
político-pedagógicas para la formación de profesionales en el ámbito del Programa Más Médicos para Brasil (PMMB), en los primeros años del programa en el SUS-BA. Se presentarán las acciones realizadas por la escuela que, a partir de la creación de la comisión estadual del programa, pasa a trabajar en cooperación con las entidades federativas, instituciones educativas y organismos internacionales. Como principales resultados de este proceso se destacan: la acreditación de supervisores, el monitoreo y seguimiento de las actividades realizadas por los médicos participantes, supervisores y tutores académicos; la oferta de módulos de acogida; la realización del curso para la formación de tutores; la contribución en la realización y programación de talleres locales y regionales; la construcción de un espacio virtual de seguimiento pedagógico; el seguimiento a la evaluación de los médicos en intercambio y la realización del apoyo técnico-pedagógico a las actividades presenciales del curso de especialización a distancia. Así, se destaca el importante rol que desempeña una institución del Sistema Único de Salud (SUS) en su plan de enseñanza, investigación, articulación inter- e intrainstitucional, así como una estructura capaz de sustentar el proyecto político-cultural de reforma sanitaria. Para ello, fue fundamental la experimentación del trabajo cotidiano como principio educativo.
Palabras clave: Escuela de salud pública. Más médicos. Sistema Único de Salud.
Com o movimento da Atenção Primária em Saúde (APS), fomentado por organismos internacionais e acolhido pela expansão e consolidação de governos democráticos em todo o mundo, vários países ampliaram a cobertura e oferta de serviços nos níveis básicos de assistência em sistemas públicos de saúde1. Em consequência, aumentou a demanda por formação de profissionais capazes de atuar na APS, atentos e sensíveis à diversidade cultural da população, com competência técnica orientada por conhecimento cientificamente validado.
A consolidação e a ampliação da Saúde da Família, principal estratégia de APS no contexto brasileiro, requerem tanto esforços na construção de novas opções curriculares e pedagógicas (graduação e pós-graduação) como investimentos consistentes para qualificação dos serviços oferecidos2.
O fortalecimento da APS tem sido um processo gradativo, com a ampliação da Estratégia Saúde da Família (ESF), que é a forma brasileira de organizar a Atenção Básica no Sistema Único de Saúde (SUS), mantendo os princípios do SUS e apoiada nos atributos da APS3 Outrossim, a rápida expansão da cobertura da ESF trouxe impactos bastante positivos na saúde
da população, apresentando fortes evidências de melhor resolutividade e eficiência quando comparada ao modelo tradicional da APS no SUS4.
Estudos analisam que, em vários países, persistem desigualdades em saúde, o que demonstra o fracasso coletivo em compartilhar os avanços na saúde de forma equitativa. Entre os fatores que contribuem para este processo, destacam-se a escassez de profissionais com perfil adequado ao cuidado integral, à insuficiência e à má distribuição, sendo necessárias medidas que fortaleçam as habilidades e as competências e a distribuição equitativa dos profissionais nos serviços. Ademais, a má distribuição de médicos é um problema que ocorre em vários países e que vem sendo analisado de forma sistemática desde a década de 1960, sendo mais acentuado em áreas remotas e socioeconomicamente vulneráveis5,6.
Para enfrentar o problema da escassez de médicos no SUS, o Programa Mais Médicos foi instituído pela MP nº 621, de 8 de julho de 20137, posteriormente convertida na Lei nº 12.871/20138. O objetivo de suprir déficits de recurso humano médico no SUS, especialmente nas regiões mais vulneráveis no âmbito da AB, buscava viabilizar a garantia mínima de pelo menos um profissional médico em cada município e a ampliação da cobertura médica.
Nesse sentido, o PMM foi instituído a partir de três eixos estruturantes, em prol do aumento e qualificação da oferta de médicos, bem como do aprimoramento das condições assistenciais dos municípios do Brasil. O primeiro eixo busca provisionar, de forma emergencial, profissionais médicos, em áreas consideradas prioritárias para o SUS e amenizar as discrepâncias em relação à sua distribuição no território nacional. Desse modo, contemplava tanto brasileiros (formados dentro ou fora do país) quanto estrangeiros, sejam intercambistas individuais ou mobilizados por meio de acordos com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas)9.
Por sua vez, o segundo eixo se refere à formação médica e se direciona à ampliação do número de vagas em cursos de medicina e nas residências médicas, com mudança nos currículos de formação para melhorar a qualidade da atenção à saúde através da implantação de reformas educacionais na graduação e nas residências médicas. Já o terceiro eixo considera aplicar recursos para melhorar a infraestrutura nos serviços, qualificando as redes de atenção à saúde9
No que tange às atividades pedagógicas, cabe destacar que todos os médicos participantes do PMM devem realizar a atuação assistencial, bem como cumprir atividades educacionais com integração ensino e serviço, agregando cursos de pós-graduação como especialização, aperfeiçoamento, módulos de atualização, extensão, entre outros. Vale ressaltar que, inicialmente, foi ofertado curso de especialização na modalidade ensino a distância (EaD) e, a partir da Resolução SGTES/MS nº 2, de 26 de outubro de 2015, foram regulamentados
dois ciclos formativos complementares que possibilitaram a prorrogação da participação dos profissionais no PMM10.
Dessa maneira, o escopo das atividades pedagógicas previstas se estrutura em dois ciclos formativos. O primeiro contempla um curso de Especialização em Saúde da Família, ofertado por uma instituição de ensino superior integrante do Sistema Universidade Aberta do SUS (UNA-SUS); enquanto o segundo prevê um conjunto de atividades educacionais no nível de aperfeiçoamento e extensão, que objetivam aprofundar o conhecimento em temas relevantes para atuação na atenção básica.
Considerando a finalidade do PMM em aperfeiçoar médicos na Atenção Básica em Saúde em regiões prioritárias para o SUS, a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab), em setembro de 2013, instituiu a Comissão de Coordenação Estadual (CCE) do Programa Mais Médicos para o Brasil, com o objetivo de articular instâncias de coordenação, orientação e cumprimento das atividades necessárias à execução do programa no âmbito estadual, inclusive atuando em cooperação com os entes federativos, instituições de ensino e organismos internacionais para o desenvolvimento de estratégias formativas.
Nessa perspectiva, o presente relato pretende destacar o papel da Escola de Saúde Pública da Bahia (ESPBA), uma das diretorias da Superintendência de Recursos Humanos (Superh) da Sesab e membro da CCE-BA, frente às demandas acompanhamento, monitoramento e formulação de estratégias político-pedagógicas de formação de profissionais no âmbito do PMM nos primeiros anos do programa no SUS-BA.
Este relato é um estudo descritivo de caráter qualitativo. Busca-se descrever a experiência da ESPBA, nos primeiros anos do programa no SUS-BA, compreendendo o período entre 2014 e 2018, referente à oferta de cursos de especialização pela Universidade Aberta do SUS (UNA-SUS) na Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
Continuamente utilizado pelos pesquisadores sociais preocupados com a atuação prática, o estudo descritivo tem como foco a descrição das características de determinado fenômeno ou a definição de relações entre variáveis11. Abordagens qualitativas são relevantes para estudar a configuração de fenômenos, processos e instituições, a partir de estudos que envolvem um universo de aspirações, atitudes, motivos, significados e valores12,13.
Como fonte de dados e subsídio à análise documental, utilizou-se os seguintes registros e instrumentos técnicos: relatórios de gestão e apresentações da ESPBA; relatórios modulares do curso Especialização em Atenção Básica em Saúde produzidos pela UNA-SUS/
UFMA; atas de reuniões; atas de sessões públicas das Jornadas de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC); programação das oficinas locorregionais; conteúdo programático de curso de formação de tutores e acolhimento; registros fotográficos e vídeos dos momentos presenciais das turmas de especialização.
BASE PEDAGÓGICA INSTITUCIONAL DO PMM NA BAHIA: RESULTADOS
DO APOIO INTEGRADO DA ESPBA
Desde o início da implantação do programa, a ESPBA esteve envolvida com as decisões acerca da gestão do PMM no estado, atuando de forma integrada às diversas instâncias responsáveis pelo programa, assumindo protagonismo institucional nas ações de formulação e implantação de atividades de ensino, pesquisa e extensão com componente assistencial, mediante integração ensino-serviço.
Coube à escola, a missão de credenciar supervisores, monitorar e acompanhar as atividades realizadas pelos médicos participantes, supervisores e tutores acadêmicos; ofertar módulos de acolhimento; realizar curso para formação dos tutores; contribuir com a realização e programação das oficinas locorregionais; construir um espaço virtual para acompanhamento pedagógico; acompanhar a avaliação aos médicos intercambistas e realizar apoio técnicopedagógico nas atividades presenciais do curso de especialização EaD.
Inicialmente, foi realizado o credenciamento dos supervisores responsáveis por realizar as visitas periódicas para acompanhar as atividades dos médicos participantes, discussões clínicas, reflexões sobre o processo de trabalho e as práticas do cuidado, além de aplicar instrumentos de avaliação presencialmente. Para habilitar os supervisores para estas atividades, a ESPBA organizou reuniões técnico-científicas de planejamento, em conjunto com os tutores do programa, que, além de darem suporte aos supervisores na busca de superar as dificuldades de cada território, realizavam a cogestão de atividades acadêmicas da integração ensino-serviço, fortalecendo a política estadual de educação permanente em saúde.
Na sequência, foram desenvolvidos os ciclos de acolhimento nos quais os médicos estrangeiros que iriam atuar no estado da Bahia tiveram a oportunidade de conhecer mais sobre a realidade local da rede pública de saúde, bem como discutir aspectos e características epidemiológicas da população e estratégias político institucionais de organização das redes de atenção à saúde. Além de aspectos técnicos relacionados às práticas de atenção à saúde, a abordagem sobre a língua portuguesa e expressões regionais buscou desenvolver competências sócio culturais importantes para o trabalho na estratégia de saúde da família. Foram mobilizados, para estas atividades, profissionais do serviço e da academia.
A partir do acolhimento inicial dos médicos participantes do programa e de sua inserção nas diferentes regiões de saúde, eram desenvolvidas oficinas locorregionais presenciais para apoio técnico e pedagógico, bem como foi criado um espaço no ambiente virtual de aprendizagem moodle da ESPBA para acompanhamento, como estratégia de produção e disseminação de conhecimentos.
Haja vista a inicial não adesão de universidades baianas à oferta de cursos de especialização por meio da UNA-SUS para os médicos do PMM no estado, a articulação com a Universidade Federal do Maranhão (UFMA) foi mais uma linha de ação da ESPBA no âmbito pedagógico do programa, para apoio às turmas de especialização com foco no desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e atitudes voltadas para Atenção Básica na Saúde.
Nesse sentido, a escola exerceu o papel de alicerce para a oferta da UFMA, sendo responsável pelo apoio técnico pedagógico institucional com vistas à realização e ao bom funcionamento do curso na Bahia. Em síntese: realizou o acompanhamento pedagógico das atividades de ensino, a seleção e acompanhamento dos tutores presenciais (tutores de campo do curso), o apoio técnico e logístico à realização das provas presenciais, a organização das sessões públicas de apresentação dos TCC, a composição das bancas de avaliação dos trabalhos, bem como a articulação com a CCE para assuntos referentes ao curso.
Ainda no que tange à oferta do curso de especialização, através da Escola de Saúde Pública, foi realizada a supervisão presencial das seis turmas de Especialização em Atenção Básica em Saúde ofertadas pela UNA-SUS/UFMA no estado, entre 2014 e 2018, desenvolvendo as atividades de monitoramento e acompanhamento pedagógico dos tutores na execução dos 15 módulos do curso, conforme carga horária descrita no Quadro 1.
Especificamente sobre os tutores presenciais do curso de especialização, cabe destacar que foram organizados a partir das nove macrorregiões da Bahia. Cada uma das referências macrorregionais era responsável pelos momentos presenciais, como aplicação de provas, segundas chamadas e jornadas de TCC do curso em sua área de atuação.
Desse modo, as referidas atividades das primeiras três turmas (AB4, AB5 e AB6) da Unasus-UFMA, tendo a AB4 859 médicos matriculados e as demais a média de 400 matriculados no estado, contou com referências da ESPBA para realização das atividades presenciais, de forma descentralizada, nos seguintes municípios: Salvador, Feira de Santana, Alagoinhas, Jacobina, Juazeiro, Barreiras, Vitória da Conquista, Itabuna e Teixeira de Freitas. As três turmas subsequentes (AB7, AB8 e AB9) com menos de 300 matriculados em cada, contaram com referências em Salvador, Juazeiro e Vitória da Conquista.
Sobre os números de atividades presenciais da especialização realizadas no Estado por meio da ESPBA, foram cinco encontros por turma: aulas inaugurais, duas provas regulares, uma de reposição e a Jornada de TCC. Lembrando que as primeiras três turmas tiveram uma dinâmica especial pelo expressivo quantitativo de alunos, foram cinco encontros em cada macrorregião, totalizando 45 encontros descentralizados para cada uma dessas turmas, somatória de 135. Para as três demais turmas, foram cinco encontros em três macrorregiões, totalizando 15 encontros para cada uma, ou seja, 45 encontros. Desse modo, tem-se o total de 180 encontros descentralizados, realizados através da escola, no estado da Bahia, no período de quatro anos de ofertas de curso pela Unasus/UFMA.
A dinâmica do acompanhamento pedagógico das atividades do curso Unasus/ UFMA realizada pela ESPBA abrangia, ainda, o monitoramento das informações produzidas e enviadas, periodicamente, pela universidade através dos relatórios modulares do curso. Esses documentos apresentavam informações sobre desempenho das turmas, tais como: número de matriculados e de desistentes, histórico da realização das atividades no ambiente virtual de aprendizagem (AVA), quantidade de alunos que não acessaram os módulos e/ou que não realizaram as atividades previstas, entre outros.
A ESPBA era responsável pelo compartilhamento dessas informações com as instâncias gestoras do PMM no estado, fazendo, portanto, a interlocução com a CCE sobre a situação dos profissionais participantes da especialização, apresentando questões como o não cumprimento dos requisitos mínimos para a permanência no curso. Vale lembrar que, conforme regulamentação dos Ministérios da Saúde e da Educação, a matrícula e o desempenho no curso de especialização são requisitos para a permanência dos profissionais nos Programas de Provisão de Médicos para o Brasil, visando o aperfeiçoamento dos profissionais por meio da integração ensino-serviço. A ausência e o não cumprimento das atividades ocasionariam a suspensão da bolsa e o desligamento do programa.
Nessa interlocução, a ESPBA também dialogava com a Unasus/UFMA sobre demandas do estado e pleito dos supervisores e tutores médicos, como o acesso deles ao AVA do curso, número de inscritos nas novas turmas, período de férias dos profissionais médicos cursistas e, ainda, o acompanhamento dos cubanos matriculados e reprovados nas referidas ofertas para subsidiar a supervisão da representação cubana junto à Opas.
Além disso, vale ressaltar a realização das jornadas de TCC: foram 36 jornadas descentralizadas de TCC para, aproximadamente, 1600 médicos, no período de quatro anos de ofertas de curso pela Unasus/UFMA, com o apoio técnico pedagógico institucional da ESPBA. Esses encontros presenciais intitulados “Jornada de TCC” consistiam em sessões públicas para as apresentações dos trabalhos dos médicos que mobilizavam professores da UFMA, da ESPBA, tutores, supervisores e docentes convidados das IES estaduais e federais da Bahia para composição das bancas.
As principais temáticas abordadas nos TCC foram: aleitamento materno, arboviroses, câncer de mama, diabetes, gravidez na adolescência, hipertensão, infecções sexualmente transmissíveis (IST), obesidade, parasitoses, pré-natal, saúde da criança na atenção básica, processo de trabalho, organização das demandas na unidade, saúde do homem, saúde mental e tabagismo. Entre essas, destacam-se com o maior número de trabalhos hipertensão, gravidez na adolescência, diabetes e parasitoses.
Outros temas também estiveram presentes nas jornadas de TCC, ainda que em menor frequência, tais como: dislipidemias; hanseníase; acolhimento e classificação de risco; pediculose; saúde do idoso; doenças crônicas e envelhecimento; territorialização; síndrome metabólica; puberdade, adolescência e sexualidade; promoção à adesão terapêutica; organização do cuidado; planejamento familiar; práticas integrativas; exercícios físicos; câncer de pele; nutrição; uso de medicações controladas; visita domiciliar; agrotóxicos; uso de medicamentos; fisioterapia; feridas; educação; ACS; primeiros socorros; higiene;
descarte inadequados de resíduos; tuberculose; violência; lombalgia; álcool; drogas; doenças respiratórias; saúde do trabalhador; colesterol; câncer colo de útero; saúde da mulher; leishmaniose; diagnóstico precoce câncer; morbidade infantil por acidente; acidentes de trânsito; imunização, entre outros.
Esses encontros possibilitaram importantes momentos de aprendizagem para os participantes, através da discussão sobre os trabalhos sob o formato de projeto de intervenção. Nessa perspectiva, as sessões públicas oportunizaram potentes troca de experiências, momentos de educação permanente e conhecimentos ampliados sobre os temas estudados, bem como a relação com os perfis epidemiológicos dos municípios. A qualificação dos médicos no PMM representou, portanto, oportunidades de produção de conhecimento no SUS e para o SUS na Bahia.
Destaca-se, na forma interativa de atuação da ESPBA, o reconhecimento dos diferentes papéis e a busca pelo estabelecimento de relações construtivas entre os distintos atores sociais14. Compreende-se que a criação de espaços coletivos que favoreçam análise de processos de trabalho, situações, tomadas de decisões, construção de compromissos e objetivos, oportunizando reflexões e interação entre sujeitos são recursos da função apoio integrado que caracterizam a atuação da escola no contexto pedagógico do PMM, pressupondo apoio como uma forma de cogestão15.
A busca do cuidado integral mantém relação direta com a construção de espaços de aprendizagem que coloquem na agenda de intervenções de centros formadores, gestores e profissionais de saúde a formulação e implementação de ações e estratégias de controle de doenças e promoção da saúde, intersetorialidade, educação e comunicação em saúde, formação de recursos humanos e controle social16.
A adoção de propostas pedagógicas inovadoras sinaliza a possibilidade de articulação entre excelência técnica e relevância social sustentado em modelos pedagógicos mais interativos. Quando a integração ensino-serviço acontece de forma efetiva, unindo instituições de ensino e profissionais de saúde com o foco central no usuário, diminui a dicotomia entre o ensino e a produção de cuidados em saúde, destacando-se a importância dos espaços de interseção entre serviços e ensino para a formação em saúde e consolidação do SUS17
Sem esse diálogo permanente, não é possível gerar novas formas de interferir no processo de trabalho, na organização da assistência e no processo educativo da formação de um novo trabalhador.
Vale destacar que o Programa Mais Médicos, por seu caráter provisório, não trouxe impactos na formulação de carreira, um dos entraves principais para estruturação da APS e fortalecimento do SUS. Pensar a Educação Permanente em Saúde como estratégia de reflexão crítica sobre a prática cotidiana dos serviços de saúde, que possibilita mudanças nas relações, nos processos, nos atos de saúde e nas pessoas exige encontra limites diante da alta rotatividade dos profissionais médicos, ocasionada por vínculos empregatícios precários e instáveis e pela terceirização da gestão dos serviços de saúde.
Permanece também o desafio de construir um olhar mais elaborado para o tema da interprofissionalidade, uma vez que os ciclos formativos se destinam, formalmente, apenas aos médicos do programa. É preciso assumir a intenção de formar profissionais de saúde mais aptos à colaboração para o verdadeiro trabalho em equipe, indispensável para o atendimento das complexas necessidades de saúde18. Nesse sentido, seria indispensável planejar a organização de forma sistemática de conteúdos e de métodos de ensino e aprendizagem, teóricos e práticos, que estimulem o desenvolvimento de capacidades profissionais cooperativas, articulando o conjunto de trabalhadores de saúde inseridos nas equipes e unidades de saúde.
As Escolas de Saúde Pública no Brasil têm em comum a missão de formar quadros para o SUS. Seu funcionamento se pauta, principalmente, em demandas que se impõem pelas políticas públicas de saúde19. Tais instituições são ambientes de valores, vivências, ideias e práticas próprias. Laboratório de incorporações tecnológicas, a escola é lugar de apreensão e síntese, estabelecimento de relações, de mediações e de tradução.
Destaca-se, assim, o papel importante de uma escola do SUS, em seu perfil de ensino e investigação, bem como de estrutura capaz de sustentar o projeto políticocultural da reforma sanitária, visto que “iniciar processos que produzam fatos, acumulem poder e promovam mudanças, mesmo no espaço-micro das instituições, possibilitam novas acumulações sociais”20:32
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Marcele Carneiro
Paim, Marcio Lemos Coutinho e Bruno Leonardo C. S. Olivatto.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Marcele
Carneiro Paim, Marcio Lemos Coutinho e Bruno Leonardo C. S. Olivatto.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Marcele Carneiro Paim, Marcio Lemos Coutinho e Bruno Leonardo C. S. Olivatto.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Marcele Carneiro Paim, Marcio Lemos Coutinho e Bruno Leonardo C. S. Olivatto.
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Recebido: 20.3.2022. Aprovado: 29.4.2022. Publicado: 7.7.2022.
DOI: 10.22278/2318-2660.2020.v46.n1.a3573
PROGRAMA MAIS MÉDICOS NA BAHIA E O IMPACTO NO DIAGNÓSTICO
PRECOCE DO IAM: RELATO DE EXPERIÊNCIA
Luísa Thainá Pimenta Rochaa
https://orcid.org/0000-0001-5758-552X
Michela Macedo Lima Costab
https://orcid.org/0000-0003-0919-0931
Rita de Cássia Natividade Ataídec
https://orcid.org/0000-0002-5836-323X
Sabrina Brito Freitasd
https://orcid.org/0000-0001-6331-2683
Resumo
Capaz de resolver cerca de 80% de todas as necessidades em saúde, a Atenção Primária se tornou uma das principais e mais eficientes estratégias do Sistema Único de Saúde. Diante da histórica carência e má distribuição do profissional médico no Brasil, o Programa Mais Médicos viabilizou o provimento do profissional nas localidades mais longínquas. Em parceria com o Programa Nacional Telessaúde Brasil Redes, o diagnóstico pode chegar em todos os lugares do país, possibilitando assistência e controle das patologias de maior morbimortalidade. Um exemplo é o infarto agudo do miocárdio, no qual “tempo é vida”, pois, para cada dez minutos de retardo na instituição da terapia de reperfusão, reduz-se a expectativa de vida do paciente em 120 dias. O objetivo deste trabalho é demonstrar uma experiência exitosa que envolveu a articulação resolutiva da rede pública de saúde a partir da Atenção Primária e do Programa Mais Médicos. Trata-se de um estudo descritivo, qualitativo, no qual se buscou descrever a pronta assistência a um paciente com infarto
a Médica. Especialista em Saúde Pública. Programa Mais Médicos (PMM). Anagé, Bahia, Brasil. E-mail: luisapimenta14@gmail.com
b Enfermeira. Mestre em Saúde Coletiva. Faculdade de Medicina Santo Agostinho (Fasavic). Vitória da Conquista, Bahia, Brasil. E-mail: michela.costa@vic.fasa.edu.br
c Médica de Família e Comunidade. Mestre em Saúde Pública. Tutora do Programa Mais Médicos (PMM). Vitória da Conquista, Bahia, Brasil. E-mail: rita.natividade@ vic.fasa.edu.br
d Médica Cardiologista. Supervisora do Programa Mais Médicos (PMM). Vitória da Conquista, Bahia, Brasil. E-mail: sabrina.freitas@uesb.edu.br
Endereço para correspondência: Faculdade Santo Agostinho – Afya Educacional. Avenida Olívia Flores, n. 200, Candeias. Vitória da Conquista, Bahia, Brasil. CEP: 45.028-100. E-mail: rita.natividade@ vic.fasa.edu.br
agudo do miocárdio em uma zona rural. O resultado mostrou que uma Atenção Básica resolutiva e integrada aos demais níveis de assistência é possível, permitindo que o paciente infartado seja beneficiado a tempo pela reperfusão miocárdica e impactando de forma positiva seu prognóstico e qualidade de vida. A experiência forneceu estímulo para busca contínua de superação e enfrentamento dos desafios, assim como do aperfeiçoamento da gestão pública da saúde.
Palavras-chave: Programa Mais Médicos. Atenção primária à saúde. Estratégia saúde da família. Infarto agudo do miocárdio. Atendimento pré-hospitalar.
MAIS MÉDICOS PROGRAM IN BAHIA AND THE IMPACT ON EARLY DIAGNOSIS OF IAM: AN EXPERIENCE REPORT
Abstract
Capable of solving nearly 80% of all health needs, Primary Care has become one of the main and most efficient strategies in the Unified Health System. Given the historic shortage and poor distribution of medical professionals in Brazil, the Mais Médicos Program made it possible to provide professionals in remote locations. In partnership with the National Telehealth Brazil Networks Program, diagnosis can reach all parts of Brazil, enabling treatment and control of pathologies with greater morbidity and mortality. One example is acute myocardial infarction, in which “time is life,” because for every 10-minute delay in instituting reperfusion therapy, life expectancy is reduced by 120 days. Given this scenario, this paper reports on a successful experience that involved the resolutive articulation of the public health network from Primary Care and the More Doctors Program. This descriptive and qualitative study describes the prompt care of a patient with acute myocardial infarction in a rural area. Results shows that a resolutive Primary Care integrated with other levels of care is possible, allowing the infarcted patient to benefit in time from myocardial reperfusion and positively impacting their prognosis and quality of life. The experience encouraged continuous search to overcome and face the challenges, as well as to improve public health management.
Keywords: Health consortia. Primary health care. Family health strategy. Myocardial infarction. Emergency medical services.
Con la capacidad de resolución de cerca del 80% de todas las necesidades de salud, la Atención Primaria se ha convertido en una de las principales y más eficientes estrategias del Sistema Único de Salud. En vista de la escasez estructural histórica y la mala distribución de los profesionales médicos en Brasil, el Programa Más Médicos hizo posible la provisión de profesionales a lugares más distantes. En una alianza con el Programa Redes Nacionales de Telesalud Brasil, el diagnóstico puede llegar a todos los lugares del país, posibilitando la asistencia y el control de patologías con mayor morbimortalidad. Un ejemplo es el infarto agudo de miocardio, en el que “el tiempo es vida”, pues por cada 10 minutos de retraso en la instauración de la terapia de reperfusión, la esperanza de vida se reduce en 120 días. El objetivo de este trabajo es evidenciar una experiencia exitosa que involucró la articulación resolutiva de la red pública de salud con base en la Atención Primaria y el Programa Más Médicos. Se trata de un estudio cualitativo, descriptivo, que buscó describir la atención oportuna de un paciente con infarto agudo de miocardio en una zona rural. El resultado mostró que es posible una Atención Primaria resolutiva e integrada con los demás niveles asistenciales, que permita que el paciente infartado sea beneficiado a tiempo por la reperfusión miocárdica, lo que impacta positivamente en su pronóstico y calidad de vida. La experiencia sirvió de estímulo para la búsqueda continua de superación y enfrentamiento de los desafíos, así como de la mejora de la gestión en salud pública.
Palabras clave: Programa Más Médicos. Atención primaria de salud. Estrategia de salud familiar. Infarto del miocardio. Servicios médicos de urgencia.
A partir da Lei nº 8.080/90, o Sistema Único de Saúde (SUS) se estabeleceu como um dos maiores e mais complexos sistemas de saúde pública do mundo. Com sua implementação ao longo dos anos, a organização da Atenção Primária à Saúde (APS) e a progressiva efetivação da Estratégia Saúde da Família (ESF), o SUS garante acesso integral, universal e gratuito para toda a população brasileira. Com cuidado desde o primeiro contato, hierarquização dos níveis de atenção à saúde, regionalização a partir de bases populacionais e prestação de serviços ambulatoriais capaz de resolver cerca de 80% de todas as necessidades em saúde, a APS se tornou uma das principais e mais eficientes estratégias de saúde pública brasileira1
A partir da aprovação da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) em 2006, revisada em 2011 e atualizada em 2017, houve a definição de dois pontos importantes para a APS: o estabelecimento de área adscrita de atuação e uma equipe multiprofissional composta por no mínimo: (1) médico; (2) enfermeiro; (3) auxiliar ou técnico de enfermagem; e (4) agentes comunitários de saúde (ACS). Podem ser acrescentados a essa composição: cirurgião-dentista, auxiliar e/ou técnico em saúde bucal. Entre as atividades desenvolvidas pela APS, destacamse: prevenção de doenças e promoção da saúde, cuidados comunitários e execução de procedimentos antes realizados apenas na atenção hospitalar (pequenas cirurgias, diagnóstico, atendimentos de urgência, cuidados paliativos e acompanhamento pós-alta hospitalar)2
Nesse rico contexto de ações prestadas pela APS, a formação e provimento de recursos humanos qualificados se tornou fundamental para sua execução. Com a histórica carência e má distribuição do profissional médico no Brasil, em especial nas localidades mais afastadas dos grandes centros urbanos3, o governo federal instituiu, em 2013, o Programa Mais
Médicos (PMM). Pautado na redução das desigualdades regionais na área da saúde, o programa elegeu regiões prioritárias para o SUS, fortalecendo a prestação de serviços na APS4
Para concretização do eixo assistencial, o PMM incluiu o Projeto Mais Médicos para o Brasil (PMMB), com a contratação do profissional pelo Ministério da Saúde (MS). O provimento de médicos atendeu de forma imediata à demanda levantada pelos municípios eleitos. Em dois anos, o PMM contava com 18.240 médicos em 4.058 municípios e 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), levando assistência para cerca de 63 milhões de pessoas3
Outro eixo contemplado pelo PMM foi o de fortalecimento da política de educação permanente no trabalho, com integração ensino-serviço, por meio da atuação das instituições de ensino superior (IES) na supervisão e tutoria acadêmica durante as atividades desempenhadas pelos médicos4.
A Bahia possui hoje 351 municípios participantes do projeto, com 1.423 médicos ativos. São acompanhados por 146 supervisores e 12 tutores acadêmicos vinculados a 6 IES e ao Ministério de Educação e Cultura (MEC)5
Com o provimento de médicos, tornou-se importante a ampliação das ações de apoio à assistência. Num país continental como o Brasil, em que a distância constitui um fator crítico em boa parte dos municípios, não se pode prescindir de uma tecnologia que, independentemente da localização geográfica, os profissionais de saúde possam se conectar a partir de qualquer ponto com internet, proporcionando benefícios para os pacientes6
Para enfrentamento dessa situação, o Ministério da Saúde redefiniu e ampliou, em 2011, o Programa Nacional de Telessaúde, possibilitando cobertura assistencial com
teleconsultoria, telediagnóstico e segunda opinião formativa. O telessaúde se constituiu em uma importante ferramenta de diagnóstico e controle de doenças7.
Entre as doenças de maior morbimortalidade, destaca-se a doença cardiovascular (DCV), principal causa de morte no Brasil e no mundo, responsável pelo aumento da morbidade e da incapacidade ajustadas pelos anos de vida (disability-adjusted life year – DALY). Os investimentos em políticas de saúde, ao longo dos anos, resultaram numa diminuição das taxas de mortalidade no país, contudo, o número total de casos da doença está crescendo, tendo como causa provável o envelhecimento e adoecimento da população8. Existe, desse modo, uma demanda significativa de pacientes incluídos no escore para alto risco de doença cardiovascular sujeitos a inúmeras complicações, muitas delas fatais, a exemplo do infarto agudo do miocárdio (IAM)8. O IAM é causado pela obstrução completa da artéria coronária comprometida por ruptura de placa de ateroma, hemorragia e coágulo9.
Cerca de 80% das mortes por IAM ocorrem nas primeiras 24 horas do evento agudo, 40% a 65% na primeira hora, acontecendo, desta forma, fora do ambiente hospitalar e, em sua maioria, desassistida pelo profissional médico. Por isso, a partir da década de 1960, houve um maior interesse no atendimento pré-hospitalar (APH) do IAM10. No IAM com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST), para cada dez minutos de retardo na instituição da terapia de reperfusão, reduz- se a expectativa de vida em 120 dias, dando lugar à expressão “tempo é vida” 9 .
Nessa fase, a APS pode fazer uma grande diferença devido ao seu formato de capilaridade em toda a extensão do território nacional. Aqui entra o papel desempenhado pelo PMM ao possibilitar a presença indispensável do médico na expansão da ESF nas regiões mais longínquas do país. Além disso, a tão desejada resolutividade da APS necessita de condições satisfatórias de trabalho e uma rede de saúde estruturada, de responsabilidade das esferas de gestão do SUS.
Como exemplo, a simples realização do exame eletrocardiograma (ECG) na unidade de saúde da família (USF), em parceria com o telessaúde, pode garantir acesso, equidade e diagnóstico oportuno, capaz de salvar vidas. Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é a apresentação de uma experiência exitosa na assistência ao paciente com IAMCSST, diagnosticado na USF, possibilitando uma articulação resolutiva da rede SUS a partir da APS da zona rural de um pequeno município do interior da Bahia. O PMM possibilitou a presença de uma equipe de saúde completa, contando com uma profissional médica em área de difícil acesso.
O relato se justifica por representar uma situação pouco comum, mas perfeitamente viável, na atenção ao paciente com IAM na APS: equipe capacitada e diagnóstico
eletrocardiográfico precoce. Este caso pode significar importante exemplo a ser seguido, além de possibilitar o desenvolvimento de estudos e estratégias de gestão, tanto da clínica quanto do sistema de saúde, que viabilizem a melhor assistência possível ao paciente.
Trata-se de um estudo descritivo, qualitativo, do tipo relato de experiência, com finalidade de descrever a pronta assistência na APS da zona rural a um paciente com evento cardiovascular agudo, o IAMCSST, cuja articulação com a rede SUS foi oportuna e bem-sucedida.
Este trabalho utilizou dados documentais de uma situação efetivamente consumada, resguardando a identidade do paciente, do município e dos profissionais envolvidos na assistência, não optando pela submissão ao Comitê de Ética e Pesquisa (CEP).
O município em questão possui cerca de vinte mil habitantes, dos quais 80% reside na extensa zona rural11 permeada de estradas vicinais. Possui cobertura de 100% pelo Programa Saúde da Família (PSF), com dez USF, sendo oito na zona rural e seis vinculadas ao PMM12
A experiência encontrada neste contexto aconteceu com um paciente de 50 anos, cor branca, admitido às 09h50 do dia 6 de setembro de 2019, em uma distante USF situada no distrito de zona rural do município onde reside, no interior do sertão da Bahia, referindo quadro de dor precordial intensa em hemitórax esquerdo, irradiando para dorso, associado à parestesia em membro superior esquerdo, com início há cerca de duas horas.
Ao exame físico, apresentava-se lúcido e orientado, com regular estado geral, fácies de dor, portando a mão fechada em movimentos circulares sobre o tórax (sinal de Levine), sudoreico, pele fria e pegajosa. Dados vitais: pressão arterial (PA): 160x100 mmHg; frequência cardíaca (FC): 100 bpm; frequência respiratória (FR): 18 ipm; saturação de oxigênio (SatO²): 92%. Aparelho cardíaco, respiratório e abdômen: nada digno de nota. Extremidades: acianóticas, perfusão periférica lentificada, edema de membros inferiores na escala de +/4.
Frente à suspeita clínica de IAM, foi adotada a seguinte conduta, que contou com o auxílio imprescindível da equipe de enfermagem: paciente em repouso no leito, jejum, monitorização cardíaca, SatO² e PA, instalado oxigênio (O2) sob cateter nasal (3 litros/ minuto), acesso venoso com jelco hidrolisado. Administrados os seguintes medicamentos por via oral: ácido acetil salicílico (AAS) 100 mg e captopril 25 mg. Foi realizado ECG na USF
de forma imediata, com identificação pela médica do IAMCSST em parede ântero-septal e inferior, logo no traçado do exame, sem necessidade de aguardar o laudo pelo serviço de telessaúde (Figura 1).
Diante da gravidade do caso, o transporte foi realizado na ambulância da USF com acompanhamento médico e de enfermagem e, durante o trajeto para o hospital de referência da região (localizado em um município próximo de maior porte, a cerca de 60 km) foi feito contato com a Central de Regulação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), assim que o sinal telefônico permitiu. A central, diante do diagnóstico firmado, autorizou a regulação do paciente para a sala vermelha do pronto-socorro (PS) do hospital, onde seriam tomadas as medidas imediatas que o caso requeria, enquanto aguardavam a liberação de um leito de unidade de terapia intensiva (UTI), já reservado como prioridade. O tempo decorrido entre o atendimento do paciente, diagnóstico, contatos e deslocamento da zona rural até a unidade hospitalar foi de três horas após a admissão na APS.
No hospital, o paciente recebeu tratamento químico específico, a trombólise, utilizando o fármaco tenecteplase, com critérios de reperfusão (Figura 2). O tempo total entre o início dos sintomas e a terapia de reperfusão foi de cinco horas.
Fonte:
Cerca de duas semanas depois, foi submetido ao cateterismo cardíaco, procedimento sem intercorrências, não sendo necessária intervenção de angioplastia coronariana ou revascularização miocárdica.
Atualmente o paciente é acompanhado na mesma USF, onde comparece utilizando seu meio de transporte – montado a cavalo – e leva uma vida normal como lavrador.
Esse caso foi captado para o projeto Heart Rescue Global – Brazil, programa colaborativo que objetiva melhorar as taxas de sobrevivência de parada cardíaca súbita (PCS)13.
Durante a evolução do IAM, o músculo cardíaco sofre de maneira progressiva pela isquemia (distúrbios eletrolíticos), lesão (alterações morfológicas reversíveis) e necrose (alterações irreversíveis). Essas fases são caracterizadas por quadros clínicos diferentes, desde angina instável e infarto sem alteração do segmento ST ao ECG (ausência de necrose) até o infarto com supradesnível do segmento ST (necrose)14. Responsável por 48% a 60% dos casos, esse tipo de infarto tem seu desfecho totalmente dependente do intervalo decorrido entre o início dos sintomas (obstrução da artéria coronária) até a instituição do tratamento de reperfusão (farmacológico – trombólise com substância fibrinolítica ou mecânico –angioplastia coronariana)8.
Nesse contexto, o período pré-hospitalar de assistência ao IAM é fundamental, abrangendo dois tempos: (1) do início dos sintomas (dor torácica aguda, em geral) até a procura por atendimento; (2) do atendimento inicial até a chegada ao hospital. Sabe-se, no entanto, que esse precioso tempo da fase pré-hospitalar é demorado na maioria dos casos, em especial nos pacientes idosos, do sexo feminino e com condição socioeconômica desfavorável10.
Essas considerações iniciais são muito importantes para a compreensão da importância da APS para a população, em especial nas localidades distantes, de difícil acesso, como no caso deste estudo. A existência de uma USF na distante zona rural, equipada, com acesso ao exame ECG de forma imediata e com a presença de uma profissional médica na equipe de saúde, que soube reconhecer prontamente o IAM, foi imprescindível na corrida contra o tempo a favor da vida.
Outro dado relevante foi a decisão de realizar o transporte do paciente em ambulância própria e com segurança, sem aguardar o envio de uma unidade do Samu, mas fazendo contato telefônico durante o deslocamento. Essa medida otimizou o tempo e permitiu que o hospital de referência se preparasse para receber o caso.
Foi identificado, assim, um conjunto de ações bem-sucedidas que culminaram em um desfecho favorável: o paciente foi prontamente atendido na USF, cujos sintomas e sinais alertaram a equipe para um possível IAM, realizado ECG de imediato, confirmando o IAMCSST pela médica, ministrado O2 e medicamentos disponíveis no momento, além de monitorização contínua, atendendo parcialmente ao protocolo MONACHEB: M (morfina), O (oxigênio), N (nitrato), A (aspirina), C (clopidogrel, prasugrel ou ticagrelor), H (heparina), E (estatina) e B (betabloqueador)9. Por fim, a articulação com a Central de Regulação, e dela com o hospital de referência, permitiu um fluxo ágil e resolutivo na rede pública de saúde.
Quanto à terapêutica instituída na unidade de referência, é interessante destacar que a escolha entre o método químico/farmacológico (trombolítico) ou o mecânico (angioplastia Coronariana) depende da disponibilidade dos recursos terapêuticos, porém, mais importante do que o método é a rapidez do seu uso. Estudos demonstraram que a reperfusão ocorrida após 12 horas do início dos sintomas não demonstrara benefício significativo em relação à mortalidade. Entretanto, foi verificado que, na persistência dos sintomas clínicos e alterações eletrocardiográficas, mesmo decorridas as 12 horas, existem benefícios na reperfusão, devendo ser utilizados os métodos citados, ainda que tardiamente10
O desenvolvimento deste caso, mesmo isolado, ilustra, de forma clara, que o investimento em políticas públicas voltadas para o fortalecimento da APS resulta na melhoria da saúde da população e, consequentemente, na sua qualidade de vida. Um exemplo disso é o Programa Mais Médicos para o Brasil, ao prover o PSF do profissional médico em todo o território nacional.
Além disso, o PMM permite e garante que o médico do programa cumpra oito horas de sua carga horária semanal de quarenta horas à educação permanente em saúde, baseada em cursos de especialização on-line com temáticas voltadas para a APS, além do acompanhamento acadêmico regular. De grande envergadura, o PMM é conduzido por dois ministérios do governo federal – educação e saúde – envolvendo ainda a ampliação e qualificação dos cursos de graduação em medicina e os programas de residência médica4
A presença de uma equipe do PSF em determinada localidade impacta ainda na necessidade de investimentos em recursos diagnósticos e terapêuticos pela gestão, assim como na rede pública de saúde de apoio e referência – os níveis secundários e terciários de assistência – seja com serviços próprios ou contratados, disponíveis no mesmo ou em outro município.
Dessa forma, em 2019, a gestão municipal referida neste trabalho investiu na aquisição de equipamentos para realização do ECG nas USF, exame que capta a atividade elétrica do coração por meio de eletrodos fixados na pele. De baixo custo e simples
aquisição, o ECG registra um traçado que permite diagnosticar patologias como arritmias e doenças coronarianas, entre outras15. Para isso, foi necessária a implantação da telemedicina (componente do telessaúde), acesso à internet compatível e computador capaz de suportar o software do programa necessário para envios e recebimentos de laudos, além de capacitação de toda a equipe da USF.
Assim, foi viabilizada a melhoria da qualidade da assistência aos pacientes crônicos com DCV, aumentando a resolutividade do atendimento primário e secundário e possibilitando o suporte de vida frente a situações de risco, de forma imediata e oportuna, em áreas preteridas pelo isolamento geográfico.Com o decorrer do tempo, entretanto, a equipe de saúde foi sobrecarregada com a demanda crescente por ECG, além de todos os compromissos que fazem parte da agenda da APS. Atualmente, a realização do exame na USF restringe-se aos casos sintomáticos, contribuindo para o diagnóstico e encaminhamento tempestivo dos casos agudos. Apresentado como simples relato de experiência, este trabalho contou com a limitação do tempo disponível das autoras para sua consecução, além do cenário de restrição de deslocamento imposto pela pandemia. De outra forma, seria enriquecido com uma pesquisa de campo envolvendo os atores do processo, o que permitiria melhor caracterização do contexto e compreensão das facilidades e dificuldades. O relato pode estimular a elaboração de outros estudos que demonstrem o potencial de resolutividade da APS em situações de risco de vida imediato (como o IAM) e levantem hipóteses para a solução de possíveis dificuldades a serem encontradas.
No atual modelo de gestão do SUS, a APS é uma estratégia de reorganização do modelo assistencial, revelando-se como o componente mais abrangente da atenção à saúde, tendo em vista sua fundamentação em princípios, diretrizes e eixos para a produção do cuidado², capaz de prestar, da melhor maneira possível, uma atenção à saúde eficiente, resolutiva e integrada aos níveis secundários e terciários de atenção16.
O PMM contemplou o eixo de provimento assistencial para a APS, levando o profissional médico às localidades mais longínquas do país, com direito à educação continuada em serviço e acompanhamento acadêmico17. No caso particular da Bahia, no ano de 2021, foram contemplados 351 municípios com 1.423 médicos5
Em um desses pequenos municípios que aderiram ao PMM, a gestão pública, a despeito de todas as dificuldades econômicas e de contratação de recursos humanos, tomou a decisão política de investir em telemedicina e aquisição de equipamentos de ECG. Essa medida garantiu retaguarda diagnóstica às USF e assegurou maior resolutividade no próprio território como estratégia de enfrentamento da morbimortalidade causada pelas doenças
cardiovasculares. O investimento foi particularmente importante e fez toda a diferença para os moradores das localidades de zona rural.
O caso clínico do paciente com IAMCSST, apresentado neste trabalho, envolveu a APS como porta de entrada e ordenadora do sistema de saúde, razoavelmente equipada, resolutiva e integrada aos demais níveis de assistência da rede SUS, possibilitando que o paciente infartado pudesse ser beneficiado a tempo pela reperfusão miocárdica, impactando de forma positiva no prognóstico e na qualidade de vida e permitindo o seu breve retorno às suas atividades laborais.
O projeto inicial de implantação dos equipamentos de ECG no município sofreu obstáculos para continuidade do pleno funcionamento, especialmente no que se refere à disponibilidade de recursos humanos nas USF. Contudo, permanecem o legado e a aprendizagem para todos os envolvidos, fornecendo estímulo para a busca contínua de enfrentamento e superação dos desafios, desenvolvendo novas estratégias de atuação, seja na área da assistência, gestão pública ou educação em saúde, resguardados os princípios e diretrizes do SUS, que garantem, na estratégia de saúde da família, um novo processo de atuação na APS.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Rita Ataíde e Luísa Rocha.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Rita Ataíde, Luísa Rocha, Michela Costa, Sabrina Freitas.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Rita Ataíde e Michela Costa.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Rita Ataíde, Luísa Rocha, Michela Costa e Sabrina Freitas.
1. Portela GZ. Atenção primária à saúde: um ensaio sobre conceitos aplicados aos estudos nacionais. Physis. 2017;27(2):255-76.
2. Almeida PF, Fausto MCR, Giovanella, L. Fortalecimento da atenção primária à saúde: estratégia para potencializar a coordenação dos cuidados. Rev Panam Salud Publica. 2021;29(2):84-95.
3. Brasil. Programa Mais Médicos. Mais Médicos para seu município [Internet]. 2021 [citado 2021 dez 8]. Disponível em: http://maismedicos.gov.br/maismedicos-para-seu-municipio
4. Brasil. Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013. Institui o Programa Mais Médicos e dá outras providências. Brasília (DF); 2013.
5. Bahia. Coordenação Estadual do Programa Mais Médicos. Planilha Situação PMM Bahia. Salvador (BA): Secretaria de Saúde do Estado da Bahia; 2021.
6. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 35, de 4 de janeiro de 2007. Institui, no âmbito do Ministério da Saúde, o Programa Nacional de Telessaúde. Brasília (DF); 2007.
7. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.546, de 27 de outubro de 2011. Redefine e amplia o Programa Telessaúde Brasil, que passa a ser denominado Programa Nacional Telessaúde Brasil Redes (Telessaúde Brasil Redes). Brasília (DF); 2011.
8. Précoma DB, Oliveira GMM, Simão AF, Dutra OP, Coelho OR, Izar COM, et al. Atualização da diretriz de prevenção cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2019. Arq Bras Cardiol. 2019;113(4):787-891.
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10. Piegas LS, Timerman A, Feitosa GS, Nicolau JC, Mattos LAP, Andrade MD, et al. V Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre tratamento do infarto agudo do miocárdio com supradesnível do segmento ST. Arq Bras Cardiol. 2015;105(2supl.1):12-105.
11. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Brasil/Bahia/Anagé – Censo [Internet]. 2021 [citado em 2021 dez 12]. Disponível em: https://cidades.ibge. gov.br/brasil/ba/anage/pesquisa/23/25207?tipo=ranking&indicador=25199
12. Brasil. Ministério da Saúde. Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde – CNES [Internet]. 2021 [citado em 2021 jan 3]. Disponível em: http://cnes2.datasus.gov.br/
13. Heart Rescue Project. Heart rescue global – Brazil [Internet]. 2021 [citado em 2021 dez 20]. Disponível em: http://www.heartrescueproject.com/ heartrescue-project-partners/international-partners/brazil/
14. Boateng S, Sanborn T. Acute myocardial infarction. Dis Mon. 2013;59(2):83-96.
15. Gonzalez MMG, Geovanini GR, Timerman S. Eletrocardiograma na sala de emergência. 2a ed. Barueri (SP): Manole; 2019.
16. Brasil. A atenção primária e as redes de atenção à saúde. Brasília (DF): Conass; 2015.
17. Brasil. Secretaria Executiva da Universidade Aberta do SUS (umaSUS) [Internet]. 2021 [citado em 2021 dez 29]. Disponível em: https://sistemas.unasus.gov.br/webportfolio/web/atividade/4/
Recebido: 14.1.2022. Aprovado: 3.5.2022. Publicado: 7.7.2022.
Joseane Mota Bonfima
https://orcid.org/0000-0003-0117-120x
Eliana Barbosa Pereirab
https://orcid.org/0000-0003-0105-5567
Resumo
Este estudo tem o objetivo de relatar a experiência vivenciada pela equipe de apoio institucional do Ministério da Educação (MEC) no estado da Bahia em relação à supervisão acadêmica no contexto da pandemia de covid-19, no período de 2020 a 2021. Trata-se de uma pesquisa descritiva, do tipo relato de experiência, tendo como referência a atuação do apoio institucional frente à supervisão acadêmica no processo de trabalho dos médicos do Programa Mais Médicos para o Brasil (PMMB). Foram descritas as ações estratégicas e educacionais construídas pela supervisão acadêmica do PMMB no estado da Bahia, no período da pandemia pelo novo coronavírus, relacionadas às potencialidades e fragilidades encontradas no processo de trabalho nesse cenário. O contexto da pandemia impôs um grande desafio para os atores envolvidos no processo da supervisão acadêmica. Enfatiza-se, diante do cenário pandêmico, a importância da comunicação e articulação das instâncias do Sistema Único de Saúde (SUS) na organização do processo de trabalho nas unidades básicas de saúde e no enfrentamento da covid-19.
Palavras-chave: PMMB. Covid-19. Apoio institucional. Supervisão acadêmica.
a Enfermeira Sanitarista. Mestre em Saúde Comunitária com Ênfase em Planejamento em Saúde. Auditora em Saúde. Especialista em Gestão Pública Municipal, Saúde da Família com Ênfase em Coordenação e Gerenciamento em Processo de Trabalho. Coordenadora da Coordenação de Integração da Educação e Trabalho na Saúde da ESPBA/ Sesab. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: joseane.bonfim@saude.ba.gov.br
b Psicóloga. Mestre em Saúde Coletiva com Concentração em Gestão de Sistemas de Saúde, Ênfase em Trabalho e Educação em Saúde. Gestora de Campo no Projeto Cuida APS (Proadi-SUS/Haoc). Analista de Tutoria no Projeto Saúde Mental na APS (Proadi-SUS/SBIBAE). Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: eliana.barbosapsi@gmail.com Endereço para correspondência: Escola Estadual de Saúde Pública. Avenida Antônio Carlos Magalhães, s/n, Parque Bela Vista. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 40301-15. Email: joseane.bonfim@saude.ba.gov.br
PANDEMIC IN BAHIA: AN EXPERIENCE REPORT
Abstract
This study reports on the experience lived by the Institutional Support team from the Ministry of Education (MEC) in the state of Bahia, Brazil, concerning Academic Advising during the COVID-19 pandemic, from 2020 to 2021. This descriptive experience report concerns the institutional performance within Academic Advising in the work process of doctors from the Mais Médicos Program for Brazil (PMMB). It describes the strategic and educational actions built by the PMMB academic advising in Bahia during the pandemic caused by the new coronavirus, regarding the potentialities and weaknesses found in the work process in this context. The pandemic imposed a great challenge for the actors involved in the academic advising process. Given the pandemic scenario, the communication and articulation of instances from the Unified Health System (SUS) in organizing the work process in basic health units and in the fight against COVID-19 is of essence.
Keywords: PMMB. Covid-19. Institutional support. Academic advising.
EL DESEMPEÑO DE LA SUPERVISIÓN ACADÉMICA DEL PROGRAMA MÁS MÉDICOS EN EL CONTEXTO DE LA PANDEMIA DEL COVID-19 EN BAHÍA: UN INFORME DE EXPERIENCIA
Resumen
Este estudio describe la experiencia vivida por el equipo de apoyo institucional del Ministerio de Educación (MEC) en el estado de Bahía (Brasil) con relación a la supervisión académica en el contexto de la pandemia de Covid-19 en el período de 2020 a 2021. Se trata de un estudio descriptivo, de tipo informe de experiencia con referencia al desempeño institucional frente a la supervisión académica en el proceso de trabajo de los médicos del Programa Más Médicos para Brasil (PMM). Se describieron las acciones estratégicas y educativas construidas por la supervisión académica del PMMB en el estado de Bahía en el período de la pandemia provocada por el nuevo coronavirus, relacionadas con las fortalezas y debilidades encontradas en el proceso de trabajo en este contexto. El contexto de la pandemia ha impuesto un gran desafío para los actores involucrados en el proceso de supervisión académica. Ante este escenario, se destaca la importancia de la comunicación y articulación de las instancias del Sistema Único de Salud (SUS) en la organización del proceso de trabajo en las unidades básicas de salud y en el combate al Covid-19.
Palabras clave: PMMB. COVID-19. Apoyo institucional. Supervisión académica.
O Programa Mais Médicos para o Brasil (PMMB) foi criado em 2013, a partir da Lei 12.871, com o objetivo de suprir a escassez de médicos que compõem as equipes de saúde da família, o que ocasionaria a efetiva universalização e equidade do acesso aos serviços de saúde.
De acordo com o Ministério da Saúde, essa escassez estava relacionada à quantidade de médicos no país; à distribuição desses profissionais no território nacional; à formação médica, tanto em termos de quantidade insuficiente para as necessidades da população e de expansão de serviços quanto em termos de qualidade e perfil dessa formação às necessidades de saúde da população; à formação de especialistas que dialogasse tanto com a adequação do quantitativo quanto com o perfil da formação às necessidades das pessoas, regiões e do sistema de saúde¹,².
Entre as ações previstas para a consecução dos objetivos do PMMB, destaca-se a “promoção, nas regiões prioritárias do SUS, de aperfeiçoamento de médicos na área de atenção básica em saúde, mediante integração ensino-serviço, inclusive por meio de intercâmbio internacional”¹.
O Projeto Mais Médicos para o Brasil foi instituído com o objetivo de provimento médico emergencial para municípios com escassez desse profissional, cuja coordenação fica a cargo do Ministério da Educação (MEC) e do Ministério da Saúde, que são responsáveis pelo regramento e pela gestão da participação das instituições de educação superior e das regras de funcionamento do projeto.
O médico vinculado ao PMMB participa de processos de aperfeiçoamento profissional, em uma perspectiva de educação permanente em saúde (EPS). Esses processos são ofertados pelo MEC, mediante a supervisão acadêmica, e pelo Ministério da Saúde, por meio dos ciclos formativos. A supervisão acadêmica é composta pelo supervisor acadêmico, tutor acadêmico e pelo gestor municipal que firmou o termo de adesão ao Projeto Mais Médico para o Brasil.
O eixo educacional do PMMB ofertado pela supervisão acadêmica tem como objetivos o fortalecimento da política de educação permanente em saúde, da integração do ensino- serviço, da atenção básica, da formação de profissionais nas redes de atenção à saúde e da articulação dos eixos educacionais (ciclos formativos) do projeto. Para isso, é prevista a periodicidade de encontros presenciais e individuais (supervisão in loco) e encontros coletivos (supervisão locorregional).
Além dessas atividades descritas, a Portaria 585 de 2015 regulamenta o encontro de educação permanente para qualificação da supervisão acadêmica enquanto um espaço de gestão para tratar do acompanhamento aos médicos participantes e suas necessidades de formação³.
No que tange à região da Amazônia Legal, a supervisão acadêmica é realizada na modalidade longitudinal, caracterizada por encontros virtuais, por meio de ferramenta sincrônica.
A pandemia pelo novo coronavírus (covid-19) estabeleceu a adoção de medidas sanitárias e ações estratégicas que impulsionaram mudanças na conduta clínica do médico, no fluxo do processo de trabalho e na adaptação estrutural das Equipes de Saúde da Família, buscando assegurar, dessa forma, o direito à saúde e o vínculo com a comunidade assistida.
Este artigo tem como objetivo discutir as ações estratégicas e educacionais construídas pela supervisão acadêmica do PMMB no estado da Bahia, no período da pandemia pelo novo coronavírus.
Trata-se de um relato de experiência sobre as ações estratégicas e educacionais fomentadas pela supervisão acadêmica do PMMB no estado da Bahia para garantir a continuidade da assistência, o vínculo com a população, a capacidade de se reinventar e se readequar frente ao cenário pandêmico, além de identificar fatores que pudessem contribuir para a redução dos riscos e para o controle da disseminação do coronavírus no contexto da Atenção Primária à Saúde (APS).
O relato de experiência é uma modalidade de cultivo de conhecimento no território da pesquisa qualitativa, concebida na reinscrição e na elaboração ativada através de trabalhos da memória, em que o sujeito cognoscente implicado foi afetado e construiu seus direcionamentos de pesquisa ao longo de diferentes tempos. Isso posto, conjugará seu acervo associativo agindo processualmente, tanto em concomitância com o evento, como trazendo o produto processado pelas elaborações e em suas concatenações, e, finalmente, apresentará algumas das suas compreensões a respeito do vivido.4:229
O período de experiência ocorreu a partir do mês de março de 2020 a novembro de 2021, quando foi publicado o Decreto Governamental 19.586, de 27 de março de 2020, que declarou emergência em todo o território baiano, para fins de prevenção e enfrentamento à covid-19. O documento regulamenta, no estado da Bahia, as medidas temporárias para enfrentamento da emergência de saúde pública5.
Como estratégia de obtenção de informações para descrição da experiência, foram consultados os registros e relatórios dos Apoiadores Institucionais do Ministério da Educação (Aimec), obtidos da base informativa do Ministério da Educação, WebPortfólio/UNA-SUS, sistema em que são armazenados os relatórios de atividades referentes à supervisão acadêmica realizada pelo apoio institucional, além das trocas de experiências extraídas das reuniões de supervisão longitudinal.
Por se tratar de um relato de experiência baseado na vivência das autoras que atuavam como apoio institucional do PMMB na Bahia, não envolvendo diretamente pesquisa com seres humanos, nem identificação dos participantes, dessa forma, não produzindo riscos ou danos para as pessoas envolvidas, este estudo não foi submetido à Plataforma Brasil para a análise do Sistema de Comitê de Ética em Pesquisa/Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CEP/Conep).
O APOIO INSTITUCIONAL DO MEC (AIMEC)
O apoio institucional é uma ferramenta de gestão que tem como objetivo geral a transformação dos processos de trabalho e das relações exercidas entre os sujeitos. Os apoiadores em saúde são uma estratégia em potencial para promoção de espaços produtores de novos saberes, além de consolidar o conceito de clínica ampliada, pois seu modus operandi proporciona a atuação em parceria com os profissionais de saúde apoiados, o que possibilita o trabalho transdisciplinar e coloca em discussão a fragmentação do processo de trabalho e o compartilhamento das práticas de saúde6
Nessa perspectiva, o apoio institucional do MEC, engendrado em 2014 pela DDES/ SESu/MEC, com a finalidade de fortalecer e apoiar as ações da supervisão acadêmica em todos os estados da Federação brasileira, se constituiu enquanto um dispositivo de reorientação do modelo de gestão. Essa reorientação se daria pelo diálogo horizontal e pela corresponsabilização da criação e da gestão das propostas do trabalho a serem desenvolvidas, trazendo para as discussões as práticas verticalizadas e autoritárias de gestão7
Sendo assim, as diretrizes organizacionais do Aimec foram pensadas na perspectiva de ofertar suporte aos tutores acadêmicos no planejamento, qualificação e monitoramento das atividades da supervisão, além da articulação com outros atores e as instâncias da gestão do SUS envolvidos no projeto.
A Diretoria de Desenvolvimento da Educação em Saúde da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação (DDES/SESu/MEC) é a responsável pela coordenação da supervisão acadêmica que compõe um dos eixos educacionais do Projeto Mais Médicos para o Brasil, cujo compromisso é propiciar o fortalecimento da política de educação permanente por meio da integração ensino-serviço no componente assistencial da formação dos médicos participantes do projeto.
Cumpre destacar que a supervisão acadêmica, por meio de um conjunto de ações e dispositivos e da articulação dos eixos e das ferramentas educacionais ofertados pelo
projeto, busca singularizar e potencializar a vivência e atuação dos médicos participantes, disponibilizando suporte para o desenvolvimento das ações da Atenção Básica. Tal feito, além de oportunizar o aperfeiçoamento da prática de saúde, induz a transformação no âmbito da assistência ao indivíduo.
A partir dessas considerações e tendo em vista o cenário provocado pela pandemia causada pelo novo coronavírus, que, entre outras ações assumidas pelas autoridades, impôs o isolamento social como medida de controle da doença, foi deliberada pela DDES/SESu/MEC a realização dos encontros longitudinais, como modalidade de supervisão, adaptável para o cenário vigente.
A modalidade de supervisão longitudinal é realizada de forma remota, mediada por ferramenta de comunicação sincrônica, podendo ser executada de forma coletiva entre o supervisor e os médicos supervisionados por ele. A supervisão in loco, de caráter individual, ocorre presencialmente com encontros mensais e a supervisão locorregional, que tem caráter coletivo, acontece a cada três meses.
Com base na referida normativa, a DDES/SESu/MEC adotou a plataforma da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) como referência para a realização dos encontros virtuais de supervisão longitudinal, além de propor que o Aimec conduzisse todo o processo de acesso dos tutores e supervisores à plataforma.
Nesse sentido, com intuito de assegurar a regularidade da supervisão acadêmica e considerando a relevância do apoio pedagógico diante da realidade pandêmica vivenciada, a equipe Aimec do estado da Bahia buscou, em articulação com os atores envolvidos na supervisão acadêmica, identificar elementos e construir estratégias para a readequação, enfrentamento e fortalecimento da APS no controle e combate à infecção pelo coronavírus no estado da Bahia.
Os encontros virtuais entre tutores, supervisores e Aimec promoveram trocas de experiências entre os participantes, tanto em relação aos temas e metodologias de ensinoaprendizagem trabalhada como das estratégias utilizadas na prática assistencial para o enfrentamento da covid-19.
Observou-se que a execução da supervisão acadêmica, no cenário pandêmico, foi bastante desafiadora, pois demandou um olhar atento e acolhedor para as questões de cunho emocional dos médicos participantes, a adoção, pelos atores envolvidos, de posturas e movimentos que ressignificassem o fazer e saber frente à atuação na assistência à saúde, além da urgência em adquirir conhecimentos para o manuseio dos dispositivos eletrônicos e plataformas virtuais, que muitos participantes não apresentavam.
Nesse processo de inovação, cabe relatar as articulações e ações educativas e pedagógicas que foram construídas no período, em parceria com a Secretaria Estadual de Saúde, como a execução do Curso de Capacitação para Manejo Clínico da Covid-19, envolvendo todos os médicos do Programa Mais Médicos que atuavam no estado da Bahia.
O referido curso apresentou protocolos de atendimento da covid-19 na Atenção Básica, articulados em três módulos, com videoaulas produzidas por médicos, sendo capacitados 365 médicos do PMM e apoiadores da AB do estado, que ampliaram as ações para os 417 municípios da Bahia por meio dos coordenadores da AB.8
Outra ação relevante foi a construção de um painel de experiências exitosas, desenvolvidas pelos médicos no serviço/território com intuito de promover trocas entre as diversas realidades vivenciadas pelos médicos. Nesse cenário, ficou evidente a importância da APS no processo de orientação acerca das medidas de prevenção ao coronavírus, manutenção do acesso às demandas essenciais, identificação dos casos suspeitos e os devidos encaminhamentos, no intuito de garantir a vigilância epidemiológica da doença.
Cabe também citar a aplicação de um formulário, construído entre tutores e Aimec, abordando os seguintes eixos norteadores: processo de trabalho, atenção à saúde da população e redes de serviços e gestão. O conteúdo do formulário tinha por objetivo o fortalecimento do processo de trabalho da atenção básica com ênfase no planejamento e na construção de ações e articulação com as instâncias de gestão, que se configurou como relevante para o Programa Mais Médicos no contexto da pandemia.
Entre as ações construídas pelas instituições supervisoras de ensino (IS) para o enfrentamento da pandemia, destaca-se também a elaboração de um manual de recomendações para enfrentamento à covid-19 na Atenção Primária à Saúde, organizado pelo departamento de saúde da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc) com a participação dos médicos do Programa Mais Médicos, e disponibilizado para os municípios. O manual aborda as ações de monitoramento e avaliação para diminuir a disseminação e controlar casos existentes e pauta ações de educação em saúde utilizadas para instrumentalizar os profissionais e a população no combate à pandemia.
O fato de os supervisores também serem profissionais médicos e ocuparem cargos assistenciais e/ou gerenciais na rede pública nos municípios/estado, garantiu que, em alguns contextos, esses encontros promovessem encaminhamentos e articulações que favoreciam a consolidação de uma rede assistencial de qualidade e propositiva do ponto de vista dos fluxos regulatórios referentes aos casos de covid-19.
A discussão sobre a saúde mental abordada na supervisão acadêmica, nesse período, se destacou entre os temas que emergiram com constância, externando uma realidade vivenciada no cotidiano do trabalho dos profissionais do PMMB. Em algumas experiências, profissionais da saúde mental participaram das reuniões de supervisão para acolhimento e escuta dos médicos do PMMB que atuavam na linha de frente no enfrentamento à pandemia.
Para os profissionais que atuavam no combate direto à covid-19, o medo de contrair a doença ou transmiti-la aos seus familiares provocou uma sensação de insegurança em diferentes aspectos da vida, da perspectiva coletiva à individual, do funcionamento diário da sociedade às modificações nas relações interpessoais.
As longas jornadas de trabalho e o distanciamento social, considerado o método mais efetivo de controle da doença, contribuíram consideravelmente para agravos à saúde mental da população e desses profissionais. Importa destacar que as sequelas de uma pandemia são maiores do que o número de mortes9.
Durante o período pandêmico pelo novo coronavírus, a DDES/SESu/MEC deliberou que as atividades previstas para educação permanente e planejamento de ações da supervisão acadêmica, com a participação da equipe Aimec, fossem realizadas na modalidade remota, preferencialmente por meio da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP). Até então, os encontros presenciais eram realizados trimestralmente.
Ceccim10 discute a relação entre educação permanente e educação em serviço quando esta evidencia a pertinência dos conteúdos, instrumentos e recursos para a formação técnica, inseridos em um contexto institucional e/ou de orientação política de mudança das ações prestadas em dado tempo e lugar. O autor ressalta que para produzir mudanças de práticas de gestão e de atenção, que se aproximem dos conceitos da atenção integral, humanizada e de qualidade, são necessários o diálogo e a problematização das práticas e concepções vigentes a partir da concretude do processo de trabalho.
Nesse contexto, a construção dessa agenda de forma remota evidenciou aspectos potencializadores tanto da supervisão dos médicos na modalidade longitudinal quanto da educação permanente da supervisão acadêmica, possibilitando que grupos de tutores e supervisores passassem a realizar esses encontros mensalmente e construíssem vínculos de apoio e reconhecimento da necessidade de integração.
Entretanto, a qualidade de sinal de internet, em algumas regiões da Bahia, configurou-se como fragilidade para execução dos espaços formativos dos supervisores e da
supervisão acadêmica em si, além da inabilidade dos profissionais em relação ao manuseio dos dispositivos eletrônicos.
Embora o Apoiador Institucional do Ministério da Educação (Aimec) se constitua como sujeito condutor da educação permanente, cujo papel é apoiar, de forma descentralizada, o fortalecimento do SUS/APS e da supervisão acadêmica no PMMB no processo de integração ensino/serviço, essa ação impôs um desafio para os atores envolvidos no processo da supervisão acadêmica.
São percebidos entraves significativos nesse cenário, como a ausência do apoio técnico/pedagógico da Coordenação Geral de Expansão e Gestão da Educação em Saúde/ Diretoria de Desenvolvimento da Educação em Saúde (CGEGES/DDES) para as equipes Aimec, conforme fica evidenciado com a substituição da modalidade de supervisão presencial pela modalidade remota, sem a oferta de treinamento para o uso da plataforma RNP.
Entre as dificuldades identificadas, destaca-se também a fragilidade emocional dos profissionais médicos perante a pandemia, fosse pelo desconhecimento da doença ou por medo de se contaminar pela rápida disseminação da covid-19.
No período, a articulação entre a supervisão acadêmica e a Secretaria Estadual de Saúde (Sesab) revelou profunda pertinência e potência para o monitoramento das ações e para a busca de soluções para os problemas enfrentados no território. Portanto, a combinação da política de educação permanente e da supervisão acadêmica, além da parceria com a Sesab e com as instituições de ensino, propiciou momentos importantes de qualificação e apoio no âmbito do PMMB no estado da Bahia.
Nesse processo, ficou evidente o protagonismo da APS, assim como a relevância da atuação dos médicos participantes, tutores, supervisores e apoio institucional do Programa Mais Médicos, ancorados pela supervisão acadêmica do MEC, que atuou como indutor do processo de fortalecimento da Atenção Primária à Saúde e potencializador de ações de enfrentamento e combate à pandemia.
Por fim, nessa experiência, foi possível identificar que apesar da potencialidade do Programa Mais Médicos e do suporte pedagógico por meio do MEC, realizado pelos Aimec, tutores e supervisores, foram evidenciadas questões que requerem atuação prática e política dos gestores do SUS, como: a importância da articulação, condução e comunicação institucional das
instâncias do SUS, planejamento e organização do processo de trabalho inerente às unidades de saúde e a conformação e funcionalidade das Redes de Atenção à Saúde (RAS).
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Eliana Barbosa Pereira e Joseane Mota Bonfim.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Eliana Barbosa Pereira e Joseane Mota Bonfim.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Eliana Barbosa Pereira e Joseane Mota Bonfim.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Eliana Barbosa Pereira e Joseane Mota Bonfim.
1. Brasil. Lei n. 12.871, de 22 de outubro de 2013. Institui o Programa Mais Médicos, altera as Leis no 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e no 6.932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências. Brasília (DF); 2013.
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3. Brasil. Ministério da Educação. Portaria n. 585, de 15 de junho de 2015. Dispõe sobre a regulamentação da supervisão acadêmica no âmbito do Projeto Mais Médicos para o Brasil e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília (DF); 2015 jun 16. Seção 1, p. 11.
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Recebido: 9.3.2022. Aprovado: 16.5.2022. Publicado: 7.7.2022.
POTENCIALIDADES E FRAGILIDADES DA SUPERVISÃO ACADÊMICA NO CENÁRIO DA PANDEMIA DE COVID-19: RELATO DE EXPERIÊNCIA
Aline Oliveira Cavalcantia
https://orcid.org/0000-0001-9858-9375
Diego Dourado Santanab
https://orcid.org/0000-0003-4585-0298
Resumo
A pandemia pela covid-19¹ levou o Brasil ao maior colapso sanitário-hospitalar de sua história. O Programa Mais Médicos (PMM) prevê a qualificação profissional dos médicos, além de contar com as instituições públicas de educação superior por meio da supervisão acadêmica 2. Contudo, a situação pandêmica restringiu as visitas de supervisão, as quais passaram a ser realizadas virtualmente. Com isso, este artigo busca conhecer o olhar dos supervisores acadêmicos na atuação dentro do PMMB, no contexto da pandemia de covid-19, à luz das fragilidades e potencialidades no que tange à atuação na atenção básica. Trata-se de um relato de experiência realizado com base nos relatórios de acompanhamento do processo de supervisão acadêmica, realizados nos momentos de avaliação das supervisões, elaborado pela tutoria, com os 16 supervisores, entre 2020 e 2021. Como resultado, notamos a indisponibilidade de internet estável nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), perda da vinculação devido à distância física não propiciar o fortalecimento do vínculo com os gestores das secretarias de saúde, dificuldades no manejo clínico das infecções respiratórias, realização de diagnósticos diferenciais, gestão da demanda reprimida e prejuízos frente à saúde mental dos profissionais. Portanto, o uso de ferramentas virtuais para manter o vínculo com seus supervisionados foi a estratégia mais efetiva nesse período de distanciamento social. A pandemia pela covid-19 trouxe desafios para os profissionais médicos, porém, mesmo diante das fragilidades apontadas, a presença do super-
a Médica. Mestra em Ciências da Saúde e Biológicas. Professora da Universidade Federal do Vale do São Francisco. Supervisora do Programa de Residência Médica em Medicina de Família e Comunidade. Tutora do Programa Mais Médicos Para o Brasil – Univasf. Bahia, Brasil. E-mail: aline.cavalcanti@univasf.edu.br
b Médico. Supervisor do Programa Mais Médicos Para o Brasil – Univasf. Juazeiro, Bahia, Brasil. Email. drdiegodouradosantana@gmail.com
Endereço para correspondência: Rua Oliveira, n. 30, Condomínio Park Jatobá. Jatobá, Pernambuco, Brasil CEP 56332-305. E-mail: aline.cavalcanti@univasf.edu.br
visor acadêmico possibilitou a educação permanente, diante de uma doença nova e com atualizações de propedêutica recorrentes, bem como o apoio organizacional e ético. Palavras-chave: Supervisão. Acadêmica. Covid.
POTENTIALS AND WEAKNESSES OF ACADEMIC SUPERVISION DURING THE COVID-19
PANDEMIC: AN EXPERIENCE REPORT
Abstract
The COVID-19 pandemic resulted in the biggest health system collapse in Brazil’s history. Within the Mais Médicos Program (PMM), professional qualification by academic supervision relied on public higher education institutions, activity that became restricted to virtual meetings due to the pandemic situation. Given this context, this experience report investigates how academic supervisors evaluate their performance within the PMM during the COVID-19 pandemic, focusing on the weaknesses and potentialities in primary health care. Data were collected from the academic supervision monitoring reports on tutoring evaluation carried out by 16 supervisors, between 2020 and 2021. Poor internet connection (instability, loss of connection) in the UBS hinders strengthening the bond between physicians and health management. Results point to difficulties in the clinical management of respiratory infections, in performing differential diagnoses, in managing pent-up demand and mental health issues. During social distancing, the use of virtual tools was the most effective strategy to maintain the academic bonds. Notwithstanding the challenges brought and weaknesses revealed by the pandemic, the academic supervision enabled permanent education in the face of a new disease and recurrent propaedeutic updates, as well as organizational and ethical support.
Keywords: Academic. Supervision. COVID.
POTENCIALIDADES Y FRAGILIDADES DE LA SUPERVISIÓN ACADÉMICA EN EL ESCENARIO DE LA PANDEMIA DEL COVID-19: REPORTE DE EXPERIENCIA
La pandemia del COVID-19¹ llevó a Brasil al mayor colapso sanitario hospitalario de su historia. El Programa Más Médicos (PMM) prevé la calificación profesional de los médicos y de las instituciones de educación superior públicas, a través de la supervisión académica. Sin embargo, la situación pandémica ha restringido las visitas de supervisión, que ahora se han realizado
de manera virtual. Ante lo anterior, este artículo tiene como objetivo conocer la perspectiva de los supervisores académicos en el desempeño del PMM en el contexto de la pandemia del COVID-19, a la luz de las debilidades y potencialidades en cuanto al desempeño en la atención primaria. Este es un informe de experiencia basado en los informes de seguimiento del proceso de supervisión académica, realizado por la tutoría en los momentos de evaluación de las supervisiones, en la que participaron 16 supervisores en el período entre 2020 y 2021. La indisponibilidad de internet estable en la Unidad Básica de Salud (UBS) y la pérdida de conexión por distanciamiento físico no brindan el fortalecimiento del vínculo con los directivos de los departamentos de salud. Se observaron dificultades en el manejo clínico de las infecciones respiratorias, realización de diagnósticos diferenciales, manejo de la demanda acumulada y problemas de salud mental entre los profesionales. Se concluye que el uso de herramientas virtuales para mantener el vínculo con sus supervisados fue la estrategia más efectiva en este período de distanciamiento social. La pandemia del COVID-19 ha generado desafíos para los profesionales médicos. Sin embargo, en estas debilidades, la presencia del supervisor académico posibilitó la educación permanente frente a una nueva enfermedad y con actualizaciones propedéuticas recurrentes, además de apoyo organizacional y ético.
Palabras clave: Supervisión. Académico. COVID.
Declarada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), no início de 2020, a pandemia pelo covid-19¹ – segundo um Boletim do Observatório Covid-19 da Fiocruz, publicado em março de 20213 –, levou o Brasil ao maior colapso sanitário e hospitalar de sua história. O aumento do número de hospitalizações de pacientes com Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), e o consequente acréscimo da demanda por Unidades de Terapia Intensiva (UTI), com disponibilidade de respiradores artificiais, fez-se necessário priorizar a gestão de recursos voltados ao atendimento hospitalar, a abertura de hospitais de campanha, e o direcionamento de investimentos para fortalecer as infraestruturas dos serviços já existentes4 e de novos serviços.
Dentro da organização do fluxo de atendimento de pacientes com sintomas respiratórios, foi estabelecido, pelos municípios, que a avaliação e acompanhamento dos pacientes com menor gravidade ficou sob a responsabilidade dos médicos da Atenção Básica (AB), gerando aumento expressivo da busca pelas Unidades Básicas de Saúde. Com isto, os demais programas assistenciais perderam espaço, causando transtornos decorrentes
da demanda reprimida, bem como descontinuidade do atendimento à população inscrita: portadora de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT), gestantes e crianças. Portanto, em meio à pandemia, os profissionais médicos também lidaram com pacientes descompensados em suas patologias de base, sem possibilidade de encaminhamentos para atenção secundária e sem poder organizar as consultas devido ao risco de contágio dentro da própria UBS5
Além da restrição ao cuidado de rotina, parte das descompensações clínicas observadas nos portadores de DCNT durante a pandemia, teve como causa base condições associadas, a citar: estresse, sedentarismo, mudança de hábitos alimentares, com o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados, mais consumo de álcool e tabagismo6
O papel da Atenção Básica no enfrentamento à pandemia, ocasionada pela covid-19, foi de suma importância, pois o diagnóstico e acompanhamentos precoces, a orientação e fiscalização quanto a adoção de medidas preventivas (como isolamento, distanciamento social e vacinação), a vigilância epidemiológica da curva de novos casos e o encaminhamento aos hospitais de referência em momento oportuno, foram estratégias cruciais para garantir o cuidado e intervenção em tempo hábil, com redução de mortalidade evitável. Nestes termos, foi estratégico referenciar os pacientes às unidades básicas de saúde (UBS), por se encontrarem dentro dos territórios dos pacientes e serem porta de entrada preferencial do Sistema Único de Saúde4,7.
A fim de potencializar o acesso à saúde e a consultas médicas, o governo federal implantou no ano de 2013 o Programa Mais Médicos, que fomentou melhorias nas infraestruturas, subsidiou a implementação de novas UBS, estimulou a abertura de cursos de medicina e de residências médicas e apoiou os municípios com o provimento emergencial de contratação de médicos nativos e intercambistas, para regiões onde havia escassez de assistência médica2.
Ainda potencializando, pela Lei Nº 12.871, foi prevista a qualificação profissional dos médicos atuantes e, para tanto, o médico participante contava com as instituições públicas de educação superior, envolvendo atividades de pesquisa, ensino e extensão e toda uma rede de educação permanente. Juntamente tendo suas atividades acadêmicas acompanhadas por um supervisor médico responsável e um tutor acadêmico (médico docente responsável pela organização do processo de supervisão)2. Além das discussões acadêmicas, ainda é de responsabilidade do supervisor o direcionamento do planejamento e execução dos projetos de intervenção realizados no curso de especialização obrigatório para os médicos do PMMB8. Com isso, o médico participante do PMMB, alocado em UBS, foi inserido num processo de pensamento reflexivo sobre suas práticas, com a finalidade de corrigir pontas que permaneceram após sua
graduação, aprimorar suas condutas e construir um ambiente de atualização e aperfeiçoamento continuado, sob a supervisão de um profissional qualificado.
Todavia, no contexto da pandemia, as visitas presenciais de supervisão aos municípios foram suspensas, sendo realizadas unicamente por modelo virtual, utilizando a plataforma da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP). Durante toda a pandemia, este recurso foi amplamente utilizado e aperfeiçoado e seus resultados eram lançados no banco de dados através das reuniões de avaliação com a tutoria acadêmica, sobretudo avaliando esta modalidade de supervisão a distância realizada pelos supervisores do PMMB.
Outrossim, é importante enfatizar que, devido a alta demanda de sintomáticos respiratórios, as unidades de saúde têm estado sobrecarregadas, com aumento expressivo de atendimentos. Dessa forma, o exercício profissional tem sido exaustivo, uma vez que, aliado ao suporte dos infectados pela covid-19, cabe à equipe o cuidado à população inscrita, quanto aos demais programas constituintes da Estratégia de Saúde da Família. Nesses termos, e segundo estudo realizado pela Fundação Getulio Vargas em parceria com a Fiocruz, nove em cada dez médicos tiveram a saúde mental afetada pela pandemia e pela covid-199. Pode-se afirmar, portanto, que o cuidado psicológico com os profissionais de saúde deve ser valorizado de imediato no Brasil. Isto, por meio da criação de planos e ações que gerem suporte emocional a esses trabalhadores a longo prazo, tendo em vista que as consequências negativas geradas por essa crise podem durar anos10. Esse suporte, num primeiro momento, pôde ser ofertado na assistência dada pela supervisão acadêmica presente no PMMB, proporcionando apoio emocional e o compartilhamento de decisões entre o médico e seu supervisor. Com base no exposto, este artigo busca conhecer, com base nos relatórios de avaliação de supervisões, o olhar dos supervisores acadêmicos na atuação dentro do PMMB, no contexto da pandemia de covid-19. Não somente, mas à luz das fragilidades e potencialidades no que tange a sobrecarga das UBS, a saúde mental dos profissionais médicos do PMMB e o desconhecimento acerca de protocolos clínicos exequíveis naquela realidade local, voltados para a intervenção imediata e minimização dos danos a saúde da população.
Trata-se de um relato de experiência com base nos dados extraídos dos relatórios junto aos supervisores acadêmicos, realizados nos momentos avaliativos durante os encontros entre tutores e supervisores do PMMB, do Norte da Bahia, nos anos de 2020 e 2021.
O PMMB do Norte da Bahia compreende 16 supervisores médicos que abrangem o território de três regiões, cujos polos são: Juazeiro, Senhor do Bonfim e Paulo
Afonso. Os supervisores são distribuídos entre estes polos e municípios circunvizinhos, levando em consideração o perfil dos mesmos quanto ao tempo de formação, especialidade, conhecimento do território, bem como características próprias do município e do grupo de médicos supervisionados vinculados ao programa. A seleção dos supervisores foi realizada pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), com o apoio da tutoria acadêmica. O conjunto dos 16 supervisores está vinculado a uma tutora, professora do quadro docente desta instituição de ensino superior (IES). Assim, numa relação de dez supervisionados por supervisor, firma-se a responsabilidade do acompanhamento mensal acadêmico. Dessa maneira transcendendo esta designação, a observação e avaliação do desempenho ético-profissional dos médicos no seu município de alocação, bem como a execução das responsabilidades dos gestores quanto a oferta de subsídios essenciais para o exercício da profissão na AB.
As reuniões avaliativas do processo de supervisão, com a tutora do PMMB, contavam com a realização de feedback dos supervisores quanto às potencialidades e fragilidades observadas. Estas, por sua vez, eram compiladas num banco de dados a título de posterior repasse à reitoria da instituição supervisora. Portanto, a pesquisa foi realizada com tais dados, disponibilizados pela tutoria, dentro dos padrões éticos.
A principal fragilidade apontada, com frequência, foi a indisponibilidade de internet estável nas UBS de atuação dos médicos participantes, principalmente em área rural, onde os encontros virtuais precisaram ser realizados fora do horário de trabalho, quando médico dispunha de internet em seu domicílio.
Outra fragilidade relatada pela maioria dos supervisores, foi o fato da distância física não propiciar o fortalecimento do vínculo com os gestores das secretarias de saúde e prefeituras municipais, bem como com os demais profissionais das UBS supervisionadas.
Os supervisores com menos tempo de atuação, ou que foram realocados em outros municípios depois da pandemia, referiram nos encontros que não conhecer o território interferiu negativamente na compreensão de suas particularidades, em que atua o médico por ele supervisionado. Isto ocorre, pois mudanças de logísticas aconteceram na pandemia a fim de buscar adaptar o espaço às novas demandas.
Quanto ao cuidado na saúde dos sintomáticos respiratórios, muitos supervisores observaram que os médicos tiveram dificuldades inerentes ao manejo clínico das infecções respiratórias, a realização de diagnósticos diferenciais, a gestão de crise e gestão da demanda
reprimida. Junta-se o fato de que a saúde foi afetada nos últimos anos pela crise políticoeconômica que o país atravessa11 e a falta de insumos foi um nó crítico durante toda a pandemia. O uso de ferramentas virtuais para manter o vínculo com seus supervisionados foi a estratégia mais efetiva nesse período de distanciamento social. Grupos em redes sociais com troca de mensagens instantâneas foram utilizados para discussões de casos clínicos e auxílio na resolução de problemas. Plataformas de reuniões remotas foram aprimoradas para a realização de webconferências com abordagem de temas pertinentes na Atenção Primária, relacionados ou não à covid-19. Observou-se que, ainda no âmbito do PMMB, as reuniões em modalidade remota com a presença do grupo de supervisionados de um mesmo município, foram de grande valia para troca de experiências, reflexões sobre condutas e atualizações técnicas em temas pertinentes ao exercício da Atenção Primária. É notória a qualificação da prática médica gerada com a integração ensino-serviço, possibilitada pelo PMMB, ao se trazer a tona assuntos de cunho profissional que surgem do cotidiano do trabalho. Evidencia-se também que o aperfeiçoamento da atuação do médico na ESF tem o potencial de consolidar o papel da AB e de fortalecer o SUS8
A indisponibilidade da rede de internet estável ainda é uma realidade da maioria dos municípios mais distantes da capital e isto foge da governabilidade dos gestores municipais, pois nos locais de difícil acesso, sobretudo nas zonas rurais.
A modalidade de supervisão, estabelecida na pandemia, impedia a equipe de supervisores de visualizar presencialmente as especificidades locais que, por sua vez, interferiam na supervisão quanto à melhor compreensão das demandas dos médicos e, consequentemente, restringia as possibilidades de participarem da discussão e elaboração do plano de intervenção voltado a gestão de crises com mais propriedade.
A experiência profissional e em supervisão acadêmica dos supervisores, inclusive quanto ao conhecimento prévio a pandemia, do território onde atuavam, propiciou à região norte da Bahia maior capacidade de aconselhamento e intervenção na principal demanda que os médicos supervisionados trouxeram ao longo desses dois anos: a escassez de insumos materiais e de recursos humanos para a organização do trabalho no momento de crise sanitária, causada pela covid-19.
No que concerne a saúde física e mental dos médicos do PMMB, a supervisão acadêmica atuou enquanto apoio técnico desses, mediante decisões compartilhadas na propedêutica de uma doença nova e desconhecida e no auxílio à organização da equipe e do
trabalho, no gerenciamento dos recursos disponíveis e diante das incertezas deste momento sanitário. Assim, propiciou aos supervisionados maior segurança na condução dos pacientes. Por outro lado, supervisionados portadores de comorbidades, idosos ou gestantes, ou mesmo com sintomas gripais, contaram com os supervisores a fim de fortalecer, junto aos municípios, o entendimento de que os cuidados com a saúde também envolviam o cuidado com os profissionais médicos.
As demandas de saúde mental desses profissionais foram potencializadas durante a pandemia, e o sofrimento mental, secundário ao distresse, ultrapassa o período pandêmico. Sendo assim, a preocupação em gerar estratégias para abordagem dessas demandas precisa ser perene10, e a supervisão acadêmica se utilizou de técnicas dialogadas com o intuito de otimizar o trabalho destes médicos. Dessa maneira, foram as grandes responsabilidades do PMMB, desde os apoiadores do Ministério da Educação, aos gestores estaduais, tutores e supervisores. Porém, foi na pessoa do supervisor que se concentrou o elo entre todos estes atores.
Os encontros remotos possibilitaram a realização de aulas expositivas e interativas por especialistas focais, e as discussões em grupo proporcionaram vinculação e troca de experiências entre os médicos supervisionados de um mesmo supervisor. Em contraposto a visita de supervisão in loco, realizada na UBS e individualmente, conversar com os médicos agrupados potencializa a supervisão acadêmica, aumentando o tempo de contato entre os supervisionados num ambiente protegido e livre de pressões externas.
A suspensão das visitas de supervisão in loco, e a consequente mudança do formato de supervisão acadêmica para a modalidade virtual, provocou importantes alterações no processo de acompanhamento dos médicos do PMMB. A pandemia de covid-19 trouxe muitos desafios para os esses profissionais, porém, mesmo diante das fragilidades apontadas, a presença do supervisor acadêmico, experiente e conhecedor do território, é um divisor de águas na prática médica na AB. Isto ocorre pois, no contexto atual, e principalmente nos municípios do Norte da Bahia – que possui locais de difícil acesso e recursos escassos –, o apoio institucional, representado pelo supervisor, possibilitou a educação permanente diante de uma doença nova, e com atualizações de propedêutica recorrentes, bem como o apoio organizacional e ético, minimizando as dúvidas inerentes em atuar profissionalmente diante do novo.
No contexto da pandemia, as ofertas educacionais voltadas para a atualização das informações sobre condutas e cuidados, foram determinantes para a mudança da prática dos profissionais. Entretanto, ainda são escassos os estudos sobre a relevância a longo prazo da
supervisão acadêmica para o gerenciamento do exercício profissional, e educação permanente em tempos de pandemia. Espera-se que, após superada a atual crise sanitária, o retorno das supervisões presenciais in loco deva acontecer, considerando-se fortemente a manutenção de momentos de ensino-aprendizado mensais por meio das plataformas virtuais, já que tal prática se mostrou positiva no aproveitamento da supervisão acadêmica, no que concerne a discussão de temáticas comuns, profissionais e no âmbito do gerenciamento de adversidades. Considerase ainda que, quando oportuno, possa haver participação dos atores do Ministério da Saúde em formato de simpósios e rodas de conversa, a fim de fortalecer ainda mais o PMMB.
É importante salientar que, sobretudo neste momento de instabilidade e incertezas, a presença do supervisor experiente dando suporte à organização do trabalho e discutindo condutas clínicas e éticas, proporcionou um ambiente de aprendizado acadêmico utilizado como recurso para a compreensão da situação atual e futuro enfrentamento de cenários semelhantes. Assim sendo, serve também a despeito da situação emergencial de aprendizado para os médicos supervisionados, uma vez que se exerceu educação permanente de qualidade12
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Aline Oliveira Cavalcanti e Diego Dourado Santana.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Aline Oliveira Cavalcanti e Diego Dourado Santana.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Aline Oliveira Cavalcanti e Diego Dourado Santana.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Aline Oliveira Cavalcanti e Diego Dourado Santana.
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2. Brasil. Lei n. 12871, de 22 de outubro de 2013. Institui o Programa Mais Médicos, altera as Leis nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e nº 6.932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências. Brasília (DF); 2013.
3. Fundação Oswaldo Cruz. Boletim Observatório COVID-19: Boletim extraordinário [Internet]. 2021 [citado em 2022 jan 13]. Disponível em:
https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/boletim_ extraordinario_202 1-marco-16-red-red-red.pdf
4. Medina MG, Giovanella L, Bousquat A, Mendonça MHM, Aquino R. Atenção primária à saúde em tempos de COVID-19: o que fazer? Cad Saúde Pública. 2020;36(8):1-5.
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Recebido: 31.1.2022. Aprovado: 27.5.2022. Publicado: 7.7.2022.
DOI: 10.22278/2318-2660.2022.v46.n1.a3580
ESTÁGIO DE INTERNATO MÉDICO EM MEDICINA DA FAMÍLIA E COMUNIDADE NO PROGRAMA MAIS MÉDICOS: RELATO DE EXPERIÊNCIA
Marcello da Silveira Paschoalinia
https://orcid.org/0000-0001-6573-4329
Inara Russoni de Lima Lagob
https://orcid.org/0000-0003-3776-0620
Um dos objetivos do Programa Mais Médicos (PMM) é proporcionar o provimento de médicos para o atendimento da população usuária do Sistema Único de Saúde (SUS) por meio do aumento da quantidade de vagas para a graduação em medicina, associado ao aumento da carga horária do graduando e atividades relacionadas ao ensino na comunidade. Este trabalho tem por objetivo descrever a experiência de estágio de estudantes de medicina nas unidades de saúde que atuam com estratégia de saúde da família (ESF) nas quais atuam médicos do PMM. Foram avaliados dados qualitativos referentes a aspectos objetivos e subjetivos envolvendo dimensões didáticas, cognitivas, comportamentais e assistenciais vivenciadas na relação estudante-médico-comunidade. Os estagiários não apresentaram dificuldade significativa quanto à adaptação ao modelo assistencial do PMM, relacionando-se de maneira harmoniosa com a equipe da unidade e com a comunidade atendida, alcançando, assim, os objetivos didáticos e formativos esperados. Nossa experiência do estágio de internato médico dentro do Programa Mais Médicos tem se mostrado exitosa.
Palavras-chave: Medicina comunitária. Educação médica. Atenção básica à saúde. Programa mais médicos.
a Professor Doutor Adjunto e Tutor acadêmico do Programa Mais Médicos – Universidade Federal do Oeste da Bahia. Barreiras, Bahia, Brasil. E-mail: marcello.paschoalini@ufob.edu.br
b Professora Mestre Assistente e Supervisora Acadêmica do Programa Mais Médicos – Universidade Federal do Oeste da Bahia. Barreiras, Bahia, Brasil. E-mail: inara.russoni@ufob.edu.br
Endereço para correspondência: Avenida Flamengo, n. 473, Vila Brasil. Barreiras, Bahia, Brasil. CEP: 47802-682. Email: marcello.paschoalini@ufob.edu.br
PROGRAM: EXPERIENCE REPORT
Abstract
One main objective of the More Doctors Program (PMM) is to supply physicians to serve the Brazilian Unified Health System (SUS) user population by increasing the number of vacancies for medical courses, associated with an increased course load and activities in the community. Given this context, this experience report focuses on internships developed in Family Health Strategy (ESF) units, served by PMM physicians. Data on objective and subjective aspects involving didactic, cognitive, behavioral and care dimensions experienced in the student – doctor –community relationship were qualitatively evaluated. The interns presented no significant difficulties in adapting to the PMM care model, establishing a harmonious relationship with the unit’s team and the community served, thus achieving the expected didactic and training objectives. In conclusion, the medical internship within the More Doctors Program has been successful.
Keywords: Community Medicine. Medical Education. Primary Care. More Doctors Program.
MÉDICOS: RELATO DE EXPERIENCIA
Resumen
Uno de los objetivos del Programa Más Médicos (PMM) es proporcionar la provisión de médicos para la atención de la población usuaria del Sistema Único de Salud (SUS) mediante el aumento del número de vacantes para cursos de graduación en medicina, asociado al aumento de la carga de trabajo del estudiante en actividades relacionadas a la enseñanza en la comunidad. Este estudio tiene como objetivo describir la experiencia de la pasantía de estudiantes de medicina en una unidad de salud que actúan con estrategia de salud familiar (ESF), atendida por un médico del PMM. Los datos fueron evaluados cualitativamente, referidos a aspectos objetivos y subjetivos que involucran dimensiones didácticas, cognitivas, conductuales y asistenciales vivenciadas en la relación estudiante-médico-comunidad. Los internos no tuvieron dificultades significativas para adaptarse al modelo de atención del PMM, presentando una relación armoniosa con el equipo de la unidad y con la comunidad atendida, y logrando los objetivos didácticos y formativos esperados. Nuestra experiencia de la pasantía en el internado médico dentro del programa más médicos ha sido exitosa. Palabras clave: Medicina comunitaria. Educación médica. Atención básica de la salud. Programa más médicos.
A Universidade Federal do Oeste da Bahia (Ufob) está totalmente inserida no interior do estado da Bahia, num território que corresponde a 35 municípios localizados na margem esquerda do rio São Francisco, cuja região tem experimentado importante crescimento econômico e populacional nos últimos trinta anos, fato que tem ampliado significativamente a demanda por profissionais em níveis mais avançados de qualificação, principalmente nas áreas de prestação de serviços, com uma grande demanda para a área de saúde.
Nesse cenário, a Ufob, antes mesmo de sua criação legal em 5 de junho de 2013 pela Lei n. 12.825, recebeu autorização para criação do curso de medicina, no município de Barreiras, quando da emissão da Portaria MEC/Sesu n. 109 de 05/06/2012 para novas universidades, novos cursos em universidades já existentes e ampliação de vagas para cursos já existentes.
O curso de graduação em Medicina da Ufob tem seus objetivos pautados nas novas Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de medicina1, com formação voltada para a Atenção Primária e a Gestão do Trabalho em Saúde e Educação em Saúde, sem negar as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de medicina de 2001 — que preveem uma formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, capaz de capacitar o profissional para atuar como promotor da saúde integral do ser humano, pautando-se em princípios éticos no processo de saúde-doença em seus diferentes níveis de atenção, com ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação à saúde, na perspectiva da integralidade da assistência, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania1
Cabe salientar que os estudantes de medicina desenvolvem atividades práticas que inserem os alunos na rotina das unidades básicas de saúde desde o primeiro semestre do curso, sendo acompanhados por preceptores médicos e supervisionados por professores da Ufob.
Das mais de 3.100 horas destinadas ao estágio curricular obrigatório (internato), 1.200 horas, ou seja, 38% da carga horária do estágio serão destinadas à Medicina Geral de Família e Comunidade na Atenção Básica do Sistema Único de Saúde (SUS).
Nesse mesmo sentido, o Programa Mais Médicos (PMM), aprovado na forma da lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013, tem objetivo de proporcionar o provimento de médicos para o atendimento da população usuária do SUS2
Para se cumprir essa meta, a abordagem prevê atuação em três frentes:
(1) Aumento da quantidade de vagas para a graduação de medicina, orientado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais;
(2) Aumento da carga horária do graduando em atividades relacionadas ao ensino na comunidade e, na pós-graduação, valorização dos Programas de Residência em Medicina Geral de Família e Comunidade;
(3) Oferta de vagas para atendimento na atenção básica a profissionais brasileiros, estrangeiros com diploma revalidado e médicos formados no exterior (inclusive brasileiros) em regime de intercâmbio médico internacional2.
Na região Oeste da Bahia, o PMM conta com 141 médicos em atendimento nas unidades de atenção básica, os quais têm supervisão acadêmica gerenciada pela Ufob por meio de um tutor e 13 supervisores.
Desde 2018, o curso de medicina da Ufob utiliza unidades de atenção básica do município de Barreiras, com equipes de saúde da família que possuam profissionais do PMM, como campo de estágio prático, possibilitando o acompanhamento e a realização de atendimento médico à comunidade pelos acadêmicos do quinto e sexto anos.
Nosso objetivo é descrever a experiência de estágio da disciplina de medicina geral de família e comunidade realizada em unidades de saúde que atuam com estratégia de saúde da família (ESF), nas quais atendem médicos do PMM.
Este estudo descreve os resultados da atuação dos estudantes de quinto e sexto anos do curso de medicina da Ufob, dentro do modelo de atendimento médico oferecido pelo PMM, durante o estágio curricular obrigatório de internato na ESF, referentes ao período de fevereiro de 2019 a dezembro de 2021.
Nossos alunos do internato passam pelo estágio de Medicina Geral da Família e Comunidade durante oito semanas, em rodízios de três estagiários por unidade de saúde, no quinto e sexto anos do curso. São acompanhados e orientados diretamente pelo médico bolsista do PMM, o qual atua na função de médico preceptor durante o período de estágio. As atividades didáticas práticas são supervisionadas pelo docente responsável pela disciplina.
A unidade de saúde utilizada para nossa análise foi o PSF XXIV, situada no bairro Jardim Vitória, município de Barreiras (BA). Foi escolhida devido a sua estrutura física e de recursos humanos adequada para as práticas didáticas, e ao grande comprometimento demonstrado pelo médico preceptor do PMM.
A obtenção dos dados utilizados para a análise da experiência se deu através de discussão dialogada entre o médico do PMM, o docente responsável pela disciplina, o supervisor acadêmico e o tutor acadêmico da Instituição Supervisora do PMM (Ufob), autores do presente estudo.
Foram abordados aspectos objetivos envolvendo dimensões didáticas, cognitivas, comportamentais e assistenciais, tais como: adaptação dos alunos ao modelo de atendimento da ESF no âmbito do PMM, interesse e participação durante a assistência, qualidade do relacionamento com o médico do PMM e demais membros da equipe multiprofissional, desenvolvimento das habilidades e conhecimento médico, relação estagiário-paciente e relacionamento com a comunidade assistida.
Os estagiários não apresentaram dificuldade significativa quanto à adaptação ao modelo assistencial do PMMB, pois este basicamente não difere daquele oferecido nas outras unidades básicas com ESF. O atendimento ocorreu através de consultas médicas agendadas para os programas propostos (saúde da criança e adolescente, saúde do idoso, saúde do homem, saúde da mulher e gestante e saúde do adulto), atendimento domiciliar, consultas de livre demanda e procedimentos básicos ambulatoriais.
O relacionamento dos acadêmicos com o médico do PMM geralmente ocorreu de maneira adequada e harmoniosa, com raros casos de atrito entre as partes, geralmente relacionados a atrasos ou ausência injustificadas dos internos. Essas questões pontuais eram resolvidas por meio de intervenções e mediações pontuais por parte do docente responsável, na forma de advertências e orientações verbais, além do impacto negativo na avaliação acadêmica do interno envolvido.
Os estagiários participaram ativamente das atividades propostas: atendimento aos pacientes, discussões de casos, realização de procedimentos médicos de baixa complexidade e visitas domiciliares; demonstrando interesse, conhecimento teórico e habilidades práticas adequadas, empatia e conduta ética.
Não foram relatados problemas graves de relacionamento com a equipe técnica multiprofissional e com o corpo administrativo da unidade.
A interface com a comunidade ocorreu com tranquilidade e sem incidentes significativos, sendo a experiência considerada muito enriquecedora por parte dos alunos, pois puderam vivenciar a realidade dos pacientes tanto no ambiente da Unidade de Saúde quanto nas suas próprias moradias.
Os avaliadores (médico do PMM e docente responsável) consideraram o ambiente do estágio como adequado para o desenvolvimento das habilidades práticas e aquisição dos conhecimentos necessários para a formação do médico generalista.
O PMM traz a proposta da formação de recursos humanos na área médica para o SUS, visando a diminuição das desigualdades regionais com fortalecimento da atenção primária3; trazendo um novo marco regulatório na educação médica brasileira, reorganizando o processo de abertura de cursos de medicina e de programas de residência médica, dando prioridade a regiões com baixa relação entre vagas e médicos por habitante e com disponibilidade de campo de prática adequado à formação; resultando na criação de diversos cursos de medicina no interior do Brasil.
As DCN de 2014 deram maior ênfase para a integração dos acadêmicos no SUS estimulando o aumento na carga horária na atenção primária1; em especial no internato, onde trinta por cento da carga horária total deve ser destinada à atenção básica, urgências e emergências. Elas estimulam também a adoção de metodologias centradas no aluno, tendo o professor como mediador do processo ensino-aprendizagem1
Também observamos a substituição da lógica da medicina de mercado pela orientação por políticas de saúde pública4. Essa orientação prioriza a formação de médicos em regiões menos desenvolvidas e em especialidades, como a Medicina de Família e Comunidade (MFC)3,5,6.
Essa proposta aponta para a integração entre ensino-serviço-comunidade, afastando-se da concentração no modelo biomédico flexneriano, que centralizou o acesso à assistência médica nos hospitais, excluindo grande parcela da população residente nas regiões economicamente menos desenvolvidas7
Quando priorizamos o conhecimento técnico, deixando as habilidades práticas em segundo plano, há prejuízo no entendimento da abordagem com pacientes reais8. Esse modelo positivista de formação privilegia a qualificação somente nas especialidades e tecnologias, deixando de lado a avaliação clínica com definição de diagnósticos, criando nos estudantes uma expectativa de atuação liberal e autônoma da atividade médica, a qual, na maior parte dos casos, não corresponde à realidade do mercado de trabalho e às reais necessidades da população9
Os profissionais formados dessa maneira tendem a ser críticos ao SUS e defensores de posturas corporativistas. Essa visão especializada e focada no atendimento hospitalar, associada ao envelhecimento da população, leva ao aumento dos custos do sistema de saúde, sem necessariamente a melhoria das condições de saúde da coletividade4.
Nossos estagiários do internato vivenciaram o modelo de assistência à saúde centrada no indivíduo inserido no seu próprio ambiente, vivenciando assim sua realidade
biopsicossocial. O atendimento humanizado e integral sempre foi estimulado, dentro dos princípios de promoção da saúde, contrapondo a lógica do atendimento especializado em que o objetivo principal é o tratamento de doenças.
Observamos pouca dificuldade na adaptação dos estagiários com o ambiente da unidade e da comunidade, havendo relacionamento harmonioso com os profissionais da unidade, pacientes e seus familiares.
O atendimento aos programas previstos pela ESF possibilita o entendimento das reais condições de saúde daquela comunidade, facilitando a abordagem individualizada e humanizada, assim, reforçando a ideia do atendimento à pessoa e não simplesmente o tratamento da doença.
O modelo curricular proposto pelas DCN de 2014 se mostrou efetivo quanto à mudança da visão centrada no atendimento e aprendizado em ambiente hospitalar, havendo boa aceitação do modelo de ensino médico voltado à atenção básica tanto por parte dos nossos estudantes quanto pela comunidade.
O programa de especialização e educação continuada oferecido aos médicos do PMM facilitou muito o processo de ensino em campo de estágio prático, pois preceptor e estudantes “falavam a mesma língua”, compartilhando conhecimentos e condutas semelhantes em ambas as grades curriculares. O mesmo entrosamento não é observado com frequência nas ESF não participantes do PMM, visto que os médicos contratados diretamente pela gestão municipal têm carga horária menor, formação heterogênea e condutas pouco padronizadas, sendo geralmente menos comprometidos com a ESF.
Nossa experiência de internato médico em medicina da família e comunidade dentro do PMM tem sido exitosa. A experiência foi bem aceita pelos estudantes, e a interação com a comunidade e demais profissionais da unidade transcorreu de forma harmoniosa.
Observamos progressos significativos quanto à evolução das habilidades práticas e aspectos cognitivos dos estudantes no transcorrer dos estágios, atingindo os objetivos pedagógicos e formativos previstos pelas DCN.
Entretanto, a colaboração e o envolvimento com o programa de internato médico em medicina da família e comunidade por parte dos médicos do PMM não foi homogêneo nas ESF utilizadas pelo curso de medicina da Ufob. Além disso, a gestão municipal tem limitado consideravelmente o quantitativo de unidades disponibilizadas para estágios acadêmicos.
Tais fatos têm sido um grande desafio para o adequado desenvolvimento das nossas atividades de ensino no internato médico.
Portanto, este estudo pode representar de maneira parcial a realidade no nosso estágio de internato médico em medicina da família e comunidade, mostrando a necessidade de futuros estudos envolvendo maior número de unidades de ESF.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Marcelo da Silveira Paschoalini e Inara Russoni de Lima Lago.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Marcelo da Silveira Paschoalini e Inara Russoni de Lima Lago.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Marcelo da Silveira Paschoalini e Inara Russoni de Lima Lago.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Marcelo da Silveira Paschoalini e Inara Russoni de Lima Lago.
1. Brasil. Ministério da Educação. Resolução nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Brasília (DF); 2014.
2. Brasil. Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013. Institui o Programa Mais Médicos, altera as Leis nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e nº 6.932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília (DF); 2013 out. 23. Seção 1, p. 1.
3. The Training for Health Equity Network (THEnet). THEnet’s Evaluation Framework for Socially: Accountable Health Professional Education. Genappe: THEnet; 2011.
4. Vilela, RB., Batista, NA. Mestrado Profissional em Ensino na Saúde no Brasil: avanços e desafios a partir de políticas indutoras. RBPG. 2015;12(28):307-31.
5. Pan American Health Organization. Requisitos Minimos para la Creación de Escuelas de Medicina. Educ Med Salud. 1979;13(3):1-10.
6. Organización Panamericana de la Sauld. La misión social de la educación médica para alcanzar la equidad en salud. Manaus (AM): Organización Panamericana de la Sauld; 2014.
7. Menicucci TMG. Público e privado na política de assistência à saúde no Brasil: atores, processos e trajetória. Rio de Janeiro (RJ): Fiocruz; 2007.
8. Franco CAGS, Cubas MR, Franco RS. Currículo de medicina e as competências propostas pelas diretrizes curriculares. Rev Bras Educ Med. 2014;38(2):221-30.
9. Amoretti R. A educação médica diante das necessidades sociais em saúde. Rev Bras Educ Med. 2005;29(2:):136-146.
Recebido: 23.2.2022. Aprovado: 17.05.2022. Publicado: 7.7.2022.
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Quando os autores forem mais de seis, indicar apenas os seis primeiros, acrescentando a expressão et al.
Exemplos:
a) LIVRO
Acha PN, Szyfres B. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales.
2ª ed. Washington (DC): Organizacion Panamericana de la Salud; 1989.
b) CAPÍTULO DE LIVRO
Almeida JP, Rodriguez TM, Arellano JLP. Exantemas infecciosos infantiles. In: Arellano JLP, Blasco AC, Sánchez MC, García JEL, Rodríguez FM, Álvarez AM, editores. Guía de autoformación en enfermedades infecciosas. Madrid: Panamericana; 1996. p. 1155-68.
c) ARTIGO
Azevêdo ES, Fortuna CMM, Silva KMC, Sousa MGF, Machado MA, Lima AMVMD, et al. Spread and diversity of human populations in Bahia, Brazil. Hum Biol. 1982;54:329-41.
d) TESE E DISSERTAÇÃO
Britto APCR. Infecção pelo HTLV-I/II no estado da Bahia [Dissertação]. Salvador (BA): Universidade Federal da Bahia; 1997.
e) RESUMO PUBLICADO EM ANAIS DE CONGRESSO
Santos-Neto L, Muniz-Junqueira I, Tosta CE. Infecção por Plasmodium vivax não apresenta disfunção endotelial e aumento de fator de necrose tumoral-α (FNT-α) e interleucina-1α (IL-1α). In: Anais do 30º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Salvador, Bahia; 1994. p. 272.
f) DOCUMENTOS EXTRAÍDOS DE ENDEREÇO DA INTERNET
Comissão de Residência Médica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia. Regimento Interno da Coreme. Extraído de [http://www.hupes. ufba.br/coreme], acesso em [20 de setembro de 2001].
Não incluir nas Referências material não publicado ou informação pessoal. Nestes casos, assinalar no texto: (i) Antunes Filho FF, Costa SD: dados não publicados; ou (ii) Silva JA: comunicação pessoal, 1997. Todavia, se o trabalho citado foi aceito para publicação, incluí-lo entre as referências, citando os registros de identificação necessários (autores, título do trabalho ou livro e periódico ou editora), seguido da expressão latina In press e o ano.
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2 Free theme original articles:
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2.3 review: articles with a critical review on literature about a specific topic, requested by the editors (8 to 15 pages).
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4 Theses and dissertations: abstracts of master degree’ dissertations and doctorate thesis/ licensure papers defended and approved by Brazilian universities (2 pages maximum). The abstracts must be sent with the official title, day and location of the thesis’ defense, name of the counselor and an available place for reference.
5 Book reviews: Books published about topics of current interest, as requested by the editors (1 to 4 pages).
6 Experiments’ report: presenting innovative experiments (8 to 10 pages).
7 Letter to the editor: comments about published material (2 pages).
8 Documents: of official organization about relevant topics (8 to 10 pages).
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On the body of tables use neither vertical nor horizontal lines; the charts must be framed.
The titles of the illustrations and tables must be objective, contextualize the reader about the content and inform the geographical and time scope of the data, according to the Tabular Presentation Norms of IBGE (e.g.: Graph 2 – Number of Aids cases by geographical region. Brazil – 1986-1997).
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When there are more than six authors, indicate only the first six, adding the expression et al.
Examples:
a) BOOK
Acha PN, Szyfres B. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales. 2ª ed. Washington (DC): Organizacion Panamericana de la Salud; 1989.
b) BOOK CHAPTER
Almeida JP, Rodriguez TM, Arellano JLP. Exantemas infecciosos infantiles. In: Arellano JLP, Blasco AC, Sánchez MC, García JEL, Rodríguez FM, Álvarez AM, editores. Guía de autoformación en enfermedades infecciosas. Madrid: Panamericana; 1996. p. 1155-68.
c) ARTICLE
Azevêdo ES, Fortuna CMM, Silva KMC, Sousa MGF, Machado MA, Lima AMVMD, et al. Spread and diversity of human populations in Bahia, Brazil. Hum Biol. 1982;54:329-41.
d) THESIS AND DISSERTATION
Britto APCR. Infecção pelo HTLV-I/II no estado da Bahia [Dissertação]. Salvador (BA): Universidade Federal da Bahia; 1997.
e) ABSTRACT PUBLISHED IN CONFERENCE ANNALS
Santos-Neto L, Muniz-Junqueira I, Tosta CE. Infecção por Plasmodium vivax não apresenta disfunção endotelial e aumento de fator de necrose tumoral-α (FNT-α) e interleucina-1α (IL-α). In: Anais do 30º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Salvador, Bahia; 1994. p. 272.
f) DOCUMENTS OBTAINED FROM INTERNET ADDRESS
Comissão de Residência Médica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia. Regimento Interno da Coreme. Extraído de [http://www. hupes. ufba.br/coreme], acesso em [20 de setembro de 2001].
Do not include unpublished material or personal information in the References. In such cases, indicate it in the text: (i) Antunes Filho FF, Costa SD: unpublished data; or Silva JA: personal communication, 1997. However, if the mentioned material was accepted for publication, include it in the references, mentioning the required identification entries (authors, title of the
paper or book and periodical or editor), followed by the Latin expression In press, and the year.
When the paper directed to publication have the format of an epidemiological research report, historical fact report, communication, abstract of post-graduate studies’ final paper, technical report, bibliographic report and letter to the editor, the author(s) must use a direct and concise language, with short and precise introductory information, limiting the problem or issue object of the research. Follow the guidelines for the references, illustrations and tables.
The editors and reviewers will only accept the contribution sent for evaluation if they comply with the standards of the journal.
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La Revista Baiana de Salud Pública (RBSP), publicación oficial de la Secretaria de la Salud del Estado de la Bahia (Sesab), de periodicidad trimestral, publica contribuciones sobre aspectos relacionados a los problemas de salud de la población y a la organización de los servicios y sistemas de salud y áreas correlatas. Son aceptas para publicación las contribuciones escritas preferencialmente en portugués, de acuerdo con las normas de la RBSP, obedeciendo la orden de aprobación por los editores. Los trabajos son evaluados por pares, especialistas en las áreas relacionadas a los temas referidos.
Los manuscritos deben destinarse exclusivamente a la RBSP, no siendo permitida su presentación simultánea a otro periódico, tanto en lo que se refiere al texto como a las ilustraciones y tablas, sea en la íntegra o parcialmente. Los artículos publicados serán de propiedad de la revista, quedando prohibida la reproducción total o parcial en cualquier soporte (impreso o electrónico), sin la previa autorización de la RBSP. Deben, también, hacer referencia a artículos sobre la temática publicados en esta Revista.
1 Artículos Temáticos: revisión crítica o resultado de investigación de naturaleza empírica, experimental o conceptual sobre un asunto en pauta, definido por el Consejo Editorial (10 a 20 hojas).
2 Artículos originales de tema libre:
2.1 investigación: artículos presentando resultados finales de investigaciones científicas (10 a 20 hojas);
2.2 ensayos: artículos con análisis crítica sobre un tema específico (5 a 8 hojas);
2.3 revisión: artículos con revisión crítica de literatura sobre tema específico, solicitados por los editores (8 a 15 hojas).
3 Comunicaciones: informes de investigaciones en andamiento, programas e informes técnicos (5 a 8 hojas).
4 Tesis y disertaciones: resúmenes de tesis de maestría y tesis de doctorado/ libre docencia defendidas y aprobadas en universidades brasileñas (máximo 2 hojas). Los resúmenes deben ser encaminados con el título oficial de la tesis, día y local de la defensa, nombre del orientador y local disponible para consulta.
5 Reseña de libros: libros publicados sobre temas de interés, solicitados por los editores (1 a 4 hojas).
6 Relato de experiencias: presentando experiencias innovadoras (8 a 10 hojas).
7 Carta al editor: comentarios sobre material publicado (2 hojas).
8 Documentos: de organismos oficiales sobre temas relevantes (8 a 10 hojas).
De responsabilidad de los editores, también puede ser redactado por un invitado, mediante solicitación del editor general (1 a 3 páginas).
ITEM DE VERIFICACIÓN PARA SUMISIÓN
Como parte del proceso de sumisión, los autores son obligados a verificar la conformidad de la sumisión en relación a todos los item descritos a seguir. Las sumisiones que no estén de acuerdo con las normas serán devueltas a los autores.
Los trabajos apreciados por los editores y revisores seguirán la orden de recibimiento y deberán obedecer a los siguientes criterios de presentación:
a) todos los trabajos deben ser enviados a través del Sistema de Publicación Electrónica de Revista (SEER). Completar obligatoriamente los metadatos, sin los cuales el artículo no será encaminado para evaluación;
b) las páginas deben ser formateadas en espacio 1,5, con márgenes de 2 cm, fuente Times New Roman, tamaño 12, página patrón A4, numeradas en el lado superior derecho;
c) los diseños o fotografías digitalizadas serán encaminadas en archivos separados;
d) el número máximo de autores por manuscrito científico es de seis (6).
Página de capa/Metadatos: informar el título (con versión en inglés y español), nombre(s) del(los) autor(es), principal vinculación institucional de cada autor, órgano(s) financiador(es) y dirección postal y electrónica de uno de los autores para correspondencia.
Segunda página/Metadatos: iniciada con el título del trabajo, sin referencia a la autoría, y agregar un resumen de 200 palabras como máximo, con versión en inglés (Abstract) y español (Resumen). Trabajos en español o inglés deben también presentar resumen en portugués. Palabras clave (3 a 5) extraídas del vocabulario DeCS (Descritores en Ciências da Saúde/ www. decs.bvs.br) para los resúmenes en portugués y del MESH (Medical Subject Headings/ www. nlm.nih.gov/mesh) para los resúmenes en inglés.
Tercera página: título del trabajo sin referencia a la autoría e inicio del texto con parágrafos alineados en las márgenes derecha e izquierda (justificados), observando la secuencia: introducción – contener justificativa y citar los objetivos en el último parágrafo; material y métodos; resultados, discusión, conclusión o consideraciones finales (opcional) y referencias. Digitar en página independiente los agradecimientos, cuando sean necesarios, y las contribuciones individuales de cada autor en la elaboración del artículo.
Los resúmenes deben ser presentados en las versiones portugués, inglés y español. Deben exponer sintéticamente el tema, los objetivos, la metodología, los principales resultados y las conclusiones. No incluir referencias o información personal.
Obligatoriamente, los archivos de las ilustraciones (cuadros, gráficos, diagrama de flujo, fotografías, organigramas etc.) y tablas deben ser independientes; sus páginas no deben ser numeradas. Estos archivos deben ser compatibles con el procesador de texto “Microsoft Word” (formatos: PICT, TIFF, GIF, BMP).
El número de ilustraciones y tablas debe ser el menor posible. Las ilustraciones coloridas solamente serán publicadas si la fuente de financiamiento sea especificada por el autor.
En la sección de resultados, las ilustraciones y tablas deben ser enumeradas con numeración arábiga, por orden de aparecimiento en el texto, y su tipo y número destacados en negrita (e.g. “[...] en la Tabla 2 las medidas [...]).
En el cuerpo de las tablas, no utilizar líneas verticales ni horizontales; los cuadros deben estar cerrados.
Los títulos de las ilustraciones y tablas deben ser objetivos, situar al lector sobre el contenido e informar el alcance geográfico y temporal de los datos, según Normas de Presentación de Tablas del IBGE (e.g.: Gráfico 2 – Número de casos de SIDA por región geográfica. Brasil – 1986-1997).
Ilustraciones y tablas reproducidas de otras fuentes ya publicadas deben indicar esta condición después del título.
Trabajo resultado de investigación envolviendo seres humanos u otros animales debe venir acompañado con copia escaneada de documento que certifique su aprobación previa por un Comité de Ética en Investigación (CEP), además de la referencia en la sección Material y Métodos.
REFERENCIAS
Preferencialmente, cualquier tipo de trabajo encaminado (excepto artículo de revisión) deberá listar un máximo de 30 fuentes.
Las referencias en el cuerpo del texto deberán ser enumeradas en sobrescrito, consecutivamente, en el orden en que sean mencionadas la primera vez en el texto.
Las notas explicativas son permitidas, desde que en pequeño número, y deben ser ordenadas por letras minúsculas en sobrescrito.
Las referencias deben aparecer al final del trabajo, listadas en orden de citación, alineadas apenas a la izquierda de la página, siguiendo las reglas propuestas por el Comité Internacional de Editores de Revistas Médicas (Requisitos uniformes para manuscritos presentados a periódicos biomédicos/ Vancouver), disponibles en http://www.icmje.org o http://www.abeceditores. com.br.
Cuando los autores sean más de seis, indicar apenas los seis primeros, añadiendo la expresión et al.
Ejemplos:
a) LIBRO
Acha PN, Szyfres B. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales.
2ª ed. Washington (DC): Organización Panamericana de la Salud; 1989.
b) CAPÍTULO DE LIBRO
Almeida JP, Rodriguez TM, Arellano JLP. Exantemas infecciosos infantiles. In: Arellano JLP, Blasco AC, Sánchez MC, García JEL, Rodríguez FM, Álvarez AM, editores. Guía de autoformación en enfermedades infecciosas. Madrid: Panamericana; 1996. p. 1155-68.
c) ARTÍCULO
Azevêdo ES, Fortuna CMM, Silva KMC, Sousa MGF, Machado MA, Lima AMVMD, et al. Spread and diversity of human populations in Bahia, Brazil. Hum Biol. 1982;54:329-41.
d) TESIS Y DISERTACIÓN
Britto APCR. Infecção pelo HTLV-I/II no estado da Bahia [Dissertação]. Salvador (BA): Universidade Federal da Bahia; 1997.
e) RESUMEN PUBLICADO EN ANALES DE CONGRESO
Santos-Neto L, Muniz-Junqueira I, Tosta CE. Infecção por Plasmodium vivax não apresenta disfunção endotelial e aumento de fator de necrose tumoral-α (FNT-α) e interleucina-1α (IL-1α). In: Anais do 30º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Salvador, Bahia; 1994. p. 272.
f) DOCUMENTOS EXTRAIDOS DE SITIOS DE LA INTERNET
Comissão de Residência Médica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia. Regimento Interno da Coreme. Extraído de [http://www.hupes. ufba.br/coreme], acesso em [20 de setembro de 2001].
No incluir en las Referencias material no publicado o información personal. En estos casos, indicar en el texto: (i) Antunes Filho FF, Costa SD: datos no publicados; o (ii) Silva JA: comunicación personal, 1997. Sin embargo, si el trabajo citado es acepto para publicación, incluirlo entre las referencias, citando los registros de identificación necesarios (autores, título del trabajo o libro y periódico o editora), seguido de la expresión latina In press y el año.
Cuando el trabajo encaminado para publicación tenga la forma de relato de investigación epidemiológica, relato de hecho histórico, comunicación, resumen de trabajo final de curso de postgraduación, informes técnicos, reseña bibliográfica y carta al editor, el(los) autor(es) debe(n) utilizar lenguaje objetiva y concisa, con informaciones introductorias cortas y precisas, delimitando el problema o la cuestión objeto de la investigación. Seguir las orientaciones para referencias, ilustraciones y tablas.
Las contribuciones encaminadas a los editores y revisores, solo serán aceptadas para apreciación si atienden las normas de la revista.
Dirección para contacto:
Revista Baiana de Saúde Pública Centro de Atenção à Saúde (CAS)
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E-mail: rbsp.saude@saude.ba.gov.br
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Dirección para envío de artículos: http://rbsp.sesab.ba.gov.br/index.php/rbsp
SECRETARIA DA SAÚDE DO ESTADO DA BAHIA – SESAB
REVISTA BAIANA DE SAÚDE PÚBLICA – RBSP
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