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EXPEDIENTE | CREDITS | CRÉDITOS
Rui Costa – Governador do Estado da Bahia Fábio Vilas-Boas – Secretário da Saúde
• Secretaria da Saúde do Estado da Bahia
Centro de Atenção à Saúde (CA S) – Av. Antônio Carlos Magalhães
Parque Bela Vista, Salvador – Bahia – Brasil
CEP 40.301-155
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EDITORA GERAL General Publisher
Editora General
EDITORA EXECUTIVA
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Editora Ejecutiva
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CONSELHO EMÉRITO
Emeritus Council
Consejo Emérito
• Marcele Carneiro Paim – ISC – Salvador (BA)
• Lucitânia R ocha de Aleluia – Sesab/APG – Salvador (BA)
• Edivânia Lucia Araujo Santos Landim – Suvisa/Sesab – Salvador (BA)
Eduardo Luiz Andrade Mota – ISC/UFBA
Joana Angélica Oliveira Molesini – SES AB/UCSAL – Salvador (BA)
Lorene Louise Silva Pinto – SESAB/UFBA/FMB – Salvador (BA)
Milton Shintaku – IBICT/MCT
• Ana Maria Fernandes Pita – UCSAL – Salvador (BA)
Carmen Fontes Teixeira – UFBA/ISC – Salvador (BA)
Cristina Maria Meira de Melo – UFBA/EENF – Salvador (BA)
Eliane Elisa de Souza Azevedo – UEFS – Feira de Santana (BA)
Heraldo Peixoto da Silva – UFBA/Agrufba – Salvador (BA)
Jacy Amaral Freire de Andrade – UFBA/Criee – Salvador (BA)
José Carlos Barboza Filho – UCSAL – Salvador (BA)
José Tavares Neto – UFBA/FMB – Salvador (BA)
Juarez Pereira Dias – EBMSP/Sesab – Salvador (BA)
Lauro Antônio Porto – UFBA/FMB – DMP – Salvador (BA)
Luis Eugênio Portela Fernandes de Souza – UFBA/ISC – Salvador (BA)
Paulo Gilvane Lopes Pena – UFBA/FMB – DMP – Salvador (BA)
Vera Lúcia Almeida Formigli – UFBA/FMB – DMP – Salvador (BA)
CONSELHO EDITORIAL
Editorial Board
Consejo Editorial
• A driana Cavalcanti de Aguiar – Instituto Oswaldo Cruz/Instituto de Medicina Social (UERJ) – Rio de Janeiro (RJ)
Andrea Caprara – UEC – For taleza (CE)
Jaime Breilh – Centro de Estudios Y Asesoría en Salud (CEA S) – (Health
R esearch and Advisory Center – Ecuador
Julio Lenin Diaz Guzman – UESC (BA)
Laura Camar go Macruz Feuerwerker – USP – São Paulo (SP)
Luiz R oberto Santos Moraes – UFBA/Escola Politécnica – DHS – Salvador (BA)
Mitermayer Galvão dos R eis – Fiocruz – Salvador (BA)
R einaldo Pessoa Martinelli – UFBA/FMB – Salvador (BA)
R odolfo G. P. Leon – Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS)
R uben Araújo Mattos – UERJ – Rio de Janeiro (RJ)
Sér gio Koifman – ENSP/Fiocruz – Rio de Janeiro (RJ)
Volney de Magalhães Câmara – URFJ – Rio de Janeiro (RJ)
ISSN: 0100-0233
ISSN (on-line): 2318-2660
Governo do Estado da Bahia Secretaria da Saúde do Estado da Bahia
INDEXAÇÃO | INDEXING | INDEXACIÓN
Periódica: Índice de Revistas Latinoamericanas em Ciências (México)
Sumário Actual de Revista, Madrid
LILACS-SP – Literatura Latinoamericana em Ciências de La Salud – Salud Pública, São Paulo
Revisão e normalização de originais | Review and standardization | Revisión y normalización: Tikinet
Revisão de provas | Proofreading | Revisión de pruebas: Tikinet
Revisão técnica | Technical review | Revisión técnica: Lucitânia Rocha de Aleluia
Tradução/revisão inglês | Translation/review english | Revisión/traducción inglés: Tikinet
Tradução/revisão espanhol | Translation/review spanish | Traducción/revisión español: Tikinet
Editoração eletrônica | Electronic publishing | Editoración electrónica: Tikinet
Capa | Cover | Tapa: detalhe do portal da antiga Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Solar do século XVIII)
Fotos | Photos | Fotos: Paulo Carvalho e Rodrigo Andrade (detalhes do portal e azulejos)
Periodicidade – Trimestral | Periodicity – Quarterly | Periodicidad – Trimestral
Tiragem – 100 exemplares | Circulation – 100 copies | Tirada – 100 ejemplares
Distribuição – gratuita | Distribution – free of charge | Distribución – gratuita
Revista Baiana de Saúde Pública é associada à Associação Brasileira de Editores Científicos
Revista Baiana de Saúde Pública is associated to Associação Brasileira de Editores Científicos
Revista Baiana de Saúde Pública es asociada a la Associação Brasileira de Editores Científicos
Revista Baiana de Saúde Pública / Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. - v. 43, supl. 1, jan./mar. 2019Salvador: Secretaria da Saúde do Estado da Bahia, 2019.
Trimestral.
Publicado também como revista eletrônica.
ISSN 0100-0233
E-ISSN 2318-2660
1.Saúde Pública - Bahia - Periódico. IT
CDU 614 (813.8) (05)
EDITORIAL | EDITORIAL | EDITORIAL
MarceleARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE
FREE THEMED ORIGINAL ARTICLES
ARTÍCULOS ORIGINALES DE TEMAS LIBRES
AVANÇOS E DESAFIOS PARA GARANTIA DO ACESSO A MEDICAMENTOS DO COMPONENTE ESPECIALIZADO 9 ACHIEVEMENTS AND CHALLENGES IN ENSURING ACCESS TO MEDICATION VIA THE SPECIALIZED COMPONENT OF PHARMACEUTICAL CARE
LOS AVANCES Y DESAFÍOS PARA GARANTIZAR EL ACCESO A MEDICAMENTOS DEL COMPONENTE ESPECIALIZADO Priscila Moreira Lauton, Marcelo Ney de Jesus Paixão
DE DESCENTRALIZACIÓN Y REGIONALIZACIÓN DE UN CURSO DE ESPECIALIZACIÓN
Neves, Milena Amélia Franco Dantas
AÇÕES NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA PARA COMBATE À SÍFILIS CONGÊNITA 85
FAMILY HEALTH STRATEGY MEASURES TO COMBAT CONGENITAL SYPHILIS ACCIONES EN LA ESTRATEGIA SALUD FAMILIAR PARA COMBATER A LA SÍFILIS CONGÉNITA
Priscilla Araújo dos Santos, Andréa da Anunciação Gomes
OUVIDORIA SUS: ANÁLISE DAS MANIFESTAÇÕES DE 2017 AMPARADAS NA LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO
OMBUDSMAN SUS: ANALYSIS OF THE MANIFESTATIONS COVERED IN THE ACCESS TO INFORMATION IN 2017
OIDORÍA SUS: ANÁLISIS DE LAS MANIFESTACIONES DE 2017 AMPARADAS EN LA LEY DE ACCESO A LA INFORMACIÓN
Hairla Henrique Alves de Almeida Monteiro, Caroline Ramos do Carmo
MORTALIDADE INFANTIL E FETAL: ANÁLISE DOS CASOS NO MUNICÍPIO DE BARREIRAS, BAHIA, 2008-2017
INFANT AND FETAL MORTALITY: ANALYSIS OF CASES IN THE MUNICIPALITY OF BARREIRAS-BAHIA, 2008-2017
MORTALIDAD INFANTIL Y FETAL: ANÁLISIS DE LOS CASOS EN EL MUNICIPIO DE BARRERAS, BAHIA, 2008-2017
Juliana Melo do Amaral Carvalho, Luciano de Paula Moura
EDUCAÇÃO EM SAÚDE EM COMUNIDADES QUILOMBOLAS: REVISÃO DE LITERATURA
HEALTH EDUCATION IN QUILOMBOLA COMMUNITIES: A LITERATURE REVIEW
EDUCACIÓN EN SALUD EN COMUNIDADES QUILOMBOLAS: REVISIÓN DE LITERATURA
Layse Tatiane Ferreira Santos, Ignês Beatriz Oliveira Lopes
CONHECIMENTO DA GESTANTE E DIREITOS ASSEGURADOS PELA REDE CEGONHA:
CONTRIBUIÇÃO GESTORA
KNOWLEDGE OF PREGNANT WOMEN AND THE RIGHTS ENSURED BY REDE CEGONHA:
MANAGEMENT CONTRIBUTION
CONOCIMIENTO DE LA GESTANTE Y DERECHOS ASEGURADOS POR LA RED CIGÜEÑA:
CONTRIBUCIÓN GESTORA
Greice da Silva Gouveia, Gesilda Meira Lessa
CONSEQUENCES OF PUBLIC POLICIES ON RATES OF DEATH BY UTERINE COLON CANCER
REFLEXIONES DE LAS POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE LA MORTALIDAD POR CÁNCER DEL CUELLO UTERINO
Geane Pereira de Abreu, Rita de Cássia de Sousa Nascimento
RECEPTIVENESS IN PRIMARY HEALTH: A LITERATURE REVIEW
ACOGIDA EN LA ATENCIÓN BÁSICA: UNA REVISIÓN DE LA LITERATURA
Jéssica Santos Fonsêca Rodrigues, Rita de Cássia de Sousa Nascimento
RELATO DE EXPERIÊNCIA
EXPERIENCE REPORTS
RELATO DE EXPERIENCIA
O PROCESSO DE ORIENTAÇÃO DE TRABALHOS DE CONCLUSÃO DE CURSOS DE ESPECIALIZAÇÃO: A EXPERIÊNCIA DA ESCOLA DE SAÚDE PÚBLICA DA BAHIA
THE PROCESS OF ACADEMIC ADVISING IN SPECIALIZATION COURSES:
THE EXPERIENCE OF THE SCHOOL OF PUBLIC HEALTH OF BAHIA
EL PROCESO DE ORIENTACIÓN DE TRABAJOS DE CONCLUSIÓN DE CURSOS DE ESPECIALIZACIÓN: LA EXPERIENCIA DE LA ESCUELA DE SALUD PÚBLICA DE BAHÍA
Shirlei da Silva Xavier, Ana Paula Freire Cruz, Andréa da Anunciação Gomes, Milena Guimarães Gama Assis, Iêda Maria Fonseca Santos, Rebeca de Jesus Monteiro
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FORMAÇÃO EM SAÚDE E EFEITOS NO TRABALHO: AVALIANDO PROCESSOS E CAMINHOS DE PROCESSOS EDUCATIVOS 198
TRAINING IN HEALTH AND EFFECTS AT WORK: EVALUATING PROCESSES AND TRAJECTORIES OF EDUCATIONAL PROCESSES
FORMACIÓN EN SALUD Y EFECTOS EN EL TRABAJO: EVALUANDO PROCESOS Y CAMINOS DE PROCESOS EDUCATIVOS
Millene Moura Alves Pereira, Marilia Santos Fontoura, Caique de Moura Costa
INSERÇÃO DO NUTRICIONISTA NA EQUIPE MÍNIMA DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA:
RELATO DE EXPERIÊNCIA
NUTRITIONIST INSERTION IN THE MINIMUM TEAM OF THE FAMILY HEALTH STRATEGY: EXPERIENCE REPORT
INSERCIÓN DEL NUTRICIONISTA EN EL EQUIPO MÍNIMO DE LA ESTRATEGIA SALUD FAMILIAR: RELATO DE EXPERIENCIA
Livia Nascimento dos Santos, Flávia Lima de Carvalho
COTIDIANOSUS: INTEGRAÇÃO ENSINO-SERVIÇO QUE QUALIFICA A FORMAÇÃO ESTUDANTIL E
COTIDIANOSUS: TEACHING-SERVICE INTEGRATION THAT QUALIFIES STUDENT TRAINING AND STRENGTHENS SUS IN BAHIA
COTIDIANOSUS: INTEGRACIÓN ENSEÑANZA-SERVICIO QUE CALIFICA LA FORMACIÓN ESTUDIANTIL Y FORTALECE EL SUS EN BAHIA
Luciana de Oliveira Alves Bastos Amorim, Camila Oliveira Nunes, Laíse Rezende de Andrade, Lília Pereira Lima, Liana Aparecida Barbosa Santiago
FAMILY PLANNING AND MATERNAL MORTALITY FOR ABORTION
LA PLANIFICACIÓN FAMILIAR Y LA MORTALIDAD MATERNA POR ABORTO Nathalie Luciano dos Santos, Emerson Garcia
A POLÍTICA DE SAÚDE NA BAHIA (1925-1930)
HEALTH POLICIES IN BAHIA (1925-1930)
LA POLÍTICA DE SALUD EN BAHÍA (1925-1930)
Nildo Batista Mascarenhas, Lívia Angeli Silva
IMPLANTAÇÃO DO PROTOCOLO DE USO DAS BOAS PRÁTICAS EM ATENÇÃO AO PARTO E NASCIMENTO EM UM CENTRO OBSTÉTRICO DE FEIRA DE SANTANA: RELATO DE EXPERIÊNCIA
IMPLEMENTATION OF A PROTOCOL FOR BEST PRACTICES IN BIRTH CARE IN AN OBSTETRIC CENTER OF SANTANA FAIR: AN EXPERIENCE REPORT
IMPLANTACIÓN DEL PROTOCOLO DE USO DE LAS BUENAS PRÁCTICAS EN ATENCIÓN AL PARTO Y NACIMIENTO EN UN CENTRO OBSTÉTRICO DE FERIA DE SANTANA: RELATO DE EXPERIENCIA
Luciane Alves Ribeiro, Denise Santana Silva dos Santos
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DOI: 10.22278/2318-2660.2019.v43.n0.a3211
Com enorme satisfação, apresentamos este suplemento especial da Revista Baiana de Saúde Pública, que reúne estudos e reflexões produzidos em 2018 por técnicos da Escola de Saúde Pública da Bahia (ESPBA) e egressos dos cursos de pós-graduação lato sensu ofertados por esta escola, diretoria integrante da Superintendência de Recursos Humanos da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia.
Os trabalhos aqui publicados versam sobre temáticas diversificadas que expressam os desafios postos e contemplam diversos cenários do Sistema Único de Saúde (SUS). Estes se concretizam em inquietações oriundas dos processos pedagógicos vivenciados no âmbito da ESPBA e endossam a Política Estadual de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde da Bahia, que preconiza que “o SUS é uma Escola”. São 19 trabalhos, divididos entre 12 artigos originais de tema livre e 7 relatos de experiência.
Nessa perspectiva, a categoria artigos originais apresenta: “Avanços e desafios para garantia do acesso a medicamentos do Componente Especializado”; “Perspectiva de descentralização e regionalização de um curso de especialização em saúde pública na Bahia”; “Judicialização da saúde no acesso a medicamentos no SUS em uma secretaria estadual da saúde”; “Rede Cegonha potencializando mudanças na formação em fonoaudiologia”; “Uma análise da articulação da saúde mental com a atenção básica”; “Ações na Estratégia Saúde da Família para combate à sífilis congênita”; “Ouvidoria SUS: análise das manifestações de 2017 amparadas na Lei de Acesso à Informação”; “Mortalidade infantil e fetal: análise dos casos no município de Barreiras, Bahia, 2008-2017”; “Educação em saúde em comunidades quilombolas: revisão de literatura”; “Conhecimento da gestante e direitos assegurados pela Rede Cegonha: contribuição gestora”; “Reflexos das políticas públicas sobre a mortalidade por câncer do colo uterino”; e “Acolhimento na atenção básica: uma revisão da literatura”.
Complementando a edição, a seção Relatos de Experiência traz os seguintes estudos: “O processo de orientação de trabalhos de conclusão de cursos de especialização: a experiência da Escola de Saúde Pública da Bahia”; “Formação em saúde e efeitos no trabalho: avaliando processos e caminhos de processos educativos”; “Inserção do nutricionista na equipe mínima da Estratégia Saúde da Família: relato de experiência”; “CotidianoSUS: integração ensino-serviço que qualifica a formação estudantil e fortalece o SUS na Bahia”; “O planejamento familiar e a mortalidade materna por aborto”; “A política de saúde na Bahia (1925-1930)”; e
“Implantação do protocolo de uso das boas práticas em atenção ao parto e nascimento em um centro obstétrico de Feira de Santana: relato de experiência”.
A divulgação dos resultados desses trabalhos é, portanto, parte do compromisso da ESPBA com a formação e qualificação de trabalhadores da saúde, bem como com a produção e disseminação de conhecimento sobre o SUS e para o SUS. Vale também ressaltar o comprometimento e o esforço dos seus trabalhadores para a divulgação de experiências produzidas no âmbito dos serviços.
Acreditamos que esta nova publicação favorece o debate sobre a importância do nosso SUS e estimula a troca de experiências, produção e difusão de conhecimento, ampliando e incentivando o debate sobre a importância da democratização e circulação de informações técnico-científicas em saúde.
Marcele Carneiro PaimResumo
Um dos grandes desafios para a gestão da assistência farmacêutica no Sistema Único de Saúde é estabelecer uma forma sustentável de garantir o financiamento e o acesso aos medicamentos, considerando os elevados custos da assistência à saúde. O Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (Ceaf) é fruto da evolução constante da assistência farmacêutica no Brasil e constitui-se em uma estratégia de acesso aos tratamentos mais complexos, que necessitam de tecnologias e recursos de saúde diferenciados. Assim, o objetivo deste estudo é investigar os avanços conquistados e os desafios enfrentados na garantia do acesso a medicamentos do Ceaf. Trata-se de uma revisão integrativa baseada na literatura, para a qual foram selecionadas 38 publicações. Foram identificados avanços importantes como a centralização da aquisição parcial dos medicamentos especializados, a definição de valores unitários e a isenção de impostos para medicamentos adquiridos pelos estados com recurso da União, além da racionalização na incorporação de novas tecnologias. Porém, foram identificados alguns desafios que ainda precisam ser superados, como a falta de organização e de estruturação dos serviços farmacêuticos, a ausência de um sistema de informação unificado, a constante pressão para incorporação de novas tecnologias e a judicialização da saúde. Para garantir o acesso sustentável aos medicamentos do Ceaf é necessário desenvolver ações como a integração dos serviços do nível central com as unidades assistenciais, a otimização dos sistemas de informação e estruturação e melhorias do fluxo logístico dos serviços farmacêuticos. Essas medidas podem qualificar o acesso ao tratamento medicamentoso pelo Sistema Único de Saúde e contribuir para o fortalecimento da assistência farmacêutica no Brasil.
Palavras-chave: Assistência farmacêutica. Medicamentos do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica. Acesso a serviços de saúde.
a Farmacêutica. Especialista em Saúde Pública. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: priscila_mco@hotmail.com
b Farmacêutico. Mestre em Gestão Social. Docente da Universidade do Estado da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: marceloney@hotmail.com
Endereço para correspondência: Hospital Universitário Prof. Edgard Santos. Rua Augusto Viana, s/n, Canela. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 40110-060. E-mail: priscila_mco@hotmail.com
Abstract
One of the main challenges in the management of Pharmaceutical Services in the Brazilian Unified Health System is to establish a viable way to ensure funding and access to medication, given the high costs of medical care. The Specialized Component of Pharmaceutical Care (CEAF) is a result of the constant evolution of pharmaceutical services in Brazil. It’s a program for improving access to complex treatments that require differentiated technologies and health resources. This study investigated the achievements and the challenges found in ensuring access to medication by CEAF. It is an integrative review of the literature. A total of 38 publications were included. Important achievements were identified: centralized purchasing of medication from the CEAF; the definition of the unit value for products; tax exemption for the purchase of medication by states using federal government money; and the rationalization concerning the incorporation of technologies. However, there are still challenges to be overcome, such as lack of organization and infrastructure in the pharmaceutical services; absence of an integrated information system; the pressure for incorporation of new drugs; the judicialization of health. To ensure the sustainable access to medication from the CEAF, it is necessary to develop actions such as the integration between the central management unit and its local services by optimizing information systems; it is necessary to improve the structure and the logistic flow of the pharmaceutical services. Such measures may contribute to the access to medication provided by the Brazilian Unified Health System, as well as to the strengthening of pharmaceutical services in Brazil.
Keywords: Pharmaceutical services. Drugs from Specialized Component of Pharmaceutical Care. Services accessibility.
LOS AVANCES Y DESAFÍOS PARA GARANTIZAR EL ACCESO A MEDICAMENTOS DEL COMPONENTE ESPECIALIZADO Resumen
Uno de los grandes desafíos para la gestión de los servicios farmacéuticos en el Sistema Único de Salud (SUS) es establecer una forma sostenible de garantizar la financiación y el acceso a medicamentos, llevando en consideración los altos costes de la asistencia sanitaria. El Componente Especializado de los Servicios Farmacéuticos (Ceaf) es fruto de la evolución constante de los servicios farmacéuticos en Brasil y se trata de una estrategia de acceso a los tratamientos
más complejos que necesitan de tecnologías y recursos de salud diferenciados. El objetivo de este estudio es investigar los avances alcanzados y los desafíos enfrentados para garantizar el acceso a medicamentos del Ceaf. Se trata de una revisión integrativa de la literatura, la cual incluyó 38 publicaciones. Se identificaron avances importantes, por ejemplo la centralización de la adquisición parcial de medicamentos especializados, la definición de valores unitarios y la exención fiscal para medicamentos adquiridos por los estados con recursos federales, además de la racionalización en la incorporación de nuevas tecnologías. Sin embargo, se han identificado algunos desafíos que deben superarse, como la falta de organización y estructuración de los servicios; la ausencia de un sistema de información unificado; la presión constante para que se incorpore nuevas tecnologías y la judicialización de la salud. Para garantizar el acceso sostenible a medicamentos del Ceaf, es necesario desarrollar acciones como la integración de los servicios a nivel central y local; la optimización de los sistemas de información y estructuración de los servicios farmacéuticos y la mejora del flujo logístico de estos servicios. Tales medidas pueden mejorar el acceso al tratamiento medicamentoso en el SUS y contribuir al fortalecimiento de los servicios farmacéuticos en Brasil.
Palabras clave: Servicios farmacéuticos. Medicamentos del Componente Especializado de los Servicios Farmacéuticos. Accesibilidad a los servicios de salud.
O Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (Ceaf) é uma estratégia de acesso a medicamentos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) que busca garantir a integralidade do tratamento medicamentoso, em nível ambulatorial, por meio de linhas de cuidado definidas em Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) publicadas pelo Ministério da Saúde1. Os pacientes atendidos por essa estratégia de acesso, em sua maioria, necessitam de tecnologias e recursos de saúde diferenciados e com maior densidade tecnológica, tais como médicos especialistas para o diagnóstico diferencial e acompanhamento e monitoramento, além de exames e/ou tratamentos mais complexos, medicamentos mais caros e com maior inovação tecnológica2
Para garantir a manutenção do equilíbrio financeiro entre as esferas de gestão do SUS, os medicamentos disponíveis pelo Ceaf estão divididos em três grupos, de acordo com a responsabilidade de cada ente federado em relação à gestão e ao financiamento. Em 2015, o Ceaf contou com um orçamento do MS de R$ 5,5 bilhões, sem considerar a participação financeira dos estados e dos municípios 2. Cabe salientar que o MS financia
os medicamentos por meio da aquisição centralizada ou pela transferência de recursos aos estados. A aquisição centralizada, por sua vez, visa a otimizar os recursos financeiros disponíveis com a redução do preço a partir do poder de compra da União. Porém, esse processo centralizado é complexo e exige organização e planejamento dos gestores em todas as esferas, assim como um efetivo controle de estoque e repasse de informações fidedignas pelas unidades dispensadoras. Em um universo de necessidades ilimitadas e recursos escassos, uma programação que não leve em conta a demanda real pode ocasionar perdas e desperdícios de recursos públicos ou desabastecimento e, consequentemente, interrupção dos tratamentos.
Assim, partiu-se da seguinte questão norteadora: considerando o medicamento um insumo fundamental na busca da efetivação da assistência terapêutica integral aos usuários do SUS, quais as dificuldades encontradas e as estratégias desenvolvidas para garantir o acesso a medicamentos do Ceaf?
O objetivo geral deste estudo foi investigar os avanços conquistados e os desafios ainda enfrentados na garantia do acesso a medicamentos de aquisição centralizada no âmbito do Ceaf. Os objetivos específicos foram: apresentar o histórico do acesso a medicamentos
“excepcionais” por meio do SUS; caracterizar as medidas adotadas ao longo do tempo para a garantia do acesso a medicamentos do Ceaf; identificar os desafios para garantir o acesso; e discutir perspectivas e alternativas para o aperfeiçoamento da programação e a aquisição de medicamentos do Ceaf.
Trata-se de uma revisão integrativa de literatura, de abordagem qualitativa. As fontes de informação para este trabalho incluíram a legislação pertinente ao tema, entre leis e decretos, e publicações do Ministério da Saúde, acessados pelo portal do governo federal por busca online, além de artigos publicados em periódicos científicos, acessados por meio de pesquisa eletrônica nas bibliotecas virtuais SciELO, Biblioteca Virtual em Saúde e Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, com os descritores: “assistência farmacêutica”, “componente especializado”, “medicamento excepcional” e “aquisição de medicamentos”. Outros artigos não relacionados à busca foram incluídos nesta revisão com objetivo de contextualização e justificativa do tema abordado. Consideraram-se também as referências bibliográficas mencionadas nos artigos encontrados.
Assim, foram selecionados artigos disponíveis na íntegra, em português ou em inglês, que retratassem a temática referente à revisão e que tivessem sido publicados entre 1970
e 2017. Esse período foi escolhido pelo fato de a pesquisa envolver tanto um resgate histórico quanto pelo fato das primeiras ações de assistência farmacêutica no Brasil para prover o acesso a medicamentos terem sido iniciadas na década de 1970.
Todos os estudos identificados por meio da estratégia de busca foram inicialmente avaliados por meio da análise dos títulos e dos resumos. Nos casos em que os títulos e os resumos não se mostraram suficientes para definir a seleção inicial, procedeu-se à leitura na íntegra da publicação. Dessa forma, os artigos que se distanciavam da temática central do trabalho ou que não estivessem disponibilizados na íntegra foram excluídos.
Ao todo, 137 publicações foram encontradas, das quais 38 foram selecionadas para compor este trabalho, com publicação entre 1971 e 2017. Após análise, 75 pesquisas foram excluídas por não contemplarem o tema e 24, por estarem repetidas na base de dados. A amostra final foi constituída, portanto, por 20 documentos oficiais, entre leis, decretos e publicações do Ministério da Saúde relacionados ao tema, bem como uma reportagem em site especializado, três dissertações e 15 artigos. Duas publicações são estrangeiras, sendo as demais brasileiras. Os artigos e as dissertações utilizados estão apresentados na Quadro 1
Quadro 1 – Síntese dos artigos selecionados para a revisão (continua)
Título Autores Ano Objetivo
Medicamentos excepcionais no âmbito da assistência farmacêutica no Brasil [dissertação]
Gasto do Ministério da Saúde com medicamentos: tendência dos programas de 2002 a 2007
Medicamentos de dispensação excepcional: histórico e gastos do Ministério da Saúde do Brasil
Silva3 2000
Conhecer o processo de decisão política que estabeleceu as bases para a definição e o custeio dos denominados “medicamentos excepcionais” no âmbito do SUS, bem como mostrar a forma como se dá sua inserção marginal ou em paralelo à política de assistência farmacêutica governamental.
Vieira4 2009 Analisar a evolução do gasto do Ministério da Saúde com medicamentos.
Carias et al.5 2011
Compras centralizadas na saúde Aperta et al.6 2015
Descrever aspectos técnicos do Programa de Medicamentos de Dispensação em Caráter Excepcional do Ministério de Saúde do Brasil, especialmente em relação aos gastos com os medicamentos distribuídos.
Promover um debate sobre aspectos do enquadramento nacional de compras centralizadas, desafios da sua implementação, no que se diz respeito aos medicamentos hospitalares, e sugestões de melhoria deste processo.
Quadro 1 – Síntese dos artigos selecionados para a revisão (conclusão)
Challenges of purchasing centralization: empirical evidence from public procurement [dissertação]
Federalismo, complexo econômico-industrial da saúde e assistência farmacêutica de alto custo no Brasil
Acesso aos medicamentos incorporados no SUS: estratégias para garantia da sustentabilidade econômica
A importância econômica da compra centralizada dos inibidores do fator de necrose tumoral-alfa em Pernambuco
Advances and challenges to the Brazilian policy of health technology
Incorporação de tecnologias em saúde no Brasil: novo modelo para o Sistema Único de Saúde
Karjalainen7 2009
Fonseca e Costa8 2015
Alexandre et al.9 2015
Zanghelini, Silva e Rocha Filho10
Silva, Petramale e Elias11
Examinar como as organizações podem estimar e quantificar os efeitos de custo da centralização de compras, estudar que tipo de consequências o desenvolvimento de compras centralizadas e os fenômenos associados aos fornecedores acarretam e analisar as formas e as razões do comportamento de compra não conforme.
Entender o processo de negociação entre estados e União na oferta dos medicamentos do componente especializado no Brasil.
Descrever as estratégias adotadas pelo Ministério da Saúde para viabilizar, economicamente, o acesso àqueles medicamentos incorporados pelo SUS após a recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec).
2014
Analisar o impacto nos custos da aquisição centralizada de medicamentos de alta complexidade para o tratamento da artrite reumatoide (AR) na Secretaria de Saúde de Pernambuco.
2012
Analisar a experiência brasileira na gestão de tecnologias sanitárias no âmbito do SUS, seus principais avanços e desafios.
Análise técnica para a tomada de decisão do fornecimento de medicamentos pela via judicial
Importância da assistência farmacêutica na promoção do uso racional de medicamentos por meio da intervenção no processo de judicialização do SUS
Planejamento, programação e aquisição: prever para prover
Atenção primária à saúde e a organização de redes regionais de atenção à saúde no Brasil
A implantação do Hórus nas farmácias do SUS: uma proposta de ações para auxiliar esse processo [dissertação]
Sistemas de informação em saúde: possibilidades de desafios
Fonte: Elaboração própria.
Capucho et al.12
Santana, Lupatini e Leite13
Macedo, Lopes e Barberato-Filho14
2017
2012 Discutir o processo de incorporação de tecnologias no SUS. Registro e incorporação de tecnologias no SUS: barreiras de acesso a medicamentos para doenças da pobreza?
Verificar os aspectos relacionados ao registro sanitário e à incorporação de tecnologias no SUS para as doenças da pobreza.
2011 Analisar a solicitação judicial de medicamentos previstos nos componentes da assistência farmacêutica no SUS.
Souza et al.15 2016
Pereira16
2016
Lavras17 2011
Relatar a transferência de pacientes que recebem medicamentos via ação judicial para serem atendidos na Farmácia do Ceaf.
Descrever os procedimentos relativos às etapas de programação e aquisição da assistência farmacêutica.
Fazer referência a diversos documentos que historicamente vêm expressando o conceito de Atenção Primária à Saúde.
Dias18 2013
Cavalcante, Silva e Ferreira19 2011
Apresentar um conjunto de ações que possam auxiliar na implantação e no uso do Hórus, o Sistema Nacional de Gestão da Assistência Farmacêutica, ofertado pelo Ministério da Saúde aos municípios e estados.
Refletir sobre a utilização dos sistemas de informação em saúde, seus conceitos, suas possibilidades e também os desafios que emergem a partir de sua inserção nas instituições de saúde.
As publicações foram categorizadas em eixos, sendo o primeiro relacionado a um breve histórico das políticas públicas de acesso a medicamentos de alto custo no SUS e os demais sobre estratégias de ampliação do acesso a medicamentos do componente especializado.
O ACESSO A MEDICAMENTOS DE “ALTO CUSTO” PELO SUS: UM BREVE HISTÓRICO
A história da assistência farmacêutica no Brasil enquanto política pública teve o seu início na década de 1970 com a criação da Central de Medicamentos (Ceme), destinada a promover e a organizar o fornecimento de medicamentos, por preços acessíveis, àqueles que, por suas condições econômicas, não poderiam adquiri-los20. As atividades da Ceme eram desenvolvidas em um modelo centralizado de gestão e visavam, também, a incrementar a pesquisa científica e tecnológica, executando um importante papel na produção de medicamentos pelos laboratórios oficiais e privados. A Relação Nacional de Medicamentos Essenciais, padronizada e conhecida como Rename desde 1975, é estabelecida por meio da Portaria Interministerial nº 3, de 15 de dezembro de 1982, como definidora dos produtos farmacêuticos prioritários para prevenção, diagnóstico e tratamento das doenças prevalecentes na população brasileira21. Em caráter excepcional, os serviços prestadores de assistência médica e farmacêutica poderiam adquirir e utilizar medicamentos não constantes da Rename quando a natureza ou a gravidade da doença e as condições peculiares do paciente os exigissem e desde que não houvesse medicamento substitutivo constante na Rename aplicável ao caso. Não havia, entretanto, um elenco predeterminado de medicamentos considerados “excepcionais”. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 – marco na história da saúde pública brasileira ao defini-la como “direito de todos e dever do Estado” – e a definição e a regulamentação do SUS pela da Lei Orgânica da Saúde, estabeleceu-se que este deveria garantir assistência terapêutica integral e acesso à assistência farmacêutica22. As atividades de assistência farmacêutica foram gradativamente sendo descentralizadas, e os estados assumiram a responsabilidade pela execução das ações de dispensação de medicamentos excepcionais, sem previsão inicial de ressarcimento desses medicamentos pelo Ministério da Saúde (MS). Os elevados custos para manutenção do fornecimento motivaram o MS, em 1993, a definir a primeira lista de medicamentos excepcionais, pela Portaria SAS/MS nº 142, contendo dois fármacos, permitindo a elaboração sistemática de novos elencos de medicamentos não presentes na Rename23. Em 1996, a lista foi ampliada com a publicação da Portaria SAS/MS nº 204 para 32 fármacos, em 55 apresentações, estabelecendo também medidas para maior controle financeiro24. Essa portaria criou códigos na tabela de valores dos procedimentos do
Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS (SIA/SUS) que permitiram a informatização do processo de dispensação de medicamentos e estabeleceu um formulário para solicitação de medicamentos excepcionais. Porém, ainda não existiam critérios definidos para inclusão ou exclusão de medicamentos da lista baseados em pareceres técnicos elaborados por consultores contratados pelo MS. Nesse período, a seleção dos medicamentos foi muito influenciada por pressão de grupos específicos, seja por maior consciência política, informação, solidariedade ou lobby de interesse corporativo que se mobilizou para a inclusão de medicamentos de acordo com seus interesses. Grupos de portadores de doença, como a Doença de Gaucher e doenças renais crônicas, com apoio da indústria farmacêutica, constantemente se mobilizavam para a inclusão de tratamentos específicos3
Com o cenário de 105 fármacos contemplados em 203 apresentações, o MS vinculou a dispensação desses medicamentos à necessidade de cumprimento dos critérios e parâmetros definidos em PCDT pela Portaria SAS/MS nº 921, de 22 de novembro de 200225.
Nessa mesma época surgiu o termo “medicamento de alto custo”, dado o alto custo financeiro gerado por sua aquisição. Porém, ainda não havia uma legislação que constituísse um programa específico para financiamento.
No Brasil, os gastos do MS com aquisição de medicamentos aumentaram 123,9% entre 2002 e 20064. Diante da crescente demanda, o MS regulamentou o Componente de Medicamentos de Dispensação Excepcional (CMDE) pela Portaria GM/MS nº 2.57726.
Além da atualização do elenco de medicamentos, foram estabelecidas regras para a execução desse componente. Apesar de ter elenco definido, ainda não havia clareza sobre o conceito de medicamento de “alto custo” ou “excepcional”, e sua organização provocava um forte impacto no orçamento, pois não havia critérios e estratégias definidos para a otimização dos recursos e definição da responsabilidade pela aquisição, provocando interrupções na oferta aos pacientes27. Em 2007, foi publicada a Portaria nº 20428, que regulamentou o financiamento e a transferência dos recursos federais para aquisição de medicamentos, por meio de blocos de financiamento e o respectivo monitoramento e controle. Em 2009, após nove meses de discussão, foi pactuada e publicada a Portaria GM/MS nº 2.981, que instituiu o Ceaf29 Uma das mudanças implementadas foi o abandono dos termos “medicamentos excepcionais” e “medicamentos de alto custo”, frágeis para representar as características desse grupo de medicamentos. Por ter elenco próprio e regulamentado, não se tratava mais, precisamente, de um grupo “excepcional”, assim como o termo “alto custo” dependia de uma referência que não foi estabelecida. Assim, foi adotado o termo “especializado” para se referir às ações de saúde envolvidas no processo de cuidado a pacientes que necessitam de tecnologias mais
especializadas que os agravos cobertos integralmente pelo Componente Básico da Assistência Farmacêutica (CBAF), por exemplo. O Ceaf passou a ser, portanto, uma estratégia voltada para buscar a garantia da integralidade do tratamento medicamentoso, na forma de linhas de cuidado, para as doenças inseridas nesse componente.
O novo marco regulatório proposto pela Portaria GM/MS nº 2.981/2009 propôs um novo formato de financiamento cooperativo entre União, estados e municípios no intuito de buscar um equilíbrio financeiro entre as diferentes esferas de gestão. Assim, os medicamentos definidos para cada linha de cuidado foram divididos em três grupos: o grupo 1, cujo financiamento está sob responsabilidade exclusiva da União, foi constituído por medicamentos que representam elevado impacto financeiro, por aqueles indicados para doenças mais complexas e para os casos de refratariedade ou intolerância à primeira ou à segunda linha de tratamento, e para aqueles que são contemplados em ações de desenvolvimento produtivo no complexo industrial de saúde. Os medicamentos do grupo 1 foram subdivididos em dois grupos: 1A, adquiridos diretamente pelo MS, e 1B, adquiridos pelo Estado com recursos repassados posteriormente pelo MS. O grupo 2 foi constituído por medicamentos indicados para o tratamento ambulatorial de doenças menos complexas, cuja responsabilidade exclusiva pelo financiamento foi atribuída às secretarias estaduais de saúde. Já o grupo 3 foi constituído por medicamentos do CBAF incluídos nas linhas de cuidado, com responsabilidade tripartite pelo financiamento. Portanto, dadas as particularidades no financiamento e execução do Ceaf em cada estado, optou-se, neste trabalho, por dar enfoque às estratégias de acesso aos medicamentos do grupo 1A, cuja aquisição se dá de forma centralizada.
A aquisição de medicamentos se constitui em um processo de obtenção como outro qualquer da administração pública e deve seguir a legislação, tendo como orientadora maior a Lei nº 8.66630. O suprimento adequado das necessidades de medicamentos, compreendendose os critérios de qualidade e preço, é um grande desafio colocado ao setor público de saúde. O componente especializado, pensado inicialmente para atender a uma parcela pequena e específica da população acometida por doenças consideradas de caráter excepcional, esbarrou na evolução técnico-científica mundial e transformou-se em porta de entrada de novos medicamentos para tratamento de doenças que, até então, não tinham cobertura pelo SUS5. A centralização da compra dos medicamentos do grupo 1A foi uma alternativa pactuada entre
o MS e os gestores das unidades federadas com o intuito de obter melhores preços, contratos estáveis, regularidade das entregas e pagamentos e redução de processos administrativos2.
É válido ressaltar que também foram estabelecidas regras para a definição dos valores unitários dos medicamentos adquiridos pelos estados com recurso da união (1B), assim como estratégias para redução dos preços, como a isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e a ampliação da possibilidade de aplicação do Coeficiente de Adequação de Preço (CAP), referente a um desconto mínimo obrigatório incidente sobre o preço de fábrica para quase a totalidade dos medicamentos do Ceaf29. Desse modo, o Preço Máximo de Venda ao Governo (PMVG), que resulta na aplicação do CAP sobre o preço de fábrica, determinando o teto de preço para compra dos medicamentos inseridos na lista de produtos sujeitos ao CAP, tornou-se um instrumento importante para delimitar o preço desses medicamentos. Com a entrada dos medicamentos genéricos no Brasil, os preços foram sendo reduzidos naturalmente pelo processo de concorrência. Quando se constata que o valor de mercado é inferior ao estabelecido pelo PMVG, o valor passa a ser definido com base na média ponderada desses valores praticados2
Na perspectiva das vantagens, a centralização da compra na área da saúde promove eficiência na aquisição pela otimização do processo de compra, com a redução de atividades sobrepostas, possibilitando, assim, a diminuição dos custos unitários do produto em razão do aumento do poder negocial pelo volume e pela padronização das compras17. Em contrapartida, a centralização introduz o fator distância, criando dificuldades no controle do processo e uma resposta mais demorada às unidades descentralizadas, assim como a possibilidade de falta de informação sobre as necessidades locais de cada instituição18. No entanto, a centralização não isenta os estados da responsabilidade com relação ao acesso aos medicamentos do grupo 1A –ao contrário, os gestores locais são atores fundamentais no processo de programação, etapa que representa um dos pontos cruciais do ciclo da assistência farmacêutica por sua relação direta com a disponibilidade e o acesso dos usuários aos medicamentos e com o nível de estoque, perdas ou excesso desses produtos19. Portanto, a aquisição centralizada de medicamentos depende fundamentalmente da qualidade dos dados primários gerados pelos estados e pelo Distrito Federal, de acordo com a estimativa das necessidades.
Um estudo refere que a motivação para a centralização ocorreu basicamente em razão da elaboração de políticas para o Complexo Industrial de Saúde20. A centralização da compra desses medicamentos seria um instrumento-chave para viabilizar projetos, como as parcerias público-privadas na produção de medicamentos, garantindo aos produtores a compra dos medicamentos fabricados. Em contrapartida, de acordo com documento divulgado pelo
MS, foram otimizados R$ 1,4 bilhão em cinco anos, considerando-se a redução dos preços dos medicamentos produzidos27. Houve um impulso na incorporação de novos medicamentos do Ceaf: de 7 fármacos em 13 apresentações farmacêuticas adquiridas em 2009 para 39 fármacos em 65 apresentações em 2014, além da ampliação do escopo de doenças tratadas: de 291 para 322 CID-10 (Classificação Estatística Internacional de Problemas e Doenças Relacionados à Saúde) contemplados. O orçamento aprovado pela Lei Orçamentária Anual (LOA) saltou de R$ 3,277 bilhões em 2009 para R$ 4,9 bilhões em 2014. A ampliação do Ceaf resultou no aumento do acesso a medicamentos. Em números absolutos obtidos pelo SIA/SUS, 1.332.672 pessoas foram tratadas em 2008; em 2013, esse número saltou para 1.751.387 pessoas. Uma análise9 sobre os medicamentos incorporados pelo SUS, entre janeiro de 2012 e julho de 2015, identificou que 55,8% destes passaram pelas estratégias de negociação de preço por meio de compra centralizada ou do estabelecimento de acordos de preços, entre o Ministério da Saúde e os fabricantes, para definição de um preço limite a ser praticado nas compras pelos estados. Essas estratégias possibilitaram a redução sistemática dos preços desses medicamentos para além do preço proposto para incorporação, que já é uma proposta reduzida em relação ao Preço Máximo de Venda ao Governo (PMVG). Um estudo realizado em Pernambuco comparou os custos dos medicamentos para Artrite Reumatoide do grupo 1A, adquiridos em 2010, quando a compra ocorria de forma descentralizada, com os custos no ano 2012, por meio de um processo de compra centralizada totalmente implantado. Os resultados mostraram uma economia significativa de 48,2% nos gastos com esses medicamentos10.
A crescente demanda por medicamentos e o impacto financeiro gerado é um grande desafio para o acesso sustentável a essas tecnologias por meio do SUS. Essa tarefa torna-se ainda maior ao se tratar dos medicamentos do Ceaf de aquisição centralizada, que geralmente representam maior impacto financeiro. O desenvolvimento contínuo de novas tecnologias e sua incorporação nos sistemas de saúde constitui um dos principais determinantes do aumento do gasto em saúde no mundo todo11. A pressão para incorporação de medicamentos envolve a ação de produtores, pacientes, prescritores, sociedades médicas, associações de portadores de doenças e o próprio sistema judiciário que, constantemente, aciona a União, os estados e os municípios para atendimento às demandas com base no direito constitucional à saúde integral12
A definição do elenco do Ceaf deve envolver a seleção adequada dos medicamentos seguros e custo-efetivos e a identificação dos grupos que se beneficiam do seu uso, com base
em evidências científicas, no sentido de racionalizar e otimizar o acesso. Com vistas à regulação pautada em evidências, foi criada a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), regulamentada pelo Decreto nº 7.646, de 21 de dezembro 201131, com o objetivo de assessorar o MS nas atribuições relativas à incorporação, à exclusão ou à alteração de tecnologias em saúde pelo SUS, bem como na constituição ou na alteração dos PCDT. Os PCDT são instrumentos importantes para a padronização dos medicamentos ofertados nas diferentes fases evolutivas das doenças, norteando o acesso aos medicamentos pelo Ceaf. Assim, a partir das análises críticas da literatura disponível sobre a eficácia, a efetividade, a segurança e os custos, a Conitec emite parecer a favor ou contra a incorporação de um medicamento na lista do Ceaf. A disponibilização dos relatórios, além de dar transparência ao processo, norteia a tomada de decisão dos gestores do SUS. Dados do MS de 2013 demonstram que a Conitec analisou, entre 2011 e 2013, quatro vezes mais tecnologias do que a média entre 2006 e 2011, sendo mais de 20% delas aprovadas32.
A adequação a determinados parâmetros regulatórios para incorporação de medicamentos pode ser um impeditivo para a garantia do acesso às tecnologias com pouco investimento ou sem interesse de mercado, resultando no agravamento do quadro de escassez de tratamentos para doenças, até certo ponto, negligenciadas13. Agências reguladoras internacionais já desenvolveram normas diferenciadas para fomentar a pesquisa e o registro desses medicamentos. Para o Brasil, porém, ainda é um desafio avançar na regulação e na incorporação de medicamentos sem interesse mercadológico, com vistas à redução das iniquidades na saúde.
A dificuldade de acesso à farmacoterapia por meio do Ceaf tem culminado no incremento de vias alternativas de acesso aos medicamentos desse componente, como a via judicial. Os gastos com a judicialização de medicamentos não constam nos planos anuais de saúde e nas LOA. Assim, o custeio das ações judiciais é garantido com a utilização de recursos dos componentes existentes, resultando no aumento exponencial de gastos com o Ceaf. Em um estudo14 que analisou a solicitação judicial de medicamentos previstos nos componentes da assistência farmacêutica no SUS entre 2005 e 2009 no estado de São Paulo, dos 81 processos judiciais para fornecimento de 128 medicamentos, 19,5% estavam previstos no Ceaf, sendo que cinco ações foram demandadas para o tratamento de doenças previstas nos PCDT; três casos não apresentaram evidências de benefício que justificasse a prescrição e a utilização do medicamento; em três casos os medicamentos não eram recomendados para a maioria dos pacientes; e apenas um caso apresentava indicação não prevista em PCDT com elevado grau de recomendação descrito na literatura. O fornecimento de medicamentos pela via judicial,
portanto, frequentemente ocorre sem a adequada análise da efetividade, da segurança e do custo-benefício do tratamento solicitado. Assim, a criação de colegiados compostos por profissionais de saúde que avaliem a necessidade de medicamentos solicitados, aliada à melhor divulgação dos meios de acesso aos medicamentos por meio do Ceaf, poderia frear o aumento de gastos com ações judiciais e, dessa forma, otimizar os recursos empregados com a saúde15 Portanto, é necessário que o MS desenvolva estratégias de comunicação com a sociedade para que haja maior engajamento dos usuários e da população em geral com o fluxo de incorporação de tecnologias do Ceaf, assim como com os meios de acesso a esses medicamentos. Embora esteja prevista a participação do Conselho Nacional de Saúde nas reuniões plenárias da Conitec, o envolvimento dos usuários nesse processo tem sido reduzido no Brasil11. A obrigatoriedade de submeter à consulta pública todas as propostas abre, em tese, a possibilidade de participação da sociedade para que ela, desse modo, possa opinar e traduzir as suas necessidades relacionadas a medicamentos em alternativas de acesso por meio do SUS.
No Ceaf, todos os anos, entre os meses de junho e julho, é necessário realizar a programação anual da compra dos medicamentos: é levantada a estimativa de consumo para o ano seguinte e se elabora uma proposta orçamentária na forma de projeto de lei, contendo a estimativa da receita e a fixação da despesa para o próximo exercício financeiro2
A estimativa das necessidades por meio da programação representa um dos pontos cruciais do ciclo da assistência farmacêutica, pois tem influência direta sobre o abastecimento, o acesso ao medicamento e o nível de perdas de produtos16. Para tal, devem ser observadas a garantia do acesso aos medicamentos do grupo 1 já ofertados, a previsão de ampliação do acesso a novos pacientes e a previsão de incorporação de novos medicamentos ou o aumento de cobertura de CID-10. Para dar suporte à programação, foram desenvolvidos sistemas de informações, como o Sistema de Logística em Saúde (Silos), o Tabnet e o Sistema Integrado de Administração de Material (Sismat), além do já citado Hórus Especializado (HE) – Sistema Nacional de Gestão da Assistência Farmacêutica.
Um sistema de informação eficiente permite evitar a falta ou o desperdício de medicamentos, garantindo a regularidade no abastecimento e a provisão das necessidades dos serviços de saúde 33. O Hórus foi concebido para qualificar a gestão do Ceaf pela realização eletrônica do controle e do monitoramento dos recursos investidos na aquisição e na identificação, em tempo real, do estoque dos medicamentos nas unidades assistenciais e centrais de abastecimento. Além disso, na concepção no programa, pensou-
se na geração de dados para a construção de indicadores da assistência farmacêutica para auxiliar na avaliação, no monitoramento e no planejamento das ações27. O SUS se encontra fragmentado em razão da fragilidade do processo de articulação entre as instâncias gestoras do sistema, dos serviços e das práticas clínicas desenvolvidas, dificultando o acesso e a continuidade do cuidado nos diversos níveis de atenção 17. Ainda, existem várias alternativas reconhecidas pelo MS para o registro e para a coleta de dados de entrada e saída de medicamentos nos municípios e estados, mesmo sem um programa informatizado, seja por meio de fichas e/ou planilhas. No entanto, esses recursos dificultam ou até impossibilitam a análise conjunta dos dados devido à baixa mobilidade e acesso dos dados e à falta de padrões de informação 34. Considerando que as necessidades de medicamentos se originam nas unidades de saúde com base no perfil epidemiológico da população e que o advento da centralização da compra de medicamentos gera um natural afastamento entre os processos de aquisição e as unidades descentralizadas, detentoras de informações fundamentais para programação, o desenvolvimento de sistemas de informação que aproximem as realidades torna-se fundamental para evitar desabastecimentos.
O HE ainda se encontra em fase de implantação e não tem adesão total em todos os estados que dispõem de sistemas próprios para repasse de informações ao nível central. Ainda assim, em 2011, dois estados e o DF já tinham implantado o sistema. Em 2013, esse valor subiu para 14 estados e o Distrito Federal29. A implantação de sistemas de informação tem proporcionado desafios para serem vencidos nesse novo contexto da informação eletrônica, desencadeando a necessidade de ultrapassar alguns problemas emergentes, tais como a resistência às mudanças e aos aparatos tecnológicos e a adaptação dos sistemas à realidade dos processos de trabalho dos profissionais, assim como a disponibilização de recursos para a adequada adaptação e informatização19. Um estudo18 avaliou, por meio de pesquisa de campo, a implantação do Hórus em seis municípios, identificando como dificuldades a falta de estrutura física, equipamentos, mobiliários e conexão à Internet; dificuldade na utilização das funcionalidades do sistema pelos operadores; falta de apoio do gestor; dificuldade na organização do processo de trabalho; resistência dos profissionais; e registro incorreto dos dados. A falta de padronização na coleta de dados, a irregularidade e a falta de homogeneidade das informações, além da dificuldade na compatibilização de diferentes sistemas de informação, podem se constituir, portanto, de entraves para o planejamento das compras de medicamentos.
A falta de organização e estruturação dos serviços farmacêuticos interfere diretamente no processo de gestão e no aumento dos gastos com a aquisição de medicamentos33.
A assistência farmacêutica deve ser formada por uma equipe multidisciplinar, capaz de responder pela operacionalização das atividades, pelo cumprimento das especificações técnicas, das normas administrativas e da legislação vigente, pela análise dos aspectos jurídicos, administrativos e financeiros, pelo sistema de informações e pela gestão eficiente de estoque34 Além disso, a área física destinada ao armazenamento dos medicamentos deve assegurar a manutenção da qualidade seguindo as boas práticas de estocagem, de modo a prevenir perdas por más condições de armazenamento ou por validade expirada. De acordo com o Conselho Federal da Farmácia (CFF), calcula-se que, em média, 20% dos medicamentos comprados pelo poder público e pelos hospitais privados são desperdiçados anualmente – não só por falhas na aquisição, mas também pelo armazenamento e gestão inadequados dos produtos, causando um desperdício para os governos federal, estadual e municipal de cerca de R$ 1 bilhão ao ano35. No intuito de minimizar perdas, a programação da compra de medicamentos deve ser realizada com base em dados fidedignos repassados das unidades dispensadoras para o nível central. Para tal, os serviços farmacêuticos devem estabelecer um fluxo logístico que permita a identificação do histórico de entradas e saídas, dos níveis de estoque e dos dados de consumo, além de considerar a sazonalidade e outros fatores que provoquem flutuação no consumo, de modo a estimar suas necessidades adequadamente. A gestão do estoque, do nível central até as unidades dispensadoras, passando pelas centrais de abastecimento dos estados e dos municípios, deve ser realizada de modo a estabelecer um fluxo que possibilite o atendimento oportuno às necessidades da população, evitando, assim, desabastecimentos.
O ato de dispensação de medicamentos, considerado pela Política Nacional de Medicamentos36:sp como o “conjunto de ações realizadas pelo profissional farmacêutico, que tem por finalidade o fornecimento de medicamentos e a orientação para o seu uso racional”, deve contribuir para a otimização dos benefícios e minimizar os riscos relacionados à farmacoterapia, tornando-se uma oportunidade de corrigir problemas associados à utilização dos medicamentos. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS)37, é necessário assegurar uma utilização racional e econômica dos medicamentos, e os farmacêuticos têm uma atribuição fundamental para desempenhar a esse respeito, no que se refere às necessidades do indivíduo e da sociedade. Segundo dados da OMS de 199938, 50% de todos os medicamentos são prescritos, dispensados ou usados inadequadamente, o que pode gerar graves impactos financeiros para os sistemas de saúde. Assim, diante do exposto, ressalta-se a importância de manter os serviços farmacêuticos com recursos humanos suficientes para garantir o uso racional de medicamentos e a adequada adesão ao tratamento reduzindo, assim, os custos desnecessários gerados pelo impacto do uso inadequado de medicamentos.
As transformações ocorridas nas últimas décadas na assistência farmacêutica propiciaram a ampliação do acesso a medicamentos – insumo fundamental na busca pela efetivação da assistência terapêutica integral no SUS. O Ceaf, fruto dessa evolução, tem contribuído para a garantia da integralidade do tratamento medicamentoso ao se configurar como uma estratégia de acesso a medicamentos historicamente conhecidos como de “alto custo” ou “excepcionais” por meio de linhas de cuidado descritas em PCDT. Ao mesmo tempo em que se amplia o acesso da população à saúde, deve-se buscar instrumentos e estratégias para reduzir o impacto financeiro dessas tecnologias e garantir a sustentabilidade do acesso. Assim, a aquisição centralizada dos medicamentos do grupo 1A constituiu-se uma estratégia para otimizar os recursos financeiros disponíveis por meio da redução do preço a partir do poder de compra da União. De forma semelhante, a seleção adequada do elenco do Ceaf, pela definição de parâmetros regulatórios para a incorporação de medicamentos, e o aprimoramento da programação, pelo desenvolvimento de ferramentas e sistemas de informação, são importantes passos para racionalizar o acesso a medicamentos e aos recursos empregados. Reconhece-se muitos avanços na implementação da política de acesso aos medicamentos do componente especializado no SUS. Porém, muitos desafios ainda precisam ser superados, como a integração das ações e dos serviços do nível central até as unidades assistenciais, com a organização dos processos de trabalho e a padronização de condutas, de modo a garantir a continuidade da atenção. Nesse sentido, a padronização dos sistemas de informação é fundamental para uma adequada gestão de estoque e para um aumento da eficiência do fluxo logístico. A homogeneidade de informações minimiza a distância entre a execução de atividades assistenciais e o planejamento da aquisição, de modo a evitar desabastecimentos e perdas. A estruturação dos serviços farmacêuticos, com o provimento de recursos humanos e físicos, também é fundamental para garantir o adequado armazenamento, a gestão de estoque e a dispensação qualificada e focada no cuidado ao paciente, de modo a garantir a adesão ao tratamento e o uso racional de medicamentos.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Priscila Moreira Lauton e Marcelo Ney de Jesus Paixão.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Priscila Moreira Lauton e Marcelo Ney de Jesus Paixão.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Priscila Moreira Lauton.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Priscila Moreira Lauton e Marcelo Ney de Jesus Paixão.
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Recebido: 15.9.2020. Aprovado: 25.9.2020.
Caique de Moura Costaa
Marília Santos Fontourab
Silvia Santos Rochac
Resumo
O Curso de Especialização em Saúde Pública tem grande importância no cenário de oferta de ações de educação permanente em Saúde no estado da Bahia. Contribui para a formação de novos sanitaristas, para a organização e o desenvolvimento do processo de trabalho em saúde, entre outros. O grande número de inscrições para seleção para esta modalidade de especialização aponta para a necessidade de descentralização e regionalização, com vistas a contribuir para ampliar o acesso de profissionais à especialização na área da Saúde Pública. Como ferramenta de análise, utilizou-se mapas visuais que possibilitaram observar a distribuição entre demanda e oferta de vagas do Curso de Especialização em Saúde Pública. Tomou-se como objeto de análise o quantitativo total de inscritos interessados em se especializar e o número de matriculados no curso. Foi percebido que o número de interessados em especializar-se é superior ao número de vagas ofertadas, tanto na capital como em municípios e regiões do estado. Tais resultados permitem afirmar a existência de grande interesse por parte dos profissionais de saúde em se especializar, o que pode apontar uma necessidade de expansão deste tipo de curso para outras regiões da Bahia. Parece ser relevante para o conjunto de profissionais de saúde de diversas regiões a continuidade da oferta de vagas para o Curso de Especialização em Saúde Pública, de forma descentralizada, o que pode indicar ou fortalecer sua realização na modalidade EAD, possibilitando maior acesso e atendimento às necessidades de educação permanente dos municípios e regiões da Bahia.
Palavras-chave: Educação em saúde. Descentralização. Regionalização. Saúde pública.
a Sanitarista. Especialista em Saúde Coletiva sob a forma de residência na área de concentração em Planejamento e Gestão em Saúde. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: caiqueleblof@gmail.com b Enfermeira Sanitarista. Doutora em Saúde Coletiva. Professora Adjunta da Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: marilia.fontoura@saude.ba.gov.br c Sanitarista. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: silviarsantos@hotmail.com
Endereço para correspondência: Avenida Antônio Carlos Magalhães, s/n, Iguatemi. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 40275-350. E-mail: caiqueleblof@gmail.com
Abstract
The Specialization Course in Public Health has great importance in providing permanent education measures in Health in the state of Bahia. It contributes to the formation of new sanitarians, to the organization and development of the work process in health, among others. The large number of applications for this specialization indicates a need for decentralization and regionalization, in order to contribute to increase the access of professionals to specialization in the area of Public Health. Visual maps were used to observe the distribution between the demand and offer of vacancies in the Specialization Course in Public Health. We verified the total number of students interested in specializing and the number of students enrolled in the course. The number of people interested in specializing is higher than the number of vacancies offered, both in the capital and in municipalities and regions of the state. These results showed great interest on the part of health professionals to specialize, which may point to a need to expand this type of course to other regions of Bahia. It seems to be relevant for the group of health professionals from different regions to continue offering spots for the Specialization Course in Public Health in a decentralized manner, which may indicate or strengthen their performance in the EAD modality, allowing for greater access and attendance to the needs of permanent education of the municipalities and regions of Bahia.
Keywords: Health education. Decentralization. Regionalization. Public health.
PERSPECTIVA DE DESCENTRALIZACIÓN Y REGIONALIZACIÓN DE UN CURSO DE ESPECIALIZACIÓN EN SALUD PÚBLICA EN BAHIA
Resumen
El Curso de Especialización en Salud Pública tiene gran importancia en el escenario de oferta de acciones de educación permanente en Salud en el estado de Bahia. Contribuye a la formación de nuevos sanitaristas, para la organización y el desarrollo del proceso de trabajo en salud, entre otros. El gran número de inscripciones para la selección de esta modalidad de especialización apunta a la necesidad de descentralización y regionalización, con miras a contribuir a ampliar el acceso de profesionales a la especialización en el área de la Salud Pública. Como herramienta de análisis, se utilizaron mapas visuales que posibilitaron observar la distribución entre la demanda y
oferta de vacantes del Curso de Especialización en Salud Pública. Se toma como objeto de análisis el cuantitativo total de inscritos interesados en especializarse y el número de matriculados en el curso. El número de interesados en especializarse es superior al número de vacantes ofertadas, tanto en la capital como en municipios y regiones del estado. Los resultados permiten afirmar la existencia de gran interés por parte de los profesionales de la salud en especializarse, lo que puede apuntar una necesidad de expansión de este curso para otras regiones de Bahia. Resulta relevante para los profesionales de la salud de diversas regiones que haya una continuidad de las vacantes ofertadas para el Curso de Especialización en Salud Pública, de manera descentralizada, lo que puede señalar o fortalecer su ejecución en la modalidad EAD, posibilitando el mayor acceso y atención a las necesidades de educación permanente de los municipios y regiones de Bahia. Palabras clave: Educación en salud. Descentralización. Regionalización. Salud pública.
O Curso de Especialização em Saúde Pública (Cesp) tem entre suas finalidades contribuir com a formação de sanitaristas e implementar novas práticas para organização e/ou reorganização do trabalho em saúde, tendo como referência prioritária os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS).
No momento em que os sistemas de saúde passam por dificuldades no que se refere às ameaças de desfinanciamento ao perfil profissional, que a despeito das diretrizes curriculares ainda valoriza o modelo hospitalocêntrico, e considerando a necessária mudança na organização das práticas e processos de trabalho, é relevante não apenas a oferta de cursos que possibilitem a reorientação ou formação de novos olhares e perfis, mas também a implementação de estratégias capazes de ampliar o acesso a estes cursos. É nessa perspectiva que a descentralização e regionalização de processos educativos são aqui apontadas como capazes de potencializar a ampliação de olhares críticos e formar profissionais para realizarem as mudanças necessárias ou requeridas no sistema de saúde, seja no plano estadual, regional ou municipal.
Alguns anos se passaram desde que as 28 microrregiões de Saúde da Bahia, definidas no Plano Diretor de Regionalização de 2007, passaram a ser reconhecidas como Regiões de Saúde, conforme publicação da Resolução CIB nº 2751 do ano de 2012 com base no Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 20112, que ao regulamentar a Lei 8080/90 dispõe sobre a organização – planejamento, assistência e articulação interfederativa – do SUS.
Após as transformações organizacionais, o processo de construção do SUS na Bahia passou a caminhar em direção a um aprofundamento da regionalização da gestão de ações e serviços, o que aponta para uma necessária implementação de ações de forma descentralizada, possibilitando, talvez, a construção de uma rede que favoreça a uma corresponsabilização na gestão e implementação dessas ações – envolvendo estado, região e municípios –, podendo, assim, impactar na redução da ausência de políticas regionais nacionais e estaduais, que segundo Blatt3 resultam no avanço das desigualdades regionais.
Nessa lógica, pode ser dito que a descentralização e regionalização da gestão e dos serviços de saúde têm se tornando tendência na Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (SESAB).
Diversos setores já atuam nessa lógica e acredita-se que em breve uma grande parte da gestão e dos serviços avancem na adoção desse modelo (ou estratégia) de expansão e ampliação do acesso a ações e serviços de saúde, favorecendo a universalização e integralidade da atenção.
De acordo com Mello4, a maior parte das Secretarias Estaduais de Saúde tem sido ausentes no papel de coordenação do processo regional. Entretanto, no estado da Bahia, nas últimas gestões e especialmente na gestão atual, a regionalização foi tomada como diretriz política para o planejamento em saúde, o que, de certa forma, pode ser evidenciado pelos investimentos e distribuição dos equipamentos de atenção especializada e hospitalar, bem como pela descentralização de outras ações voltadas para qualificação da atenção básica – como a formação técnica profissional dos Agentes Comunitários de saúde, que vem sendo realizada com êxito pela Escola de Formação Técnica em Saúde (EFTS), pela Superintendência de Recursos Humanos da Saúde (SUPERH) e pela SESAB em parceria com os municípios e com financiamento do Ministério da Saúde.
Apesar da orientação política da regionalização na Bahia – evidenciada por algumas iniciativas de descentralização da formação técnica desenvolvidas pela EFTS, SUPERH e SESAB –, muitas ações de formação e educação permanente em saúde ainda carecem de “redesenhos” metodológicos e ações estratégicas para implantação de iniciativas que favoreçam ou garantam efetivamente a descentralização e regionalização das atividades e ações no campo da formação e educação permanente. Isso não só no sentido de ampliar o acesso a essas ações, como também para constituir-se em estratégia de melhoria da qualidade dos serviços, através da valorização e qualificação dos trabalhadores e gestores nas diversas esferas ou instâncias do SUS.
Nessa direção, tomando por referência a portaria nº 4.279, de 30/12/20105, que estabelece as diretrizes para organização das redes de atenção à saúde no âmbito do SUS, podemos inferir que as ações de educação permanente e formação na Saúde também carecem de uma organização em rede.
De acordo com Mendes6, as Redes são formadas por três elementos fundamentais: uma população, uma estrutura operacional e um modelo de atenção à saúde. Do ponto de vista da construção de uma estratégia que favoreça o acesso à educação em saúde, é necessário que o planejamento dessas ações se adeque também ao modelo de estruturas ou estratégias que utilizem ou colaborem com as redes de atenção à saúde.
Para Rovere7, a construção de uma rede depende de cinco elementos, são estes: o reconhecimento de um território, o conhecimento da cultura e subjetividade do espaço, a colaboração entre os atores envolvidos, a cooperação entre os mesmos e a associação. Os conceitos e elementos constitutivos de redes apontados pelos autores citados podem ser inspiradores de desenhos e estratégias metodológicas para efetivamente regionalizar e descentralizar as atividades de formação e educação na saúde.
De acordo com Mello8, a ideia de regionalização surge durante a primeira metade do século XX e passa a ter mais visibilidade durante a década de 1960, momento em que se iniciam as discussões sobre planejamento em saúde. A temática de regionalização estava vinculada inicialmente ao sistema de ensino, extensão e pós-graduação médica, sugerindo assim a possibilidade de adotar a estratégia de redes para a oferta de ações educativas nos dias atuais.
Durante o período da Reforma Sanitária, várias mudanças se deram no cenário da Saúde, principalmente nas discussões sobre a democratização da saúde e reorganização do sistema de saúde, na busca de novas práticas, na valorização de certos conceitos que fundamentam as novas diretrizes de organização e na reformulação das práticas, se baseando em conceitos como saúde coletiva e vigilância em saúde. Essas transformações apontam para a necessidade de mudanças nos processos de trabalho em saúde e nos processos de formação e qualificação de profissionais atuantes nessa área9.
A necessidade de qualificar profissionais com competências gerais e específicas para atuarem na área da Saúde Pública/Saúde Coletiva como sanitaristas – nos serviços, unidades e sistemas de saúde, seja no âmbito estadual, regional ou municipal – teria nessa estratégia em rede uma oportunidade de favorecer a ampliação do acesso à formação e qualificação profissional, superar a possível centralização e fragmentação da oferta de ações de educação na saúde e aperfeiçoar o funcionamento e o alinhamento político institucional no que se refere à regionalização dos serviços e ações de saúde na Bahia.
Uma característica do curso é a adoção de novas metodologias de formação para o serviço, tendo como diretriz pedagógica o trabalho como princípio educativo, tomando por base a experiência/vivência de forma a valorizar o aluno/trabalhador enquanto sujeito de mudança, capaz de contribuir com a construção e reorganização do processo de trabalho do SUS10. Tais aspectos
reforçam a adoção da regionalização e da implementação do curso em rede, visto que favoreceria o desenvolvimento de parte das atividades pedagógicas do curso nos próprios ambientes onde atuam. Além dos aspectos acima citados, no que se refere ao Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), é sugerido que os temas estejam também associados a problemas, passiveis de intervenção, identificados no contexto de trabalho do discente/trabalhador. Nessa direção, os TCC funcionam também como ferramentas de indução de mudanças e melhorias nos serviços de saúde onde esses profissionais estão inseridos. Assim, na possibilidade de a oferta dos cursos passar a ser prioritariamente descentralizada, regionalizada e articulada em rede, se pode favorecer ou contribuir com as mudanças e melhorias necessárias em cada local e região do estado, o que, para além de outros aspectos, justificaria um investimento e esforços no sentido de descentralizar e regionalizar ofertas de educação na saúde.
Pode ainda ser destacado que o uso da modalidade do Projeto de Intervenção para a construção dos TCCs serve como estratégia metodológica para se continuar experimentando a implantação de um modelo lógico de avaliação de ações educativas em profundidade de forma integrada e contínua, desde a avaliação de reação dos discentes a cada módulo e aspectos que envolvem a ação educativa, passando pela avaliação de aprendizagem para, em seguida, através dos Projetos de Intervenção, avaliar a transferência e uso do conhecimento na prática e o comportamento do egresso do curso em seu trabalho – ou seja, avaliar os efeitos da ação educativa no comportamento e prática do sujeito. Em seguida ainda é possível se buscar avaliar os efeitos da ação educativa nos serviços e unidades de saúde. Esse modelo lógico, constituído sob o referencial teórico de autores como Hamblim11, Kirkpatrick12, Abbad13,14, BorgesAndrade15,16, tem sido, ainda que de forma incipiente, estudado e usado no curso de Saúde Pública em questão, que foi inclusive objeto de um dos TCC17
ESTRATÉGIAS E MÉTODOS DE UM CURSO PASSÍVEL DE UM DESENVOLVIMENTO
REGIONALIZADO
O ingresso para a Especialização em Saúde Pública se deu de formas semelhantes entre as duas turmas. Ambas tiveram em seu processo seletivo inscrições provenientes da Bahia de 1.006 (Turma 1) e 1.955 (Turma 2) profissionais de nível superior de várias áreas e de diferentes municípios do estado da Bahia, tendo como quantidade de vagas disponíveis 44 e 48 vagas, respectivamente. Ao somar os inscritos das duas turmas, foram totalizados 3.023 inscritos. Destes 81 foram originários de outros estados, sendo que 2.942 foram originários apenas das regiões da Bahia, o que demonstra não só uma diversidade de interesse profissional como uma abrangência territorial de interesses no referido curso.
Entre as duas turmas, com oferta centralizada, do total de inscritos foram matriculados 92 (3%) profissionais. Destes, 71 (77%) concluíram e 21 (23%) desistiram por diversas motivações, sendo que uma dessas justificativas foi a distância geográfica do local de residência e o espaço físico onde se localizava o curso.
O CESP foi pensado de modo que as vagas pudessem atender à demanda por especialização na área de todo o estado da Bahia. Entretanto, percebe-se que existe uma demanda maior do que o número de vagas ofertadas até o momento. Além disso, já que a oferta se dá de forma centralizada no município de Salvador, os profissionais selecionados para o curso acabam arcando com todos os gastos de passagem e hospedagem, pois muitos viajam de longe para garantir a oportunidade de se especializar/qualificar.
Com base nos formulários de inscrição, observa-se que essa busca não é apenas pelo interesse pessoal em se qualificar, mas também pelo desejo de melhorar sua prática profissional – aspectos estes que o curso proporciona por meio de competências como o pensar criticamente sobre os processos que envolvem a saúde pública no estado, além de garantir ferramentas e tecnologias para o planejamento em saúde.
Na Bahia, discussões têm sido feitas por diversos atores sobre o desenho do curso, o que demonstra o interesse e a possibilidade da realização de uma terceira turma do curso e de incluí-lo na oferta permanente de cursos da Escola de Saúde Pública da Bahia (ESPBA), como uma ação educativa descentralizada e regionalizada, visando ampliar o acesso e difundir, de forma compartilhada, a gestão do processo educativo entre as regiões de saúde – atendendo às demandas advindas dos municipais e regiões.
Este trabalho pretende analisar a distribuição dos inscritos e matriculados do curso, correlacionando tais informações com a perspectiva de regionalizar as ações educativas no campo da saúde no estado. Busca evidenciar também as possibilidades de reorganização do formato e do desenho de implementação do curso, além de possibilitar a reflexão quanto à insuficiência de vagas para atender a demanda por qualificação especializada no estado, considerando a possível manutenção ou permanência do atual formato (centralizado).
Trata-se de um estudo reflexivo-propositivo que, além de dar visibilidade a um curso e sua metodologia, usa como ferramenta de análise a comparação entre a demanda e oferta de vagas do CESP na Bahia. Tomou como objeto para a análise o quantitativo total de d Chamamos de oferta centralizada os cursos que são realizados em Salvador na sede da Escola de Saúde Pública.
inscritos interessados em se especializar e o número de discentes matriculados efetivamente no curso, buscando associar com uma perspectiva de regionalização da oferta.
Os dados foram coletados do sistema de inscrições e matrículas do Curso em questão, os quais foram sistematizados em uma matriz de Excel com as categorias/variáveis:
“Município de Residência” e “Estado”. Posteriormente, os dados foram agrupados por região de saúde e município e utilizados na construção de mapas visuais que possibilitassem a leitura e análise do cenário de demanda e oferta do curso.
Para a construção dos mapas, foi utilizada a ferramenta de “Visões Personalizadas” do site da Diretoria de Modernização Administrativa, disponível aos usuários e gestores do Sistema Único de Saúde, onde se encontra um mapa virtual que possibilita obter informações básicas relativas à Regionalização da Saúde do Estado da Bahia, que podem auxiliar no processo de gestão e planejamento do SUS no estado ao possibilitar uma visualização unívoca e georreferenciada da área18. Na análise buscou-se, ainda, associar os dados com a necessidade e possibilidade de uma reorganização da oferta de forma descentralizada, visando atender à demanda.
O Mapa de Demanda (Figura 1) evidencia o interesse em participar do curso e receber o título de especialista em saúde Pública. 67% dos municípios baianos tiveram inscrições de profissionais interessados nas vagas.
Dos profissionais interessados, apenas 3% (92) foram contemplados para ocupar as vagas disponibilizadas nos editais das duas turmas do Cesp. Os discentes selecionados estavam distribuídos em 14 regiões (50%), resultando em vazios na oferta da ação educativa, conforme mostra a Figura 2.
Figura 2 – Mapa da distribuição das vagas – matriculados no Cesp/Bahia (turmas de 2016 e 2017)
Região de Saúde Municípios com matriculados no curso
Fonte: Sistema de Inscrições e Matrículas – ESPBA Professor Jorge Novis.
Quanto à distribuição dos selecionados em relação aos municípios e regiões de saúde, percebe-se na Tabela 1 que a maior parte dos discentes encontra-se na capital onde o curso é ofertado, possivelmente porque a maioria dos inscritos é oriunda da capital e região.
Tabela 1 – Distribuição loco-regional dos discentes matriculados no Cesp/Bahia (turmas de 2016 e 2017)
Tabela 1 – Distribuição loco-regional dos discentes matriculados no Cesp/Bahia (turmas de 2016 e 2017) (conclusão)
Fonte: Sistema de Inscrições e Matrículas – ESPBA Professor Jorge Novis.
Do número total de inscritos (3.023) o município de Salvador concentrou a maior parte das pessoas interessadas, pela especialização em Saúde Pública, seguido de municípios dispostos na Tabela 2 e apontados na Figura 3
Tabela 2 – Relação de municípios com maior concentração de demandas pela especialização em saúde pública (continua)
Tabela 2 – Relação de municípios com maior concentração de demandas pela especialização em saúde pública (conclusão)
com maiores demandas
Fonte: Sistema de Inscrições e Matrículas – ESPBA Professor Jorge Novis.
Região de Saúde M Município com maiores demandas unicípio de Salvador
Fonte: Sistema de Inscrições e Matrículas – ESPBA Professor Jorge Novis.
O curso necessitou de uma articulação intrainstitucional estabelecida nas duas turmas e que consistia na obtenção do apoio das áreas técnicas favorecendo a integração ensinoserviço. O processo de trabalho tem sido o fio condutor do processo educativo, na medida em que existe uma articulação dos problemas e questões enfrentados na vivência prática com as temáticas e conhecimentos proporcionadas pelo curso.
Os resultados apontam grande interesse dos profissionais da saúde atuantes no SUS pela especialização em Saúde Pública. De acordo com Souza19, a oferta dessa modalidade de educação teve maior destaque no estado da Bahia, já que os números de inscritos foram superiores aos dos outros estados do Brasil que participaram do mesmo projeto da Redescola, ENSP e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) financiado pelo Ministério da Saúde.
O mapa da Figura 1 evidencia a busca de profissionais e a diversidade de municípios e regiões na busca por especialização na área de Saúde Pública/Saúde Coletiva. Pode-se perceber que tal interesse se manteve crescente no estado, levando em consideração o número de inscritos na primeira e na segunda turma.
Quanto ao número de inscrições, mostra que o interesse é muito maior que o número de vagas, sugerindo assim a relevância que a ação educativa tem para os profissionais que atuam nos serviços públicos de saúde e indicando a necessidade de descentralizar e regionalizar o Cesp.
Ao comparar a Figura 1 com a Figura 2, fica visualmente evidente a discrepância entre oferta de vagas e demanda/interesse, o que sugere a necessidade de ampliar o número de vagas e a oferta das mesmas levando em consideração a lógica de regionalização que já é utilizada no estado em relação a outros serviços e campos de ação.
A tabela de distribuição loco-regional (Tabela 1) possibilita compreender quais municípios possuem maior número de profissionais selecionados para a especialização. A cidade de Salvador se destaca por concentrar a maioria de matriculados. Tal aspecto já era esperado, pois existe uma grande concentração de profissionais da saúde no município – o que acaba impossibilitando a distribuição uniforme das vagas. Esse cenário pode sugerir também que participar de um curso centralizado nem sempre é viável para os profissionais de municípios e regiões mais distantes, apontando, mais uma vez, a necessidade de regionalizar o curso e ampliar a oferta de vagas e oportunidades de qualificação e valorização do trabalhador da saúde.
Por fim, a Tabela 2 e a Figura 3 possibilitam identificar quais municípios concentram os maiores números de interessados. Visualmente percebe-se certa aproximação geográfica de tais municípios com a cidade de Salvador, o que sugere mais uma vez a discussão da viabilidade de profissionais que moram em regiões mais distantes cursarem a especialização no modelo de oferta atual, concentrado na sede e de forma presencial.
É possível afirmar com base nos achados que, apesar do número de profissionais interessados em se especializar, apenas um pequeno número de profissionais é contemplado com a oportunidade.
Os resultados deste estudo indicam a necessidade da continuidade da oferta de vagas para o Cesp através da incorporação do mesmo no conjunto de ofertas permanentes da Escola de Saúde Pública. A importância de uma oferta descentralizada permite avançar na perspectiva de um desenvolvimento institucional que busque viabilizar essa oferta na modalidade EAD, considerando não só a extensão geográfica do estado, mas, principalmente, a regionalização da Saúde na Bahia – possibilitando maior acesso dos profissionais e contemplando as necessidades de educação permanente dos municípios e regiões do estado. Pode se constituir também numa oportunidade de melhoria das práticas e processos de trabalho que, possivelmente, poderão impactar positivamente nos indicadores dos serviços e unidades onde atuam os discentes/trabalhadores.
Quanto à oferta de vagas regionalizadas, é preciso – assim como é possível - ser articulada com as equipes de educação permanente dos Núcleos Regionais, com representações das Universidades localizadas em cada região, bem como com os servidores/trabalhadores efetivos do SUS que atuam nas regiões – incluindo os egressos do curso em questão, que podem desempenhar um papel importante na mediação e implementação deste em cada uma das macrorregiões.
Podemos dizer que o Cesp possui significado e relevância no cenário das ações educativas ofertadas pela ESPBA/BA, já que o mesmo permite que esses profissionais sanitaristas egressos desenvolvam uma visão ampla, um pensar crítico e um fazer estratégico que pode beneficiar os diversos locais do SUS onde atuam, contribuindo para a melhoria da prestação de serviços de saúde para a população e da gestão do SUS, além de significar uma ação que busca valorizar o potencial de cada sujeito trabalhador, o que traz maior satisfação deste com o seu trabalho.
Na possibilidade de não haver recurso disponível advindo do Ministério da Saúde para a realização da terceira turma, acredita-se que a estratégia de descentralização com o apoio dos núcleos regionais possa viabilizar a continuidade de oferta do curso. Outro setor do estado que pode contribuir com a viabilização e/ou auxiliar nesse processo é a Secretaria de Administração do Estado da Bahia, através da oferta de cursos de preparação para a atividade de Instrutoria Internad para os profissionais que tenham interesse em se envolver
d Referente a Lei nº 10.851 de 10 de dezembro 2007 que institui a atividade de Instrutoria Interna no âmbito da administração pública, do poder executivo estadual. Nessa lei, considera-se Instrutoria Interna a docência eventual desempenhada por servidores públicos, em ações de desenvolvimento voltadas para atender objetivos metas e resultados institucionais, sem prejuízo do exercício de suas atividades normais do cargo ou função. Dada as características do curso de especialização em saúde pública, acredita-se que esteja dentro dessa perspectiva de atendimento as metas e objetivos institucionais no campo da saúde.
no desenvolvimento do curso, ministrando aulas. Independente da atividade de Instrutoria, tais profissionais, sendo do quadro e tendo o perfil adequado, poderiam também atuarem na orientação de TCCs no curso, dentro de sua carga horária de trabalho, mediante consensos e pactuações internas em cada setor ou serviço20.
Para além da questão acima, que envolve viabilidade de custos, vale dizer que a regionalização da especialização em foco, além de possibilitar a descentralização da oferta, favorecendo os municípios e regiões de saúde do estado, poderá significar mais um relevante avanço no desenvolvimento institucional da Escola de Saúde Pública da Bahia e no fortalecimento da Política de Educação Permanente no estado.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Caique de Moura Costa, Marília Santos Fontoura e Silvia Santos Rocha.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Caique de Moura Costa, Marília Santos Fontoura e Silvia Santos Rocha.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Caique de Moura Costa e Marília Santos Fontoura.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Caique de Moura Costa e Marília Santos Fontoura.
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Recebido: 17.9.2020. Aprovado: 9.10.2020
O fornecimento de medicamentos tem se constituído num viés da judicialização da saúde. Esse fenômeno vem crescendo consideravelmente no Brasil, tornando-se pauta constante na agenda de saúde da gestão pública. No cotidiano de trabalho do Serviço de Orientação ao Paciente, da Assistência Farmacêutica, de uma Secretaria Estadual da Saúde do Nordeste brasileiro, tem-se identificado um número significativo de demandas de usuários relacionadas ao fornecimento de medicamentos por via judicial. Pelo presente artigo, propõe-se uma análise sobre a caracterização desse fenômeno no âmbito da referida Secretaria, no ano de 2016, a partir das demandas dos usuários atendidos no respectivo serviço. Os objetivos específicos buscaram descrever as características político-administrativa dos medicamentos solicitados, considerando seu registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária e seu pertencimento às listas oficiais do Sistema Único de Saúde (SUS), e apontar alternativas extrajudiciais ao fenômeno. Os dados coletados referem-se aos atendimentos realizados pelas autoras deste trabalho e foram extraídos da Planilha de Controle Interno de Demandas. O estudo caracterizou-se por uma pesquisa bibliográfica, exploratória e não sistemática, transitando também pela pesquisa descritiva. O estudo revelou que a maioria dos medicamentos solicitados não consta na relação oficial do SUS e tem sido indicada para o tratamento de patologias não incluídas nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas existentes. Trata-se de um fenômeno complexo, que envolve aspectos legais, éticos, políticos, econômicos e sociais, e suscita discussões sobre o papel do Estado e o debate sobre justiça social. Palavras-chave: Judicialização da saúde. Assistência farmacêutica. Direito à saúde. Sistema Único de Saúde.
a Assistente Social Sanitarista. Especialista em Saúde Pública. Servidora da Ouvidoria da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: alba.alves@saude.ba.gov.br
b Farmacêutica. Especialista em Gestão em Saúde e em Gestão da Assistência Farmacêutica. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: thalita.silva@saude.ba.gov.br
Endereço para correspondência: Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. 4ª Avenida, n. 400, Centro Administrativo da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 41745-900. E-mail: alba.alves@saude.ba.gov.br
Abstract
Medication supply has constituted a bias in the judicialization of health. This phenomenon has increased considerably in Brazil, becoming a constant issue in the health agenda of public management. In the day-to-day work of the Patient Guidance Service, Pharmacy Assistance of a State Secretariat of Health in the Northeast region of Brazil, a significant number of user demands related to the supply of medication by judicial process have been identified. For this article, an analysis was proposed on the characterization of this phenomenon, within the scope of the said Secretariat, in 2016, based on the demands of the users served in the respective Service. The specific objectives were to describe the political-administrative characteristics of the medication requested, considering registration in the National Agency of Sanitary Surveillance and its membership in the official lists of SUS, and to point out extrajudicial alternatives to the phenomenon. The data collected refer to the requests made by the author of this study and were extracted from the Internal Control of Claims Worksheet. The study was characterized by a bibliographical research, of exploratory and non-systematic nature, partially including descriptive research. Most of the requested medications are not in the official SUS relationship and have been indicated for the treatment of pathologies not included in existing Clinical Protocols and Therapeutic Guidelines. It is a complex phenomenon involving legal, ethical, political, economic and social aspects, giving relevance to discussions on the role of the state and the debate on social justice.
Keywords: Health judicialization. Pharmaceutical assistance. Right to health. Unified Health System.
JUDICIALIZACIÓN DE LA SALUD EN EL ACCESO A MEDICAMENTOS EN EL SUS, EN UNA
SECRETARÍA ESTADUAL DE SALUD Resumen
El suministro de medicamentos se ha constituido en un sesgo de la judicialización de la salud. Este fenómeno viene creciendo considerablemente en Brasil, convirtiéndose en pauta constante en la agenda de salud de la gestión pública. En el cotidiano de trabajo del Servicio de Orientación al Paciente, de la Asistencia Farmacéutica, de una Secretaría Estadual de Salud del Nordeste Brasileño, se ha identificado un número significativo de demandas de usuarios relacionadas al suministro de medicamentos por vía judicial. En el presente artículo, se propuso un
análisis sobre la caracterización de ese fenómeno, en el ámbito de la mencionada Secretaría en el año 2016, a partir de las demandas de los usuarios atendidos en el respectivo servicio. Los objetivos específicos buscaron describir las características político-administrativas de los medicamentos solicitados, considerando el registro en la Agencia Nacional de Vigilancia Sanitaria y su pertenencia en las listas oficiales del SUS, así como señalar alternativas extrajudiciales al fenómeno. Los datos recolectados se refieren a las atenciones realizadas por las autoras de este trabajo y fueron extraídos de la Planilla de Control Interno de Demandas. Esta es una investigación bibliográfica, exploratoria y no sistemática, y descriptiva. El estudio reveló que la mayoría de los medicamentos solicitados no se encuentran en la relación oficial del SUS y se han indicado para el tratamiento de patologías no incluidas en los Protocolos Clínicos y Directrices Terapéuticas existentes. Se trata de un fenómeno complejo, que involucra aspectos legales, éticos, políticos, económicos y sociales, y que despierta discusiones sobre el papel del Estado y el debate sobre justicia social.
Palabras clave: Judicialización de la salud. Asistencia farmacéutica. Derecho a la salud. Sistema Único de Salud.
A saúde enquanto política pública universal é um direito social, legalmente instituído pela Constituição Federal de 1988, cujas ações e serviços deverão ser ofertados pela gestão pública nas três esferas de governo e com participação do setor privado de forma complementar1. A política de saúde compõe o sistema de proteção social brasileiro junto às políticas de Assistência Social e Previdência Social e está organizada e estruturada dentro de princípios e diretrizes que conformam o Sistema Único de Saúde (SUS). No escopo dos direitos da saúde encontra-se o acesso à assistência terapêutica integral, incluindo o acesso a medicamentos.
A Assistência Farmacêutica está em constante processo de evolução e estruturação. Em 1998, tem-se a normatização da Política Nacional de Medicamentos (PNM)2, garantindo o acesso da população àqueles medicamentos considerados essenciais. Posteriormente a Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF)3 amplia a concepção, antes restrita a uma política de medicamentos, ao envolver um conjunto de ações sob os princípios da integralidade, universalidade e equidade na atenção à saúde terapêutica no SUS.
Mesmo com todo o arcabouço legal que regulamenta o acesso gratuito aos medicamentos que constam no elenco do SUS, cada vez mais os usuários têm recorrido ao
Poder Judiciário para ter seu direito efetivado. O fornecimento de medicamentos tem tendido, portanto, à judicialização da saúde. Este fenômeno vem crescendo consideravelmente no Brasil, tornando-se pauta constante na agenda de saúde da gestão pública.
Segundo Torres4, “a partir do início da década de 2000, os cidadãos passaram a recorrer ao Poder Judiciário, alegando descumprimento do direito à saúde por parte do Estado”. Complementa que a judicialização da saúde “tem tomado grande vulto, causando impactos significativos na estruturação, no financiamento e na organização do sistema de saúde”.
No cotidiano de trabalho do Serviço de Orientação ao Paciente (SOP) da Assistência Farmacêutica da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia, tem-se identificado um número significativo de demandas de usuários solicitando informações sobre o andamento de processo judicial relacionado ao fornecimento de medicamentos.
Diante do exposto e da relevância que essa questão tem assumido no cenário nacional nos últimos anos, este trabalho propôs uma abordagem sobre a caracterização da judicialização da saúde no acesso a medicamentos no SUS, no âmbito da referida Secretaria, no ano de 2016, analisando o que esse perfil expressa sobre o fenômeno. Ressalta-se que o presente artigo é fruto de trabalho de conclusão do Curso de Especialização em Saúde Pública da Escola Estadual de Saúde Pública Professor Jorge Novis, atual Escola de Saúde Pública da Bahia, no ano de 2016.
Para tanto, o estudo teve como objetivo geral: analisar a judicialização da saúde no acesso a medicamentos no SUS a partir das demandas dos usuários atendidos no respectivo Serviço, no ano de referência, observando as características político-administrativa dos medicamentos solicitados, considerando registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e seu pertencimento nas listas oficiais do SUS, e apontar alternativas extrajudiciais ao fenômeno.
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, exploratória e não sistemática, com apoio na pesquisa descritiva5. O levantamento bibliográfico foi realizado através das palavras-chave, extraídas dos Descritores em Ciências da Saúde (Decs): “judicialização da saúde”, “assistência farmacêutica”, “direito à saúde” e “Sistema Único de Saúde”, por meio da Biblioteca Virtual da Saúde (BVS), Google Acadêmico e da base de dados da Scientific Eletronic Library Online (SciELO) e aconteceram entre os meses de fevereiro a maio de 2017. Procurou-se por artigos em português, sem delimitação de tempo ou restrições sobre o tipo de estudo.
O trabalho foi realizado no Serviço de Orientação ao Paciente (SOP) da Assistência Farmacêutica de uma Secretaria Estadual da Saúde do Nordeste brasileiro, tendo como objeto de análise as demandas apresentadas diretamente pelos usuários atendidos no serviço, relacionadas ao fornecimento de medicamentos no SUS, por meio de processo judicial, no ano de 2016. Não houve acesso aos autos dos processos. A caracterização recai sobre a demanda. As demandas analisadas correspondem a uma amostragem do contexto de todos os atendimentos realizados e registrados pelas profissionais (assistentes sociais e farmacêuticas) que prestaram atendimento direto aos usuários. Os dados coletados para análise referem-se aos atendimentos realizados pelas autoras do presente estudo, a partir da Planilha de Controle Interno de demandas.
Os dados desses registros foram filtrados e inseridos em banco de dados eletrônicos (através do Microsoft Excel) utilizando-se apenas informações referentes às características político-administrativa dos medicamentos solicitados, conforme mencionado. Procedeu-se a análise descritiva, verificando a ocorrência de cada aspecto e sua frequência em números absolutos e em valores percentuais aproximados.
As diretrizes e normas da Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS)6, foram observadas. O sigilo desses usuários foi preservado, tendo suas identidades resguardadas. As informações extraídas dessas planilhas foram utilizadas exclusivamente para fins desta pesquisa. O estudo não ofereceu riscos ou danos imediatos ou posteriores de nenhuma natureza, uma vez que os dados utilizados através do referido instrumento de coleta não apresentam informações que possam levar à identificação dos usuários.
Dos 419 atendimentos realizados e registrados em 2016, foram identificadas 113 demandas referentes à solicitação de medicamentos pleiteadas por meio de ação judicial. Destas, foram identificados um total de 78 medicamentos solicitados, considerando também aqueles que apareceram em mais de uma apresentação.
Em relação às características político-administrativas desses fármacos, observouse que a maioria não está contemplada na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename/2014)7 e um quantitativo bem menor está incluso em algum programa de assistência farmacêutica no SUS, conforme demonstra o Gráfico 1.
Pertencente às listas oficiais do SUS/Programa de AF (n=23)
Não pertencente às listas oficiais do SUS (n=55)
Cabe ressaltar que medicamentos que não estão inclusos em algum programa de Assistência Farmacêutica não possuem fonte de financiamento específica e a obrigatoriedade do cumprimento da ordem judicial exige que o gestor realoque recursos destinados a outros serviços e ações de saúde para conseguir atender à demanda judicial. Isto pode gerar dificuldade para a aquisição do medicamento que, consequentemente, refletirá no tempo para sua disponibilização ao usuário, bem como poderá levar ao seu desabastecimento.
Dentre os medicamentos não disponibilizados pelo SUS, observou-se que a maioria possui registro na Anvisa, representando mais de 90% do total, mas não foi incorporado pelo Ministério da Saúde ao elenco do SUS. Segundo os dados cadastrais registrados na Agência Reguladora, pouco mais da metade é de fabricação nacional.
Em relação aos medicamentos constantes nos programas de Assistência Farmacêutica no SUS, observou-se que a maioria dos itens solicitados pertence ao Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF), de acordo com a Portaria nº 1.554 do Ministério da Saúde, de 30 de julho de 20138, e um percentual bem menor ao elenco do Componente Básico da Assistência Farmacêutica (CBAF), segundo Portaria nº 1.555 do Ministério da Saúde, de 30 de julho de 20139, conforme demonstrado no Gráfico 2.
Gráfico 2 – Medicamentos contemplados pelo SUS e presentes nas demandas judiciais. Brasil – 2016 (n = 23) 13,04%
Componente Especializado da AF (n=20) Componente Básico da AF (n=3)
Fonte: Planilha de Controle Interno de Demandas, SOP, 2016.
AF = assistência farmacêutica
Pode-se perceber que a maioria dos medicamentos pertencentes ao CEAF foram indicados para patologias contempladas nos seus respectivos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT). Portanto, as solicitações desses usuários encontravam-se contempladas pelo SUS, podendo ser atendidas por via administrativa, com inclusão dos pacientes no Componente. É o que demonstra o Gráfico 3.
Gráfico 3 – Medicamentos CEAF presentes nas demandas judiciais e contemplados nos PCDT. Brasil – 2016
CID contenplado/Presença no PCDT correspondente CID não contemplado Não identificado
Fonte: Planilha de Controle Interno de Demandas, SOP, 2016.
CID = Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde
A judicialização é um fenômeno cada vez mais frequente; contudo, transformar o caminho judicial em principal meio de garantia de acesso às ações e serviços do sistema público de saúde faz emergir uma necessária discussão sobre o papel constitucional do Estado na prestação desses serviços à população e da atuação do Judiciário na gestão da política pública, conduzindo-nos ao debate sobre justiça social e direito à saúde.
A esse fenômeno é atribuída uma variedade de terminologias, tendo sido empregado os termos: “judicialização da assistência farmacêutica”10, “judicialização dos direitos sociais”11, “judicialização do acesso a medicamentos”12, e mais comumente, “judicialização da saúde”13
O fenômeno da judicialização no Brasil, como via alternativa de acesso às ações e serviços de saúde, começa a ter expressão a partir da década de 1990, quando usuários infectados pelo vírus do HIV utilizaram a via judicial como forma de garantir o fornecimento gratuito de medicamentos antirretrovirais pelo Estado14.
Entende-se que a chamada judicialização da saúde refere-se ao uso do recurso judicial como instrumento para efetivação do direito fundamental à saúde, acionado de forma individual ou coletiva, por aqueles que não têm acesso a algum tratamento de saúde e/ou encontra dificuldades de obtê-lo por outras vias.
No âmbito da assistência farmacêutica, a maioria das determinações judiciais acontece através da concessão de tutela antecipada (liminar), a qual obriga o fornecimento imediato do medicamento solicitado, gerando dificuldades na gestão da política para o cumprimento de uma ordem judicial, concomitantemente ao atendimento às demandas ordinárias do sistema.
Não à margem das discussões sobre a intervenção do Judiciário na implementação das políticas públicas, o Supremo Tribunal Federal, em 2009, realizou uma audiência pública para discutir o assunto, reunindo vários atores e segmentos da sociedade. A Suprema Corte posicionou-se de forma ponderada, reafirmando a garantia do acesso às políticas públicas enquanto direito constitucional pela via judicial, porém considerando a judicialização como medida excepcional.
Qualquer que seja a perspectiva de análise adotada, quando se pensa e discute a judicialização da saúde, é necessário ressaltar que esse processo não pode ser analisado de
forma isolada e pontual, mas como um fenômeno inscrito e demarcado historicamente e de estreita relação com o modelo de sociedade na qual o país se amparada constitucionalmente.
O estudo revelou que a maioria dos medicamentos solicitados não configura na relação oficial do SUS e é indicada para o tratamento de patologias não incluídas nos PCDTs existentes. Em menor medida, registrou-se também a presença de medicamentos pertencentes ao CEAF e até de fármacos constantes no CBAF – sendo a dispensação deste último de competência da gestão municipal, apontando possivelmente para problemas na gestão desse componente.
Pela complexidade desse fenômeno, não é possível identificar uma única frente de atuação para seu enfrentamento. Vários fatores, nos âmbitos da macro e micropolítica, conjugam para amenizar o crescimento da judicialização, evitando-a para os casos em que não seria necessário, e/ou caminham para uma resolução alternativa a ela. Alguns Estados têm experimentado estratégias de resolução, através da criação de espaços de mediação, nos quais se reúnem instituições jurídicas como Defensorias e Ministério Público e profissionais de saúde, avaliando a possibilidade de fornecimento pela via administrativa– o que poderia contribuir para a redução das demandas judiciais.
Essa mediação entre as partes envolvidas é uma estratégia que pode contribuir para a celeridade na resolução de processos litigiosos, visando uma alternativa à judicialização e encurtando o caminho entre a solicitação e o acesso.
Outra questão debatida quando se pensa sobre as formas de evitar a judicialização da saúde refere-se à atualização dos PCDTs, possibilitando celeridade na incorporação de novas tecnologias em saúde, como os medicamentos.
Outros caminhos possíveis estão, por parte dos médicos prescritores, em avaliar a possibilidade de indicação medicamentosa dentro do que existe preconizado nos PCDTs, e só prescrever fármacos fora das listas oficiais do SUS quando este for o único ou último tratamento eficaz e seguro para o paciente. Por parte dos profissionais do direito, atentarem-se para a observância da Recomendação nº 31, de 10 de março de 201015, e das regulamentações vigentes sobre medicamentos/assistência farmacêutica – obviamente, priorizando a garantia de acesso ao direito. E aos demais profissionais de saúde, sobretudo àqueles que atuam no âmbito da assistência farmacêutica, orientar os usuários quanto aos critérios de inclusão nos programas de medicamentos existentes, colaborando para viabilizar seu acesso.
Apesar dos esforços engendrados pelo poder público, o cenário nacional não aponta para uma diminuição da judicialização da saúde a curto prazo. Medidas de restrição orçamentária têm afetado e afetarão consideravelmente o desenvolvimento das ações e serviços
de saúde, através das políticas públicas, e o próprio poder aquisitivo da população para custearem seu tratamento medicamentoso. Nessa conjuntura, destaca-se a promulgação da Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 201616, que limita os gastos públicos por 20 anos –impactando, sobretudo, nas políticas de seguridade social, na qual a saúde está inserida.
A judicialização é um fenômeno complexo, pois para além de questões legais envolvem aspectos éticos, políticos, econômicos e sociais, dando relevância às discussões sobre o papel (constitucional) do Estado no provimento de ações e serviços de saúde, dentre eles, o acesso à assistência terapêutica.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Alba da Cunha Alves e Thalita Oliveira da Silva.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Alba da Cunha Alves e Thalita Oliveira da Silva.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Alba da Cunha Alves e Thalita Oliveira da Silva.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Alba da Cunha Alves e Thalita Oliveira da Silva.
1. Brasil. Senado Federal. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília (DF); 1988.
2. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 3.916, de 30 de outubro de 1998. Aprova a Política Nacional de Medicamentos. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil [Internet], Brasília (DF); 1998 nov 10 [citado em 2020 ago 29]. Seção 1, p. 18. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/ saudelegis/gm/1998/prt3916_30_10_1998.html
3. Brasil. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 338, de 6 de maio de 2004. Aprova a Política Nacional de Assistência Farmacêutica. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil [Internet], Brasília (DF); 2004 maio 20 [citado em 2017 maio 5]. Seção 1, p. 84. Disponível em: http://bvsms.saude. gov.br/bvs/saudelegis/cns/2004/res0338_06_05_2004.html
4. Torres IDC. Judicialização do acesso a medicamentos no Brasil: uma revisão sistemática [dissertação] [Internet]. Salvador (BA): Universidade Federal da Bahia; 2013 [citado em 2017 fev 22]. Disponível em: https://repositorio.ufba. br/ri/bitstream/ri/13137/1/Diss%20MP.%20Izamara%20Torres%202013.pdf
5. Gil AC. Como elaborar projetos de pesquisa. 4a ed. São Paulo (SP): Atlas; 2002.
6. Brasil. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil [Internet], Brasília (DF); 2013 jun 13 [citado em 2018 ago 24]. Seção 1, p. 59. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/ cns/2013/res0466_12_12_2012.html
7. Brasil. Ministério da Saúde. Relação Nacional de Medicamentos Essenciais: Rename 2014 [Internet]. 9a ed. Brasília (DF); 2015 [citado em 2018 ago 24]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/relacao_nacional_ medicamentos_essenciais_rename_2014.pdf
8. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.554, de 30 de julho de 2013. Dispõe sobre as regras de financiamento e execução do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília (DF); 2013 jul 31. Seção 1, p. 69.
9. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.555, de 30 de julho de 2013. Dispõe sobre as regras de financiamento e execução do Componente Básico da Assistência Farmacêutica no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília (DF); 2013 jul 31. Seção 1, p. 71.
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Recebido: 19.9.2018. Aprovado: 7.10.2020.
Resumo
A Rede Cegonha tem como principais objetivos reduzir a mortalidade materna e infantil, dando atenção ao parto e ao nascimento, à mulher no puerpério e à criança na primeira infância. Entre os desafios colocados para a rede estão a necessidade de mudanças no modelo tecno-assistencial (que perpassam o modelo da formação em saúde) da atenção ao parto e ao nascimento, que ainda produz excesso de medicalização, banalização da cesárea, desrespeito aos direitos da mulher e da criança e cuidado diferenciado aos adolescentes e jovens. Desse modo, este artigo tem o objetivo de descrever e refletir sobre a experiência numa disciplina teórico-prática do curso de graduação em Fonoaudiologia da Universidade Federal da Bahia junto à Rede Cegonha. Nesse sentido, se debruça sobre um relato de experiência, na perspectiva docente, baseado em relatórios discentes, de um componente curricular teórico-prático sobre a Rede Cegonha no curso mencionado. Foram visitados diversos serviços que compõem a RC no município de Salvador, como serviços de gestão, atenção primária à saúde e serviços especializados. Além da contribuição na construção de uma perspectiva prática sobre a Rede Cegonha, as visitas técnicas contribuíram para que os estudantes em formação pudessem refletir quanto ao modelo de profissional que aspiram ser e de que forma podem contribuir para mudanças positivas como sujeitos nos serviços de saúde. As peculiaridades da Rede Cegonha demandam uma formação específica do profissional da saúde para a atuação neste dispositivo inovador, o que ainda representa um desafio para as diferentes profissões.
Palavras-chave: Desenvolvimento de pessoal. Sistema Único de Saúde. Saúde materna. Saúde da criança.
a Fonoaudióloga Sanitarista. Mestre em Saúde Coletiva. Docente substituta do curso de fonoaudiologia e coordenadora pedagógica da Residência em Saúde Coletiva com ênfase em desenvolvimento infantil na Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: deborah.moura@hotmail.com
b Doutora em Saúde Pública. Docente do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: laiseandrade@hotmail.com
Endereço para correspondência: Rua Basílio da Gama, n. 316, Canela. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 40110-040. E-mail: laiseandrade@hotmail.com
Abstract
Rede Cegonha (RC) aims to reduce maternal and infant mortality, and to provide childbirth care, to women in the postpartum period and children during early childhood. Among the challenges posed to RC are the need for changes in the techno-assistential model (which goes beyond the health training model) of childbirth care, as it still leads to over-medicalization, trivialization of cesarean delivery, disrespect for women’s rights and the care for adolescents and young people. The objective was to describe and reflect on the experience of a theoretical and practical discipline from the undergraduate course in Speech and Hearing Therapy at the Federal University of Bahia (UFBA), together with RC. This is an experience report of educational nature based on student reports relative to a theoretical-practical curricular component in RC. Several services constituting the CR in the city of Salvador were visited, such as management services, primary health care and specialized services. In addition to their contribution to training from the practical perspective of RC, the technical visits helped the students in training to reflect on the professional model they wish to achieve and how they can contribute to positive changes as individuals in health services. The peculiarities of the RC require specific training for health professionals to perform in this innovative device, which still represents a challenge for various professions.
Keywords: Staff development. Unified Health System. Maternal health. Child health.
La Red Cigüeña tiene como principales objetivos reducir la mortalidad materna e infantil brindando atención al parto y al nacimiento, a la mujer en el puerperio y al niño en la primera infancia. Entre los desafíos planteados a esta red, está la necesidad de cambios en el modelo tecno-asistencial (que atraviesan el modelo de la formación en salud) de la atención al parto y al nacimiento, que aún produce exceso de medicalización, banalización de la cesárea, irrespeto a los derechos de la mujer y del niño, y el cuidado diferenciado a los adolescentes y jóvenes. Este estudio objetivó describir y reflexionar sobre la experiencia en una disciplina teórico-práctica del curso de graduación en Fonoaudiología de la Universidad Federal da Bahia junto a la Red Cigüeña. El presente trabajo es un relato de experiencia desde la perspectiva docente basándose en los
informes de los estudiantes acerca de la Red Cigüeña para un componente curricular teóricopráctico en el mencionado curso. Se visitó diversos servicios que componen la red en el municipio de Salvador, como servicios de gestión, atención primaria de salud y servicios especializados.
Además de la contribución en la formación sobre una perspectiva práctica de la Red Cigüeña, las visitas técnicas contribuyeron a que los estudiantes en formación pudieran reflexionar sobre el modelo de profesional a que aspiran y de qué forma pueden contribuir a cambios positivos como sujetos en los servicios de salud. Las peculiaridades de la Red Cigüeña demandan una formación específica del profesional de la salud para la actuación en este dispositivo innovador, lo que todavía representa un desafío para las diferentes profesiones.
Palabras clave: Desarrollo de personal. Sistema Único de Salud. Salud materna. Salud del niño.
A redução das mortalidades materna e infantil tem sido uma preocupação constante na saúde pública mundial nas últimas décadas. No Brasil, várias políticas públicas nacionais têm sido desenvolvidas nesse período, como o Programa de Humanização do PréNatal e Nascimento (PHPN), o Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal de 2004, o Pacto pela Redução da Mortalidade Infantil no Nordeste e Amazônia Legal e o Plano de Qualificação das Maternidades e Redes Perinatais do Nordeste e da Amazônia Legal1. Neste sentido, em março de 2011, em meio à articulação de Redes de Atenção à Saúde (RAS), o Ministério da Saúde lança a Rede Cegonha (RC), tendo entre seus objetivos a redução das mortalidades materna e infantil – em especial a neonatal – sobretudo através da qualificação da Atenção Básica, da atenção ao parto e ao nascimento, à mulher no puerpério e à criança na primeira infância – com ênfase nos seus dois primeiros anos2.
A RC tem por finalidade estruturar e organizar a atenção à saúde maternoinfantil no país, respeitando o critério epidemiológico, taxa de mortalidade infantil, razão mortalidade materna e densidade populacional de cada região. Além disso, surge como forma de complementar o PHPN, um programa que adota medidas para melhoria do acesso, da cobertura e da qualidade do acompanhamento pré-natal, da assistência ao parto ao puerpério3. Entre os desafios colocados para a RC estão a necessidade de mudanças no modelo tecno-assistencial da atenção ao parto e ao nascimento que ainda produz excesso de medicalização; banalização da cesárea; desrespeito aos direitos da mulher e da criança; e o cuidado diferenciado aos adolescentes e jovens, entre outros4.
Neste contexto, reconhece-se o papel importante das Instituições de Ensino Superior (IES) como uma estrutura social capaz de subsidiar o processo de implementação e consolidação das RAS, uma vez que as especificidades da RC demandam uma formação diferenciada do profissional da saúde para a atuação neste dispositivo inovador, o que representa um desafio para as diferentes profissões da saúde5
No curso da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o último processo de reforma curricular, que ocorreu em 2010, culminou na criação de uma nova matriz que possibilitou a construção de novas práticas de ensino. Essas novas práticas se pautaram na formação em saúde por meio de modelos pedagógicos que valorizam o sujeito e o processo de cuidado à saúde sob o eixo da integralidade, com especial foco na Atenção Primária – ainda que os desafios históricos da formação permaneçam, como a superação da lógica biomédica hegemônica.
Dentre as mudanças ocorridas, foi desenvolvido um componente curricular teóricoprático com ênfase nas RAS, em especial a RC, Rede de Cuidados a Pessoa com Deficiência, Rede de Atenção Psicossocial e Rede de Cuidados à Pessoa com Doença Falciforme. Desse modo, esse artigo tem por objetivo descrever e refletir sobre a experiência de uma disciplina teórico-prática do curso de graduação em Fonoaudiologia da UFBA junto à RC no município de Salvador, Bahia.
Trata-se de um relato de experiência, na perspectiva docente, de um componente curricular teórico-prático do curso de graduação em Fonoaudiologia da UFBA com a temática Saúde Materno-infantil, com ênfase na RC, no município de Salvador, Bahia.
Ressalta-se que a experiência está embasada no entendimento de que a formação é um processo em constante movimento no decorrer da vida. Nesse sentido, a experiência é uma via de acesso à formação, uma vez que particulariza suas atividades formativas6. Desta forma, enfoca-se neste artigo a experiência formativa inicial na RC vivenciada a partir de dez discentes do 9º semestre do curso de Fonoaudiologia da UFBA.
Parte-se da vivência de uma das autoras, na condição de docente, subsidiada por relatos e registros escritos de discentes em cinquenta diários de campo individuais elaborados ao longo da disciplina – cinco por cada aluno(a) – e um relatório de gestão realizado conjuntamente pelos estudantes ao fim da disciplina, contendo introdução, objetivo, descrição das atividades e visitas, reflexão crítica sobre a experiência vivenciada e sobre a contribuição para a formação em saúde, bem como os pontos facilitadores, limitadores e conclusões.
O período descrito refere-se ao segundo semestre letivo de 2015, ocorrido entre janeiro e junho de 2016, quando a disciplina foi realizada pela terceira vez no currículo do curso – sendo as atividades desenvolvidas com a frequência de quatro horas semanais. O registro da vivência, realizado pelas discentes, permitiu a construção de narrativas que viabilizariam posteriormente sua análise com vistas à identificação das experiências significativas para a formação dos estudantes no contexto da disciplina.
APRESENTAÇÃO DA PROPOSTA
A disciplina Práticas Fonoaudiológicas I (PF I), do curso de graduação em Fonoaudiologia da UFBA, possui 68 horas de carga horária, distribuídas em quatro horas semanais. Apresenta como objetivo conhecer e discutir as principais ferramentas de trabalho e os referenciais teóricos que sustentam a proposta da Saúde Materno-infantil com ênfase da RC, bem como reconhecer limites e potencialidades da proposta para o fortalecimento das RAS no Sistema Único de Saúde (SUS), a partir da inserção dos estudantes na realidade do trabalho que é desenvolvido em Salvador.
É dividida em dois momentos, o teórico (cerca de quatro semanas iniciais) e o prático, através de visitas técnicas realizadas semanalmente na rede pública municipal e estadual, passando pelos mais diversos espaços que compõem uma Rede – como gestão, Atenção Primária à Saúde e serviços especializados.
Ao longo do semestre, as estudantes são estimuladas a registrarem semanalmente as atividades realizadas e suas reflexões sobre estas no diário de campo. Além dos registros em diário de campo, ao final da disciplina é entregue um Relatório de Gestão com a compilação de todas as atividades realizadas e reflexão de como contribuíram no processo de formação.
As atividades da disciplina foram iniciadas com quatro encontros entre os estudantes e a professora, visando discutir de maneira crítica a base teórica e política das RAS, com olhar especial sobre a RC e seus processos de trabalho. Assim, foram debatidos diferentes temas, como Reforma Sanitária, Políticas de Saúde, Modelos de Atenção e RAS, além da saúde Materno-infantil e RC.
Estes momentos permitiram maior apropriação da proposta pelos estudantes, de forma que pudessem, ao momento de realização das visitas, problematizar o que estava sendo
observado e propor intervenções, de modo a assumirem uma postura participativa e interessada. Ressalta-se que esta disciplina é realizada após uma ampla formação teórica e prática com a temática da Saúde Coletiva em semestres anteriores. Além destes debates iniciais, ao longo da disciplina outros encontros teóricos e de supervisão foram realizados na Universidade, com vistas à análise permanente do trabalho vivenciado, de forma a integrar teoria e prática.
As visitas ocorreram nos seguintes serviços: Área técnica da Saúde MaternoInfantil da Diretoria de Gestão do Cuidado da Secretaria Estadual de Saúde (DGC); Unidade de Saúde da Família Úrsula Catharino; Maternidade Tsylla Balbino; Instituto de Perinatologia da Bahia (Iperba); Maternidade José Maria De Magalhães Netto; e Centro de Parto Normal Mansão do Caminho.
Diretoria de Gestão do Cuidado (DGC)
A DGC faz parte da Superintendência de Atenção Integral à Saúde (SAIS/SESAB) e tem por finalidade coordenar processos de formulação, implantação, implementação e avaliação de políticas e programas de saúde voltadas à Saúde da Criança, dos Adolescentes e Jovens, da Mulher, do Homem e do Idoso – ou seja, com o foco nos ciclos de vida e gênero –nos 417 municípios do estado da Bahia.
Durante a visita as alunas foram recebidas por duas profissionais da área técnica da Saúde Materno-infantil que explanaram sobre a RC, a sua prática, as mudanças com a implementação da Rede no estado da Bahia, e, de modo especial, os desafios, que são muitos. Foi relatado ainda que os principais desafios para a implementação da Rede Cegonha estão relacionados à falta de recurso e de comprometimento profissional e ao processo de trabalho.
Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF)
Segundo uma profissional do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) visitado, a proposta de trabalho da equipe do NASF do Garcia referente ao cuidado materno-infantil pressupõe: discussão coletiva de caso clínico; consulta em conjunto; realização de reunião de toda equipe para definição de propostas de ações; definição de metas visando construir propostas de curto, médio e longo prazo; ações intersetoriais; divisão de responsabilidades, na qual compartilha-se ou define-se as tarefas de cada um com clareza, aumentando as possibilidades de identificação dos problemas; reavaliação; e, por fim, um momento em que se discutirá a evolução e se farão os devidos reajustes.
Com o advento da RC, as equipes de saúde da família, em parceria com as equipes de NASF, passaram a assumir um papel fundamental na organização da Rede, pois o pré-natal passa a ser realizado na Atenção Primária, que está estrategicamente localizada próxima as residências das gestantes. Com isso, a RC prevê a garantia de todas as consultas de pré-natal, no total de sete, bem como acesso às demais ações de saúde – a exemplo do curso para gestantes realizado por esta equipe, com o intuito de auxiliar e empoderar as gestantes do território adscrito.
A integração dos profissionais da equipe e a articulação com os setores da administração pública e demais parceiros é de fundamental importância para efetivação do trabalho de promoção de saúde e prevenção de agravos. Entretanto, ainda não são raras as dificuldades encontradas com a gestão central, que se estrutura de forma verticalizada, dificultando a realização de algumas atividades.
As profissionais que nos recepcionaram nas instituições MAS e Iperba referiram que com a implementação do PHPN e da RC se tornou possível a concretização de várias atividades para a qual não se sentiam empoderadas.
A MAS possui o serviço de Admissão; cardiotocografia; laboratório; farmácia; préparto; parto; e enfermaria, com 66 leitos, sendo quatro para mães canguru. O serviço é formado pela regulação, que tem funcionamento ininterrupto, e pelo Acolhimento com Classificação de Risco (ACCR), que ocorre de segunda à sexta, das 7 às 19h, na recepção e é realizado por enfermeiras especializadas em obstetrícia. Após a classificação a usuária é atendida por um médico. A maternidade realiza, em média, 300 partos por mês. Porém, no mês de fevereiro de 2016, registrou 762 partos no mês, permitindo inferir um avanço desordenado de nascimentos. No Iperba, o serviço é composto por admissão; pré-parto; enfermaria: 53 leitos; berçário de médio risco; laboratório; farmácia; pré-natal de alto risco; ambulatório de ginecologia; ambulatório de prevenção do câncer; ambulatórios de mastologia; cirurgia ginecológica; ambulatório de sexologia; ambulatório de uroginecologia; planejamento reprodutivo; aborto legal; referência em adolescente; e ACCR de segunda à sexta pela manhã. Evidencia-se a deficiência de leitos para assistência ao parto e nascimento na cidade de Salvador e a necessidade de reavaliar as metodologias e as bases de cálculos para ter melhor clareza do quantitativo de leitos obstétricos/neonatais necessários. Vale salientar que a assistência obstétrica precisa melhorar em todos os aspectos (acesso, acolhimento, qualidade das consultas e resolutividade). Deve-se pontuar que as maternidades de Salvador
não se restringem à assistência da população desta cidade: gestantes provenientes do interior do estado migram para Salvador em busca de garantia de uma assistência obstétrica mais efetiva ou mesmo de alguma assistência, frente à carência desta na sua região.
A iniciativa da criação da RC convoca os gestores, trabalhadores, estudantes, futuros profissionais da saúde e a sociedade a refletir e transformar o modelo predominante de atenção ao parto e ao nascimento praticado no país, o qual não coloca a gestante/parturiente no centro, como protagonista do processo de gestação e parto.
Na visita à MJMMN, localizada no bairro Pau Miúdo, fomos recebidos pela enfermeira e pela fonoaudióloga do local. A maternidade compõe o Sistema Estadual de Referência Hospitalar para atendimento à gestante de alto risco e assistência aos recémnascidos que demandam cuidados especiais, seja pela prematuridade ou por possuírem alguma patologia. A maternidade é classificada como Organização Social, o que lhe confere faculdade de decidir com autonomia, flexibilidade e transparência, mobilizando recursos e construindo a sustentabilidade dos resultados de gestão.
Durante a visita, a enfermeira nos apresentou toda a maternidade: a triagem das gestantes ainda na recepção (classificação de risco), as enfermarias, os centros obstétricos, as UCI, UTI, os quartos de isolamento para receber bebês, o banco de leite humano (lactáreo), uma sala para receber as mães que são do interior e o setor administrativo. A profissional pontuou que os principais problemas enfrentados pela unidade são a superlotação, quebra de fluxo, movimentação da gestão, desestrutura da equipe e o estresse profissional. A Fonoaudióloga contou como é feito o seu trabalho na unidade Canguru. Informou que cerca de 90% dos bebês saem de alta da Canguru com aleitamento exclusivo, o que é um dado bastante considerável.
De acordo com os relatos dos estudantes, o que mais chamou a atenção na visita foi que a maternidade se preocupa ao máximo em seguir o que preconiza na portaria da RC, a exemplo da livre escolha do aconcsdbempanhante, a escolha do tipo de parto, a presença das Doulas e o uso de equipamentos que possam auxiliar no momento do parto, como o cavalinho, as bolas e a escada.
A gestão se preocupa em gerar e publicizar para o público interno e externo os dados de atendimentos como quantidade de gestantes atendidas e o perfil epidemiológico destas.
Além disso, as estudantes observaram que toda a maternidade é sinalizada. Em frente às UCI e UTI são comunicados os horários que os pais e avós podem visitar os bebês e quando podem receber o boletim diário referente aos mesmos – e isto é importante porque orienta a família.
Centro de Parto Normal (CPN) Marieta de Souza Pereira Mansão do Caminho
Na visita ao CPN da Mansão do Caminho, fomos recebidos pela coordenadora que também é enfermeira obstetra no local. Ela explanou a respeito da fundação do serviço, do seu funcionamento, como também sobre as conquistas alcançadas e os desafios enfrentados. Com a proposta de resgatar o valor do parto realizado de forma natural, ou seja, sem necessidade de intervenção cirúrgica, os médicos do centro são especializados em procedimentos que buscam dar o conforto necessário à paciente e garantir a segurança do nascimento.
A unidade foi fundada no ano de 2011 e faz parte do SUS no atendimento de gestantes de baixo risco e incentivo ao parto humanizado, em um ambiente acolhedor e prezando a presença da família. A respeito do modelo assistencial fundamentado na atenção à mulher, ao bebê e à criança, a coordenadora referiu que a organização da assistência ao nascimento deve estar voltada para satisfazer os interesses da mulher e da família através do apoio da equipe, onde ocorre o resgate das características fisiológicas e naturais do nascimento, e que as práticas realizadas são baseadas em evidências científicas.
No decorrer da conversa, foram mencionado os critérios de internação no CPN, que são: ter realizado pelo menos quatro consultas de pré-natal em qualquer unidade; gestação única; apresentação cefálica; níveis pressóricos normais; gestantes com idade gestacional maior de 37 semanas e/ou menor ou igual a 41 semanas e quatro dias; estar em fase ativa do trabalho de parto; ter cerca de três contrações em dez minutos e 4 cm de dilatação; e não ter uma précesariana. O CPN oferece os seguintes serviços: vacinas (Hepatite B e BCG), imunoglobulina AntiRH, assistência ao recém-nascido, consulta na primeira semana de vida, certidão de nascimento, consulta do perfil das gestantes, consulta puerperal, avaliação da parturiente e internação.
Desta maneira, a vinculação da CPN Mansão do Caminho à RC, além de ser a primeira no Brasil, pode ser considerada um grande ganho para a assistência a gestantes, puérperas e recém-nascidos, pois além de valorizar o processo fisiológico da naturalidade do parto garante segurança ao nascimento e oferece também um cuidado humanizado.
Considerações sobre a contribuição dessa prática no processo de formação em saúde
Uma das estudantes que vivenciou as práticas descritas acima relatou que durante as visitas diversos aspectos teóricos discutidos em sala de aula puderam ser consolidados, assim como possibilitaram visualizar de perto o funcionamento de um serviço público, sendo possível observar o fluxo seguido pelas usuárias no interior das instituições, bem como verificar de perto a influência da estrutura e organização de setores sobre a saúde de usuários.
Além de contribuir através da percepção de diferentes processos de trabalho em saúde, as visitas permitiram identificar que se faz necessário, como futuros profissionais, adentrar as instituições e conhecer como ocorre o processo de trabalho, subsidiando as concepções teóricas adquiridas em sala de aula.
Entende-se que a escrita da narrativa, recurso da aprendizagem experiencial, implica em colocar o sujeito em uma prática subjetiva e intersubjetiva do processo de formação a partir das experiências e aprendizagens expressas no texto narrativo, de forma que sua construção se potencializa nas reflexões e perguntas oriundas do processo de aprendizagem e dos conhecimentos implicados na transformação do sujeito em formação7
O estudante da área da saúde, incluindo o da fonoaudiologia, deve ir além de suas habilidades técnicas, havendo necessidade do aperfeiçoamento de habilidades intra e interpessoais, do compromisso político com a educação e sociedade, bem como a compreensão histórica do momento atual do ensino na área da saúde no Brasil. Dessa forma, a formação desses profissionais deve ser fundamentada em conhecimentos, habilidades, atitudes, sensibilidade ética e integridade moral, equanimidade e autoconhecimento8
Para Acioli9 a ação educativa é um eixo fundamental para a formação profissional de saúde no que se refere ao cuidado na saúde púbica. A prática educativa em grupo permite a construção de um espaço compartilhado, ou seja, o conhecimento que tem por finalidade o empoderamento dos indivíduos e dos grupos sobre as relações sociais e fatores que influenciam sua qualidade de vida.
Marran10 aponta que é no período de estágio e das práticas onde se instala o momento crítico da formação, no qual o acadêmico possui a oportunidade de gerar, construir e/ ou consolidar sua identidade profissional. Desta forma as visitas técnicas realizadas aos serviços de saúde descritos acima contribuíram de forma positiva para os estudantes de graduação. Isto é, os sujeitos em formação puderam refletir quanto ao modelo de profissional que aspiram ser e de que forma podem contribuir para mudanças positivas como sujeitos nos serviços em saúde.
Com a implantação da RC algumas mudanças práticas podem ser vistas, como adequações do ambiente físico e de processos de trabalho de algumas maternidades, incorporando diretrizes a exemplo da garantia do direito à acompanhante de livre escolha da mulher durante todo o processo do parto, previsto pela Lei 11108/2005 – estendendo esse direito também às mulheres em situação de abortamento11. Algumas dessas mudanças puderam ser vistas também nas visitas realizadas em Salvador.
É válido ressaltar que a implementação da RC é de responsabilidade dos três níveis (federal, estadual e municipal). Assim, se faz necessário pensar o impacto da gestão na execução das políticas públicas de saúde, pois não é possível desvincular a gestão da rede, mas também não é coerente responsabilizar unicamente a gestão pelo não funcionamento de uma certa política e/ou programa, já que existe todo um conjunto que se faz essencial para que estas sejam implantadas – a identificação do problema, notificação dos dados, uma política pensada para tal questão, recurso, planejamento, gestão, modelo adotado, acesso, profissionais comprometidos e a valorização dos mesmos, humanização do cuidado, entre outros12
O papel da atenção básica na implantação das RAS é de extrema importância, uma vez que este nível de atenção cumpre o papel de centro de comunicação na rede. Diante disse, o NASF visa aumentar a capacidade de cuidado das equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF). O trabalho no NASF é baseado nos princípios da integralidade e da interdisciplinaridade e o que o diferencia dos outros programas já implantados é a possibilidade de trabalhar com a proposta de clínica ampliada13. A operacionalização do NASF adota o conceito de matriciamento, tendo por objetivo garantir que as equipes estabeleçam relações ou responsabilizem-se pelas ações desencadeadas, garantindo a integralidade da atenção em todo o sistema de saúde14 – contribuindo assim para a implantação da RC com base na integralidade e longitudinalidade do cuidado.
O reconhecimento de um cuidado digno e de qualidade na atenção à mulher em trabalho de parto é um direito a ser alcançado. Acrescenta-se a esse evento a vontade individual, o envolvimento dos profissionais de saúde e a mobilização política para que a vivência do trabalho de parto seja de cuidado e conforto para a mulher, e não um processo traumatizante em sua vida15.
Para isso, um dos avanças é o PHPN, que tem como principal estratégia assegurar a melhoria do acesso, da cobertura e da qualidade do acompanhamento pré-natal e da assistência ao parto e puerpério das gestantes e ao recém-nascido, na perspectiva dos direitos de cidadania. O Programa fundamenta-se no direito à humanização da assistência obstétrica e neonatal como condição primeira para adequado acompanhamento, além de estabelecer critérios para qualificar a assistência e promover o vínculo entre a assistência ambulatorial e o momento do parto, integrados e com intervenções que tivessem fortes evidências de que são efetivas15. Consonante ao PHPN, a RC surge propondo ações estratégicas, a exemplo da vinculação da gestante à unidade de referência para o parto, realizada através da equipe de saúde da família, e o transporte seguro2.
Alguns autores listaram os pontos dificultadores da melhoria do atendimento nas maternidades, tais como: o financiamento insuficiente; a deficiente regulação do sistema de saúde; a fragmentação das ações e dos serviços de saúde; a organização dos serviços (incluindo a gestão do trabalho das equipes de saúde); e, ainda, a produção do cuidado, que tende a “medicalizar” e “intervir” desnecessariamente nos processos de gestação, parto e nascimento2,16. Com isso, apesar dos avanços alcançados com a Rede Cegonha, há de se reconhecer os desafios que ainda persistem para que haja uma rede com funcionamento efetivo para as mulheres e crianças.
As peculiaridades da Rede Cegonha demandam uma formação específica do profissional da saúde para a atuação neste dispositivo inovador, o que ainda representa um desafio para as diferentes profissões. Observa-se na literatura alguns estudos acerca do trabalho do fonoaudiólogo nas maternidades. No entanto, ao se analisar a Saúde Materno-infantil como espaço de formação de graduandos, não foi identificado nenhum artigo que descrevesse a experiência de estudantes de Fonoaudiologia nesta área, o que evidencia a lacuna existente em relação à temática da integração educação-trabalho no âmbito destes espaços.
A relevância dessa experiência se deve à inserção de estudantes de Fonoaudiologia no espaço que compreende a Saúde Materno-infantil, através da RC, além de proporcionar a esses a possibilidade de se reconhecer como futuro profissional habilitado a propor e executar políticas de saúde no SUS.
Agradecemos as estudantes do curso de fonoaudiologia da Universidade Federal da Bahia, que participaram do componente teórico-prático Práticas Fonoaudiológicas no semestre 2015.2.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Débora Moura e Laíse Rezende de Andrade.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Débora Moura e Laíse Rezende de Andrade.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Débora Moura e Laíse Rezende de Andrade.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Débora Moura e Laíse Rezende de Andrade.
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Recebido: 19.9.2018. Aprovado: 8.10.2020.
A atenção básica tem como um dos grandes desafios trabalhar, no seu contexto, demandas relacionadas à saúde mental. O redirecionamento do modelo assistencial da saúde nos últimos anos no Brasil permitiu um cuidado em saúde mental de forma mais ampliada a partir de uma ótica de territorialização. Essa articulação, mesmo considerando propostas previstas pela Reforma Sanitária e pela Reforma Psiquiátrica no país, vem apresentando algumas limitações para a sua plena efetivação. O pouco manejo no que diz respeito às demandas de saúde mental por parte de alguns profissionais de saúde da atenção básica – devido muitas vezes a seu processo de formação – e a resistência e estigmas em relação à temática também se apresentam como pontos importantes de fragilidade no cuidado. Assim, este artigo tem como objetivo analisar a importância da articulação da atenção básica com a saúde mental, abarcando suas limitações e suas possibilidades estratégicas. Para isso, foi realizada uma revisão bibliográfica, de caráter exploratório, qualitativo e não sistemático. Diante de tal discussão, aponta-se o apoio matricial como uma estratégia possível na efetivação do cuidado corresponsabilizado entre a rede especializada e a atenção básica, fortalecendo a resolutividade e a qualidade dos serviços ofertados em saúde. Conclui-se que o processo de construção coletiva, utilizando os dispositivos de cuidado da Rede de Atenção à Saúde, assim como os recursos comunitários e intersetoriais, deve sempre ser considerado para a consolidação e transformação do cuidado em saúde mental articulado com a atenção básica.
Palavras-chave: Atenção básica. Saúde mental. Capacitação profissional. Apoio matricial.
a Assistente Social. Especialista em Saúde Pública. Prefeitura Municipal de Saúde de Salvador. Salvador, Bahia, Brasil.
E-mail: mille.neves@gmail.com
b Psicóloga. Mestre em Psicologia Social. Gestora em processos educativos da Escola de Saúde Pública da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: milenafd@gmail.com
Endereço para correspondência: Av. Leovigildo Filgueiras, n. 392, Garcia. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 40100-000.
E-mail: mille.neves@gmail.com
Abstract
One of the main challenges of primary care is to work with demands related to Mental Health. The redirection of the health care model in recent years in Brazil has allowed for broader mental health care from a territorial perspective. This articulation, even considering proposals foreseen by the Sanitary Reform and the Psychiatric Reform in the country, has presented some limitations for its full execution. The lack of management with mental health demands on the part of some primary care professionals, often due to their formation process, resistance and stigmas regarding the subject, also functions as an important point of fragility in caring. This paper thus analyzes the importance of the articulation between primary care and mental health, its limitations, and strategic possibilities. For this, an exploratory, qualitative and non-systematic bibliographic review was performed. Matrix support may serve as a possible strategy in the implementation of the responsibility shared between the Specialized Network and primary care, strengthening the resolution and quality of services offered in health. The results show that the collective construction process, with help of care devices provided by the Health Care Network, as well as community and intersectoral resources, should always be considered for the consolidation and transformation of mental health care articulated with primary care.
Keywords: Primary care. Mental health. Professional training. Matrix support.
Resumen
Uno de los grandes desafíos de la atención básica es trabajar con las demandas relacionadas a la salud mental. La redirección del modelo asistencial de la salud en los últimos años en Brasil permitió un cuidado en salud mental de manera más amplia, a partir de una perspectiva de territorialización. Esa articulación, aunque tenga en cuenta las propuestas previstas por la Reforma Sanitaria y la Reforma Psiquiátrica en el país, viene presentando algunos impedimentos para su plena efectividad. El poco manejo de las demandas de salud mental por parte de algunos profesionales de la salud de atención básica, debido muchas veces a su proceso de formación, así como la resistencia y estigmas relacionados a la temática también se presentan como puntos importantes de fragilidad en el cuidado. El presente artículo tiene como objetivo analizar la importancia de la articulación de la atención básica con la salud mental, abarcando sus limitaciones
y posibilidades estratégicas. Para ello, se realizó una revisión bibliográfica, de carácter exploratorio, cualitativa y no sistemática. Los resultados apuntan el apoyo matricial como una estrategia posible para la efectividad del cuidado corresponsabilizado entre la red especializada y la atención básica, fortaleciendo la capacidad de resolución y la calidad de los servicios ofertados en salud. Se concluye que el proceso de la construcción colectiva, utilizando los dispositivos de cuidado de la red de atención a la salud, y los recursos comunitarios e intersensoriales deben siempre considerarse para la consolidación y transformación del cuidado en salud mental articulado con la atención básica.
Palabras clave: Atención básica. Salud mental. Capacitación profesional. Apoyo matricial.
Contemporaneamente, a saúde mental, assim como a atenção básica em saúde, vem passando por diversas transformações nos seus pilares legais – transformações estas que partiram de um longo processo de lutas sociais e discussões que visavam a romper com a lógica centralizadora, privatista, hospitalocêntrica, meritocrática e residual1.
Tendo como base a Reforma Psiquiátrica e a Reforma Sanitária brasileira, novas perspectivas de tratamento puderam ser pensadas, assegurando a intersetorialidade dessas políticas, assim como a valorização de uma rede de assistência territorializada.
Especificamente na III Conferência Nacional de Saúde Mental, observou-se a preocupação para o redirecionamento do modelo assistencial, apontando para a importância do cuidado da saúde mental também na esfera da atenção básica. Tal critério comportou a quebra da centralidade do cuidado baseado simplesmente no saber psiquiátrico, permitindo a inclusão de novos saberes profissionais e visando, assim, a um cuidado ampliado do processo de sofrimento mental. Admitiu-se também o direcionamento dos acompanhamentos dos casos a partir da ótica da territorialização das ações e do trabalho intersetorial, possibilitando uma visão ampliada da dinâmica social, buscando constantemente o estabelecimento do vínculo e do acolhimento e garantindo, assim, a integralidade do cuidado.
Alguns dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde corroboram a importância de se pensar o cuidado ampliado em saúde mental nos dispositivos disponíveis na rede, já que se estima que 3% da população brasileira – cerca de 5 milhões de pessoas – estejam em tratamento por transtornos mentais graves e persistentes, e mais de 9% –cerca de 15 milhões de pessoas –, por transtornos mentais menos graves2.
A Estratégia de Saúde da Família (ESF) é atualmente a principal estratégia de reorganização da atenção básica. No cuidado em saúde mental, a ESF representa a materialização de uma articulação que favorece ações de integralidade do cuidado, em que se trabalha a partir de relações mais horizontais e mais próximas da comunidade.
O Ministério da Saúde, em relatório apresentado pela Coordenação de Saúde Mental2, demonstrou que as ações de saúde mental na atenção básica deveriam obedecer ao modelo de redes de cuidado, de base territorial, com atuação transversal com outras políticas específicas, na busca do estabelecimento do vínculo e do acolhimento. Apresentou também como estratégia para implementação e potencialização dessas ações o Apoio Matricial da Saúde Mental, que tem como objetivo conceder suporte técnico para o desenvolvimento compartilhado com a equipe de saúde local, referente a algumas ações básicas de saúde. Esse processo culminou na edição da Portaria n. 154/2008, a partir da qual foram instituídos os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf), incluindo a recomendação expressa de que estes contassem com pelo menos um profissional de saúde mental encarregado de fazer apoio matricial3. No entanto, algumas fragilidades e alguns desafios corroboram o surgimento de entraves que dificultam a efetivação do trabalho da saúde mental com a atenção básica. Uma dessas barreiras aponta para a formação do profissional da saúde que muitas vezes é direcionada para ter como objeto de trabalho o indivíduo e a doença, favorecendo uma intervenção tradicional. Outro ponto é a resistência de alguns profissionais da saúde que compõem as equipes da atenção básica em acompanhar casos de indivíduos com transtorno mental4, tendo como consequência o atendimento focado no profissional médico, podendo reduzir a estratégia de cuidado à medicalização – em alguns casos desnecessária –, sem o devido acompanhamento geral do indivíduo.
Nesse contexto, o modo de lidar com o indivíduo em sofrimento mental tende a ocorrer de modo bastante incipiente, levando a uma perspectiva de assistência voltada somente para o controle/estabilização da doença5. Diante dessa realidade, torna-se cada vez mais necessária a efetivação do trabalho da saúde mental de forma lógica, junto da atenção básica, focada na corresponsabilização, representando, então, a possibilidade do alcance de uma assistência integral que disponibilize a inclusão do indivíduo com transtorno mental em uma rede ampliada de cuidado.
Portanto, a construção deste artigo se deu a partir do Trabalho de Conclusão do Curso de Saúde Pública ofertado pela Escola Estadual de Saúde Pública, atualmente Escola de Saúde Pública da Bahia Professor Jorge Novis. O interesse por discorrer sobre o desenvolvimento da articulação entre a saúde mental e a atenção básica mostrou-se pertinente diante da análise
de alguns estudos que destacam os principais entraves e as potencialidades entre essas duas políticas. Surge, então, como questionamento da pesquisa, a seguinte pergunta: quais as dificuldades para a articulação do trabalho da saúde mental com a atenção básica?
Sem a pretensão de esgotar as questões relacionadas ao tema, prioriza-se aqui a apresentação de uma reflexão teórica, conceitual, com aspectos relevantes às ações da saúde mental com a atenção básica a partir de sua articulação e dos alinhamentos necessários.
Diante disso, o objetivo deste estudo é analisar como tem ocorrido a articulação da saúde mental com a atenção básica, visto que o entendimento e a aplicação adequada das ações previstas nas políticas dos dois campos tendem a proporcionar a criação de novas tecnologias de cuidado, visando a um trabalho territorializado e que busca, por meio da responsabilização, o vínculo, o comprometimento e a integralidade do cuidado dos usuários6.
Buscou-se elaborar o estudo por meio de uma revisão bibliográfica, tendo como abordagem a análise da articulação da saúde mental com a atenção básica. Uma revisão bibliográfica é realizada com a finalidade de desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, tendo em vista a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores7.
Para isso, foi feito um estudo exploratório, qualitativo e não sistemático utilizando textos extraídos das bases de dados SciELO (Scientific Electronic Library Online) e Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) utilizando os descritores “saúde mental e atenção básica”, “desafios da saúde mental na atenção básica” e “apoio matricial na atenção básica”. A coleta de dados ocorreu entre os meses de novembro de 2016 e abril de 2017, chegando-se ao número final de 17 artigos.
Além desses textos, para enriquecer a revisão literária sobre o tema foram analisados documentos do Ministério da Saúde que tinham como temática a saúde mental, a atenção básica e o apoio matricial.
No decorrer da construção deste estudo, depois do acesso a um livro cuja temática era condizente com o tema desta análise, houve a compreensão da necessidade de incluir outros artigos, devido à sua grande pertinência com relação ao tema abordado.
Utilizou-se como critério de exclusão textos que não eram em português, textos direcionados para determinada categoria profissional, textos que apontavam o estudo para
uma patologia específica e textos que se repetiam nas bases de dados. Foram encontrados inicialmente 243 artigos. Depois da utilização dos critérios de exclusão, foram selecionados 33 artigos. Com leitura criteriosa e verificação das possíveis contribuições ao tema levantado para estudo, chegou-se ao número final de 17 artigos.
Assim, depois da leitura e da análise dos estudos, identificaram-se dois aspectos principais comuns nas discussões dos 17 artigos selecionados: limitações para o desenvolvimento da articulação da saúde mental com a atenção básica e estratégias para potencializar a articulação da saúde mental com a atenção básica.
LIMITAÇÕES PARA A ARTICULAÇÃO DA SAÚDE MENTAL COM A ATENÇÃO BÁSICA
A atenção básica constitui um ambiente que apresenta características importantes para a atuação dos profissionais de saúde em relação às demandas de saúde mental. Esses serviços apresentam como principais características a atuação no território, onde podem oferecer diagnósticos situacionais mais precisos; o enfrentamento dos problemas de saúde de forma pactuada com a comunidade, proporcionando o cuidado mais próximo dos indivíduos e das famílias; e a possibilidade da integração com instituições e organizações sociais, potencializando a construção da cidadania8. Todos esses atributos vêm de alguma maneira contribuindo para a constituição de diversas possibilidades de cuidado das pessoas com transtorno mental dentro do que foi proposto na Reforma Psiquiátrica.
Assim, a atenção básica se apresenta como um importante dispositivo para a promoção de diversos modos de relacionamento com a loucura, em um processo constante de construção e desconstrução. Para isso, é exigido que o profissional de saúde que atua na atenção básica apresente potencial para desenvolver ações relacionadas à saúde mental por meio da detecção de queixas relativas ao sofrimento psíquico, com a sua devida escuta, podendo, portanto, ofertar tratamento adequado ou encaminhamento, quando assim se tornar necessário.
O cuidado com o usuário com transtorno mental na atenção básica se dá a partir de uma equipe de generalistas. Destaca-se aqui a conceituação quanto ao termo “generalista”9, o qual indica profissionais com formação e capacidade para a abordagem de problemas de saúde de modo ampliado e integrado, isto é, em sua dimensão biopsicossocial. No entanto, de acordo com alguns estudos10, o desenvolvimento do trabalho da saúde mental na atenção básica é motivo de preocupação por parte de alguns profissionais que compõem as equipes
das USF. Isso ocorre pelo fato de muitos se sentirem despreparados e com limitações técnicas para lidar com usuários em sofrimento psíquico e que apresentem casos como tentativas de suicídio, episódios psicóticos e depressões, entre outros8,11. Muitos entendem que essas demandas deveriam ser atendidas especificamente na rede especializada.
Além disso, ainda há um assunto que deve ser constantemente trabalhado: a desmistificação da loucura. Muitos casos passam a ter uma negação concreta, deixando frequentemente de ser notificados porque existe uma construção imaginária da saúde mental repleta de mistificações abstratas4, o que faz com que os profissionais da atenção básica se sintam incapazes e sem saber qual a devida intervenção possível para cada caso.
Em entrevistas realizadas com usuários que apresentavam algum tipo de sofrimento psíquico, com o objetivo de avaliar o cuidado ofertado em uma Unidade Básica de Saúde e em uma Unidade de Saúde Familiar em um município de SP, foi evidenciada a dificuldade de alguns profissionais de saúde generalistas em lidar com o usuário com sofrimento psíquico12. Essas dificuldades apontavam para a deficiência de escuta qualificada e para a precariedade no acolhimento e no vínculo, além de uma assistência pouco humanizada, pontual e não integral. A condução dos casos a partir dessa ótica tende a tornar-se um fator limitante para um trabalho articulado, territorializado e de corresponsabilidade entre esses serviços13,14.
Por isso, torna-se essencialmente importante o constante acompanhamento dessas equipes por meio de treinamentos e da criação de espaços que permitam acolhimento real e cuidadoso dos medos, dos receios e das inseguranças, assim como o aperfeiçoamento técnico e profissional por meio da educação permanente e de estratégias claras propostas pelos gestores locais.
Além da questão da formação e da atuação do profissional diante da demanda de saúde mental, discute-se também a rigidez dos serviços ofertados pela atenção básica direcionada pela gestão por meio de programas e agendas de saúde preestabelecidos que, de forma constante, não contemplam a complexidade do cuidado exigido15. A necessidade desses profissionais em atender a demandas diferenciadas no serviço, tendo que cumprir metas estabelecidas pela gestão – considerando, ainda, a pouca aproximação com a temática de saúde mental –, tem representado um ponto importante de fragilidade no cuidado e na inclusão dos usuários que apresentam algum tipo de transtorno mental, principalmente porque o tempo e a lógica de atendimento a esses usuários fogem do contexto geral.
No entanto, para além dessas situações, vislumbra-se a construção de um ambiente produtivo para o desenvolvimento do trabalho por meio do cuidado conjunto. Torna-se, dessa forma, cada vez mais necessário estabelecer processos contínuos de apoio mútuo, articulando
recursos, pessoas e instituições para que se possa buscar possibilidades de mudanças de acordo com o que foi estabelecido na Reforma Sanitária e Psiquiátrica6.
É necessário, a todo o tempo, pensar na melhor estrutura para a execução das ações que integrem a saúde mental e a atenção básica – e isso remete à construção de redes, de políticas intersetoriais e do envolvimento dos profissionais da saúde em uma perspectiva de ampliação e redimensionamento na busca constante da efetivação dos direitos e da cidadania de todos os usuários do serviço de saúde, independente da sua situação biopsicossocial.
Para isso, é importante que se apresente uma perspectiva de trabalho transversalizada, que possa instrumentalizar esses profissionais com relação à oferta de ações integrais que viabilizem a promoção da saúde mental nas diversas situações em que ela se apresente. Nesse sentido, para executar esse papel de orientar, organizar e dar o apoio necessário para a atenção básica, destacam-se os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e os Nasf, por meio do apoio matricial.
A concepção de modelo de atenção proposto pelo Sistema Único de Saúde (SUS) permite o entendimento de que cabe também à atenção básica o cuidado dos transtornos mentais intermediários e leves e à rede especializada em saúde mental, a responsabilidade do cuidado dos transtornos mentais graves. No entanto, como foi citado no decorrer deste artigo, alguns entraves são percebidos para a efetivação desse cuidado na rede básica. Diante dessas dificuldades, ao longo dos anos foram surgindo novos arranjos organizacionais com o intuito de permitir o cuidado em saúde mental na atenção básica que apresentasse resolutividade mais adequada.
Dentro desse contexto, foi instituído como estratégia possível o apoio matricial, que visa a um tipo de cuidado mais colaborativo, desviando-se da lógica dos encaminhamentos indiscriminados em direção a uma lógica de corresponsabilização na qual se fortalece a produção de saúde a partir da resolutividade da assistência em saúde16
O método de apoio matricial resultou de uma fusão e da reconstrução crítica de vários modelos, conceitos e ferramentas já utilizados na gestão do trabalho interprofissional em equipes ou em redes de serviços11. O trabalho do apoio matricial comporta uma perspectiva potente para a mudança de paradigmas tradicionais de cuidado, pois não se limita simplesmente à supervisão de casos, mas favorece a construção de um novo espaço de condução de casos pautada na discussão conjunta e na valorização de saberes, permitindo diversas possibilidades de atuação.
No Brasil, algumas experiências ganharam destaque no desenvolvimento do trabalho de apoio matricial. O caso de Campinas (SP)17, ocorrido na década de 1990, trouxe a possibilidade de reformulação das práticas de cuidado por meio de novos arranjos organizacionais. A rede de saúde mental se estruturava a partir de uma lógica ambulatorial, fragmentada, burocratizada e pautada na figura do psiquiatra. Com a criação da rede alternativa especializada em saúde mental, como os Caps, os centros de convivência, as oficinas, os lares abrigados, a retaguarda de urgência e hospitalar, a lógica de cuidado passou a pautar-se na interação dialógica entre equipe especializada, atenção básica e usuários da rede no formato que ficou conhecido como “apoio matricial”, considerado precursor dessa estratégia de cogestão.
A partir da experiência de Campinas (SP), o Ministério da Saúde passou a adotar essa formatação, regulamentando-a. Porém, somente com a criação dos Nasf pela Portaria n. 2.488, de 21 de outubro de 2011, é que se possibilitou efetivamente o financiamento para a utilização desse formato em diversos programas de saúde. Nos moldes do Nasf, um leque de profissionais e especialistas passou a atuar diretamente na atenção básica, além dos “generalistas” já definidos para atuar na saúde da família, tendo como objetivo ofertar um suporte assistencial e técnico-pedagógico, atuando como apoiadores matriciais11
O apoio matricial então foi proposto como estratégia para trabalhar algumas questões da capacitação profissional e da articulação dos serviços de saúde de forma mais ampliada e territorializada, valorizando o vínculo, a escuta qualificada e a corresponsabilização do cuidado8,11.
Também nessa perspectiva, o Caps se apresenta como importante dispositivo de cuidado em saúde mental, tendo principalmente a responsabilidade de coordenar e organizar a demanda e a rede de cuidados em saúde mental no âmbito do território, assim como supervisionar e capacitar as equipes da atenção básica18. Para tanto, é necessário que se promova uma articulação social e intersetorial não apenas restrita à saúde, mas ampliada para a promoção de uma real transformação social6
Dessa forma, o Caps e o Nasf passaram a funcionar como unidades de apoio para as equipes da atenção básica por meio do matriciamento, facilitando a articulação da saúde mental com a atenção básica. Isso significa que não haveria a transferência de responsabilidades, mas sim uma corresponsabilização das ações em saúde mental, principalmente entendendo que o apoio matricial se constitui de um arranjo organizacional que visa a outorgar, em áreas especificas, apoio técnico às equipes responsáveis pelo desenvolvimento de ações básicas de saúde para a população2.
Assim, as equipes dos Nasf passaram a desenvolver metodologias e estratégias de acordo com as características e especificidades das áreas e das equipes que eram acompanhadas. Dentro dessa formatação, o trabalho passa a se organizar a partir de encontros coletivos com os atores em questão – apoiadores matriciais do Nasf e/ou Caps e suas equipes de referência da ESF –, ocorrendo problematizações, levantamento de casos, produção de instrumentos e registros que facilitam a comunicação entre as equipes e que servem de base para ações futuras no território19.
Portanto, é importante destacar a necessidade de encontros periódicos com a perspectiva e o compromisso claros de participação, compartilhamento de saberes e criação de vínculos entre os atores, visto que isso abre possibilidades de ações a partir de um ponto de vista transversal de oferta de ações de prevenção do sofrimento e de promoção da saúde mental em diversas situações. No entanto, para que esse arranjo tenha êxito é necessário, além da competência técnica, um investimento atento para um ambiente relacional entre os profissionais, que seja aberto ao diálogo e ao saber construídos coletivamente, sem destacar necessariamente o saber nuclear de determinada categoria profissional19
A possibilidade de inserção de especialistas na dimensão da atenção básica exige a construção de novas capacidades dos profissionais de saúde, indo além do que a clínica atual já propõe. A necessidade de reavaliação do processo técnico-pedagógico no que diz respeito aos diversos aspectos de saúde mental na atenção básica, à organização dos processos de trabalho em saúde e à prática direcionada para a integralidade do cuidado deverão estar sempre na pauta de discussão – e isso só se dará por meio de um trabalho articulado entre os sistemas de saúde, em todas as esferas de gestão e instituições formadoras em saúde.
Assim, o cotidiano dos serviços deve permitir a criação de espaços favoráveis para a reflexão das práticas e dos saberes desenvolvidos pelos profissionais a partir do contato com a realidade da população do seu território de abrangência. Para isso, é necessária uma abertura real para o diálogo, para que, então, possa ocorrer a construção de saberes de forma organizada e coletiva.
Esse esforço conjunto é somente um pedaço, uma pequena parte – ainda que significativa, se de fato assumida como responsabilidade de todos para a execução das ações necessárias para a organização da rede de cuidados em saúde mental na atenção básica. Apesar de ser uma tarefa difícil, há evidências da potência desse arranjo com experiências que demonstraram resultados positivos para as equipes de saúde e para as comunidades envolvidas.
Portanto, pesquisas e avaliações por parte da gestão devem ser constantes, mas não simplesmente pautadas na burocracia verticalizada e na busca de “resultados frios”, com
números e estatísticas. Todo esse aparato deve sim ser utilizado como forma de ampliar a integralidade do cuidado, capacitar os profissionais de saúde, empoderar a comunidade e, principalmente, fortalecer como um todo o SUS.
A integração da saúde mental com a atenção básica requer o esforço e a atuação de diversos dispositivos da rede de saúde. As características apresentadas pela ESF, com uma atuação mais próxima da comunidade, tendem a potencializar o cuidado dos usuários em sofrimento mental. A ação executada no âmbito dos espaços de vida se mostra um importante meio de viabilização dos princípios da Reforma Psiquiátrica, tendo em vista o potencial de integração de toda a rede social a partir de práticas voltadas para a promoção e a prevenção da saúde, considerando o contexto biopsicossociocultural.
No entanto, a articulação, apesar de desejável, ainda enfrenta algumas limitações que se situam no âmbito profissional, ideológico, político e de gestão. O lidar com a “loucura”, por parte de alguns profissionais de saúde generalistas, ainda se apresenta cercado de uma visão estigmatizada, com uma assistência por vezes fragmentada, destituída de vínculo e pautada em encaminhamentos precoces. Aspectos como o pouco preparo desses profissionais – advindo, em algumas situações, de sua formação –, assim como a grande demanda no serviço, o pouco investimento em capacitações e educação permanente são alguns entraves que precisam ser revistos a todo momento, por todos os atores envolvidos.
Existe um campo a ser explorado ainda bastante desafiador quando se pensa em estabelecer programas de atenção à saúde mental ligados à atenção básica. Trata-se de um desafio que já se inicia na formação desses profissionais de saúde, que, ainda hoje, em algumas instituições, trabalha o campo da saúde mental como algo desprivilegiado, estigmatizado e sem a devida reflexão e atenção merecida.
O apoio matricial, assim, aparece como uma das principais estratégias para a efetivação da articulação da atenção básica com a saúde mental, já que pauta a sua ação em um trabalho baseado na troca de saberes entre especialistas e generalistas, executando-o por meio de um cuidado corresponsabilizado.
O investimento em estratégias que possam potencializar a integração e permitir um cuidado corresponsabilizado é algo que precisa ser posto em prática pela gestão para a superação do modelo excludente de intervenção com relação ao usuário com transtorno mental.
O investimento financeiro pelos órgãos gestores, tanto em recursos humanos como em capacitações e uma infraestrutura adequada, também é parte importante para a plena viabilização dessa articulação. A efetivação de uma construção coletiva, com o intuito de gerar possibilidades de cuidado, tendo como base os recursos comunitários e intersetoriais, deve sempre ser considerada para a consolidação e a transformação do cuidado em saúde mental junto da atenção básica.
Portanto, o desenvolvimento do trabalho como está previsto na Política de Saúde Mental e da Atenção Básica deve sempre buscar superar uma terapêutica direcionada somente para a remoção de sintomas, desenvolvendo um trabalho próximo do território direcionado à superação de carências sociais que modificarão, ao final, a realidade de determinantes biopsicossociais. E isso se torna possível, também, quando há o encontro adequado dessas duas instâncias de cuidado em saúde de forma articulada.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Jamile Barbosa das Neves.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Jamile Barbosa das Neves e Milena Amélia Franco Dantas.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Jamile Barbosa das Neves e Milena Amélia Franco Dantas.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Jamile Barbosa das Neves e Milena Amélia Franco Dantas.
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Recebido: 19.9.2018. Aprovado: 8.10.2020.
A sífilis é uma doença de transmissão predominantemente sexual, causada pelo Treponema pallidum. A temática da sífilis, embora seja antiga, tornou-se contemporânea em virtude dos números expressivos de casos em gestantes, de conceptos infectados e dos desfechos negativos em tais situações. O atual panorama brasileiro no que se refere à atenção primária mostra de forma clara e consistente diversas ações e avanços no contexto das políticas públicas de saúde, sobretudo relacionadas à Estratégia Saúde da Família, que tem papel relevante no combate à sífilis congênita. O presente trabalho tem como objetivo relatar a experiência desenvolvida e os avanços obtidos no combate à sífilis congênita no município baiano de Ibicaraí-BA, onde foram realizadas atividades para qualificação dos profissionais médicos e de enfermagem no manejo e conduta para o atendimento às gestantes com sífilis. Espera-se demonstrar a efetividade do trabalho em rede, com a valorização dos espaços coletivos de trabalho, e o alcance de resultados significativos diante dos objetivos propostos. Palavras-chave: Estratégia Saúde da Família. Sífilis congênita. Saúde da mulher. Cuidado pré-natal.
FAMILY HEALTH STRATEGY MEASURES TO COMBAT CONGENITAL SYPHILIS
Abstract
Syphilis is a predominantly sexually transmitted disease caused by Treponema pallidum The subject of syphilis, although old, has become contemporary due to the expressive numbers of cases in pregnant women and infected babies, resulting in negative outcomes in such situations.
a Enfermeira. Mestranda em Medicina e Saúde Humana pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Especialista em Obstetrícia, em Saúde Pública e em Gestão da Atenção Básica com ênfase em Redes de Atenção à Saúde. Ibicaraí, Bahia, Brasil. E-mail: priscilaaraujo10@hotmail.com
b Assistente Social. Mestre em Saúde Coletiva. Gestora de Processos Formativos da Coordenação de Ensino, Estudos e Pesquisa da Escola de Saúde Pública da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: andreagomes.eesp@gmail.com Endereço para correspondência: Rua Rui Barbosa, n 119, Centro. Ibicaraí, Bahia, Brasil. CEP: 45745-000. E-mail: viepifloresta17@gmail.com
The current Brazilian scenario, in relation to primary care, clearly and consistently shows several actions and advances in the context of public health policies, mainly related to the Family Health Strategy, which plays a significant role in the fight against congenital syphilis. The objective of this study is to report on the experience and the advances obtained in the fight against congenital syphilis in the municipality of Ibicaraí, Bahia, where activities were carried out to qualify the medical and nursing professionals in the management and conduct of care for pregnant women with syphilis. This serves to demonstrate the effectiveness of networking, to appreciate collective work spaces, and to achieve significant results in view of the proposed objectives.
Keywords: Family Health Strategy. Congenital syphilis. Women’s health. Prenatal care.
La sífilis es una enfermedad de transmisión predominantemente sexual causada por el Treponema pallidum. Aunque antiguo, el tema de la sífilis se ha convertido en contemporáneo debido a los números significativos de casos en mujeres embarazadas, de conceptos infectados y resultados negativos en este tipo de situaciones. El actual panorama brasileño en relación a la atención primaria muestra con claridad y consistencia distintas acciones y avances en el contexto de las políticas públicas de salud, especialmente relacionadas a la Estrategia Salud Familiar, que tiene un papel relevante en el combate a la sífilis congénita. El presente trabajo tiene como objetivo relatar la experiencia desarrollada y los avances obtenidos en el combate a la sífilis congénita en el municipio de Ibicaraí en Bahia, donde se desarrollaron actividades para capacitar a los profesionales médicos y de enfermería en cuanto al manejo y la conducta en la atención a las gestantes con sífilis. Esta experiencia pretende demostrar la eficacia del trabajo en red con la valoración de los espacios de trabajo colectivo y el alcance de los resultados significativos bajo los objetivos propuestos.
Palabras clave: Estrategia Salud Familiar. Sífilis congénita. Salud de la mujer. Cuidado prenatal.
O processo de construção da história da saúde pública no país e a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) datam de décadas atrás, e neste período podemos destacar
passagens importantes que influenciaram as ações de saúde na atualidade, dentre elas a conformação da atenção primária à saúde.
Nessa perspectiva, e buscando a reorientação do modelo de assistência vigente, o Ministério da Saúde institui a Estratégia Saúde da Família (ESF), com a proposta de atuação de um novo modelo assistencial para o país, pautado nos princípios e bases organizativos do SUS, e com ações voltadas para o fortalecimento da atenção básica à saúde.
Entre os inúmeros desafios enfrentados no campo da saúde pública está o combate a sífilis congênita, que hoje é responsável por um número significativo de comorbidades e óbitos neonatais1. As propostas de ações de fortalecimento para o combate à sífilis congênita demandam intervenções adequadas e oportunas desde o período pré-gestacional, no planejamento familiar, durante o ciclo gravídico, no momento do parto e também no puerpério.
A sífilis é uma doença de transmissão predominantemente sexual, que se não for tratada, pode evoluir para estágios que comprometem diversos órgãos, além de atingir o feto durante a gestação. A transmissão da sífilis, considerada como a terceira Infecção Sexual Transmissível (IST) de maior prevalência, pode ocorrer também através de transfusão sanguínea e por via transplacentária durante a gestação, levando à ocorrência de sífilis congênita, situação que está diretamente ligada às ações e rotinas do pré-natal. De acordo com dados de 2006 do Ministério da Saúde1, ocorre aborto espontâneo natimorto ou morte perinatal em aproximadamente 40% das crianças infectadas a partir de mães não-tratadas.
Assim, a sífilis congênita é considerada um verdadeiro marcador da qualidade de assistência à saúde materno-fetal em razão da efetiva redução do risco de transmissão transplacentária, de sua relativa simplicidade diagnóstica e do fácil manejo clínico/terapêutico2
De acordo com a Lei de Exercício Profissional de Enfermagem – Decreto nº 94.406/19873, o pré-natal de baixo risco pode ser inteiramente acompanhado pelo enfermeiro, considerando-se a gravidez como um evento fisiológico e que deveria transcorrer sem complicações. As ações desenvolvidas, a qualidade da assistência prestada durante o período gestacional e o parto por estes profissionais são fundamentais para a redução da transmissão vertical e consequente redução dos casos de sífilis congênita.
A Organização Mundial da Saúde estima um milhão de casos de sífilis por ano entre as gestantes, e preconiza a detecção e o tratamento oportunos destas e de seus parceiros sexuais portadores da sífilis, considerando que a infecção pode ser transmitida ao feto, com graves implicações4. Ainda segundo o Ministério da Saúde, no ano de 2013 a Bahia apresentou 1.337 casos de sífilis gestacional e 813 casos de sífilis congênita.
O município de Ibicaraí, objeto deste trabalho, localizado ao Sul da Bahia, com uma população de 24.272 pessoas, segundo o último censo, apresentou ao longo dos últimos anos casos de sífilis congênita, como demonstra a Tabela 1:
Tabela 1 – Incidência de sífilis, por município de residência, segundo tipo e ano. Ibicaraí, Bahia – 2011-2015
Esses dados mostram a relevância do problema e o quanto as ações propostas e realizadas na intervenção foram importantes para favorecer a mudança desse quadro.
Na perspectiva da redução do número de casos de sífilis em gestantes e congênita no município de Ibicaraí, buscou-se ampliar as estratégias para o fortalecimento do combate à sífilis congênita e a captação precoce das gestantes para realizar o pré-natal, inserindo-se ações de prevenção dos fatores de risco para contaminação pelo Treponema pallidum, e a qualificação das equipes de saúde da família para o manejo e condutas no atendimento às gestantes com sífilis. A intervenção foi implementada no período de janeiro a junho de 2016, com a perspectiva de que as ações realizadas viessem a refletir na continuidade e melhoria dos serviços ofertados no referido município.
O presente estudo originou-se do Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Gestão da Atenção Básica, com ênfase nas Redes de Atenção à Saúde da Escola Estadual de Saúde Pública, atual Escola de Saúde Pública da Bahia Professor Jorge Novis, e tem como objetivo relatar a experiência desenvolvida no município, na perspectiva da redução do número de casos de sífilis congênita e, consequentemente, dos desfechos negativos para o binômio.
Diante dos desenlaces negativos em virtude da infecção pelo Treponema pallidum durante a gestação, a elaboração de um plano de intervenção para o fortalecimento do combate à sífilis congênita inclui ações voltadas para a prevenção da infecção, diagnóstico precoce e tratamento adequado durante a gestação.
Fundamentadas no público materno-infantil, e envolvendo os profissionais das Unidades de Saúde da Família do município – entre os quais enfermeiros, médicos e agentes comunitários de saúde, profissionais do Hospital Municipal Arlete Maron de Magalhães –bem como as coordenações de Atenção Básica e Vigilância Epidemiológica, essas ações visam modificar o cenário da contaminação pelo Treponema pallidum no município.
Aspectos como captação precoce da gestante, planejamento familiar eficiente, garantia de acesso a exames e ao tratamento oportuno, e vinculação da gestante com o Hospital Municipal foram fundamentais para a execução do projeto.
Para tanto, foram formadas turmas para a qualificação dos profissionais médicos e de enfermagem no manejo e conduta no atendimento às gestantes com sífilis. Essa ação contou com momentos teóricos e práticos para a execução dos testes rápidos. Além disso, outras ações incluíram rodas de conversa, sala de espera e oficinas. Estas ações envolveram um total de 171 profissionais.
A garantia da realização de no mínimo seis consultas de pré-natal pela gestante e o parceiro, e a realização dos testes treponêmicos no primeiro e terceiro semestres de gestação foram fatores relevantes. Além disso, o fortalecimento das ações de planejamento familiar, com o incentivo ao uso do preservativo, o tratamento ambulatorial oportuno e garantia da realização mensal (Veneral Disease Research Laboratory) pela gestão municipal até o final da gravidez, foram fatores decisivos para obtenção de bons resultados.
A atuação dos Agentes Comunitários de Saúde também foi de extrema importância no que diz respeito à captação precoce das gestantes para iniciar as consultas de pré-natal. Por fim, a construção do vínculo com a gestão do Hospital Municipal e o trabalho em rede com as equipes de Saúde da Família favoreceram o estreitamento da relação com essas gestantes e garantiram a efetivação de um pré-natal de qualidade. Medidas foram implementadas e metas cumpridas, aperfeiçoando o serviço através da qualificação permanente de seus profissionais, ampliação do acesso ao pré-natal e fortalecimento das linhas de cuidado ao binômio mãe-filho.
Considerando-se a infecção pelo Treponema pallidum como uma condição que traz sérias consequências e é responsável por um número expressivo de óbitos em todo o Brasil, buscou-se com esse projeto fortalecer as ações de enfrentamento da transmissão da sífilis em gestantes, e, consequentemente, da transmissão vertical, na perspectiva da redução do número de casos de sífilis congênita, considerado um sério problema de saúde pública atualmente.
Inicialmente, foram levantadas informações junto aos profissionais de saúde sobre o enfrentamento da sífilis em gestantes e da sífilis congênita no município, e a relevância das ações educativas que constituem uma das vertentes da ESF.
O projeto abordou aspectos sobre as questões culturais da população, como a resistência ao uso do preservativo, bem como da participação dos homens nas consultas de planejamento familiar e pré-natal. Além disso, foram trabalhados aspectos relacionados à prevenção, diagnóstico e tratamento da sífilis.
Após a implementação das ações, percebeu-se uma mudança de postura frente aos usuários do serviço e, por conseguinte, a redução no número de casos de sífilis em gestantes e de sífilis congênita no município, notificados no Sistema Nacional de Agravos de Notificação.
De janeiro de 2017 até o mês de junho de 2018, foram notificados 11 casos de sífilis em gestantes. Nesse período não houve casos de sífilis congênita notificados, o que mostra um avanço em relação aos serviços ofertados e a importância da atuação das equipes de saúde da família, no que se refere à promoção, manutenção e restauração da saúde.
Por intermédio da análise do plano de combate à sífilis congênita pela ESF no município de Ibicaraí, foi possível identificar os principais desafios enfrentados para a consolidação das ações previstas. Após duas décadas de implantação, a ESF alcançou avanços significativos, mudando a realidade da atenção primária no país, com ações voltadas para a promoção da saúde e prevenção de doenças, mas trouxe também vários desafios para a efetivação da saúde como direito universal. Como avanços, destacam-se criação de vínculos entre usuários e profissionais; o papel dos Agentes Comunitários de Saúde na educação em saúde, na intersetorialidade e na dimensão cultural do acesso; a incorporação de novas práticas como a visita domiciliar e a avaliação positiva da população em relação ao trabalho das unidades de saúde da família em comparação com unidades tradicionais5
Apesar das dificuldades, a ESF conseguiu avançar em relação ao enfrentamento à sífilis congênita no município supracitado, no que diz respeito à continuidade dos serviços e do trabalho articulado em rede no combate à contaminação pelo Treponema pallidum.
A participação da mulher/gestante como protagonista e a valorização da sua co-responsabilidade no processo de promoção à saúde são aspectos relevantes. Além disso, o trabalho em rede dentro dos serviços ofertados pelo município contribuiu para a implementação das ações propostas e, consequentemente, o êxito dessa experiência. O fundamental no trabalho da ESF é o estabelecimento de vínculos e o desenvolvimento do trabalho a partir da
associação das características sociais, culturais, econômicas e epidemiológicas do território às demandas e necessidades em saúde da população6.
O trabalho articulado em redes é uma proposta da ESF, e contribui para a troca de saberes e experiências, e assim, aperfeiçoamento da assistência. Além disso, os profissionais de saúde mostraram-se participativos, interessados e abertos a novas experiências. Também ficou evidente, após a execução das atividades propostas, a importância da equipe de saúde da família e o seu papel nas ações de promoção à saúde e assistência no que diz respeito à sífilis congênita.
Considerando as dificuldades em reunir, principalmente, os profissionais médicos sem prejudicar o fluxo diário de atendimento, o acesso a serviços especializados e a exames que não são ofertados pela tabela do SUS, as ações implementadas conseguiram modificar o cenário para a contaminação pelo Treponema pallidum no município.
Tal experiência pode mostrar a efetividade do trabalho em rede, com a valorização dos espaços coletivos de trabalho e alcance de resultados significativos diante dos objetivos propostos; outros aspectos importantes dizem respeito à integração da rede, o trabalho em equipe, a educação permanente da equipe, a avaliação e monitoramento das ações, o controle social, a realização de diagnóstico de saúde da comunidade, o planejamento, a programação local e a intersetorialidade7.
Deste modo, entende-se que mudanças são necessárias para o enfrentamento de um problema detectado, e que um trabalho articulado em rede, somado ao processo de educação em saúde, consegue modificar a condição de saúde de uma população.
A implantação da ESF, criada pelo Ministério da Saúde em 1994, marcou uma nova fase na Atenção Primária e na política pública brasileira. Esse novo modelo assistencial buscou a reorientação da assistência na Atenção Primária à Saúde, pautada nos princípios e diretrizes do SUS, e com o trabalho direcionado na lógica da promoção da saúde, buscando a efetivação de uma assistência integral, centrada no indivíduo e na família, que atendesse às necessidades de saúde da população de forma integral.
Relatar as experiências vividas durante a execução do projeto nos permite refletir acerca da importância da visão ampliada sobre a saúde e o quanto isso traz benefícios às pessoas, e, consequentemente, pode produzir mudanças no cenário da saúde pública no país.
A execução do projeto permitiu a reflexão acerca das limitações e dificuldades encontradas pelos profissionais de saúde no âmbito da Saúde Pública, sobretudo na ESF.
Nesse sentido, entendemos que o trabalho articulado em rede e a qualificação dos profissionais atuantes nos serviços de saúde e gestão são fundamentais para a mudança de atitude e postura frente aos desafios encontrados.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Priscilla Araújo dos Santos e Andréa da Anunciação Gomes.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Priscilla Araújo dos Santos e Andréa da Anunciação Gomes.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Priscilla Araújo dos Santos e Andréa da Anunciação Gomes.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Priscilla Araújo dos Santos e Andréa da Anunciação Gomes.
1. Brasil. Ministério da Saúde. Diretrizes para o controle da sífilis congênita. Brasília (DF); 2006.
2. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Atenção ao pré-natal de baixo risco. 1a ed. rev. Cadernos de Atenção Básica, no 32. Brasília (DF); 2013.
3. Brasil. Decreto nº 94.406, de 8 de junho de 1987. Regulamenta a Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986, que dispõe sobre o exercício da enfermagem, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília (DF); 1987 jun 9.
4. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Boletim Epidemiológico Sífilis 2015: ano IV, no 1. Brasília (DF); 2015.
5. Escorel S, Giovanella L, Mendonça MHM, Senna MCM. O Programa de Saúde da Família e a construção de um novo modelo para a atenção básica no Brasil. Rev Panam Salud Publica 2007;21(2):164-176.
6. Corbo AD, Morosini MVGC, Pontes ALM. Saúde da Família: construção de uma estratégia de atenção à saúde. In: Morosine MV, Corbo, AD. Modelos de atenção e a saúde da família. Rio de Janeiro (RJ): EPSJV/Fiocruz, 2007. p. 69-106.
7. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Coordenação de Saúde da Comunidade. Saúde da Família: uma estratégia para reorientação do modelo assistencial. Brasília (DF); 1997.
Recebido: 19.9.2020. Aprovado: 8.10.2020.
Hairla Henrique Alves de Almeida Monteirob
Caroline Ramos do Carmoc
Resumo
A criação da Lei de Acesso à Informação inicia uma relação de comprometimento da gestão dos órgãos públicos com a publicização dos dados que são de interesse público. Pela competência institucionalizada de atender ao cidadão e também de receber, examinar e encaminhar suas manifestações, as ouvidorias acabaram se configurando como setor responsável pelo seu desenvolvimento nos órgãos públicos. Sob essa perspectiva, a Ouvidoria do Sistema Único de Saúde da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (SUS/Sesab) contabilizou no ano de 2017 o cadastro de 224 pedidos de informação que foram tramitados para as áreas técnicas fornecerem parecer conclusivo. Portanto, buscou-se analisar essas informações cadastradas.
Trata-se de um estudo de caráter qualitativo e descritivo, com revisão de literatura e utilização do banco de dados fornecido pelo Datasus às ouvidorias SUS, no qual se fez o levantamento das categorias propostas. O estudo revelou que a maioria das informações foram feitas por mulheres, demonstrando que a participação feminina é maior que a masculina. Outro dado revelado é que a participação individual é maior que a coletiva, ainda que a representação coletiva demonstre mais conhecimento sobre a legislação. A Ouvidoria SUS/Sesab é a principal ouvidoria da rede estadual, tanto do ponto de vista quantitativo quanto qualitativo, e representa canal fundamental para a participação dos trabalhadores da Sesab. A Ouvidoria tem, portanto, o desafio de ir além de ser um mero instrumento formal de comunicação entre o cidadão e a gestão.
Palavras-chave: Sistema Único de Saúde. Acesso à informação. Ouvidoria.
a Artigo elaborado a partir do trabalho de conclusão do curso de especialização em saúde pública da Escola Estadual de Saúde Pública da Bahia Professor Jorge Novis em 2018.
b Especialista em Política Social e Serviço Social e em Micropolítica da Gestão e Trabalho em Saúde do SUS. Assistente Social da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (ouvidoria). Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: hairla.monteiro@saude.ba.gov.br
c Mestre em Políticas Sociais. Doutoranda em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo pela Universidade Federal da Bahia. Docente da Universidade Católica do Salvador. Assistente Social da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (ouvidoria). Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: caroline.carmo@ucsal.br
Endereço para correspondência: Centro Administrativo da Bahia, Ouvidoria. 4ª Avenida, n. 400. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 41745-900. E-mail: hairla.monteiro@saude.ba.gov.br
OMBUDSMAN SUS: ANALYSIS OF THE MANIFESTATIONS COVERED IN THE ACCESS TO INFORMATION IN 2017
Abstract
The creation of the Law on Access to Information (LAI) starts a relationship of commitment between the management of public agencies with the dissemination of data of public interest. Due to the institutionalized competence to serve the citizen as well as to receive, examine and forward their manifestations, the Ombudsman’s offices became a sector responsible for their development in public agencies. From this perspective, the SUS/SESAB Ombudsman accounts in 2017 for the registration of 224 requests for information that were processed for the technical areas to provide a conclusive opinion, so the analysis of the recorded information was conducted. Following a qualitative and descriptive approach, a literature review was performed with use of the database provided by DATASUS to the Ombudsman’s Office SUS, where the proposed categories were surveyed. Most information was made by women, demonstrating that female participation is higher than male participation. Another revealed fact is that individual participation is higher than collective participation, but collective representation demonstrates more knowledge about legislation. The SUS/SESAB Ombudsman’s Office is the main Ombudsman of the state network, both quantitatively and qualitatively, and represents an essential means for the participation of SESAB employees. The Ombudsman’s Office has the challenge of going beyond being a mere formal instrument of communication between the citizen and the management.
Keywords: Unified Health System. Access to information. Ombudsman.
OIDORÍA SUS: ANÁLISIS DE LAS MANIFESTACIONES DE 2017 AMPARADAS EN LA LEY DE ACCESO A LA INFORMACIÓN
Resumen
La creación de la Ley de acceso a la información (LAI) inicia una relación de compromiso de la gestión de los organismos públicos con la publicación de los datos de interés público. Por la competencia institucionalizada de atender al ciudadano y también de recibir, examinar y encaminar sus manifestaciones, las oidorías acabaron por configurarse un sector responsable de su desarrollo en los organismos públicos. En esta perspectiva, la Oidoría del Sistema Único de Salud de la Secretaría de Salud del Estado de Bahía (SUS/Sesab) contabilizó, en el año 2017, el registro de 224 solicitudes de información que fueron tramitadas para que las áreas técnicas
suministraran parecer concluyente. Por tanto, se buscó realizar el análisis de esas informaciones catastradas. El estudio realizado es de carácter cualitativo y descriptivo, con revisión de literatura y búsqueda en el banco de datos proporcionado por el Datasus a las Oidorías SUS, donde se buscó las categorías propuestas. El estudio reveló que la mayoría de las informaciones fueron hechas por mujeres, demostrando que la participación femenina es mayor que la masculina. Otro dato revelado es que la participación individual es mayor que la colectiva, aunque la representación colectiva demuestra más conocimiento sobre la legislación. La Oidoría SUS/Sesab es la principal oidoría de la red estadual, tanto desde el punto de vista cuantitativo como cualitativo, y representa un canal fundamental para la participación de los trabajadores de la Sesab. La oidoría tiene el desafío de ir más allá de ser un mero instrumento formal de comunicación entre el ciudadano y la gestión.
Palabras clave: Sistema Único de Salud. Acceso a la información. Oidoría.
A ouvidoria é um instrumento de disseminação de informação em saúde, local de orientação e também divulgação das ações e dos serviços de saúde da região a qual faz parte. Configura-se como um canal institucional de escuta qualificada na qual o cidadão, de maneira direta – sem, necessariamente, estar representado por um coletivo –, expressa sua opinião, fortalecendo, assim, o serviço, e fazendo dele uma porta de entrada para o exercício de participação cidadã. Sob essa perspectiva, a rede estadual de ouvidorias do Sistema Único de Saúde (SUS) no estado da Bahia contabilizou, no ano de 2017, um total de 2.342 atendimentos que tiveram por objetivo o fornecimento imediato de orientações e informações em saúde para os cidadãos que procuraram o serviço de ouvidoria.
Por ter essa competência institucionalizada de atender ao cidadão e também de receber, examinar e encaminhar suas manifestações, as ouvidorias acabaram se configurando enquanto setor responsável pelo desenvolvimento da Lei de Acesso à Informação (LAI) no âmbito dos órgãos públicos. Estabelece-se na Lei Estadual de Acesso à Informação n. 12.618 a competência da ouvidoria legitimada no Art. 6º quando se defini que “o Serviço de Informação ao Cidadão será exercido pelos órgãos da Administração Pública Estadual, diretamente ou por intermédio da Ouvidoria Geral do Estado”1:sp
Essa experiência da ouvidoria “é relevante não apenas por sua originalidade histórica, mas por evidenciar um movimento no qual as ouvidorias oferecem sua experiência
na análise e na tramitação de pedidos de informação originados da aplicação da Lei”2:4. Portanto, um conjunto de normas que trouxe, nos últimos anos, mais estruturação à tramitação das demandas de informação nos órgãos do poder executivo estadual e, consequentemente, uma exigência no que pese à atuação mais efetiva da Ouvidoria SUS dentro da Secretaria Estadual de Saúde da Bahia.
Diante do protagonismo desenvolvido pelas ouvidorias, seja como canal de entrada de manifestação do cidadão ou como coordenadora desse processo institucionalizado e ainda realizando um contraponto com a fundamental participação social exercida pelo cidadão que busca a ouvidoria para ter acesso aos dados sobre a gestão, os gastos públicos e os serviços, é que se procurou entender o que está materializado nos pedidos de acesso à informação cadastrados na Ouvidoria SUS/SESAB, levando ao questionamento central e norteador desta pesquisa: quais características têm as demandas cadastradas na Ouvidoria SUS/Sesab, com base na LAI, no ano de 2017?
Ressalta-se aqui que a ouvidoria trabalha com classificações oficiais para as demandas cadastradas, a saber: denúncia; reclamação; solicitação; elogio; sugestão; e informação3. A análise a partir das demandas de informação se dá sob a peculiaridade estabelecida na Lei 12.618/2012, que regula o acesso à informação na Bahia e prevê prazo de resposta em seus §1º e 2º do Art. 9º e sanção nos §1º e 2º do Art. 26 para o agente público que recusar a fornecer a informação.
Apesar do debate sobre a legislação e sua aplicabilidade por meio da ouvidoria permanecer presente durante a discussão, este trabalho não pretendeu tratar de maneira detalhada os aspectos impostos pela LAI, nem tampouco se debruçar sobre procedimentos técnicos operacionais determinados pelos decretos que regulamentam a lei federal e a estadual, muito menos discutir juridicamente a aplicabilidade institucionalizada da lei ou descrever minuciosamente os processos de trabalho.
Pretende-se, por meio da pesquisa, explorar determinadas características do funcionamento da área, pois se faz necessário traduzir esse entendimento para o trabalho cotidiano da Ouvidoria SUS/Sesab no acompanhamento do processo percorrido pela demanda, considerando a classificação da informação desde a inserção no sistema, passando pelo tratamento e pelo encaminhamento até a sua conclusão. Além disso, planeja-se aprimorar a relação da ouvidoria com as áreas técnicas responsáveis pelos pareceres conclusivos, dandolhe visibilidade também junto do cidadão que procura seus serviços. Ao ter acesso à ouvidora, o cidadão tem a sua demanda acolhida e respondida de maneira qualificada e em tempo
hábil, conforme preconiza a LAI o que fortalece a cultura da transparência pública dentro da Secretaria Estadual de Saúde.
Desse modo, o objetivo é analisar as manifestações com base na LAI cadastradas na Ouvidoria SUS/Sesab no ano de 2017. Especificamente, busca-se quantificar as demandas de informação realizadas pelos cidadãos na ouvidoria SUS/Sesab; caracterizar o perfil dos manifestantes que protocolaram demandas de acesso à informação; descrever os assuntos mais demandados nos pedidos de informação cadastrados; e identificar as áreas técnicas que mais receberam pedidos de informações por meio da ouvidoria.
O estudo tem caráter qualitativo e descritivo por permitir uma análise sobre a descrição das características de uma população ou fenômeno específico4. Assim, executou-se o trabalho de forma não sistematizada e exploratória a partir de duas bases de dados secundárias que fundamentaram a análise pretendida. O levantamento bibliográfico ocorreu entre os meses de março e maio de 2018, por meio do Google Acadêmico e da base de dados SciELO.
Este trabalho foi desenvolvido no contexto da Ouvidoria SUS/Sesab, que atua como Coordenação Estadual da Rede de Ouvidorias SUS/BA, e tem como delimitação do universo as demandas de pedido de informação cadastradas diretamente na Ouvidoria SUS/ Sesab no ano de 2017, com base nos dispositivos da LAI. Essas demandas foram provenientes dos diversos meios de atendimentos disponibilizados (portal web, 0800, presencialmente, migração entre os Sistemas TAG/OuvidorSus) para garantir o acesso do cidadão.
Depois da realização do levantamento quantitativo do total de informações cadastradas por todas as Ouvidorias da Rede Estaduald, realizou-se um recorte do número de pedidos de informação cadastrado na Ouvidoria SUS/Sesab, sendo sobre este último que se debruçou a pesquisa, ou seja, é nesse específico dado que se configura o objeto deste estudo.
Para a realização desta pesquisa, procedeu-se à coleta dos dados secundários do banco de dados do sistema informatizado OuvidorSus, proveniente do Datasus/MS, os quais foram registrados posteriormente em uma planilha criada com o software Microsoft Excel® para controle interno das demandas de informação cadastradas no ano de 2017. Essa planilha tem sido o principal instrumento de controle do acompanhamento e do monitoramento dos pedidos de informação executados na Ouvidoria SUS/Sesab retratada neste trabalho.
O levantamento iniciou-se pelo banco de dados por meio da ferramenta de tabela dinâmica e posterior conferência de alguns dados necessários com a planilha do Excel®, nas quais utilizou-se apenas informações referentes aos objetivos propostos. Porém, o levantamento inicial demonstrou a necessidade de se rever tecnicamente o preenchimento das tipificaçõese, pois a categorização estabelecida como padrão, a princípio, pela equipe da Ouvidoria SUS/BA para o preenchimento das manifestações no sistema não foi suficiente para identificar os assuntos, constituindo-se na primeira dificuldade encontrada durante a coleta dos dados. Outra dificuldade encontrada foi o levantamento das áreas técnicas demandadas, uma vez que o banco de dados pontua o primeiro e último destino por onde passou a demanda, não necessariamente identificando o setor responsável pela emissão do parecer conclusivo. Tais dificuldades trouxeram a necessidade da revisão de alguns dados do sistema informatizado OuvidorSus para garantir a possibilidade de identificação das áreas técnicas demandadas e dos assuntos tratados em cada informação.
A partir da coleta de dados ficou definido que para identificação do manifestante optaríamos por algumas determinações, uma vez que o sistema identifica a pessoa física apenas como cidadão – o que, de fato, todos são de direito –, mas cabia uma categorização mais objetiva e clara para o leitor, ficando definido: a) Usuário – Cidadão que solicita a informação como pessoa física; b) Trabalhador da Sesab – Cidadão, servidor público da Sesab que solicita a informação como pessoa física; C) Sociedade Civil Organizada – Organizações que solicitam a informação utilizando nome de razão social; e d) Prestador de serviço – Empresas que prestam serviço à Sesab e solicitam a informação utilizando identificação enquanto razão social. Para aprofundar a análise sobre o perfil do cidadão, realizou levantamento da representatividade por sexo dos cidadãos que realizaram suas manifestações enquanto pessoa física (usuários e trabalhadores da Sesab). Cabe dizer que se optou pelo termo “sexo”, por esse ser oficialmente utilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Além disso, vale ressaltar que para colher as informações mais específicas que não constavam no banco de dados do Datasus, por limitação da ferramenta, foi necessário fazer o levantamento na planilha Excel de uso interno. Assim, os dados extraídos foram utilizados, exclusivamente, para realização desta pesquisa, não apresentando dano a qualquer cidadão, em nenhuma hipótese, pois se debruçou sob elementos que não identificam qualquer requerente do pedido de informação, mantendo assim o sigilo sobre a identidade, conforme preconizado na Resolução n. 466, de 12 de dezembro de 20125
e “Tipificação” é a categorização por assunto realizada no preenchimento da demanda no sistema OuvidorSus para identificar e destrinchar o assunto abordado na manifestação.
A rede de Ouvidorias SUS/BA, em 2017, trabalhou com um total de 258 protocolos com requerimento de acesso à informação. Desse montante, temos o universo desta pesquisa, que corresponde a um total de 224 pedidos de acesso à informação cadastrados diretamente na Ouvidoria SUS/Sesab, sendo 87% (n=224) cadastrados diretamente nessa ouvidoria e 13% (n=34) cadastrados pelas outras da rede SUS/BA (Gráfico 1).
Gráfico
Sesab (n=224)
Outras Ouvidorias (n=34)
TOTAL: 258
Identificou-se que 164 pedidos de informação foram realizados por usuários, o que equivale a 73%; 47 demandas foram protocoladas por trabalhadores da Sesab, representando 21%; já 12 demandas foram cadastradas por sociedade civil organizada (duas entidades), equivalendo a 5,4%; e, por último, apenas 1 solicitante se apresentou como prestador de serviço, o que representou 0,4%, conforme explícito no Gráfico 2
Levando em conta que tanto cidadãos quanto trabalhadores representam atendimento individual prestado à “pessoa física”, obtém-se um montante de 211 demandas cadastradas por cidadãos, representando 94% de todo atendimento realizado.
Dentre o perfil dos usuários, encontra-se um quantitativo de 90 do sexo feminino e 74 do sexo masculino, e, dentre o perfil de trabalhadores, identifica-se 29 do sexo feminino e 18 do masculino, conforme Tabela 1. Portanto, ao se distribuir todo o quantitativo de atendimento individualizado por sexo, percebe-se que 119 são do sexo feminino e 92 do sexo masculino, respectivamente 56% e 44%.
Usuário (n=164)
Trabalhador (n=47)
Sociedade civil organizada (n=12)
Prestador de Serviço (n=1)
TOTAL: 224
O assunto “gestão” é utilizado para fazer referência às situações que envolvam a gerência necessária ao funcionamento do SUS, incluindo nesse âmbito a responsabilidade das esferas de governo que, por meio da habilitação de gestão, assumiram o compromisso de garantir e aperfeiçoar o funcionamento do sistema de saúde, incluindo com suficiência e qualidade ações e serviços de saúde. É um dos assuntos mais abrangentes dentre os que fazem parte do elenco de assuntos da tipificação, do qual encontramos 124 cadastros, representando 55% do total de assuntos encontrados nas manifestações.
Em seguida, encontra-se 26 demandas sobre a “assistência farmacêutica”, significando 13% dos assuntos demandados. Na sequência, há o assunto “orientações em saúde” com 15 manifestações, ou seja, 6,6%, seguido por “assistência à saúde” e “vigilância em saúde”, ambas com 12 manifestações, representando, cada uma, 5%. Com 7 demandas cada, temos ainda “comunicação” e “produtos para saúde/correlatos”, significando 3%. Em seguida, os assuntos
“estratégia de saúde da família” (ESF) e “programa de agentes comunitários de saúde” (PACS) representaram 2% dos assuntos demandados, com 4 demandas de informação protocoladas. Com menor representatividade, de 1,33% das manifestações, encontramos os assuntos “financeiro” e “transporte”, cada uma com 3 demandas cadastradas. Com apenas 2 demandas cadastradas, encontram-se os assuntos “alimentos”, “assistência odontológica”, “assuntos não pertinentes”, “cartão SUS” e “vigilância sanitária”, todas com 2 cadastros, representando 0,89%. Por último, com apenas 1 manifestação, encontra-se o assunto “conselho de saúde”, representando 0,4% (Tabela 2).
Fonte: Banco de dados do Sistema OuvidorSus (Datasus).
Demonstra-se a seguir o detalhamento dos assuntos em subassuntos, permitindo um maior entendimento sobre os pedidos de informação. Buscando favorecer a compreensão do leitor, os assuntos foram subdivididos em três blocos (tabelas 3, 4 e 5).
Inicialmente, fica evidente na Tabela 3 a capacidade da ouvidoria de apreender a diversidade
de questões que envolvem o SUS, demonstrando a importância de sua principal ferramenta de trabalho, que é o sistema informatizado OuvidorSus, uma vez que consegue apreender desde o assunto “alimento”, identificando o tipo de alimento – no caso, “alimento artificial” –, assim como questionamentos sobre “assistência odontológica” especializada – especificamente “aparelho e implante” –, além de cadastramentos sobre o “Cartão SUS” e correção cadastral, funcionamento de “ESF” e pagamento a recursos humanos de ESF, “produtos para saúde”, cadeira de rodas, cama hospitalar, “transporte”, ambulância e TFD (tratamento fora domicílio), e repasse de verbas, em “financeiro”.
Tabela 3 – Detalhamento dos assuntos mais demandados. Salvador, Bahia, Brasil – 2017
Tabela 4 – Detalhamento dos assuntos mais demandados. Salvador, Bahia, Brasil – 2017
Em seguida foi realizado o detalhamento dos assuntos (Tabela 4): “assistência à saúde”, com os subassuntos “cirurgia”, “consulta/atendimento/tratamento”, “transplante”, “diagnóstico clínico”; “orientações em saúde”, com diversos questionamentos, de cobertura de procedimento à doação de sangue; dados epidemiológicos e vacinação, com o assunto “vigilância em saúde”; e, por último, o segundo mais demandado entre os assuntos, a “assistência farmacêutica”, com 26 registros, sendo que 12 demandas especificaram, cada uma, apenas 1 medicamento, ao solicitar informação sobre sua distribuição ou sobre a causa de sua falta na rede. Nas outras 14 demandas da assistência farmacêutica foi solicitado, em cada um dos cadastros, um elenco de diversos fármacos, por isso optou-se pela tipificação com subassunto “outros”, pois ficou impossibilitado de identificar apenas 1 componente na tipificação.
O maior assunto demandado, com 124 demandas, versa sobre “gestão”, em que se detalha, por meio das demandas, o seguinte: “ações e programas”; “central de regulação”; documentos e estabelecimento de saúde e tudo o que pode relacionar-se a ele; “legislação”; “recursos humanos” e toda sua complexidade – lembrando que o segundo perfil que mais cadastrou pedidos de informação foi a categoria “trabalhador”. Há, portanto, uma enorme representatividade desse subassunto nas demandas analisadas (Tabela 5).
Os assuntos retratados têm impacto direto sobre quais áreas técnicas serão demandas, conforme expresso na Tabela 6.
Tabela 6 – Identificação das áreas técnicas demandadas. Salvador, Bahia, Brasil – 2017
Considerando que trabalhador foi o segundo perfil de demandantes mais encontrado (Gráfico 2), as demandas relacionadas aos direitos e vantagens dessa categoria foram direcionadas à Superintendência de Recursos Humanos (SUPERH) da Sesab, fazendo com que esta despontasse como a primeira área técnica no recebimento de registros (Tabela 6), lembrando também que a categoria de usuários buscou informações sobre processos seletivos, cursos da Escola de Saúde Pública da Bahia e outras áreas ligadas à SUPERH. Os dados refletem o quanto a Lei de Acesso à Informação tem sido utilizada pelos trabalhadores da saúde para materializar a forma de acessar os serviços de recursos humanos.
Em segundo lugar na Tabela 6, encontra-se a Ouvidoria SUS/BA que, por competência para responder às diversas orientações em saúde que não requerem parecer técnico mais
aprofundado, reafirma-se enquanto instrumento de disseminação de informação em saúde. Os demais dados da Tabela 6, demonstram a pulverização dos encaminhamentos aos diversos setores, como Gabinete do Secretário de Saúde, demonstrando a importância da participação direta da gestão na garantia do fornecimento das informações solicitadas; Superintendência da Assistência Farmacêutica; unidades da rede estadual (hospitais, centros de referências…), ou seja, a diversidade das áreas que garantem a manutenção dos serviços de saúde.
O conceito de Barreiro, Hossne e Sobrinho6 afirma que as ouvidorias exercem função de destaque em razão do trabalho realizado, uma vez que qualificam a participação do cidadão com o seu protagonismo voltado às mudanças sociais, representando um papel social importante no processo dialógico que envolve as relações entre os indivíduos, os grupos e as organizações. Assim, pode-se dizer que são espaços de comunicação institucionalizada em que há encaminhamentos representativos de valores, ideias e sentimentos dos cidadãos usuários, cujo objetivo é fornecer à gestão elementos que permitam diagnosticar sistematicamente a instituição, refletir sobre as falhas nos processos e, principalmente, subsidiar novos conceitos de gestão ao coletivizar uma demanda trazida pelo indivíduo e transformando-as em benefícios que atendam a uma coletividade3
Embora tenham a capacidade de auxiliar a gestão nos processos de tomada de decisão, elas não são consideradas espaços deliberativos, “[…] espaços públicos na medida em que permitem aos cidadãos acesso ao Estado para que apresentem suas reivindicações e reclamações: propiciam acesso à informação […] Mas, estas não são espaços de deliberação”7:8
Ou seja, as ouvidorias não têm caráter deliberativo de definir políticas públicas e orçamentárias, como acontece nos conselhos e nas conferências de saúde, por exemplo. Não podem as ouvidorias de saúde por si só estabelecer direitos fundamentais, determinar parâmetros de ações e execuções de que visem à elaboração de políticas e direitos, pois, enquanto instituição, a ouvidoria está diretamente ligada à gestão/administração, portanto, tem limitações enquanto esfera de decisão, necessitando, assim, de uma estrutura maior de poder político institucional e independência, como os conselhos de saúde.
A Ouvidoria SUS/Sesab, além de se apresentar enquanto ouvidoria especializada, também se constitui enquanto Coordenação da Rede de Ouvidorias do SUS, formada por 61
unidades de gestão do estado, municípios e policlínicas regionais (Consórcio de Saúde). Tem 18 pontos de resposta, que correspondem às áreas técnicas da Sesab. É composta por uma coordenação-geral (Ouvidora Titular do Estado) e duas gerências: Gerência de Planejamento e Educação Permanente (GPEP), responsável pela execução dos treinamentos técnicos; pela articulação e pela sensibilização para implantação de ouvidorias em todo o território baiano; pelo planejamento das ações propostas no Plano Estadual de Saúde (PES), Programação Anual de Saúde (PAS) e Plano Plurianual (PPA), sendo também responsável pelo monitoramento das demandas com base na LAI, além de realizar visitas técnicas para acompanhamento e adequação dos espaços de instalação de ouvidorias institucionais. Há, ainda, a Gerência de Processamento e Tratamento de Demandas (GPTD), responsável pelo acolhimento/atendimento ao cidadão por meio do teleatendimento e de forma presencial, cadastrando, tratando, acompanhando, monitorando e encerrando as demandas cadastradas no sistema informatizado OuvidorSus, além de também ser responsável pelo monitoramento de toda a rede estadual e pela realização de visitas técnicas.
Observa-se que a ouvidoria da Sesab foi a maior responsável pelo cadastramento de demandas de informação realizadas em toda rede. Esse resultado demonstra sua importância como porta de entrada das manifestações, uma vez que tem canais de acesso mais amplos, como o teleatendimento, já que apenas a Sesab tem esse serviço no estado enquanto Ouvidoria SUS, e o Portal Web do Ministério da Saúde, que possibilita o direcionamento das demandas de responsabilidade do estado da Bahia diretamente para a Sesab.
Para abordagem e levantamento do perfil dos manifestantes que protocolaram pedido de acesso à informação, é necessário deixar claro algumas especificidades na legislação e na atuação da ouvidoria para o entendimento da análise desses dados. Vejamos que, primeiramente, aos pedidos com base na LAI é vedado o anonimato, conforme previsto no Art. 8º da Lei 12.618/2012, em que se prevê que “o pedido de acesso será realizado por qualquer meio legítimo e deverá conter a identificação do requerente e a especificação da informação referida”1:sp, por isso demandas sob anonimato não são tramitadas em nenhuma hipótese como demandas de informação.
Outra peculiaridade da Ouvidoria SUS/Sesab é o atendimento aos trabalhadores da Sesab, uma vez que esta não dispõe de ouvidoria própria de recursos humanos. Por isso
optamos por separar essa categoria para pontuar a sua relevância no trabalho desempenhado pela Ouvidoria SUS/Sesab com o trabalhador da saúde.
Estabelecidas as devidas considerações, o resultado encontrado depois do tratamento dos dados demonstra que a participação feminina é sempre maior que a masculina, seja com o perfil de usuários ou com perfil de trabalhadores, bem como no montante geral.
Ao receber uma demanda, a ouvidoria precisa realizar o devido tratamento, que envolve a análise do teor das manifestações, a verificação de dados suficientes para dar andamento à demanda e a identificação das unidades internas do órgão responsáveis pelo parecer conclusivo e para onde as demandas devem ser encaminhadas. Dentro desse tratamento, encontra-se o processo de tipificação da demanda que possibilita, principalmente, a elaboração de relatórios, dando o caráter de ferramenta de gestão que é tão peculiar às ouvidorias SUS.
Levando-se em consideração que o segundo perfil que mais cadastrou pedido de informação foi a categoria “trabalhador”, identifica-se, portanto, que há uma enorme representatividade desse subassunto nas demandas analisadas (Tabela 5).
Sob a assistência farmacêutica é necessário realizar uma análise separada, pois identificou-se uma peculiaridade em torno desses dados. Temos, de um lado, 12 cadastros realizados por usuários no quais se questiona a forma como adquirir medicamentos ou outros questionamentos que visam a um atendimento de necessidade individual e/ou coletiva. Por outro lado, há 14 registros com questionamentos sobre diversos fármacos, dos quais 12 foram realizados por 2 entidades, a qual denominamos “sociedade civil organizada”. Ao analisar os conteúdos das demandas, observou-se que todas buscavam informações sobre contratos de compras e quantidades adquiridas pela Sesab. Para além dessa constatação, também foi constatado, por meio do acompanhamento das áreas técnicas responsáveis, que os medicamentos em questão não fazem parte do elenco de dispensação do SUS, sendo adquiridos por meio de processos judiciais.
Tal constatação direciona para diversos questionamentos: qual controle social essas entidades, a “sociedade civil organizada”, representam? O que está por detrás desse interesse constante sobre os gastos públicos com os medicamentos judicializados? A quem mais tem interessado o fenômeno da judicialização de medicamentos no SUS? Enfim, esses são questionamentos que surgiram e que podem fomentar uma próxima pesquisa sobre esse dado específico, uma vez que este trabalho não comporta tal aprofundamento de análise.
O estudo demonstrou a importância do papel da Ouvidoria SUS/Sesab na Rede Estadual de Ouvidorias do SUS, em que ressalta-se, sem excessos, que essa é a principal peça da engrenagem pois, enquanto canal de entrada de demandas – em especial as de informação –, ela foi responsável pelo cadastramento da maioria absoluta das informações em 2017 no estado da Bahia.
Embora a Ouvidoria SUS/Sesab já se constitua como órgão de acesso aos pedidos de informação realizados à Secretaria Estadual de Saúde, cabe à administração pública o reconhecimento da ouvidoria enquanto ferramenta de gestão, utilizando-a administrativamente e garantindo que muitos questionamentos apontados possam despertar maior transparência pública dentro do órgão. A complexidade de dados traduzida na capacidade de trabalhar a diversidade de assuntos com as quais a ouvidoria lida cotidianamente permite abarcar um leque de possibilidades existentes no SUS que é único e exclusivo do instrumento de ouvidoria, que se apresenta, portanto, como elemento indispensável à gestão do SUS. Nesse sentido, torna-se estratégica a ampliação do corpo técnico da ouvidoria para que se possa comportar o quantitativo de trabalho demandado, enfrentando um déficit de trabalhadores que submete aos poucos técnicos existentes uma sobrecarga de trabalho. Por fim, a ouvidoria tem um grande desafio imposto ao seu serviço cotidiano, que é o de não se tornar apenas uma ferramenta de cumprimento burocrático de acesso à informação. Enquanto intermediária do processo de transparência, carece de conhecimento sobre o processo administrativo a ser desenvolvido, bem como da ampliação de sua capacidade de interlocução com as áreas técnicas e, principalmente, da manutenção do caráter de ferramenta de apoio à administração, para fortalecer a participação social por meio de seus instrumentos técnicos.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Hairla Henrique Alves de Almeida Monteiro.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Hairla Henrique Alves de Almeida Monteiro e Caroline Ramos do Carmo.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Hairla Henrique Alves de Almeida Monteiro e Caroline Ramos do Carmo.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Hairla Henrique Alves de Almeida Monteiro e Caroline Ramos do Carmo.
1. Bahia. Lei nº 12.618, de 28 de dezembro de 2012. Regula o acesso à informação no âmbito do Estado da Bahia, conforme prevê o artigo. 45 da Lei Federal n. 12.527, de 18 de novembro de 2011, e dá outras providências. Diário Oficial [do] Estado da Bahia, Salvador (BA); 2012 dez 29. Seção 1, p. 13.
2. Brasil. Controladoria-Geral da União. Manual de Ouvidoria Pública: rumo ao sistema participativo. Brasília (DF); 2012.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Manual das Ouvidorias do SUS. Brasília (DF); 2014.
4. Gil AC. Como elaborar projetos de pesquisa. 4a ed. São Paulo (SP): Atlas; 2002.
5. Brasil. Ministério da Saúde. Resolução n. 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília (DF); 2013 jun 13. Seção 1, p. 59.
6. Barreiro A, Hossne D, Sobrinho F. Ética e ouvidoria pública. In: Peres JRR, Barreiro A, Passone E, organizadores. Construindo a ouvidoria no Brasil: avanços e perspectivas. Campinas (SP): Unicamp; 2011.
7. Mario CG. Ouvidorias públicas municipais no Brasil [dissertação]. Campinas (SP): Pontifícia Universidade Católica; 2006.
Recebido: 24.9.2018. Aprovado: 25.9.2020.
MORTALIDADE INFANTIL E FETAL: ANÁLISE DOS CASOS NO MUNICÍPIO DE BARREIRAS, BAHIA, 2008-2017
Juliana Melo do Amaral Carvalhoa
Luciano de Paula Mourab
Resumo
O índice de mortalidade infantil tem sido utilizado por muitos gestores como justificativa para implantação/implementação de políticas e programas com a finalidade de melhorar as condições de saúde e ampliar o acesso a serviços de saúde à gestante e ao recém-nascido. Tal proposta tem a premissa de reduzir a taxa de mortalidade infantil e neonatal a partir da melhoria da qualidade do pré-natal, do puerpério e do desenvolvimento da criança. O município de Barreiras, entre 2008 e 2017, apresentou flutuações no coeficiente de mortalidade infantil e fetal, com menor percentual em 2008 (11,13%) e maior em 2009 (18,37%). Todavia, apesar dessa flutuação, quando se compara o ano inicial ao último ano estudado, verifica-se uma tendência à ampliação dos números. Para entender esse comportamento, realizou-se um estudo da mortalidade infantil e fetal entre os anos de 2008 e 2017, enfatizando os fatores predisponentes e as causas dos óbitos, por meio de dados presentes no Datasus, no Sistema de Informação sobre Mortalidade e no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos. Entre as principais causas de óbitos infantis e fetais evitáveis registrados estão: sífilis em gestante, sífilis congênita, afecções infantis/ fetais associadas à infecção do trato urinário materno, transtornos hipertensivos maternos, complicações da placenta, cordão umbilical e membranas afetando feto e recém-nascidos, doenças pulmonares, prematuridade, sepse neonatal e hipóxia/anóxia.
Palavras-chave: Mortalidade infantil e fetal. Sistema de Informação sobre Mortalidade. Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos.
a Enfermeira Sanitarista. Especialista em Gestão. Barreiras, Bahia, Brasil. E-mail: anailumelo@hotmail.com
b Sanitarista. Mestre em Gestão de Sistemas de Saúde. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: mouraluciano@yahoo.com.br
Endereço para correspondência: Rua Godofredo Cruz, n. 60, São Miguel. Barreiras, Bahia, Brasil. CEP: 47800-442. E-mail: anailumelo@hotmail.com
2008-2017
Abstract
The infant mortality index has been used by many managers to justify the implementation of policies and programs aimed at improving health conditions and expanding access to health services for pregnant women and newborn. This proposal has the premise of reducing the rate of infant and neonatal mortality by improving quality during prenatal, puerperium and child development. The municipality of Barreiras, between 2008 and 2017, showed fluctuations in the coefficient of infant and fetal mortality, with its lowest percentage in 2008 (11.13%) and highest value in 2009 (18.37%). However, despite the fluctuation in the period, when the initial year is compared to the last year studied, there is a growing trend. To understand this behavior, a study of infant and fetal mortality was carried out between 2008 and 2017 focusing on predisposing factors and causes of death using data from DATASUS, SIM and SINASC. Among the main causes of preventable fetal and infant deaths are: pregnant syphilis, congenital syphilis, infantile/fetal conditions associated with maternal urinary tract infection, maternal hypertensive disorders, placenta complications, umbilical cord and membranes affecting the fetus and newborns, diseases prematurity, neonatal sepsis and hypoxia/anoxia.
Keywords: Fetal and infant mortality. Sistema de Informação sobre Mortalidade. Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos.
MORTALIDAD INFANTIL Y FETAL: ANÁLISIS DE LOS CASOS EN EL MUNICIPIO DE BARRERAS, BAHIA, 2008-2017
Resumen
El índice de mortalidad infantil ha sido utilizado por muchos gestores como justificación para implantar/implementar políticas y programas con la finalidad de mejorar las condiciones de salud y ampliar el acceso a servicios de salud a la gestante y al recién nacido. Esta propuesta tiene la premisa de reducir la tasa de mortalidad infantil y neonatal a partir de la mejora de la calidad al prenatal, puerperio y desarrollo del niño. El municipio de Barreiras presentó, entre 2008 y 2017, fluctuaciones en el coeficiente de mortalidad infantil y fetal, con un menor porcentaje en 2008 (11,13%) y mayor en 2009 (18,37%). A pesar de la fluctuación en el período, cuando se compara el año inicial al último año estudiado, se observa una tendencia a la ampliación.
Para entender este comportamiento, se realizó un análisis de la mortalidad infantil y fetal en los años de 2008 a 2017, enfatizando los factores predisponentes y las causas de las muertes, por medio de datos presentes en Datasus, Sistema de Información sobre Mortalidad y Sistema de Informaciones sobre Nacidos Vivos. Las principales causas de muertes infantiles y fetales evitables registradas fueron: sífilis en la gestante, sífilis congénita, afecciones infantiles/fetales asociadas a la infección del tracto urinario materno, trastornos hipertensivos maternos, complicaciones de la placenta, cordón umbilical y membranas afectando feto y recién nacidos, enfermedades pulmonares, prematuridad, sepsis neonatal e hipoxia/anoxia.
Palabras clave: Mortalidad infantil y fetal. Sistema de Informação sobre Mortalidade. Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos.
A utilização de indicadores de mortalidade vem sendo empregada por gestores em todo o mundo na perspectiva de subsidiar a descrição das condições de saúde e nos processos de planejamento, gestão e avaliação de políticas, programas e projetos. Especificamente, os indicadores de mortalidade infantil são utilizados internacionalmente como índices de qualidade de vida e desenvolvimento, uma vez que seus resultados refletem, de maneira geral, as condições de desenvolvimento socioeconômico e infraestrutura, bem como o acesso e a qualidade dos recursos disponíveis para atenção à saúde materna e infantil. Indicadores contribuem, assim, com o desenvolvimento de ações voltadas para atenção pré-natal, para o parto e para a proteção infantil1.
No Brasil, embora tenha ocorrido redução de 47,5% no índice de mortalidade infantil no período entre 2000 e 2010 – o que é considerado um recorde para o país –, os números de 15,6 mortes de bebês de até 1 ano por mil nascidos vivos ainda estão além do proposto pela Organização das Nações Unidas (ONU), que é de apenas 5 mortes para cada mil nascidos vivos. Além disso, quando se considera os componentes dentro do indicador, é possível notar a diferença: a categoria “neonatal”, no mesmo período, obteve a maior redução, passando de 16,7 para 10,6 mortes por mil nascidos vivos. Já a categoria “pós-neonatal”, em 12 anos, passou de 9,4 para 4,7 mortes infantis por mil nascidos vivos. Assim, estudos têm indicado que o decréscimo da taxa de mortalidade infantil está associado a uma série de melhorias nas condições de vida e de atenção à saúde da mãe e da criança2
No contexto atual, diante dos desafios apresentados e reconhecendo as iniciativas e o acúmulo de experiências, o Ministério da Saúde organizou em 2011 uma grande estratégia com a finalidade de qualificar as redes de atenção materna-infantil em todo o país, tendo com o objetivo a redução das taxas, ainda elevadas, de morbimortalidade materna e infantil no Brasil. Trata-se da Rede Cegonha, instituída no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) pela Portaria n. 1.459, de 24 de junho de 2011, com o intuito de “assegurar à mulher o direito ao planejamento reprodutivo e a atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério, bem como à criança o direito ao nascimento seguro e ao crescimento e ao desenvolvimento saudável”3:sp. Trata-se de uma iniciativa em parceria com estados e municípios e que pretende cobrir todo o território nacional3
Dessa forma, a Rede Cegonha busca adotar medidas destinadas a assegurar a melhoria do acesso, da cobertura e da qualidade do acompanhamento ao pré-natal, da assistência ao parto e ao puerpério e à criança por meio da articulação dos pontos de atenção em rede e da regulação obstétrica no momento do parto, bem como da qualificação técnica das equipes de atenção básica e, no âmbito das maternidades, da melhoria da ambiência dos serviços de saúde, da ampliação de serviços e de profissionais, do estimulo à prática do parto fisiológico e a humanização do parto e do nascimento3
Todavia, as mudanças demográficas e epidemiológicas vivenciadas pelo país nas últimas décadas, com um contexto de envelhecimento da população e aumento na prevalência das doenças crônicas não transmissíveis, em um mesmo período em que ocorre uma progressiva melhoria do índice de mortalidade infantil, acabaram forçando uma reorganização de prioridades na agenda da saúde pública brasileira e, consequentemente, a diminuição da preocupação com a atenção à saúde da criança4. Assim, esse é um contexto que precisa ser superado com uma retomada da valorização da puericultura e da atenção à saúde da criança de uma forma geral – inclusive como condição para que se possa garantir futuras gerações de adultos e idosos mais saudáveis, uma vez que, apesar do declínio observado, a mortalidade infantil permanece como uma grande preocupação em saúde pública. Dessa forma, pode-se dizer que os níveis atuais são considerados elevados e incompatíveis com o desenvolvimento do país, e ainda há sérios problemas a superar, dentre os quais as persistentes e notórias desigualdades regionais e interurbanas e a concentração dos óbitos na população mais pobre, além das iniquidades relacionadas a grupos sociais específicos5.
Nos últimos anos, a taxa de mortalidade infantil, de maneira inversa ao acontecido nas últimas décadas, vem aumentando. Com um número de 19,3 mortes por mil nascidos vivos, o país se assemelha a países desenvolvidos no final da década de 1960, chegando a
ter taxas de 3 a 6 vezes maiores do que o índice encontrado em países como Japão, Canadá, Cuba, Chile e Costa Rica, que apresentam números entre 3 a 10 mortes por mil nascidos vivos5. Esse contexto é semelhante quando se comparam os mesmos países ao Brasil na análise da redução da mortalidade neonatal e pós-neonatal: enquanto tais países conseguiram, de maneira simultânea, a redução dos dois indicadores, o Brasil não teve mudança significativa do componente neonatal nas últimas décadas, sugerindo, portanto, problemas tanto nas aferições das condições da situação de saúde quanto nas condições de vida6
Dessa maneira, as intervenções dirigidas a sua redução dependem de mudanças estruturais relacionadas às condições de vida da população, assim como de ações diretas definidas pelas políticas públicas de saúde, exigindo, portanto, uma combinação de fatores biológicos, sociais, culturais e do sistema de saúde como um todo4.
É sabido que mortes precoces podem ser consideradas evitáveis, em sua maioria, desde que garantido o acesso em tempo oportuno a serviços qualificados de saúde, uma vez que os componentes da atenção à saúde associados à morte infantil guardam certo grau de especificidade em relação aos diferentes momentos da vida da criança. Em termos gerais, na fase neonatal, as mortes estão mais relacionadas aos determinantes biológicos, incluindo gestação múltipla, prematuridade, baixo peso ao nascer, malformação congênita e afecções do período perinatal, entre outras causas. Assim, a sua prevenção deve envolver melhorias no acesso universal ao pré-natal de qualidade e acesso a serviços com tecnologia para diagnóstico e tratamento acessível na medida da necessidade da criança, desde a atenção básica até a de alta complexidade, inclusive UTI neonatal7.
Por sua vez, a mortalidade fetal partilha com a mortalidade neonatal precoce das mesmas circunstâncias e etiologia, que influenciam o resultado para o feto no final da gestação e para as crianças nas primeiras horas e dias de vida. Os óbitos fetais são também, em sua maioria, considerados potencialmente evitáveis. No entanto, têm sido historicamente negligenciados pelos serviços de saúde, que ainda não incorporaram na sua rotina de trabalho a análise de sua ocorrência e tampouco destinaram investimentos específicos para a sua redução7
Assim, essas mortes precoces podem ser consideradas evitáveis, em sua maioria, desde que garantido o acesso em tempo oportuno a serviços qualificados de saúde, pois decorrem de uma combinação de fatores biológicos, sociais, culturais e de falhas do sistema de saúde. As intervenções dirigidas a sua redução dependem, portanto, de mudanças estruturais relacionadas às condições de vida da população, assim como de ações diretas definidas pelas políticas públicas de saúde4.
A redução da mortalidade e a melhoria da saúde infantil são ainda um desafio para os serviços de saúde, para o governo e para a sociedade como um todo. Junto do combate à pobreza, à fome, às doenças, ao analfabetismo, à degradação do meio ambiente e à discriminação contra a mulher, a redução em dois terços da mortalidade infantil e fetal integrou o conjunto de Metas do Desenvolvimento do Milênio, compromisso assumido pelos países integrantes da ONU, no ano 2000, do qual o Brasil é signatário e cuja finalidade é a obtenção de níveis mais dignos de vida em até 5 anos do acordo firmado5.
Na abordagem dessa temática, que faz parte do dia a dia de trabalho de diversos profissionais de saúde, e visando a sistematizar as informações geradas no município de Barreiras (BA), buscou-se analisar a mortalidade infantil e fetal no período de 2008 a 2017 e, partir dessa análise, formular estratégias que permitam o seu controle e a sua redução.
Portanto, este estudo tem como objetivo analisar os coeficientes de mortalidade infantil e fetal do município de Barreiras (BA) no período entre 2008 a 2017 descrevendo o perfil dos óbitos segundo as variáveis sexo, semana gestacional, tipo de parto, idade da mãe, escolaridade da mãe e as principais causas dos óbitos infantil e fetal evitáveis.
Este trabalho consiste em um estudo epidemiológico descritivo e retrospectivo realizado a partir da análise de dados secundários coletados no período de 2008 a 2017 sobre óbitos infantis e fetais de residentes no município de Barreiras (BA). Inicialmente, foram selecionados todos os óbitos em menores de 1 ano ocorridos em residentes no município de Barreiras (BA) no período relatado. O grupo foi classificado segundo o componente neonatal e pós-neonatal, sexo, idade gestacional, tipo de parto, escolaridade e idade da mãe, utilizando planilhas do software Microsoft Excel.
Posteriormente, foi realizado o cálculo dos coeficientes de mortalidade infantil e fetal, utilizando as formulas de método calculo direto, dividindo-se o número total de óbitos em menores de 1 ano no município e questão pelo número de nascidos vivos para cada ano, multiplicando-se por 1.000. Foram calculados os Coeficientes de Mortalidade Infantil (CMI) para os componentes neonatal precoce, neonatal tardio e pós-neonatal. Com o resultado, foi realizada uma comparação entre os CMI obtidos.
Para descrever as causas de mortalidade infantil e fetal no município de Barreiras foi considerada a causa básica do óbito, que foram codificadas de acordo a classificação Internacional das Doenças (CID), regulamentadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e adotada pelo Ministério da Saúde.
O município de Barreiras, entre 2008 e 2017, contabilizou 26.343 nascidos vivos filhos de mães residentes da cidade. Quanto ao tipo de parto, houve alternância entre a predominância dos partos vaginais e cesarianos ao longo do período estudado, sendo o número de partos vaginais o maior número/proporção entre 2008 a 2011 – em especial o ano de 2009, com 96% dos partos realizados por via vaginal. Já o parto cesariano obteve maior número e proporção entre 2013 a 2017, com percentuais bem acima do número preconizado pela OMS, que é de 10 a 15% (Tabela 1), contrariando, também, o proposto pela Rede Cegonha, que retomou a discussão da valorização do parto normal e humanizado a partir de 2011.
Tabela 1 – Total e percentual de partos, geral e por tipo, realizados no município de Barreiras entre 2008 e 2017. Barreiras, Bahia, Brasil – 2018
No mesmo período, foram registrados 6.917 óbitos infantis ocorridos no município, dos quais 390 foram de menores de 1 ano (Tabela 2), com predominância de óbitos para o sexo feminino (58,05%), no período a termo, que compreende de 37 a 41 semanas, 33,52%.
Destaca-se o ano de 2013, com 52,78% no mesmo período gestacional, e de óbitos de bebês com mães na faixa etária entre 20 a 29 anos.
Na Tabela 2 nota-se que a razão entre os nascidos vivos e os óbitos infantis mostrou-se maior nestes últimos, com leve tendência à ampliação do número de óbitos quando comparado ao de nascidos vivos ao longo do período estudado, podendo-se, a partir dos dados dos óbitos para menores de 1 ano, calcular o coeficiente de mortalidade infantil que, no período, ficou em média de 14,8.
Em relação ao coeficiente de mortalidade infantil, não diferente da realidade brasileira, o município de Barreiras vem apresentando números baixos, segundo a classificação da Rede Interagencial de Informações para a Saúde (Ripsa): menos de 20%, com flutuações entre o menor valor encontrado em 2008 (11,13%) e o maior valor em 2009 (18,36%) (Gráfico 1).
Tabela 2 – Série histórica entre nascidos vivos, óbitos infantis e óbitos menores de 1 ano no município de Barreiras, entre 2001 e 2017. Barreiras, Bahia, Brasil – 2018
Gráfico 1 – CMI em menores de 1 ano e linha de tendência no município de Barreiras, entre 2008 e 2017. Barreiras, Bahia, Brasil – 2018
SIM/Sinasc9
Nota: CMI de < 1 ano foi calculado por mil nascidos vivos (Sinasc 2001 a 2017).
Aprofundando a análise, ao se estratificar os óbitos segundo os seus componentes, o detalhamento das informações revela que a maior parte dos óbitos ocorreu no período neonatal, especialmente no período neonatal precoce (Tabela 3).
Tabela 3 – Estratificação dos componentes do CMI no município de Barreiras, entre 2008 e 2017. Barreiras, Bahia, Brasil – 2018
Ao analisar a ocorrência dos óbitos fetais no município no período entre 2008 e 2017 percebe-se que há flutuações (Tabela 4). Por exemplo: em 2008, o índice foi de 8,35%, enquanto em 2013 houve o maior valor registrado, 13,81%.
Tabela 4 – Número de óbitos fetais e coeficiente de mortalidade fetal no município de Barreiras, entre 2008 e 2017. Barreiras, Bahia, Brasil – 2018
Fonte: Datasus/Tabnet/SIM8
Dentre as principais causas de óbitos infantis e fetais evitáveis registrados estão: sífilis em gestante; sífilis congênita; afecções infantis/fetais associadas à infecção do trato urinário materno; transtornos hipertensivos maternos afetando feto e recém-nascido (pré-eclâmpsia, doença hipertensiva específica da gravidez); complicações da placenta, cordão umbilical e membranas afetando feto e recém-nascido (prolapso de cordão, descolamento prematuro de placenta, amniorrexe prematura, corioamnionite); pneumonia e outras doenças pulmonares; prematuridade (baixo peso ao nascer, nativivo prematuro extremo), sepse neonatal e hipóxia/ anóxia (infecções e afecções gestacionais e perinatais, práticas na assistência ao parto e sofrimento fetal associado à gestação prolongada).
No Brasil, estudos revelam uma tendência na redução da mortalidade infantil como um todo. Pesquisas realizadas com recorte para o período entre 1991 a 2006 apontaram um coeficiente de mortalidade infantil de 45,2 óbitos por mil nascidos vivos no primeiro ano de estudo, ao tempo em que há uma importante redução no coeficiente, de 44,9%, atingindo 24,9 óbitos por mil nascidos vivos em 2006. Essa tendência permaneceu ao longo da última década, apresentando uma taxa atual de 19,3 óbitos por mil nascidos vivos. Se comparado ao primeiro ano de estudo, o país apresentaria uma redução ainda maior, 57,30%10.
Com esse resultado, o Brasil melhorou nas últimas duas décadas sua posição no ranking internacional que classifica os países de acordo com taxa da mortalidade infantil, “subindo”, assim, nove posições. De acordo com o Relatório de Progresso 2012, intitulado “O compromisso com a sobrevivência da criança: uma promessa renovada”, que analisa as tendências nas estimativas de mortalidade de crianças, o Brasil caminhou, já em 2011, para atingir uma das metas pactuadas nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio11, em que se previa reduzir, em dois terços, entre 1990 e 2015, a mortalidade de crianças menores de 5 anos 4
Todavia, foi sinalizado pelo próprio relatório que, apesar da redução conquistada, o país permanece em uma posição desfavorável no ranking, ocupando o 120º lugar. No entanto, de acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil, os dados apresentados precisam ser comemorados, já que se trata de um número importante que representa que milhões de crianças tiveram o direito de crescer. O Brasil, portanto, é um dos países que mais reduziram a mortalidade infantil nos últimos anos5
Levando em conta as devidas considerações, o município de Barreiras vem apresentando um baixo coeficiente de mortalidade infantil, compatível com a realidade brasileira. Entretanto, a leve tendência de aumento no número de óbitos apresentada na Tabela 2 requer uma análise quanto às condicionantes desses fatores, além de indicar a necessidade de avaliação e monitoramento das ações que buscam melhorias nas condições de desenvolvimento socioeconômico e infraestrutura ambiental, bem como de acesso e de garantia de qualidade dos recursos disponíveis para a atenção à saúde materna e da população infantil.
Se considerarmos as possíveis causas que contribuíram com a redução da taxa de mortalidade no Brasil – principalmente no Nordeste –, ainda segundo o relatório elaborado pela ONU em 2013, pode-se citar a combinação de estratégias implantadas em nível nacional e municipal para a melhoria no atendimento materno e ao recém-nascido por meio da Estratégia
de Saúde da Família e as políticas de assistência social, como o programa de transferência de renda Bolsa Família, além de uma série de avanços nas condições de vida e na atenção à saúde da criança e da mãe, como a própria implantação da Rede Cegonha, que, como um todo, vêm contribuindo para a redução desses valores12. No entanto, para o melhor planejamento das ações de intervenção, faz-se necessário estratificar os componentes do coeficiente de mortalidade infantil e, assim, as execuções das ações se tornarão mais eficazes.
A realidade de um maior número de ocorrência de óbitos infantis no período neonatal tem se configurado como fator preocupante para a saúde pública no Brasil desde a década de 199013 e, de acordo com França et al.12, gera a necessidade de maior ênfase às ações de intervenção com relação a fatores ligados à gestação, ao parto e ao pós-parto, de maneira a contribuir com a redução da mortalidade na infância em nível compatível com o desenvolvimento econômico do país. Assim, cita-se, a título de exemplo e sugestão, ações como o fortalecimento da rede de atenção perinatal, com garantia da continuidade do cuidado integral desde o pré-natal à assistência neonatal.
Como dito anteriormente, é sabido que a mortalidade fetal partilha com a mortalidade neonatal precoce as mesmas circunstâncias e a etiologia, afetando o resultado tanto para o feto no final da gestação como para a criança nas primeiras horas e dias de vida.
Portanto, pode-se dizer que os óbitos fetais são, também, em grande parte, considerados potencialmente evitáveis7
Portanto, o conhecimento dos valores da taxa de mortalidade fetal (TMF) é fundamental quando se quer mensurar a qualidade de assistência prestada à gestante e ao parto e, dessa forma, reavaliar a necessidade de intervenção sobre os determinantes que contribuem para a ampliação desses valores – a exemplo da priorização das mulheres em vulnerabilidade social e/ou com histórico reprodutivo e morbidades durante a realização do pré-natal, objetivando, dessa maneira, a redução da taxa.
Assim, é essencial destacar, quando se analisa o coeficiente de mortalidade fetal, a importância da qualidade no preenchimento da declaração de óbito e o resultado do retrato fidedigno da realidade encontrada. Por ser um coeficiente dependente desse preenchimento, erros e ausências podem gerar informações diferentes do contexto real vivenciado no município, dadas as subnotificações que podem ocorrer. Pode-se citar, como exemplo, a influência da variável “grau de escolaridade” entre as mães, inviabilizada pelo alto percentual de não preenchimento desse dado, muitas vezes sendo dado como “não informado” nas declarações de óbito infantil, uma vez que apenas 1,1% dessas declarações ocorridas no período do estudo continham essa informação (98,9% de 6.917 casos).
Evidenciou-se que, para a redução da mortalidade infantil em Barreiras (BA), há necessidade de investimento no planejamento familiar, captação precoce das gestantes, qualificação do pré-natal e reestruturação da assistência à gestante e ao recém-nascido tanto nos serviços de atenção básica quanto na média e alta complexidade na hora do parto.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Juliana Melo do Amaral Carvalho e Luciano de Paula Moura.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Juliana Melo do Amaral Carvalho e Luciano de Paula Moura.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Luciano de Paula Moura.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Juliana Melo do Amaral Carvalho.
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Recebido: 24.9.2018. Aprovado: 6.10.2020.
ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE
Resumo
Um dos aportes da promoção de saúde é a educação em saúde, que visa contribuir com o aumento do conhecimento sobre saúde pela comunidade. As comunidades quilombolas são grupos étnico-raciais, minoritários dentro da população negra, que enfrentam algumas dificuldades no acesso aos serviços e ações de educação em saúde. O objetivo deste estudo é realizar uma revisão exploratória da literatura referente às ações de educação em saúde realizadas em comunidades quilombolas brasileiras. Trata-se de uma revisão de literatura, executada nas bases de dados LILACS, PubMed/Medline e SciELO, além de busca nas listas de referências de outros estudos publicados com essa temática. De maneira geral, os estudos encontrados, apontaram algumas das deficiências e necessidades das populações quilombolas, mesmo não sendo demandas espontâneas ou levantadas pela própria comunidade, a utilização de instrumentos aplicados pré e pós intervenção em alguns deles, demonstraram que as atividades contribuíram para a ampliação do conhecimento dos sujeitos sobre sua própria saúde. A educação, a informação e a comunicação em saúde são elementos constitutivos da promoção da saúde, que, segundo a concepção ampliada de saúde, é base constitutiva dos princípios do Sistema Único de Saúde. Por isso, é importante que se criem estratégias para execução de ações de educação em todos os níveis. Neste estudo, constatou-se que a literatura a respeito do tema educação em saúde ainda pode ser muito desenvolvida, principalmente quando se trata de comunidades quilombolas, especificamente.
Palavras-chave: Educação em saúde. Promoção da saúde. Origem étnica e saúde.
a Fisioterapeuta. Especialista em Saúde Pública. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: laysetatiane@gmail.com
b Fisioterapeuta. Mestra em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail:ignes.lopes@saude.ba.gov.br
Endereço para correspondência: Av. Jorge Amado, n. 62, bl. C, ap. 302. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 41720-040. E-mail: laysetatiane@gmail.com
Abstract
One of the contributions of health promotion is health education, which helps increases community health knowledge. Quilombola communities are ethnic-racial groups, a minority within the black population, which face some difficulties in accessing health education services and actions. The objective of this study is to carry out an exploratory review of the literature regarding health education actions developed in Brazilian Quilombola communities. This is a review of the literature found in Lilacs, PubMed/Medline and SciELO databases, as well as from searching the reference lists of other studies published on the subject. In general, the studies found pointed out some of the deficiencies and needs of Quilombola populations, even though they were not spontaneous demands raised by the community itself, the use of instruments applied before and after intervention in some of them demonstrated that the activities contributed to the expansion of the subjects’ knowledge about their own health. Health education, information and communication were shown to be constitutive elements of health promotion, which according to the broader conception of health is a constitutive basis for the principles of our Unified Health System. It is therefore important to create strategies for implementing educational actions at all levels. The literature on the topic of health education still needs to be further explored, especially when dealing with quilombola communities, specifically.
Keywords: Health education. Health promotion. Ethnic groups.
Resumen
Uno de los aportes de la promoción de la salud es la educación en salud, que pretende contribuir con el aumento del conocimiento sobre salud por parte de la comunidad. Las comunidades quilombolas son grupos étnico-raciales, minoritarios dentro de la población negra, que enfrentan algunas dificultades en el acceso a los servicios y acciones de educación en salud. El objetivo de este estudio es realizar una revisión exploratoria de la literatura referente a las acciones de educación en salud realizadas en comunidades quilombolas brasileñas. Se trata de una revisión de la literatura, realizada en las bases de datos Lilacs, PubMed/Medline y SciELO, además de búsqueda en las listas de referencias de otros estudios publicados sobre esa temática. En general, los estudios encontrados señalaron algunas deficiencias y necesidades de las poblaciones
quilombolas, si bien no fueron demandas espontáneas o planteadas por la propia comunidad, el uso de instrumentos aplicados pre- y posintervención en algunas de ellas demostró que las actividades contribuyeron a la expansión del conocimiento de los sujetos sobre su propia salud. La educación, la información y la comunicación en salud son elementos constitutivos de la promoción de la salud, que, según la concepción ampliada de salud, es base constitutiva de los principios de nuestro Sistema Único de Salud; por lo que es importante la creación de estrategias para ejecutar acciones de educación en salud a todos los niveles. En este estudio, se constató que la literatura acerca del tema educación en salud aún puede desarrollarse más, especialmente cuando se trata de comunidades quilombolas.
Palabras clave: Educación en salud. Promoción de la salud. Origen étnico y salud.
Em 1984, a Organização Mundial da Saúde (OMS) oficializou o conceito de Promoção da Saúde, como “processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo” 1:11
Um dos aportes da promoção de saúde é a educação em saúde, que visa contribuir com o aumento do conhecimento sobre saúde pela comunidade, de modo que ela se torne sujeito capacitado na participação e resolução dos próprios problemas. As atividades de educação podem ser desenvolvidas em diferentes espaços, como por exemplo, escolas, locais de trabalho, ambientes clínicos e centros comunitários, o que possibilita a participação conjunta de toda a comunidade2,3
Segundo a definição trazida no decreto (4.887/2003), “comunidades quilombolas são grupos étnico-raciais segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”4:14. Sendo um grupo minoritário dentro da população negra, essas comunidades enfrentam algumas dificuldades, dentre elas, problemas no acesso aos serviços e ações de educação em saúde5
Trata-se de um desafio complexo expandir tais ações ao maior número de usuários, universalizando o atendimento, como rege um dos princípios do SUS, principalmente quando esse usuário está localizado distante dos grandes centros e vive em condições precárias, como é o caso das populações quilombolas.
Dentro desse contexto, o presente estudo objetiva realizar uma revisão da literatura referente às ações de educação em saúde realizadas em comunidades quilombolas brasileiras. A sistematização das ações e atividades que estão sendo realizadas em comunidades quilombolas é fundamental para mobilizar a participação desta população vulnerável na construção do seu próprio processo de saúde.
Trata-se de uma revisão exploratória de literatura, acerca das ações de educação em saúde realizadas em comunidades quilombolas no Brasil. A busca dos estudos foi realizada nas bases de dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), Scientific Eletronic Library Online (SciELO), PubMed/Medline, Biblioteca Regional de Medicina (Bireme) e Science Direct, além de busca nas listas de referências de outros estudos publicados, utilizando as palavras-chave: educação em saúde, promoção da saúde e origem étnica e saúde, além dos correlatos na língua inglesa. O levantamento bibliográfico foi realizado no período de fevereiro a maio de 2017. Foram utilizados como critérios de inclusão, artigos referentes ao tema educação em saúde e promoção de saúde em comunidades quilombolas no Brasil, publicados no período de 2007 a 2017.
A partir da busca realizada, seguindo os critérios preestabelecidos, foram incluídos no presente estudo seis artigos que tratavam da temática proposta e que, em certa medida, descreviam as ações e atividades de promoção e educação em saúde realizadas em comunidades quilombolas brasileiras, nos últimos sete anos.
No Quadro 1 estão descritos os artigos encontrados na busca, organizados de acordo com os autores, o ano de publicação, o título, o tipo de desenho metodológico, a população estudada, os objetivos do estudo, os principais resultados e a conclusão. As populações estudadas eram diversas, com características mistas, ou seja, adultos, jovens e crianças, de ambos os sexos.
Quadro 1 –Descrição dos estudos selecionados para discussão
Conclusão
Evidenciou-se a efetividade positiva da intervenção e a importância de um programa permanente de educação em saúde e aconselhamento genético ser oferecido para comunidades quilombolas.
Concluiu-se que há grande relevância em produzir saúde com o público infantil, visto a capacidade que esse grupo possui de assimilar e transmitir conhecimentos.
Concluiu-se que pais e filhos quilombolas possuem pouco conhecimento sobre saúde bucal, assim, observa-se a necessidade de maior atenção à saúde bucal nessas comunidades, por meio de frequentes ações de educação e promoção de saúde bucal.
Resultados
Pré-intervenção: 72,3% dos entrevistados desconheciam sobre traços e AF e 94,8% não sabiam a forma de transmissão. Pós-intervenção: este último índice diminuiu para 32,6%, 60% relataram já ter ouvido falar sobre o tema e 36,1% alegaram conhecer o assunto.
O relato é fruto das ações de educação em saúde e saúde bucal realizadas in locu , que permitiram a aproximação, o engajamento e a troca de conhecimentos, considerando, assim, cada uma das crianças como atores importantes para fazer e promover saúde naquela comunidade.
As crianças apresentaram-se entusiasmadas, receptivas e participativas durante o desenvolvimento das atividades educativas e preventivas. Sobre a aplicação dos questionários, 56% dos pais declaram que a saúde bucal dos seus filhos é ruim e 47,2% costumam acompanhar a higienização bucal até os seis anos de idade, aproximadamente, sendo que esse acompanhamento não é frequente.
Objetivos
População
Desenho metodológico
Título
Autores/Ano
Desenvolver uma intervenção educativa em saúde para comunidades quilombolas visando à orientação sobre o risco genético de gerarem filhos com anemia falciforme (AF), as manifestações orais da doença, noções gerais de autocuidado e aconselhamento genético.
267 indivíduos pré-intervenção. 230 indivíduos pós-intervenção.
Estudo de intervenção com delineamento longitudinal.
Promoção de saúde em população quilombola nordestina –análise de intervenção educativa em anemia falciforme
Meneses, Zeni, Oliveira e Melo (2015) 6
Apresentar um relato de experiência vivenciado pela equipe multiprofissional da Residência em Saúde da Família e Comunidade da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), com o intuito de descrever atividades de promoção de saúde realizadas com crianças da comunidade quilombola Custaneira/Tronco.
34 crianças.
Relato de experiência.
Promoção de saúde com crianças da comunidade quilombola Custaneira/Tronco em Paquetá-PI: um relato de experiência
Souza, Rodrigues, Santana, Gomes, Amaral e Pereira (2016) 2
Avaliar o conhecimento sobre saúde bucal dos pais e filhos presentes nas comunidades quilombolas localizadas na região do Vale do Ribeira (SP).
500 crianças e 250 pais.
Estudo longitudinal.
Educação em saúde em comunidades quilombolas
Rodrigues, Lucas, Cerqueira, Braga e Vaz (2011) 7
Quadro 1 –Descrição dos estudos selecionados para discussão
Dentre os principais resultados, destacam-se o desenvolvimento sustentável das comunidades e a troca de saberes entre estas e os estudantes de graduação participantes.
As atividades de educação em saúde ocorriam durante a preparação dos doces e a partir da utilização de didáticas diversas eram abordadas temáticas relacionadas à higiene ambiental, autocuidado, sexualidade, conservação de alimentos, dentre outras. Em 2010, foi iniciada a construção de uma oficina em Moreré para a produção de dispositivos acústicos, persianas e artesanatos elaborados com fibras da piaçava e do dendê. Neste mesmo ano, em Praia Grande, foi construída uma fábrica para a produção de placas acústicas com os resíduos fibrosos da cana brava, utilizados na produção de artesanato. Também em 2010, foi construída a cozinha experimental da Vila Monte Alegre.
População
Desenho metodológico
Título
Autores/Ano
Os dados obtidos revelaram as precárias condições de vida, as dificuldades de acesso aos serviços de saúde e a falta de prática preventiva para as doenças sexualmente transmissíveis. Faz-se necessária uma intervenção efetiva e perene dos organismos do Estado na área da educação e da saúde visando a promoção da equidade, racial e de gênero, e a saúde das mulheres quilombolas.
A análise dos depoimentos apontou que um acentuado contingente de mulheres padece de violência doméstica em níveis físico, sexual, psicológico, patrimonial e moral. Quanto ao racismo, as mulheres quilombolas disseram ser vítimas de preconceito racial, com expressões de subestimação, humilhação na rua, na escola, em festas e em atendimento em postos de saúde. Evidenciou-se um grau alto de vulnerabilidade à infecção por DST/aids e outros agravos, pela ausência de uma política de saúde mais efetiva e de um trabalho educativo nessas comunidades.
Relatar a experiência de um grupo de pesquisa no desenvolvimento de atividades de extensão em enfermagem para a promoção da saúde e desenvolvimento sustentável de comunidades quilombolas.
900 adolescentes e jovens adultos; 400 alunos de graduação de diversas áreas do conhecimento e 4 docentes.
Estudo descritivo / Relato de experiência.
Atividades extensionistas, promoção da saúde e desenvolvimento sustentável: experiência de um grupo de pesquisa em enfermagem
Siqueira, Jesus, Santos, Whitaker, Sousa e Camargo (2017) 8
Analisar as formas de violência racial e de gênero e o comportamento das mulheres quilombolas diante das DST/aids em comunidades remanescentes de quilombos em Alagoas.
180 mulheres.
Estudo exploratório com abordagem qualitativa.
Vivenciando o Racismo e a Violência: um estudo sobre as vulnerabilidades da mulher negra e a busca de prevenção do HIV/aids em comunidades remanescentes de quilombos, em Alagoas
Riscado, Oliveira e Brito (2010) 9
Revista Baiana de Saúde Pública
Conclusão
Tornou-se possível não só ponderar que a promoção da saúde é uma estratégia de empoderamento político eficaz para os povos e comunidades tradicionais, mas também refletir sobre o papel do profissional da psicologia nestes espaços (sob a égide da interdisciplinaridade e da multiprofissionalidade do trabalho), identificando fragilidades, pontos que se apresentam como inovadores e que impulsionam uma revisão da prática profissional da psicologia, demandando maiores estudos posteriores.
Resultados
Objetivos
População
Desenho metodológico
Título
Quadro
Autores/Ano
v.43,supl.1,p.125-137
Problematização teórico-vivencial das relações possíveis entre a psicologia, a promoção da saúde e os Direitos Humanos no contexto das comunidades tradicionais brasileiras. O Projeto 1 foi realizado no Quilombo Salamina do Putumujú desenvolvido na linha da Promoção da Igualdade Racial, com enfoque na promoção da saúde e na qualidade de vida da população quilombola, utilizando como metodologia ações de educação popular em saúde. As estratégias apresentadas nos projetos deste trabalho revelam algumas possibilidades de efetivação do olhar ampliado para a promoção da saúde.
40 famílias.
Relato de experiência.
Psicologia e promoção da saúde: fortalecimento dos direitos humanos em comunidades tradicionais
Rocha e Santos (2015) 10
Dentre os artigos selecionados para análise, alguns são estudos de intervenção e outros são relatos de experiência. Dentre os relatos de experiência, foram apontados os projetos de extensão como forma de executar ações de educação em saúde de maneira multiprofissional, sendo tanto desenvolvidos em projetos de extensão ligados a universidades, bem como em residência multiprofissional, com presença de alunos e docentes da área da saúde ou profissionais e comunidade universitária, respectivamente.
A extensão universitária é uma ponte de comunicação entre a universidade e a comunidade da qual ela faz parte. As atividades de extensão podem fornecer bases para o desenvolvimento da promoção da saúde na comunidade, através de ações que venham a garantir a melhoria da qualidade de vida8
No estudo de Siqueira et al.8 foi relatada a experiência com atividades de extensão realizadas por um grupo de pesquisa em enfermagem, que tinha como objetivo integrar atividades de educação em saúde com práticas sustentáveis em três comunidades remanescentes de quilombo, localizadas na Bahia. Os participantes tinham entre 12 e 25 anos, adolescentes e jovens adultos, de ambos os sexos.
Durante o projeto, a própria comunidade definiu como prioritário para a promoção da saúde o desenvolvimento de uma atividade rentável e autossustentável com uso de recursos naturais. Esta participação da população, quanto ao rumo das ações a serem executadas na comunidade, é parte fundamental do processo. Para o desenvolvimento das ações e atividades de educação em saúde, é fundamental “o respeito ao universo cultural e às formas de organização da comunidade, a participação dos sujeitos e a mobilização social visando à mudança de determinada situação”11:179.
No relato de experiência de Siqueira et al.8, as atividades de educação em saúde abordaram diversos temas referentes à higiene ambiental, autocuidado, sexualidade, conservação de alimentos, entre outros. Outras oficinas foram executadas junto às crianças e adolescentes, abordando temas como diagnósticos de saúde e ambientais, doenças prevalentes na população negra, saúde bucal, primeiros socorros, saúde escolar etc.8 Cabe ressaltar que, embora a comunidade tenha participado da escolha da atividade para geração de renda, as temáticas abordadas nas oficinas de educação em saúde foram apresentadas pelos membros do grupo de pesquisa.
O trabalho de Souza et al.2 relata uma experiência dos discentes da Residência
Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade, da UESPI, com crianças da comunidade quilombola de Custaneira/Tronco. Com o objetivo de exercitar ações de promoção em saúde
relacionadas às atividades de higiene corporal básica e saúde bucal, os autores utilizaram recursos lúdicos, como gincanas, jogos, músicas, atividades de pintura com uma cartilha educativa produzida por eles, além de escovação supervisionada e distribuição de escovas dentais para as crianças da comunidade.
Nessa linha, Rodrigues et al.7 também realizaram atividades sobre saúde bucal com pais e filhos de quatro comunidades quilombolas da região do Vale do Ribeira (SP). Foram avaliadas a percepção e o conhecimento dos pais sobre a saúde bucal dos seus filhos e as crianças participaram de palestras sobre os principais agravos relacionados à saúde bucal e sobre higiene bucal adequada.
Os estudos e ações concernentes à saúde bucal em crianças, especialmente na faixa dos 12 anos, têm sua importância destacada pela OMS principalmente em relação à vigilância da cárie dentária, por ser o agravo mais prevalente, com o objetivo de serem elaboradas possíveis comparações entre os países12. Os cuidados básicos de higiene bucal são desconhecidos por parte da população, por isso é um tema relevante em educação em saúde, contribuindo com informações a respeito do nível de conhecimento das comunidades quilombolas, especificamente.
O estudo de Meneses et al.6 também abordou tópicos de saúde bucal numa ação de educação em saúde sobre anemia falciforme (AF) em uma comunidade quilombola de Sergipe. O referido estudo teve como objetivo orientar sobre o risco genético da AF, as manifestações orais da doença, noções gerais de autocuidado e realizar aconselhamento genético.
As ações foram desenvolvidas através do uso de cartazes demonstrando as manifestações orais e clínicas da AF e da cárie, vídeos e slides sobre autocuidado, exposição de figuras sobre forma de transmissão e realização de dinâmicas com sorteio de perguntas entre os indivíduos participantes sobre a temática em questão. Um questionário semiestruturado, foi aplicado antes e após as intervenções educativas, constatando melhoria no conhecimento da população sobre os temas abordados.
No Brasil, dentre os problemas de saúde da população negra, a anemia falciforme apresenta destacada prevalência e morbimortalidade13. Portanto, em uma comunidade quilombola, cuja população é composta por indivíduos afrodescendentes, as chances de ocorrência de anemia falciforme são elevadas6. Sendo assim, a educação em saúde relacionada a este tema pode vir a colaborar para o reconhecimento prévio e consequentemente seu tratamento adequado, e como consequência ter um impacto positivo na qualidade e na expectativa de vida dessas populações13
O trabalho de Riscado et al.9 descreve ações realizadas em comunidades remanescentes de quilombos do estado de Alagoas, com o objetivo de obter informações sobre atividade sexual, conhecimento, comportamento e vulnerabilidade da população local diante de HIV/aids.
Foram realizadas palestras, com a utilização de álbum seriado, sobre doenças sexualmente transmissíveis, câncer de mama e de colo de útero, conhecimento do corpo, importância do uso da camisinha e cuidados com a saúde, autoexame das mamas, exames prénatais e direitos que a mulher negra tem para buscar os serviços de saúde e ter acesso a eles9.
A falta de conhecimento das participantes a respeito do tema corrobora com os achados de Gir et al.14, no qual mulheres soropositivas ao HIV-1 atendidas no ambulatório de um hospital de São Paulo declararam não possuir informação anterior ou conhecimento acerca da transmissão desse vírus. Portanto, ações de educação em saúde sobre doenças sexualmente transmissíveis, principalmente entre as mulheres, devido ao processo de feminilização da aids14, são importantes para diminuir riscos de exposição.
O último estudo selecionado, de Rocha e Santos10, trata-se de um relato de experiência de extensão universitária, desenvolvido em três comunidades tradicionais diferentes que tinham em comum a predominância de negros/as na sua população. Dentre essas, uma se tratava especificamente de uma comunidade quilombola localizada no interior da Bahia, onde foram desenvolvidas ações como: atividades teatrais, ações de planejamento participativo e ações intersetoriais de saúde para sensibilização e empoderamento político dos sujeitos envolvidos.
As atividades foram realizadas com adolescentes (Oficina de redução de danos), com mulheres (Oficina de relações de gênero) e com adultos (Oficina de economia solidária)10.
Dentre as ações, embora não detalhada qual a metodologia empregada em cada uma das oficinas, vale destacar as de redução de danos. Visto que a redução de danos pretende estabelecer vínculos, facilitar o acesso às informações e orientações, estimular a ida ao serviço de saúde (quando necessário), utilizando propostas diversificadas e construídas com cada usuário e sua rede social15, infere-se que a educação em saúde é o caminho para esta construção.
A educação, a informação e a comunicação são elementos constitutivos da promoção da saúde, que segundo a concepção ampliada de saúde é base constitutiva dos princípios do SUS. Por isso, é importante que se criem estratégias para a execução de ações
de educação em todos os níveis. Neste estudo, constatou-se que a literatura a respeito do tema educação em saúde ainda tem muito a ser construída, principalmente quando se trata de comunidades quilombolas.
De maneira geral, os estudos encontrados apontaram algumas das deficiências e necessidades das populações quilombolas, mesmo não sendo demandas espontâneas ou levantadas pela própria comunidade. A utilização de instrumentos aplicados pré e pós intervenção em alguns estudos demonstraram que as atividades contribuíram para a ampliação do conhecimento dos sujeitos sobre sua própria saúde.
As atividades de educação em saúde aqui levantadas podem servir de subsídio na implementação e fomento de novas ações nas comunidades quilombolas, bem como incentivar a criação de políticas específicas voltadas à saúde dessas populações.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Layse Tatiane Ferreira Santos.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Layse Tatiane Ferreira Santos e Ignês Beatriz Oliveira Lopes.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Layse Tatiane Ferreira Santos e Ignês Beatriz Oliveira Lopes.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Layse Tatiane Ferreira Santos e Ignês Beatriz Oliveira Lopes.
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Recebido: 24.9.2018. Aprovado: 30.9.2020.
CONHECIMENTO DA GESTANTE E DIREITOS ASSEGURADOS PELA REDE CEGONHA: CONTRIBUIÇÃO GESTORA
Resumo
A Rede Cegonha, operacionalizada pelo Sistema Único de Saúde, busca um novo modelo de atenção ao parto, ao nascimento e à saúde da criança. Este estudo objetiva identificar, por meio da literatura científica, possibilidades de promoção do conhecimento da gestante em relação aos direitos de saúde assegurados pela Rede Cegonha. Trata-se de estudo exploratório, com revisão da literatura publicada entre os anos de 2012 e 2016, em abordagem qualitativa e análise crítica. Indicam-se dois aspectos transversais ao conhecimento da gestante, estratégias de empoderamento, gestão e efetivação de seus direitos. O primeiro, sobre o conhecimento dos direitos pelas gestantes em relação à Rede Cegonha; o segundo, relativo às estratégias gestoras, individuais e coletivas para a promoção desse conhecimento. Levantados entre os direitos mais citados no que diz respeito ao conhecimento das gestantes estão a garantia do pré-natal gratuito e de qualidade e a presença do acompanhante no trabalho de parto, parto e pós-parto que, apesar dos avanços, ainda não possuem ampla efetividade. Quanto à segunda dimensão, relativa às estratégias gestoras, individuais e coletivas para a promoção desse conhecimento, ganha relevância, como ferramenta gestora, os direitos das gestantes discutidos com foco nas políticas públicas brasileiras, a atuação dos gestores na implementação da Rede Cegonha para sua qualificação, a fiscalização dos serviços e a avaliação da assistência.
Palavras-chave: Rede Cegonha. Direito. Informação.
a Enfermeira. Especialista em Gestão da Atenção Básica com ênfase nas Redes de Atenção à Saúde. Madre de Deus, Bahia, Brasil. E-mail: enfagreice@gmail.com
b Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente colaboradora da Escola Estadual de Saúde Pública do Estado da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: gesildaenf.lessa@gmail.com
Endereço para correspondência: Rua do Porto Mirim, n. 98, Centro. Madre de Deus, Bahia, Brasil. CEP: 42600-000. E-mail: enfagreice@gmail.com
Abstract
Rede Cegonha, operated by the Unified Health System, seeks a new model of care for childbirth and health. This study identified management possibilities to promote the knowledge of pregnant women regarding health rights ensured by Rede Cegonha. This literature review of exploratory nature and qualitative approach included articles from 2012 to 2016 and conducted critical analysis. Two aspects transversal to the knowledge of pregnant women were found, strategies of empowerment, management and effectiveness of their rights. The first, concerning the knowledge of rights of pregnant women regarding Rede Cegonha; the second, regarding individual and collective management strategies for the promotion of this knowledge. The knowledge of pregnant women on the guarantee of free prenatal care of quality and the presence of the partner in labor, delivery and postpartum were among the most cited rights. Despite advancements, they are not widely effective. As for the second dimension, regarding individual and collective management strategies for the promotion of this knowledge, the following had relevance as management tools: the rights of pregnant women being discussed while focusing on Brazilian Public Policies; the performance and qualification of managers in the implementation of Rede Cegonha; and supervision of services and evaluation of assistance.
Keywords: Rede Cegonha. Rights. Information.
CONOCIMIENTO DE LA GESTANTE Y DERECHOS ASEGURADOS POR LA RED CIGÜEÑA:
CONTRIBUCIÓN GESTORA
La Red Cigüeña operada por el Sistema Único de Salud busca un nuevo modelo de atención al parto, al nacimiento y a la salud del niño. El estudio objetiva identificar, desde la literatura científica, las posibilidades de promoción del conocimiento de la gestante en relación a los derechos de salud asegurados por la Red Cigüeña. Este es un estudio exploratorio, con revisión de literatura publicada entre 2012 y 2016, de abordaje cualitativo y análisis crítico. Se apunta dos aspectos transversales al conocimiento de la gestante, estrategias de empoderamiento, gestión y efectividad de los derechos de la gestante. El primer, el conocimiento de los derechos por las gestantes en relación a la Red Cigüeña; el segundo, las estrategias gestoras, individuales y colectivas
para la promoción de ese conocimiento. Entre los derechos más citados sobre el conocimiento de las gestantes, se encuentran: la garantía del prenatal gratuito y de calidad y la presencia del acompañante en el trabajo de parto, parto y posparto, que, a pesar de los avances, todavía no tienen una amplia efectividad. En cuanto a la segunda dimensión, las estrategias gestoras, individuales y colectivas para la promoción de ese conocimiento, se consideran relevantes como herramienta gestora los derechos de las gestantes discutidos con foco en las políticas públicas brasileñas; la actuación de los gestores en la implementación de la Red Cigüeña para su calificación; la fiscalización de los servicios y la evaluación de la asistencia.
Palabras clave: Red Cigüeña. Derecho. Información.
Este estudo refere-se aos serviços de obstetrícia e a sua organização por meio da linha de cuidado que inclui a estratégia da Rede Cegonha, que busca potencializar os direitos das gestantes nos momentos do pré-natal, parto e puerpério e cujos avanços estão sendo apresentados, principalmente, pelo processo de humanização em todos os períodos gestacionais.
Apesar das melhorias em curso, há necessidade de investimento educacional, tendo como foco a falta de conhecimento da maioria das gestantes em relação aos direitos de saúde assegurados pela Rede Cegonha, um problema que afeta diretamente a continuidade do processo de humanização do parto e puerpério em todo o território nacional.
O Ministério da Saúde, por meio da Portaria n. 1.459, de 24 de junho de 2011, instituiu a Rede Cegonha que, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), consiste numa rede de cuidados que visa a assegurar à mulher o direito ao planejamento reprodutivo e à atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério, bem como à criança o direito ao nascimento seguro e ao crescimento e ao desenvolvimento saudáveis1
Assim, a Rede Cegonha é uma estratégia operacionalizada pelo SUS e fundamentada nos princípios de humanização da assistência às mulheres e às crianças que passa a propor um novo modelo de atenção ao parto, ao nascimento e à saúde da criança, num formato de atenção que garanta o acesso, o acolhimento, a resolutividade e a redução da mortalidade materna e neonatal.
Considerando a necessidade da implementação dos direitos propagados pela Portaria nº 1.459/2011, partimos do pressuposto de que ainda existe carência de informações às gestantes sobre seus direitos nos serviços da atenção primária e maternidades. A partir
daí, surge o questionamento de como os gestores podem contribuir para a superação da incipiência desses conhecimentos das gestantes em relação aos direitos de saúde assegurados pela Rede Cegonha.
Portanto, o estudo proposto tem sua justificativa no contexto apresentado, em que gestantes podem, ao desconhecerem seus direitos garantidos em lei, tornarem-se reféns ou vítimas do sistema público de saúde, uma vez que os estabelecimentos não cumpram com seu papel durante o processo de pré-parto, parto e puerpério. Além disso, ganha relevância por sua atualidade, haja vista que a Rede Cegonha foi instituída no ano de 2011 e somente nos últimos anos vem buscando forças para efetivar o que é preconizado na Portaria que a instituiu. Além disso, ganha importância, também, ao identificar que, na bibliografia específica, o tema abordado ainda é pouco trabalhado quanto à disponibilização de estudos para a sociedade sobre a pessoa da gestante e seus direitos assistenciais.
Assim, por meio deste estudo, desenvolvido como produto do Curso de Especialização em Gestão da Atenção Básica com ênfase nas Redes de Atenção à Saúde no ano de 2016, promovido pela Escola Estadual de Saúde Pública, atual Escola de Saúde Pública da Bahia Professor Jorge Novis, ambicionamos encontrar caminhos para otimização da Rede Cegonha, à medida que buscamos ferramentas que possam ser utilizadas pelos gestores das três esferas de governo e, também, pelos gestores das unidades de saúde, responsáveis pelo pré-natal, pelo parto e pelo puerpério, na tentativa de auxiliar a gestante no acesso à informação dos direitos que dizem respeito a sua saúde, promovendo esclarecimentos fundamentais para a sua autonomia e para a efetivação da Rede.
O objetivo geral desta pesquisa consiste em identificar, por meio da literatura científica disponível, possibilidades gestoras de promoção do conhecimento da gestante em relação aos direitos de saúde assegurados pela Rede Cegonha. Na sua operacionalização, buscou-se levantar na literatura científica selecionada para o estudo o conhecimento apresentado pelas gestantes estudadas em relação aos direitos de saúde assegurados pela Rede Cegonha e destacar ferramentas para a promoção de acesso das gestantes a esse conhecimento.
Trata-se de um estudo exploratório, com abordagem qualitativa, realizado por meio de revisão de literatura a partir das publicações científicas sobre o conhecimento da gestante em relação a seus direitos de saúde, no período do pré-natal, do parto e do puerpério e sobre possíveis ferramentas gestoras que promovam o acesso da gestante ao conhecimento dos seus direitos.
Os trabalhos científicos abordando o tema proposto foram acessados nas bases de dados SciELO (Scientific Electronic Library Online), Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e Google Acadêmico, publicados entre 2012 e 2016 –posto que a instituição legal da Rede Cegonha deu-se com a Portaria nº 1.459, no ano de 2011 –, em língua portuguesa e cujo conteúdo estivesse disponível na íntegra. Para seleção dos artigos, optou-se pela busca das categorias temáticas “Rede Cegonha”, “gestante”, “conhecimento”, “direitos”. Foram catalogados os estudos que faziam algum tipo de referência ao tema proposto, criando-se um quadro que contivesse: ano, autores, título e resumo. A partir da leitura dos resumos houve eliminação de 3 (três) artigos. Após a leitura integral, foram eliminados 2 (dois) artigos e 2 (dois) anais de congresso e selecionados 10 (dez) artigos e 4 (quatro) anais de congresso, o que evidencia significativa escassez de estudos sobre o tema, chegando a haver concentração de referências nos estudos identificados. Depois da leitura inicial, foram selecionados para análise 5 (cinco) artigos e 2 (dois) anais de congressos, que atenderam aos objetivos específicos, sendo a maioria desses estudos publicados no ano de 2013.
A análise dos dados foi realizada tomando-se por base os objetivos e os conhecimentos relativos ao propósito deste trabalho. A leitura dos artigos deu-se por ordem cronológica de publicação, no sentido de acompanhar a evolução do tema abordado. Após a análise dos dados coletados, os resultados foram apresentados no formato de artigo, por meio de texto descritivo.
Inicialmente, ao examinarmos a Portaria nº 1.459/2011, que institui no SUS a Rede Cegonha, identificamos que o país já tinha, a partir da Constituição de 1988, um histórico de medidas legais (1988 a 2010) voltadas para a organização e para a qualificação da atenção à saúde da mulher e da criança, o que já apontava para uma nova organização em rede específica (Quadro 1).
Estudos abordam como é lamentável o fato de muitas mulheres não conhecerem os seus direitos, aceitando muitas vezes determinadas situações impostas pela sociedade, sem saber que existem leis que as protegem2.
Nesse sentido, apresentamos o Quadro 2, que relaciona a proposta legal da Portaria nº 1.459/2011 com os direitos a serem garantidos no SUS.
Revista Baiana de Saúde Pública
Quadro 1 – Principais legislações anteriores à Portaria que institui no SUS a Rede Cegonha. Salvador, Bahia, Brasil – 2018 Legislação Disposição
Constituição de 1988. Inciso II do parágrafo único do art. 87
Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990
Portaria nº 569/GM/MS, de 1º de junho de 2000
Dá ao Ministério da Saúde a responsabilidade de expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos.
Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.
Institui o Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
Lei nº 11.108, de 7 de abril de 2005 Garante as parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato no âmbito do SUS.
Lei nº 11.634, de 27 de dezembro de 2007 Dispõe sobre o direito da gestante ao conhecimento e à vinculação à maternidade onde receberá assistência no âmbito do SUS.
Portaria nº 2669/GM/MS, de 3 de novembro de 2009
Portaria nº 4.279/GM/MS, de 30 de dezembro de 2010, que estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do SUS
Considerando as prioridades, os objetivos e as metas do Pacto pela Vida, entre os quais está a redução da mortalidade materna e infantil.
Estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do SUS.
Fonte: Adaptado da Portaria nº 1.459/20111
Quadro 2 – Direitos das gestantes. salvador, Bahia, Brasil – 2018
Legislação proposta Direito garantido
Art. 4º – Diretrizes I a IV Provimento contínuo de ações de atenção à saúde materna e infantil no território mediante a articulação dos pontos de atenção, sistema de apoio, sistema logístico e governança da rede de atenção à saúde.
Art. 7º – Parágrafo I
No componente “pré-natal”:
Acolhimento com avaliação e classificação de risco e vulnerabilidade, ampliação do acesso e melhoria da qualidade do pré-natal.
Vinculação da gestante à unidade de referência e ao transporte seguro. Boas práticas e segurança na atenção ao parto e nascimento.
Atenção à saúde das crianças de zero a vinte e quatro meses com qualidade e resolutividade.
Acesso às ações do planejamento reprodutivo.
a) Pré-natal na Unidade Básica de Saúde, captação precoce e qualificação da atenção; b) acolhimento às intercorrências com avaliação e classificação de risco e vulnerabilidade; c) acesso ao pré-natal de alto de risco em tempo oportuno; d) realização dos exames de pré-natal de risco habitual e alto risco (acesso oportuno aos resultados); e) vinculação gestante do pré-natal ao local do parto; f) qualificação do sistema e gestão da informação; g) estratégias de comunicação social e programas educativos (saúde sexual e saúde reprodutiva); h) prevenção e tratamento das DST/HIV/Aids e Hepatites; i) apoio às gestantes nos deslocamentos (consultas de pré-natal e local do parto – ato normativo específico).
a) suficiência de leitos obstétricos e neonatais; b) ambiência das maternidades;
Art. 7º – Parágrafo II
No componente “parto e nascimento”:
Art. 7º – Parágrafo III
Garantia no componente
“puerpério e atenção integral à saúde da criança”:
Art. 7º – Parágrafo IV
Garantia no componente
“sistema logístico: transporte sanitário e regulação”:
c) “Boas práticas de atenção ao parto e ao nascimento“; d) garantia de acompanhante no acolhimento, trabalho de parto, parto e pós-parto imediato; e) acolhimento com classificação de risco (serviços de atenção obstétrica e neonatal); f) equipes horizontais do cuidado nos serviços de atenção obstétrica e neonatal; e g) Colegiado Gestor nas maternidades e outros da Política Nacional de Humanização.
a) promoção do aleitamento materno e alimentação complementar saudável; b) acompanhamento puérpera e criança (visita domiciliar na primeira semana após parto e nascimento); c) busca ativa de crianças vulneráveis; d) comunicação social e programas educativos (saúde sexual e reprodutiva); e) prevenção e tratamento das DST/HIV/Aids e Hepatites; f) orientação e oferta de métodos contraceptivos.
a) promoção, nas situações de urgência, do acesso ao transporte seguro (Sistema de Atendimento Móvel de Urgência – SAMU Cegonha), b) implantação do plano de vinculação da gestante ao local de ocorrência do parto; c) regulação de leitos obstétricos, neonatais, urgências e ambulatorial (consultas e exames).
Fonte: Adaptado da Portaria nº 1.459/20111
Apesar de já terem alcançado, historicamente, diversas leis a seu favor, as gestantes têm na Portaria nº 1.459/2011 a ênfase para os direitos no pré-natal, no parto e no pós-parto, o que pode direcionar sua garantia no período gravídico-puerperal.
Em um dos trabalhos analisados, pesquisadores enfatizam a carência de estudos que confiram destaque à quantificação do conhecimento das gestantes quanto aos seus direitos assegurados pela Rede Cegonha. Na pesquisa em questão, de um universo de 29 gestantes, quando questionadas sobre o direito de ter um pré-natal gratuito e de qualidade, 100% responderam que tinham esse conhecimento. No entanto, o trabalho destaca que, quanto à garantia de uma quantidade mínima de consultas a serem realizadas durante o pré-natal, 82,76% das gestantes acreditavam ter acesso a esse direito; porém, 48,28% apontaram que não faziam ideia. Nota-se também que 72,41% das gestantes entrevistadas acreditavam ter o direito de serem acompanhadas durante as consultas de pré-natal, durante o parto, no pósparto e na realização de exames3. Os autores fazem menção, ainda, à uma pesquisa realizada em período anterior à institucionalização da Rede Cegonha, em que apenas 40% das gestantes atendidas em Unidades Básicas de Saúde (UBS), ao serem questionadas acerca do direito ao acompanhante no trabalho de parto, parto e pós-parto, referiram ter esse conhecimento3
Destacamos o aumento desse conhecimento no estudo posterior.
Com relação às fontes de informação, foi apontado que 50% das gestantes foram avisadas sobre a presença do acompanhante no trabalho de parto, parto e pós-parto por meio da televisão; 25%, por intermédio de familiares; 15%, por amigos; e apenas 10% mencionaram adquirir a informação por profissionais de saúde3
Os autores evidenciam o elevado grau de desinformação das parturientes adolescentes, em que, numa população de 161 adolescentes que se encontravam em pósparto, quando questionadas sobre seus direitos, apenas 10 (6,21%) tinham o conhecimento de pelo menos um direito. Das usuárias com algum conhecimento, 9 (nove) referiram o direito à presença de um acompanhante e apenas 1 (uma) relatou o direito de questionar os profissionais sobre os procedimentos realizados e de ser informada sobre eles. Esses dados demonstram significativo prejuízo das adolescentes quanto ao conhecimento dos seus direitos, bem como da oportunidade de reivindicá-los4
Dados de um estudo posterior evidenciam que ocorreu aumento do conhecimento das gestantes quanto à Rede Cegonha, ainda que permaneçam algumas dúvidas em relação
aos seus direitos. A partir da realização de entrevista com 79 puérperas, os direitos de saúde citados como mais conhecidos, atingindo alta porcentagem, foram a assistência pré-natal gratuita e de qualidade, com 92,4%, sendo que 82,3% referiram ter o direito de seis ou mais consultas em UBS; quanto à informação sobre o atendimento no pré-natal, parto e pós-parto, 67,1% já o conheciam. Constatou-se, ainda, que o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto e parto aumentou, totalizando 62%5.
Os autores chamam atenção, no mesmo estudo, para a ocorrência da elevada resistência dos profissionais de saúde em garantir a presença de um acompanhante durante o pré-natal, o trabalho de parto e o parto, apesar de ser um direito adquirido com a legislação5 Ainda assim, determinados serviços não se adaptam às leis em vigor, fato já citado e demonstrado por estudos que evidenciavam a resistência dos profissionais de saúde em garantir a presença de um acompanhante durante as fases da gestação3
ATIVIDADES EDUCATIVAS INDIVIDUAIS E COLETIVAS COMO ESTRATÉGIAS DE PROMOÇÃO DO CONHECIMENTO DOS
Nos estudos analisados, as atividades educativas mostraram-se como estratégias para a elevação do conhecimento das gestantes. A experiência obtida num grupo composto por 6 (seis) gestantes, ao aplicar um questionário sobre o conhecimento dos seus direitos, a fala mais relatada foi a necessidade de informação. Os autores desse estudo, ao examinarem as respostas das questões objetivas do questionário antes e depois da realização de uma estratégia educativa obtiveram uma média de 6,6 no acerto das questões no pré-teste, enquanto a média de acerto no pós-teste foi de 9,26. A ampliação do conhecimento foi reafirmada em experiência relatada em outra pesquisa, que teve como sujeitos cinco grávidas; foram abordados os aspectos legais e os direitos da gestante e da puérpera, tendo como resultado, depois da análise do pré e do pós-teste, a carência de informações prévias acerca do tema e a considerável assimilação do conteúdo depois do desenvolvimento da atividade educativa 6
Os autores destacaram em seu estudo a maneira como as mulheres obtiveram informações sobre seus direitos, pois não houve relatos de terem adquirido conhecimentos por meio de fontes realmente seguras e confiáveis, como uma consulta de pré-natal4.
Quanto à valiosa oportunidade de que os profissionais de saúde têm em compartilhar informações com as gestantes durante as consultas de pré-natal, é ressaltado que esse processo deve ser fortalecido, com profissionais que sejam mais comprometidos com o compartilhamento acerca dos direitos de saúde previstos pela legislação, bem como sobre as
formas de garanti-los nos mais diversos sítios da assistência3. A formação de grupo de gestantes é uma estratégia de compartilhamento de conhecimento bastante eficaz, com ambiente favorável para o processo educativo por meio de atividades de educação em saúde7
Esse compartilhamento de informação é uma forma dos profissionais contribuírem para o empoderamento das parturientes4. Entende-se por “empoderamento” o desenvolvimento de potencialidades e o aumento de informação e de percepção com o objetivo de que exista participação real e simbólica que possibilite a democracia nas relações entre gestantes e os serviços de saúde4. O pré-natal baseia-se em receber informações sobre a gestação e o parto, falar da experiência como gestante e tirar dúvidas durante a consulta, sendo essa preparação responsabilidade dos profissionais4. Sendo assim, os autores do estudo em questão referem como imprescindível que a equipe de saúde conheça e transmita os direitos inerentes à saúde da mulher não só a título de informação, mas para oferecer uma assistência de qualidade, podendo valer-se das atividades de educação em saúde durante as consultas de pré-natal, com abordagem dos direitos durante o ciclo gravídico-puerperal. Dessa forma, com a disseminação desses conhecimentos, é possível, no que diz respeito às mulheres, promover autonomia, empoderamento e confiança.
A partir da formação de um grupo com gestantes e casais à espera de filho(as), foi confirmada a necessidade da oferta de informações às gestantes, visto que depois da passagem pelo grupo, as gestantes ampliaram seus conhecimentos e perceberam que tinham uma possibilidade maior de reivindicarem seus direitos, além de ratificarem a experiência ao mencionar que, por meio da educação grupal, fortalecem o protagonismo na cena do parto, havendo um fortalecimento, também, da sua autonomia4
As atividades educativas constituem um processo permanente de ensino e aprendizagem, pois não se trata apenas do entendimento do conceito de “saúde”: é essencial o entendimento dos sujeitos como portadores de direitos – sujeitos esses que podem e devem ser responsáveis pela conquista da efetividade de seus direitos e da qualidade nos serviços de saúde8. Uma pesquisa apresentou uma experiência exitosa a partir do desenvolvimento de oficinas educativas com um grupo de gestantes constituído por 18 mulheres. Por meio de rodas de conversa, as gestantes se sentiram à vontade para compartilhar vivências, anseios e curiosidades, possibilitando a reflexão e a troca de saberes e de experiências, ficando evidente para os autores, ao término dos encontros, o crescimento conjunto de todos os participantes. Nesse sentido, utilizar de estratégia educativa, principalmente em grupos de gestantes, é uma ferramenta valiosa não só para disseminar seus direitos de saúde, mas também para empoderá-las8.
As gestantes têm diversas leis que lhes favorecem, com ênfase para os direitos no pré-natal, no parto e no pós-parto, garantindo o atendimento à mulher no período gravídicopuerperal, ainda que muitas as desconheçam2. Os gestores da saúde – no governo federal, nos estados e nos municípios – têm responsabilidades claramente definidas pelo SUS para a garantia da devida operacionalização da Rede Cegonha e dos direitos de gestantes e bebês, além das políticas públicas que asseguram que esses direitos sejam respeitados e cumpridos. Afinal, somente quando os profissionais envolvidos no processo assistencial agem com consciência da necessidade de aliarem conhecimento técnico e científico ao compromisso de promover e informar as mulheres sobre seus direitos é que elas podem exigi-los2.
Assim, há certa necessidade de que temas como os direitos das gestantes sejam discutidos com foco nas políticas públicas brasileiras, seja por meio de artigos, fóruns, congressos ou da mídia – além da cobrança do governo de uma rígida fiscalização –, para que a legislação editada seja cumprida e que a população conheça seus direitos de forma ampla e integral, uma vez que a fiscalização é um dos artifícios existentes para forçar a aplicabilidade dos direitos 3 .
O direito a um acompanhante muitas vezes é desrespeitado, tendo como justificativas para o não cumprimento da legislação a estrutura física inadequada e que não favorece a privacidade das parturientes. Além disso, autores afirmam que essa estrutura física não pode ser considerada um impedimento para que a legislação seja cumprida, pois não se pode deixar de efetivar algo que está previsto na legislação4. Como estímulo às responsabilidades gestoras, há evidências científicas de que a presença do acompanhante contribui para a melhoria dos indicadores de saúde e do bem-estar da mãe e do recém-nascido4
Portanto, há a necessidade de maior empenho do governo e dos profissionais da saúde em campanhas e atividades educativas para divulgação do direito ao acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, assim como maior compartilhamento de informações nos serviços de saúde no sentido de que esses possam respeitar os direitos garantidos à mulher, bem como garantir sua efetividade5.
Destacamos que, diante das informações levantadas, nota-se que mesmo antes da implementação da Rede Cegonha a garantia do pré-natal já era o direito mais conhecido entre as mulheres. Contudo, os estudos do período de 2013 a 2016 indicam que a Rede
Cegonha contribuiu para a ampliação do conhecimento dos direitos de acesso gratuito e para melhoria da qualidade do pré-natal no SUS, assim como do número mínimo de consultas e do acompanhamento durante todo o pré-natal, o parto e o puerpério, além da realização de exames. No entanto, como aspecto negativo apontado nos estudos encontramos a manutenção de resistência, pelos profissionais de saúde, em divulgar instruções, o que se expressa no alto percentual de informações adquiridas pelas gestantes por meio da mídia, de familiares e de amigos, indicando a falta de ação dos profissionais de saúde em relação à difusão dos direitos propiciados pela Rede Cegonha. Assim, embora tenha ocorrido aumento do acesso ao conhecimento quanto ao pré-natal, ao número de consultas mínimas, à presença de acompanhante durante o trabalho de parto e de uma forma geral, ainda chama atenção o elevado grau de desinformação das adolescentes grávidas.
Quanto às atividades educativas tanto individuais quanto coletivas como estratégias de promoção do conhecimento dos direitos das gestantes encontramos o trabalho em grupo como uma estratégia que promove o fortalecimento das potencialidades individuais, além da valorização da saúde. Dessa forma, a educação em saúde é entendida como conjunto de saberes e práticas diversas estabelecidas no encontro entre os profissionais da saúde e a população, seja no âmbito individual ou coletivo8. Assim, com o trabalho com grupos, muitos são os beneficiados desse encontro, com as trocas de experiências que ocorrem entre comunidade e profissionais de saúde, além do estabelecimento e da consolidação de vínculos desses profissionais, com reflexos também na atenção individualizada.
No sentido das políticas públicas, a educação em saúde é uma estratégia de promoção do conhecimento e do acesso aos direitos das gestantes que carece de ser amplamente aplicada, principalmente na atenção primária. O profissional de saúde, fundamentado em conhecimentos científicos e em políticas públicas coerentes, tem como missão o papel de educador, conscientizando as mulheres e seus familiares e estimulando mudanças de comportamento que permitirão um novo legado para toda a sociedade.
Assim, ao analisar os estudos, foi possível identificar que eles não dão a necessária ênfase às ações gestoras como possibilidades de estímulo aos profissionais de saúde para a mudança da situação da falta de conhecimento das gestantes. Consideramos tal fato decorrente do afastamento da gestão em relação ao seu papel como promotora do acesso ao conhecimento a essa população. Destacamos, ainda, a importância dos gestores quanto ao desafio da ampliação e da divulgação dos direitos das gestantes, seja por meios voltados para a qualificação do trabalho profissional individual ou para a ampliação da comunicação de massa.
Com base nos estudos selecionados, foi possível o levantamento de dois aspectos que estão transversalmente ligados às dimensões do trabalho – (1) conhecimento e estratégias de empoderamento da gestante e (2) gestão e efetivação dos direitos da gestante – ou seja, a primeira voltada para as gestantes e para sua ciência quanto a seus direitos em relação à Rede Cegonha e a segunda relativa às estratégias gestoras, individuais e coletivas, para a promoção desse conhecimento.
Foi possível levantar, entre os direitos mais citados quanto ao conhecimento das gestantes, a garantia do pré-natal gratuito e de qualidade e a presença do acompanhante nos momentos do trabalho de parto, parto e pós-parto. No entanto, trata-se de um direito que ainda não tem ampla efetividade, apesar da Lei nº 11.108, de 7 de abril de 2005, já ter legislado sobre o direito à presença do acompanhante no âmbito do SUS, sendo a Rede Cegonha um instrumento para que ele efetivamente seja garantido.
Nos estudos apresentados, é notório que, por meio da Rede Cegonha, obtevese uma melhor qualidade e garantia ao pré-natal, e que ela permitiu a efetivação da presença do acompanhante, antes culturalmente negada. Além disso, os autores estudados apresentam o conhecimento dos direitos relativos à Rede Cegonha como forma de empoderamento das gestantes, dos acompanhantes e dos familiares para realização dos seus direitos e da qualidade dos serviços. Destacam, ainda, a educação em saúde como responsabilidade dos profissionais e, também, como estratégia de consolidação dos laços entre profissionais e comunidade, por meio de ações individuais e coletivas que visem à valorização da saúde e à construção conjunta do conhecimento.
Embora o nível de conhecimento das mulheres em relação aos direitos mais citados nos estudos – ambos presentes no Art. 7º da Portaria nº 1.459/2011 – tenha sido satisfatório, observou-se a carência de informação por parte das gestantes em relação ao proposto no Art. 4º (Diretrizes I a IV) – que trata do provimento contínuo de ações de atenção à saúde materna e infantil no território mediante a articulação dos pontos de atenção, sistema de apoio, sistema logístico e governança da rede de atenção à saúde. O mesmo apresenta-se em relação às demais proposições do Art. 7º da Portaria – relativos aos componentes que garantem a assistência integral à saúde da gestante e da criança, sistema logístico (transporte e regulação). Todas essas proposições conformam o conjunto de estratégias e ações gestoras para efetivação da Rede Cegonha.
As informações disponibilizadas sobre os direitos na Rede Cegonha, segundo os estudos, ainda não são transmitidas por meio seguro e confiável, necessitando de investimento
na promoção dos direitos já adquiridos e disponibilizados na Rede Cegonha, assim como na ampliação da educação em saúde para a sociedade em geral. Constatou-se, também, a importância do profissional de saúde, com destaque para o enfermeiro, que tem um importante papel em levar até os usuários dos serviços a promoção do conhecimento sobre os direitos que as mulheres têm no período gravídico-puerperal, seja por meio de oficina educativa, formando grupos específicos, ou de forma individualizada, garantindo que a educação em saúde seja desempenhada como forma de empoderamento das mulheres para que, consequentemente, elas possam exigir os seus direitos.
Quanto à segunda dimensão, relativa às estratégias gestoras, individuais e coletivas, para a promoção desse conhecimento, ganha relevância nos estudos, como ferramenta gestora, a necessidade de que os direitos das gestantes sejam discutidos com foco nas políticas públicas brasileiras de forma ostensiva tanto nos serviços de saúde quanto na mídia, bem como em meios acadêmicos e científicos. No caso das gestantes, indica-se a divulgação intensiva de informações de seus direitos nas unidades básicas de saúde e da Rede Cegonha em geral, por intermédio de atividades educativas e também de informativos, cartazes e outros elementos de comunicação social e local.
Por fim, ocorreu o destaque para que o governo exerça fiscalização, pois trata-se de uma estratégia para a aplicabilidade dos direitos. Ou seja: são necessárias amplas campanhas informativas nos serviços e nas comunidades, voltadas para a operacionalização da Rede Cegonha, considerando a necessidade de superação das limitações estruturais da rede. Nesse sentido, destacamos a importância da atuação dos gestores na implementação da rede para a qualidade nos serviços e para a avaliação da assistência às mulheres, pois não basta somente ofertar e promover a educação, é preciso assegurar os direitos em todos os âmbitos da assistência à saúde.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Greice da Silva Gouveia e Gesilda Meira Lessa.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Greice da Silva Gouveia e Gesilda Meira Lessa.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Greice da Silva Gouveia e Gesilda Meira Lessa.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Greice da Silva Gouveia e Gesilda Meira Lessa.
1. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.459, de 24 de junho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Rede Cegonha. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília (DF); 2011 jun 27. Seção 1, p. 109.
2. Silva LCFP, Areias LL, Martinho AJ, Luz FA, Nascimento SRG, Ribeiro FF, et al. Direitos da gestante e do bebê: uma revisão bibliográfica. Rev Âmbito Jurídico. 2013;16(113).
3. Paschoal A, Silva LCFP, Santinon EP, Fernandes JCV, Catão MD, Dias VM, et al. Direitos no período gravídico-puerperal: conhecimento das gestantes. Rev Âmbito Jurídico. 2013;16(13).
4. Carvalho VF, Kerber NPC, Azambuja EP, Bueno FF, Silveira RS, Barros AM. Direitos das parturientes: conhecimento da adolescente e acompanhante. Saúde Soc. 2014;23(2):572-81.
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6. Moura AF, Fernandes RVL, Cavalcante KC, Martins RST, Damasceno AKC. Avaliação pré e pós-teste de estratégia educativa sobre direitos na gestação baseados na Rede Cegonha. Anais do 8º Congresso Brasileiro de Enfermagem Obstétrica e Neonatal; 2013 out-nov 30-1; Florianópolis, SC: Cobeon; 2013.
7. Cavalcante KC, Martins RST, Carrion PMM, Martins CF, Damasceno AKC. Oficina educativa sobre aspectos legais e direitos durante o ciclo gravídico-puerperal. Anais do 8º Congresso Brasileiro de Enfermagem Obstétrica e Neonatal; 2013 out-nov 30-1; Florianópolis, SC: Cobeon; 2013.
8. Geniake LMV, Lima JAS, Lourenço GM, Zarpellon LD. Oficinas educativas com gestantes: uma intervenção na Unidade de Saúde da Família. Rev Educ Popular. 2015;14(1):136-44.
Recebido: 26.9.2018. Aprovado: 30.9.2020.
Resumo
O câncer do colo uterino é um importante problema de saúde pública e está associado à infecção persistente pelo vírus do HPV como principal fator de risco. Ao longo dos anos políticas públicas vêm sendo desenvolvidas para reduzir as taxas de mortalidade e incidência desse tipo de câncer no Brasil. Uma das estratégias principais para sua prevenção é a realização do exame citopatológico ou de papanicolaou, introduzido nos programas de rastreamento para detecção de lesões precursoras do câncer do colo uterino em mulheres, que tem sido bastante efetivo e eficiente em países desenvolvidos. Assim, este trabalho tem como objetivo analisar os reflexos das políticas brasileiras de promoção à prevenção do câncer do colo uterino sobre a mortalidade no Brasil e no estado da Bahia – mortalidade esta verificada pela evolução temporal diante das ações implantadas no período entre 1988 e 2015. Os resultados indicaram que mesmo diante dos avanços nas políticas públicas instituídas, houve aumento das taxas de mortalidade por câncer do colo do útero no Brasil e na Bahia. Portanto, espera-se que este trabalho sirva de reflexão sobre as políticas públicas brasileiras voltadas para a conscientização quanto à prevenção do câncer do colo uterino.
Palavras-chave: Câncer do colo uterino. Mortalidade. Programas de rastreamento.
a Farmacêutica Bioquímica. Especialista em Citologia Clínica. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: geane_abreu@hotmail.com
b Enfermeira. Doutora em Saúde Pública. Docente da Escola de Saúde Pública da Bahia Professor Jorge Novis. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: nascimento.rita@gmail.com
Endereço para correspondência: Instituto de Perinatologia da Bahia. Rua Teixeira Barros, n. 72, Brotas. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 40279-080. E-mail: geane_abreu@hotmail.com
Abstract
Cervical cancer is a major public health issue that is associated with persistent HPV infection as a main risk factor. Over the years, public policies have been developed to reduce the mortality and incidence rates of cervical cancer in Brazil. One of the main strategies for cancer prevention is the cytopathological examination or Papanicolaou, introduced in screening programs for detection of previous lesions of cervical cancer in women, and has been very effective and efficient in developed countries. This study thus analyzed the Brazilian policies for promotion of the prevention of cervical cancer concerning mortality in Brazil and the state of Bahia. This mortality is verified by the temporal evolution of the actions implemented in the period between 1988 and 2015. The results indicated that even in the face of advancements in implemented public policies, death rates for cervical cancer in Brazil and Bahia increased. This paper should serve as a reflection on Brazilian public policies aimed at cervical cancer.
Keywords: Cervical cancer. Mortality. Mass screening.
REFLEXIONES
Resumen
El cáncer del cuello uterino es un importante problema de salud pública y está asociado a la infección persistente por el virus del HPV como el principal factor de riesgo. A lo largo de los años, las políticas públicas vienen siendo desarrolladas para reducir las tasas de mortalidad e incidencia del cáncer del cuello uterino en Brasil. Una de las estrategias principales para prevenirlo es la realización del examen citopatológico o de Papanicolaou, introducido en los programas de rastreo para la detección de lesiones precursoras del cáncer del cuello uterino en mujeres, y ha sido bastante efectivo y eficiente en países desarrollados. El presente trabajo tiene como objetivo analizar los reflejos de las políticas brasileñas de promoción a la prevención del cáncer del cuello uterino sobre la mortalidad en Brasil y en el estado de Bahía, mortalidad esta verificada por la evolución temporal frente a las acciones implantadas en el período entre 1988 a 2015. Los resultados indicaron que, incluso ante los avances en las políticas públicas
implementadas, hubo un aumento de las tasas de mortalidad por cáncer del cuello uterino en Brasil y en Bahía. Se espera que este trabajo sirva de reflexión sobre las políticas públicas brasileñas dirigidas al cáncer del cuello uterino.
Palabras clave: Cáncer del cuello uterino. Mortalidad. Tamizaje masivo.
O câncer do colo do útero é um importante problema de saúde pública, e por ser uma doença de evolução lenta, pode ser evitada pela detecção precoce e pelo tratamento das lesões precursoras do câncer. O principal fator de risco é a infecção persistente pelo papilomavírus humano (HPV, do inglês human papillomavirus), vírus transmitido sexualmente e que provoca alterações em nível celular no colo uterino (lesões precursoras). Existem vários tipos de HPV, sendo os de alto risco aqueles associados ao desenvolvimento de câncer cervical1.
Ao longo dos anos, devido às elevadas taxas de morbimortalidades por câncer do colo do útero, políticas públicas vêm sendo desenvolvidas com a implantação de programas e ações voltadas para promoção, detecção precoce e controle desse tipo de câncer. Tais iniciativas trazem as ações de promoção como aquelas com o intuito de disseminar informações sobre a “necessidade dos exames e da sua periodicidade, bem como dos sinais de alerta que podem significar câncer”2:17
As ações para a detecção precoce do câncer do colo uterino estão relacionadas com o rastreamento realizado em mulheres sadias para a detecção de lesões precursoras. Nesse caso, o exame citopatológico do colo do útero vem sendo utilizado universalmente nos programas de rastreamento como uma estratégia para prevenção e controle do câncer do colo uterino, e tem sido considerado o mais efetivo e eficiente nos países desenvolvidos na redução das taxas de incidência e mortalidade por câncer cervical3
O exame citopatológico do colo do útero, conhecido também como exame de papanicolaou, é um teste de rastreamento para detecção de lesões precursoras do câncer do colo do útero, sendo uma estratégia de prevenção secundária, diferentemente da vacina contra o HPV, que se trata de uma prevenção primária e também faz parte das ações da Atenção Primária à Saúde. É um exame de baixo custo e consiste em analisar as características citomorfológicas das secreções cérvico-vaginais coletadas. A detecção precoce de células atípicas no exame e
seu correto diagnóstico permite uma conduta favorável para o tratamento da paciente, evitando a progressão para o câncer.
Em 1984, as altas taxas de morbimortalidade do câncer do colo uterino já se constituíam um dos principais problemas na população feminina, devido às baixas coberturas dos serviços para detecção precoce e às dificuldades de acesso aos serviços de alta complexidade nos casos positivos4. Políticas públicas vêm sendo implantadas para reduzir essas taxas, dentre as quais merece destaque o Viva Mulher – Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo do Útero e de Mama, criado em 1996 com o objetivo de reduzir a mortalidade por meio da oferta de serviços para prevenção e detecção em estágios iniciais, tratamento e reabilitação e cujas estratégias principais eram a disponibilização do exame citopatológico para mulheres entre 25 a 59 anos de idade e o tratamento da doença e das lesões precursoras em 100% dos casos5
Em 2010, devido à persistência da relevância epidemiológica do câncer do colo do útero foi instituído um grupo de trabalho para avaliar o Programa Nacional de Controle de Câncer do colo do útero6, e em 2011 foi lançado o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNT) no Brasil, 2011-2022, que tem entre as metas nacionais propostas a ampliação da cobertura de exame citopatológico do câncer do colo do útero em mulheres de 25 a 64 anos e o tratamento de 100% das mulheres com diagnóstico de lesões precursoras de câncer7. Ainda assim, apesar de todos os avanços, continuar a “reduzir a mortalidade por câncer do colo do útero no Brasil ainda é um desafio a ser vencido”8:18
Em 2012, foi estimada mundialmente a ocorrência de 527 mil casos novos de câncer do colo do útero em mulheres, sendo o quarto tipo mais comum. No Brasil, a estimativa para 2018 apontou 16.370 novos casos, sendo o terceiro mais incidente. Nas regiões Nordeste e Centro-Oeste esse tipo de câncer ocupa a segunda posição mais frequente, depois da região Norte, sem considerar os tumores de pele não melanoma. No Sul e Sudeste, ocupa a quarta posição9
Segundo dados do Sistema de Informação de Mortalidade, em 2015 foram registrados 5.727 óbitos por câncer do colo do útero no Brasil, sendo 353 no estado da Bahia (taxa de mortalidade de 4,89 por 100 mil mulheres). Além disso, a estimativa para 2018 apontou 1.230 casos novos de câncer do colo do útero para o estado, sendo o quarto tipo de câncer mais frequente. Nessa estimativa, a Bahia foi o terceiro estado do Brasil com a maior incidência9.
Um estudo realizado demonstrou as diferenças regionais para a mortalidade do câncer do colo do útero, com uma tendência de aumento das taxas de mortalidade nas regiões Norte e Nordeste até 2030 e que traz como consequência o grande custo social e econômico, afetando os serviços de saúde que já se encontram desestruturados10
Segundo Albuquerque et al.11, as taxas de incidência e de mortalidade que permanecem desafiando as medidas adotadas podem ser um sinal de deficiência na oferta, no acesso e na qualidade das ações implantadas.
Considerando o câncer do colo do útero como um importante problema de saúde pública que pode ser evitado pela detecção precoce de lesões pré-malignas por meio do exame citopatológico ofertado para a população na atenção básica e pelo tratamento dessas lesões precursoras, e tendo em vista a importância da sua prevenção por meio desse rastreamento, o qual se constitui numa estratégia fundamental para reduzir a mortalidade e incidência, torna-se necessário o conhecimento das ações de promoção e prevenção desenvolvidas pelas políticas públicas ao longo dos anos para o controle desse tipo de câncer e os seus reflexos sobre a mortalidade. O monitoramento da mortalidade permite, junto da análise de outros indicadores que expressam a situação de saúde e os serviços ofertados, avaliar os resultados das ações implantadas e ampliar a visão para possíveis estratégias de melhoria.
Dessa forma, este trabalho objetiva analisar os reflexos das políticas brasileiras de prevenção do câncer do colo uterino sobre a mortalidade no Brasil e no estado da Bahia entre os anos 1988 e 2015.
Este estudo foi desenvolvido como produto do Curso de Especialização em Saúde Pública, promovido pela Escola Estadual de Saúde Pública, atual Escola de Saúde Pública Professor Jorge Novis.
Trata-se de uma pesquisa do tipo descritiva-quantitativa, baseada em dados secundários, na qual foi analisada a evolução temporal das políticas públicas diante da mortalidade por câncer de colo uterino no Brasil e no estado da Bahia entre 1988 a 2015.
Para a análise da mortalidade, as taxas brutas de mortalidade por câncer do colo do útero para o sexo feminino no Brasil e no estado da Bahia no período de 1988 a 2015 foram coletadas do Atlas On-line de Mortalidade12 do Instituto Nacional de Câncer (Inca)c As informações foram alimentadas e organizadas em planilhas eletrônicas com uso do software Microsoft Excel para processamento e análise.
Para a descrição das políticas públicas foi feita uma análise histórica por meio de pesquisa e verificação de documentos, legislações e publicações sobre o câncer do colo do útero, além da interpretação dos trabalhos selecionados, considerando as políticas implantadas desde a instituição do Sistema Único e Saúde (SUS) pela Constituição Federal em 1988 até
c Usou-se a codificação C53, câncer de colo de útero, de acordo com a International Classification of Diseases, 10th Revision.
o ano de 2015. Para facilitar a análise dos dados epidemiológicos sobre a mortalidade e das políticas públicas dividiu-se o período entre 1988 e 2004 e entre 2005 e 2015.
PRIMEIRO PERÍODO: 1988-2004
Antes mesmo da criação do SUS pela Constituição Federal de 1988 já existiam ações de âmbito nacional para a prevenção do câncer do colo uterino, como o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM), que oferecia o exame citopatológico nos serviços básicos de saúde como procedimento de rotina na consulta ginecológica8. As altas taxas de morbimortalidade já se constituíam um problema em razão das baixas coberturas dos serviços e da dificuldade de acesso a serviços de maior complexidade4. Nesse ínterim, ocorreu ainda a implantação do Programa de Oncologia (Pro-Onco) que foi incorporado pelo Inca, o qual passou a ser responsável pela formulação da política nacional de prevenção e controle do câncer depois da criação do SUS8.
Em 1996, em razão da persistência das altas taxas de mortalidade por câncer do colo do útero foi iniciado um projeto-piloto denominado “Viva mulher” com mulheres entre 35 e 49 anos, visando ao controle desse tipo de câncer. O projeto foi iniciado nas cidades de Curitiba, Recife, no Distrito Federal, Rio de Janeiro, Belém e no estado de Sergipe, e dois anos mais tarde foi expandido para todo o Brasil como Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo do Útero – Viva Mulher, adotando estratégias para estruturar a rede assistencial e instituir um sistema de informações do Câncer do Colo do Útero (Siscolo) para monitoramento e gerenciamento das ações8. Nesse mesmo ano (1998) ocorreu a primeira campanha nacional de rastreamento para mulheres entre 35 e 59 anos, por meio do exame papanicolaou e, em 2002, a segunda mobilização para detecção precoce do câncer do colo do útero com o intuito de captar principalmente as mulheres que não realizaram o exame. Após essas duas mobilizações, foram destacados alguns avanços, como:
Padronização nacional dos laudos de exames; disseminação da técnica de cirurgia de alta frequência; ampliação da oferta do exame citopatológico; disponibilização de informações técnicas e gerenciais e a consolidação do Sistema de Informações de Controle do Câncer do Colo do Útero (Siscolo).13:8
Mesmo diante das políticas públicas implementadas, durante esse primeiro período houve um aumento da taxa de mortalidade por câncer do colo uterino no Brasil, que
chegou a 4,83 por 100 mil mulheres em 2004. Na Bahia, houve uma oscilação maior durante o período, com taxa máxima de mortalidade de 3,67 por 100 mil mulheres em 2002 (Figura 1).
Figura 1 – Linha do tempo (1988-2004): políticas implantadas × taxas brutas de mortalidade por câncer do colo do útero por 100 mil mulheres no Brasil e no estado da Bahia*. Salvador, Bahia, Brasil
SEGUNDO PERÍODO: 2005-2015
A Política Nacional de Atenção Oncológica14 marcou o início desse período e estabeleceu o controle de câncer do colo do útero como um dos componentes dos planos estaduais e municipais de saúde, que ficou definido como uma das prioridades no Pacto pela Saúde em 2006 com objetivo de contribuir para a redução da mortalidade por câncer do colo do útero. A cobertura de 80% para o exame citopatológico foi uma das metas pactuadas.
Nesse mesmo ano, foi publicada a Nomenclatura Brasileira para Laudos Cervicais de Condutas
Preconizadas pelo Inca para orientar os profissionais de saúde quanto aos procedimentos a serem seguidos com relação a mulheres com alteração do exame citopatológico15
Considerando a dificuldade dos estados de alcançar a meta pactuada de cobertura dos exames citopatológicos e a necessidade de ampliar a participação da atenção básica no rastreamento do câncer de colo de útero, entre outros problemas, em 2010 foi instituído um
grupo de trabalho, com a publicação da Portaria n. 310, de 10 de fevereiro de 2010, para avaliar o Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo do Útero e elaborar propostas de ações para reduzir as taxas de incidência e mortalidade. Essas propostas foram publicadas no Plano de Ação para Redução da Incidência e Mortalidade por Câncer do Colo do Útero: Sumário Executivo, e sistematizadas em cinco eixos, dos quais fazem parte o fortalecimento do rastreamento organizado na atenção básica, a garantia da qualidade do exame citopatológico e a garantia de tratamento adequado das lesões precursoras13.
Em 2011, o Ministério da Saúde iniciou a implantação das redes de atenção à saúde, entendendo que esse esforço iria representar um avanço na organização do SUS. Foram instituídos comitês gestores e grupos para viabilizar a implementação e a operacionalização das Redes Temáticas de Atenção à Saúde, dentre as quais o de Prevenção e Qualificação do Diagnóstico e Tratamento do Câncer de Colo de Útero e Mama16. Foram publicadas, também em 2011, as Diretrizes Brasileiras para o Rastreamento do Câncer do Colo do Útero, com revisão e atualização das condutas contidas na Nomenclatura Brasileira para Laudos Cervicais de Condutas Preconizadas, publicada em 2006, muito útil para os serviços de atenção primária e secundária17, além do Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas não Transmissíveis no Brasil 2011-2022. Este último tem entre as metas propostas para fortalecer a Rede de Prevenção, Diagnóstico e Tratamento do Câncer do Colo do Útero e de Mama, aumentar a cobertura de exame preventivo de câncer de colo uterino em mulheres de 25 a 64 anos e tratar 100% das mulheres com diagnóstico de lesões precursoras de câncer. Além disso, traz em um dos seus eixos estratégicos a melhoria do sistema de informação e vigilância do câncer7, evidenciada em 2013 com o surgimento do Siscan (Sistema de Informação do Câncer) em substituição ao Siscolo, objetivando o monitoramento das ações relacionadas à detecção precoce, à confirmação diagnóstica e ao início do tratamento de neoplasias malignas e permitindo, dessa forma, um rastreamento organizado, com identificação e acompanhamento das mulheres com resultados alterados18,19
A Política Nacional para a Prevenção e Controle do Câncer na Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) surgiu também em 2013 com objetivo de reduzir a mortalidade e a incapacidade causada pelo câncer e de diminuir a incidência de alguns tipos da doença, além de contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos usuários com câncer por meio de ações de promoção, prevenção, detecção precoce, tratamento oportuno e cuidados paliativos20. Para contribuir com a organização da rede, foi publicado o Caderno de Atenção Básica – Controle dos Cânceres do Colo do Útero e da Mama para orientar os profissionais de saúde em relação à atenção às mulheres2.
Foi instituída também a Qualificação Nacional em Citopatologia na prevenção do câncer do colo do útero (QualiCito), a qual estabelece padrões de qualidade para os prestadores de serviços do SUS e tem dentre os objetivos promover a melhoria contínua da qualidade dos exames citopatológicos do colo do útero ofertados à população e incentivar o aumento da cobertura de realização do exame citopatológico do colo do útero na população feminina21
O Serviço de Referência para Diagnóstico e Tratamento de Lesões Precursoras do Câncer do Colo de Útero (SRC), integrado no Componente Atenção Especializada da Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas, foi instituído em 2014 para fortalecer as ações voltadas ao diagnóstico precoce, à confirmação diagnóstica e ao tratamento especializado dos cânceres do colo do útero22. Nesse mesmo ano, o Ministério da Saúde iniciou, por meio do Programa Nacional de Imunização, a campanha de vacinação de meninas adolescentes contra o vírus do HPV (papilomavírus humano), que protege contra os tipos 6, 11, 16 e 18, sendo uma contribuição para as ações de prevenção do câncer do colo uterino8
No segundo período, nota-se que houve um fortalecimento das ações assistenciais nos diferentes níveis de atenção: primária, secundária e terciária. Buscou-se fortalecer o rastreamento organizado na atenção básica com a ampliação da cobertura do exame citopatológico para mulheres entre 25 a 64 anos e a divulgação das diretrizes para conduta das mulheres com exames alterados direcionados aos profissionais de saúde – medidas essas que aumentaram 1,2% dos exames citopatológicos realizados em 17 estados brasileiros23. Buscou-se também garantir a qualidade na coleta do exame, com a qualificação dos profissionais; no diagnostico, com a implantação do QualiCito, programa voltado para os laboratórios de citopatologia; e no tratamento, com a implantação do Siscan, sistema de informação que tem como objetivo permitir um seguimento mais eficiente das mulheres com exames alterados. Embora ainda não totalmente implantado por razão de problemas operacionais, impossibilitando a utilização dos dados e o seguimento adequado das mulheres, o Siscan também se propõe a reduzir a perda da informação e otimizar o fluxo24. Criou-se também a Rede de Atenção ao Câncer do Colo do Útero, que inclui os serviços de referência para garantir a integralidade do tratamento.
Nesse período, mesmo com essas políticas implementadas houve um crescente aumento da taxa bruta de mortalidade por câncer do colo uterino no Brasil, que chegou a 5,79 por 100 mil mulheres (Figura 2), com exceção do ano de 2010, quando houve uma pequena queda (5,12 por 100 mil mulheres), o que pode ter sido reflexo das ações de prevenção.
Na Figura 3 observa-se que em 2015 as maiores taxas de mortalidade foram registradas principalmente nas regiões Norte e Nordeste, regiões menos favorecidas, cujas condições
de vida são mais precárias e que apresentam menores índices de desenvolvimento humano. A persistência da doença, apesar dos avanços nas medidas preventivas, demonstra que existe uma desorganização do sistema de saúde, além de limitações relacionadas às disparidades regionais9,25. Essas limitações são evidenciadas em estudo que examina a estrutura e o processo de trabalho no âmbito da ação programática de prevenção e controle do câncer de colo de útero e que demonstra que as regiões Norte e Nordeste tiveram os piores resultados10,26
O que se observa também nessas duas regiões é a necessidade de melhoria na qualidade das amostras citopatológicas e no tempo de liberação dos exames27. Essas variações regionais na mortalidade refletem as desigualdades nos diferentes níveis de atenção. Geralmente, nota-se uma fragmentação da rede, levando à descontinuidade nas ações assistenciais. Nesse cenário, para conseguir um diagnóstico e um tratamento definitivo, muitas vezes as mulheres se veem obrigadas a procurar vários serviços em diferentes municípios28.
- Siscan
- Grupo de trabalho para avaliar PNCCU
- Plano de Ação para Redução da Incidência e Mortalidade
- Política Nacional para Prevenção e Controle do Câncer na Rede de Atenção das Pessoas com Doenças Crônicas
- Caderno de Atenção Básica
- QualiCito
- Pacto 2006
- Nomenclatura Brasileira para Laudos Cervicais
- Redes de Prevenção e Qualificação do Diagnóstico e Tratamento do CCU
- Diretrizes Brasileiras para o rastreamento do CCU
- Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis no Brasil 2011-2022
- SRC - Campanha de vacinação contra HPV
Figura 3 – Representação espacial das taxas brutas de mortalidade por câncer do colo do útero por 100 mil mulheres, pelas unidades da federação do Brasil – 2015
A Bahia é um dos nove estados da região Nordeste e mesmo com oscilações vem apresentando uma das menores taxas de mortalidade por câncer do colo útero do país durante o período analisado. Em 2015, apresentou uma taxa bruta de mortalidade de 4,89 por 100 mil mulheres, sendo o estado com a quinta menor taxa de mortalidade entre os estados do Brasil e a segunda menor taxa de mortalidade entre os estados da região Nordeste (Figura 3). A maior taxa bruta de mortalidade registrada foi de 5,39 por 100 mil mulheres, em 2014 (Figura 2).
Para Júnior e Rêgo, a mortalidade na Bahia, quando comparada com outros estudos realizados em localidades mais desenvolvidas e com maior acesso aos serviços de saúde, apresenta-se semelhante ou menor, o que sugere que ainda existem muitos casos subdiagnosticados e não notificados no interior do estado29, não indicando, necessariamente, um maior aporte de infraestrutura para prevenção e controle dos casos.
Este estudo permitiu uma reflexão sobre as políticas públicas voltadas para o câncer do colo do útero, demonstrando que, apesar dos avanços nas ações implementadas no Brasil desde a criação do SUS até o ano de 2015, houve um aumento nas taxas brutas de mortalidade por câncer do colo do útero do Brasil e da Bahia, ao invés de uma redução, que seria o esperado. Esse aumento também pode ter ocorrido em consequência de uma melhoria no registro do sistema de informação sobre a mortalidade, com redução das subnotificações e correção das causas mal definidas. No entanto, as políticas públicas implantadas não alcançaram a redução da mortalidade do câncer do colo do útero, sendo necessário que haja um maior investimento e envolvimento dos gestores e da população no planejamento, na execução e na avaliação das políticas públicas para obter melhores resultados.
A não redução das taxas de mortalidade sinaliza pouca efetividade dos programas. Falhas na captação de mulheres, na cobertura da população e na qualidade das amostras dos exames citopatológicos foram observadas na avaliação de indicadores30. Para garantir o cumprimento das metas, a qualidade do programa e o aumento da cobertura é preciso que haja maior investimento e implementação de outras estratégias30, tais como o fortalecimento da gestão local dos programas de controle do câncer do colo do útero para contratualizar serviços que garantam a integralidade do tratamento, bem como a qualificação dos serviços e das equipes de trabalho e o investimento em estratégias de mobilização social26,28, como cuidado em repensar o método adotado pelas campanhas para detecção precoce desse tipo de câncer. Para além disso, o investimento na qualificação dos profissionais que atuam desde a coleta e execução do exame até o tratamento da paciente permitirá a possibilidade de diminuir os resultados falsos negativos e aumentar a segurança na conduta do tratamento.
O exame citopatológico que tem sido bastante efetivo como principal estratégia nos países desenvolvidos para a redução das taxas de morbimortalidade por câncer do colo do útero não tem surtido o mesmo efeito no Brasil, talvez porque o rastreamento das lesões pré-cancerosas tem sido oportunístico, ou seja, ofertado para a mulher no momento em que ela se apresenta ao serviço de saúde. Para ter efeito na redução da morbimortalidade, é necessário que o rastreamento seja realizado em pelo menos 80% da população-alvo. Assim, estratégias como a busca ativa das mulheres, horários alternativos e atendimento sem necessidade de agendamento prévio devem ser avaliadas e implementadas para ampliar e facilitar o acesso do público-alvo a esse serviço31. A precariedade na articulação das redes de cuidado para o controle do câncer no país, em especial nas regiões Norte e Nordeste, também dificulta o tratamento da paciente, contribuindo para o aumento da mortalidade.
As falhas identificadas na avaliação dos indicadores precisam ser corrigidas para garantir a efetividade do programa de controle do câncer do colo do útero, permitindo que as mulheres diagnosticadas com lesões precursoras na atenção básica possam ser encaminhadas para o tratamento adequado. O tempo de evolução do câncer, em geral, é longo o suficiente para permitir que as lesões detectadas precocemente sejam tratadas, progredindo para a cura da doença e reduzindo, dessa forma, a incidência e a mortalidade.
A introdução da vacina contra o HPV foi um avanço muito importante, e é esperada uma redução significativa da mortalidade em longo prazo, pois irá evitar que a população com maior risco de contrair o vírus desenvolva a doença. Não obstante, vale salientar que essa ação deve estar unida às outras ações de promoção e detecção precoce. Portanto, é importante que os gestores estabeleçam estratégias para fortalecer o rastreamento organizado na atenção básica, bem como a rede de cuidado, investindo em campanhas e na qualificação dos profissionais envolvidos, possibilitando a garantia, em tempo oportuno, do acesso das mulheres ao exame citopatológico de qualidade e ao tratamento adequado nos casos de resultados alterados. Além disso, é importante também o empoderamento da população feminina para as ações de promoção da saúde, como o autocuidado e a reivindicação da formulação e da aplicação das políticas públicas no sentido de sua ampliação e articulação da rede de cuidado, com vistas à melhoria do acesso ao tratamento, contribuindo, assim, para a redução da mortalidade por câncer do colo do útero.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Geane Pereira de Abreu e Rita de Cássia de Sousa Nascimento.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Geane Pereira de Abreu e Rita de Cássia de Sousa Nascimento.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Geane Pereira de Abreu e Rita de Cássia de Sousa Nascimento.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Geane Pereira de Abreu e Rita de Cássia de Sousa Nascimento.
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Recebido: 28.9.2018. Aprovado: 30.9.2020.
Jéssica Santos Fonsêca Rodriguesa Rita de Cássia de Sousa Nascimentob
Resumo
Esta pesquisa objetiva identificar estratégias de acolhimento à demanda espontânea em unidades de saúde na Atenção Básica do Brasil e os fatores que interferem na efetividade dessas ações. Trata-se de uma pesquisa descritiva de caráter exploratório com abordagem qualitativa por meio de revisão bibliográfica. As bases de dados utilizadas foram: LILACS e SciELO, sendo selecionados 15 artigos. Com o estudo constatou-se que as principais estratégias de acolhimento à demanda espontânea são formar e fortalecer os vínculos entre usuários e trabalhadores, ampliar o acesso dos usuários aos serviços ofertados, organizar o processo de trabalho e realizar a recepção do usuário no serviço até o seu cuidado integral. Verificou-se que o acolhimento se dá com uma postura acolhedora e resolutiva e com a organização de filas por ordem de chegada. Identificaram-se fatores que interferem na efetividade das ações de acolhimento à demanda espontânea, como estrutura física inadequada, falta de profissionais capacitados, pouco entendimento do usuário sobre o acolhimento, sobrecarga de trabalho e dificuldade do envolvimento multidisciplinar. Do exposto, o estudo atingiu os objetivos almejados, além de pressupor que na atenção básica há um espaço propício para o desenvolvimento de ações de acolhimento pautadas na humanização tendo em vista a mudança de atitude de gestores, profissionais de saúde e usuários.
Palavras-chave: Acolhimento. Atenção primária em saúde. Necessidades e demandas de serviços de saúde.
a Enfermeira. Especialista em Gestão em Saúde, em Gestão da Atenção Básica com ênfase nas Redes de Atenção à Saúde e em Saúde Coletiva com ênfase no Programa Saúde da Família. Planalto, Bahia, Brasil. E-mail: jessica.sfr92@gmail.com
b Enfermeira. Doutora em Saúde Pública Docente da Escola de Saúde Pública da Bahia Professor Jorge Novis. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: nascimento.rita@gmail.com
Endereço para correspondência: Secretaria Municipal de Saúde de Planalto. Rua J. J. Seabra, n. 450, João Guimarães. Planalto, Bahia, Brasil. CEP: 45190-000. E-mail: jessica.sfr92@gmail.com
Abstract
This study identifies welcoming strategies for spontaneous demand in healthcare units in Brazil’s Primary Care and the factors that interfere in the effectiveness of these actions. This is a descriptive exploratory research with a qualitative approach following a bibliographic review model. The databases searched: LILACS and SciELO, rendering 15 articles. The main strategies found for welcoming spontaneous demand were to form and strengthen the connection between users and workers, to increase users’ access to the offered services, to organize the work process and to receive users in the service adequately until their complete care. Welcoming was shown to take place by means of posture welcoming, with resolutiveness and organization by means of queues in order of arrival. We identified factors that interfere with the effectiveness of the host actions towards spontaneous demand, such as inadequate infrastructure, lack of trained professionals, the lack of understanding about the welcoming procedure on the part of users, work overload and the difficulty of multidisciplinary involvement. This study thus reached its desired objectives, in addition to uncovering that in primary care there is a space conducive to the development of welcoming measures based on humanization by changing the attitude of managers, health professionals and users.
Keywords: Receptiveness. Primary healthcare. Needs and demands of health services.
ACOGIDA EN LA ATENCIÓN BÁSICA: UNA REVISIÓN DE LA LITERATURA
Resumen
Esta investigación objetiva identificar las estrategias de acogida a la demanda espontánea en unidades de salud en la Atención Básica de Brasil y los factores que interfieren en la efectividad de esas acciones. Se trata de una investigación descriptiva, de carácter exploratorio, con abordaje cualitativo, por medio de la revisión bibliográfica. Las bases de datos utilizadas fueron: LILACS y SciELO, siendo seleccionados 15 artículos. El estudio constató que las principales estrategias de acogida a la demanda espontánea son formar y fortalecer los vínculos entre usuarios y trabajadores, ampliar el acceso de los usuarios a los servicios ofrecidos, organizar el proceso de trabajo y realizar la recepción del usuario en el servicio hasta su cuidado integral. Se verificó que la acogida se da por medio de la postura acogedora, resolutiva y con la organización de filas por orden de llegada. Se identificaron los factores que interfieren en la efectividad de las acciones de
acogida a la demanda espontánea, como la estructura física inadecuada, la falta de profesionales capacitados, el poco entendimiento del usuario sobre la acogida, la sobrecarga de trabajo y la dificultad de la participación multidisciplinaria. De lo expuesto, el estudio alcanzó los objetivos deseados, además de suponer que en la atención básica hay un espacio propicio para desarrollar acciones de acogida pautadas en la humanización, teniendo en vista el cambio de actitud de gestores, profesionales de salud y usuarios.
Palabras clave: Acogida. Atención primaria en salud. Necesidades y demanda de servicios de salud.
Atualmente, o conceito de saúde compreende um conjunto de fatores que tornam o ser humano saudável, tais como moradia, segurança, alimentação, trabalho, liberdade, lazer e educação, sendo estes responsabilidades do Estado e direitos do cidadão. Este conceito ampliouse a partir da publicação da Lei n. 8.080 de 19 de setembro de 1990, também conhecida como Lei Orgânica da Saúde, que em seu artigo 3º trata sobre a saúde expressa em níveis pela organização social e econômica do país, bem como pelos determinantes e condicionantes: o saneamento básico, o meio ambiente, a renda, a atividade física, o transporte, o acesso aos bens e serviços essenciais, sendo estes destinados a garantia de condições de bem-estar físico, mental e social às pessoas e à coletividade1
Neste contexto, tem-se o Sistema Único de Saúde (SUS) como um dos maiores modelos de sistema público de saúde do mundo. Ele é pautado em princípios e diretrizes que visam à universalização, regionalização, hierarquização, humanização e acolhimento dos usuários dos serviços de saúde, elementos que o tornam universal e igualitário1-3
Aprovada pela Portaria n. 2.488, de 21 de outubro de 2011, a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) estabelece a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica (AB), para a Estratégia de Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde4. Sendo assim, a AB foi instituída com a finalidade de ampliar a quantidade de unidades de saúde, a qualidade dos serviços de saúde, bem como aprimorar as práticas primárias de atenção à saúde, promover ações de promoção e prevenção à doenças, buscando atender a população de forma integral e multiprofissional.
Por conseguinte, com a implantação e regulamentação da AB nos serviços públicos de saúde muitos foram os benefícios advindos, tais como a ampliação das ESF e Unidades
Básicas de Saúde (UBS), no entanto, sabe-se que ainda há muito a implementar propondo um desenvolvimento na contramão dos interesses do capital. No país, a AB ou Atenção Primária à Saúde (APS), engloba todas as ESF, as UBS e/ou Centros de Saúde², sendo que as unidades de AB funcionam como o primeiro contato que os usuários têm com os serviços públicos de saúde. Logo, esta é responsável por receber, escutar, acolher e atender aos usuários de forma qualificada, adequada e integral5.
Sendo pautada pelas diretrizes e princípios norteadores do SUS, a AB foi implantada visando minimizar os problemas de saúde de atenção primária. No entanto, ainda se observa que diversos fatores interferem no acesso aos serviços de saúde na AB, principalmente as filas intermináveis para atendimento e agendamento de exames. Neste contexto, desde 2003 com a criação da Política Nacional de Humanização (PNH), também conhecida como HumanizaSUS, percebe-se uma mobilização dos entes responsáveis pelos serviços públicos de saúde vinculados à Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde. A PNH conta com equipes regionais de apoiadores que se articulam às secretarias estaduais e municipais de saúde fomentando estratégias e criando políticas públicas que visam resolver ou minimizar as dificuldades de acesso enfrentadas pelos usuários, que vivem em sua maioria em situação de maior vulnerabilidade social6.
Dessa forma, insere-se o acolhimento à demanda espontânea, que para ser efetivo necessita de uma postura de escuta qualificada, conhecimento do serviço e da Rede de Atenção à Saúde (RAS), bem como da conscientização dos profissionais da AB de saúde quanto à importância e os benefícios advindos do acolhimento7
O acolhimento é de suma importância na AB, cujas características de referência são: porta de entrada, integração aos demais níveis do sistema e coordenação do fluxo de atenção8. Ferramentas de educação na saúde para profissionais da área2 apontam algumas práticas de acolhimento da demanda espontânea em diferentes situações, entre as quais se destacam: o acolhimento como mecanismo de ampliação/facilitação do acesso; como postura, atitude e tecnologia de cuidado; e como dispositivo de (re)organização do processo de trabalho em equipe. Neste sentido, as unidades de saúde da AB devem ser resolutivas, expandindo o acesso, organizando os serviços, promovendo o atendimento à demanda espontânea, o que promove a atenção integral de maneira humanizada e a efetivação deste dispositivo3,5.
O acolhimento à demanda espontânea na AB tem papel fundamental na qualidade da assistência prestada aos usuários do SUS, pois a forma como estes são recepcionados nas unidades de saúde interfere diretamente na garantia de resolutividade aos serviços de saúde e da promoção da saúde com base no acolhimento e na escuta qualificada à população3.
Outros autores definem o acolhimento como a humanização do atendimento, o que pressupõe a garantia de acesso a todas as pessoas, além de garantir a resolutividade que é o objetivo final do trabalho em saúde, resolver efetivamente o problema do usuário9
Considerando os aspectos levantados, este estudo parte da seguinte questão: quais são as estratégias/dispositivos de acolhimento à demanda espontânea utilizados em unidades de saúde da Atenção Básica no Brasil? Isso se justifica pela necessidade de melhor compreender o acolhimento a fim de contribuir e favorecer o aprimoramento das práticas e estratégias efetivas que visem à sua melhoria, do acesso e qualidade dos serviços de saúde na Atenção Básica do Brasil, bem como subsidiar estudantes, profissionais e gestores.
Assim, buscou-se identificar as estratégias de acolhimento à demanda espontânea em unidades de saúde na Atenção Básica do Brasil por meio das redes de atenção à saúde. Além disso, consideraram-se os fatores que interferem na efetividade dessas ações de acolhimento em unidades de saúde no âmbito do cuidado primário, e também como se deu a produção do conhecimento sobre o tema no país, a partir dos artigos analisados.
Por fim, vale ressaltar este estudo foi desenvolvido como resultado do Curso de Especialização em Gestão da Atenção Básica com ênfase nas Redes de Atenção à Saúde, promovido entre os anos de 2015 e 2016 pela Escola Estadual de Saúde Pública, atual Escola de Saúde Pública da Bahia Professor Jorge Novis.
Este estudo caracteriza-se como uma pesquisa descritiva de caráter exploratório, com abordagem qualitativa, por meio de revisão bibliográfica desenvolvida a partir de estudos já elaborados e publicados.
Os dados foram levantados por meio das bases indexadoras: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e Scientific Electronic Library Online (SciELO). Foram utilizados como descritores de busca os seguintes termos constantes na base de dados Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): acolhimento; atenção básica; necessidades e demanda de serviços de saúde; redes de atenção à saúde. Como ponto de corte para a busca considerou-se as publicações entre os anos de 2009 e 2015, haja vista a frequência de publicações sobre o tema neste período.
Como critérios de inclusão no presente estudo, foram utilizados: artigos publicados em português, que continham o termo acolhimento no título, além do resumo e texto na íntegra, cujo conteúdo fosse relativo ao acolhimento nos serviços de atenção básica do Brasil. Foram excluídos os artigos em outras línguas que não continham no título a palavra acolhimento,
que não apresentavam o texto completo e que não tratavam sobre o tema. Quanto aos artigos encontrados em mais de uma base de dados, foi considerada apenas a publicação encontrada na primeira base pesquisada.
Os dados foram analisados após terem sido catalogados numa planilha do Microsoft Word utilizando a tabulação de perguntas abertas por categorias, definindo sua frequência e percentual, bem como realizada a leitura e fichamento de todos os artigos, destacadas e sinalizadas as principais informações, conforme os objetivos deste estudo. Desta forma, destacaram-se três categorias de análise, quais sejam: (1) estratégias de acolhimento à demanda espontânea no que se refere ao modo como se dá o acolhimento nas unidades de atenção básica no país; (2) fatores que interferiram na efetividade do acolhimento nos serviços de atenção básica no país; e (3) geografia do conhecimento, com destaque para a importância em identificar as regiões do país com maior produção, a fim de conhecer as instituições mais estimuladas à produção científica sobre o tema.
Foram recuperados 15 artigos, cuja análise possibilitou a identificação dos principais resultados de acordo com cada um dos objetivos almejados e as categorias acima descritas.
Quanto aos principais resultados encontrados, 60% dos artigos permitiram compreender que a formação e fortalecimento de vínculos entre usuários e trabalhadores e a ampliação do acesso dos usuários aos serviços ofertados nas unidades de AB do Brasil são estratégias positivas. Assim como o atributo anterior, 47% dos artigos encontrados sugerem a organização do processo de trabalho como outra estratégia de acolhimento. Já 40% dos artigos trouxeram a compreensão quanto à recepção do usuário no serviço até o seu cuidado integral como estratégias de acolhimento.
No que tange a verificação de como se dá o acolhimento na AB foram encontrados os seguintes resultados com maior frequência: postura acolhedora em nove artigos (60%); resolutividade em oito artigos (53%); organização de filas por ordem de chegada em quatro artigos (27%).
Sobre os fatores que interferem na efetividade das ações de acolhimento à demanda espontânea em unidades de saúde na AB, os resultados mais frequentes foram: estrutura física inadequada (47%); falta de profissionais capacitados (33%); pouco entendimento do usuário sobre o acolhimento (27%); sobrecarga de trabalho (27%); e dificuldade do envolvimento multidisciplinar (27%). Não foram encontradas publicações que tratassem do acolhimento relacionado às redes de atenção à saúde.
Apurou-se que 60% dos artigos elencados na pesquisa no recorte de 2009 a 2015, foram publicados por instituições da região Sudeste e os outros 40% distribuídos igualmente pelas regiões Nordeste, Sul e Centro-Oeste (dois artigos de cada região), não sendo encontrada nenhuma publicação, dentro dos requisitos estabelecidos, na região Norte.
O acolhimento é visto como um dispositivo potente para atender à exigência de acesso, propiciar vínculo entre equipe e população, trabalhador e usuário, questionar o processo de trabalho, desencadear cuidado integral e modificar a clínica10
Tratando sobre as estratégias de acolhimento à demanda espontânea em unidades de saúde, autores em seus estudos afirmam que após a implementação do acolhimento nas Unidades de Saúde da Família pesquisadas, usuários e profissionais relataram uma melhoria nas relações, no acesso ao serviço, e aos profissionais potencializou a construção de vínculos11. Outros autores versam que o acolhimento, de maneira geral, deve ser executado por todos que atuam na unidade de saúde12
Pesquisadores relatam em outro estudo que o acolhimento foi considerado uma boa prática em saúde por todos os entrevistados, que visava promover o vínculo com os usuários, agendamento por área de abrangência, busca ativa de casos e a atuação dos Agentes Comunitários de Saúde, sendo considerado como instrumento potencializador do cuidado direcionado às necessidades dos usuários13
Ainda sobre este tema, há estudos que tratam o acolhimento como um dispositivo que amplia o acesso dos usuários ao SUS na APS, quando associado à presença de profissionais capacitados para uma escuta ativa e qualificada às suas demandas, bem como pode contribuir efetivamente para a superação do mito construído ao longo dos anos de que as ações de saúde prestadas pelos serviços públicos são de má qualidade e seus profissionais desqualificados14
Corroborando outros pesquisadores, um estudo versa que ao acolhimento é atribuído também o significado de acesso aos serviços de saúde, onde se tem a AB como a porta de entrada prioritária para o usuário no sistema de saúde exercendo o papel de grande acolhedora que deve atender a todos, como todos os outros serviços15
Outros autores complementam que o vínculo não se trata de um acontecimento imediato, e sim uma conquista, onde há o estreitamento e estabelecimento de relações de confiança, a integração da equipe, cuidado integral e o reconhecimento das atribuições
desempenhadas por cada categoria profissional, o que resulta em uma ampliação do atendimento ao usuário16,17.
O acolhimento como estratégia, portanto, compreende desde a recepção do usuário no sistema de saúde e a responsabilização integral pelas suas necessidades até a atenção resolutiva aos seus problemas18. Com base nesta afirmação, considera-se também que o acolhimento é tido como uma ferramenta assistencial e humanizadora a ser desenvolvida dentro da área de atuação profissional, ocorrendo durante todo o processo de atendimento do usuário19.
Ao discutir-se sobre como se dá o acolhimento à demanda espontânea na AB, incluindo fatores como a estrutura física, a grande demanda de atividades e a resolutividade da rede de referência seriam potencializadas as trocas recíprocas, facilitando o processo de trabalho e otimizando os recursos e o atendimento humanizado, acolhedor e resolutivo11,16.
Nesta mesma temática, o acolhimento acontece para gerenciar conflitos, onde a equipe tem disponibilidade para desenvolver fatores indispensáveis como a escuta ativa, qualificada, o encaminhamento a outros profissionais e a atuação decisória13,20
Assim sendo, acolher não significa resolução completa dos problemas referidos pelo usuário, mas atenção dispensada na relação, envolvendo escuta, confiança, diálogo, valorização de queixas e identificação de necessidades. Assim, o acolhimento surge, para além de valorizar o vínculo com o usuário, também como forma de estabelecer um novo significado nas relações da própria equipe, potencializando a capacidade deliberativa e estimulando a troca de saberes e práticas19,21.
Outros estudos verificaram a realização de um acolhimento ineficaz, com pouca resolutividade, organização e práticas de assistência integrais. Sendo assim, notou-se a necessidade de reorganização dos procedimentos que estavam sendo executados pelas equipes pesquisadas12,22,23
FATORES QUE INTERFERIRAM NA EFETIVIDADE DO ACOLHIMENTO NOS
SERVIÇOS DE ATENÇÃO BÁSICA NO PAÍS
No que diz respeito aos fatores que interferem na efetividade das ações de acolhimento, os autores destacam: a pequena infraestrutura, a falta de placas para sinalização dentro das unidades, a má divisão e a inadequação do local, logo, não garantindo o direito à privacidade e ao sigilo. No entanto, os autores constataram que com todas as dificuldades, os profissionais mostram-se dispostos a tratar os pacientes de forma mais humanizada15,18,19
Contudo, ainda há destaque para sobrecarga de trabalho, a exaustão, o cansaço e a incapacidade de atender a todos os usuários e cumprir com todas as exigências do sistema15,19,24.
Outros autores também elencaram alguns entraves encontrados para a efetividade do acolhimento: a ausência de preparação dos profissionais novos que chegam ao serviço, diferentes posicionamentos e orientações de acordo com o profissional que acolhe, restrição do profissional de saúde em atuar numa pequena parcela do processo terapêutico do usuário, de forma fragmentada, acabando por gerar sua própria desmotivação ao não conseguir vislumbrar a dimensão global de sua atuação, além da rotatividade de profissionais que prejudica o estabelecimento do vínculo, necessidade de capacitação e treinamento de todos os trabalhadores para a prática do acolhimento13,14,17
Estudos elencam ainda outros fatores que dificultam o acolhimento à demanda espontânea na AB, quais sejam: a não participação do controle social, dificuldade de relação entre os vários sujeitos implicados e as limitações dos horários oferecidos no acesso às consultas e serviços e a dificuldade do envolvimento multidisciplinar12,20,22,24,25
No que se refere aos lócus da produção científica, verificou-se que, em se tratando das estratégias de acolhimento à demanda espontânea em unidades de saúde na AB no país, os principais estudos foram encontrados nas regiões Nordeste e Sudeste, abordando a formação e fortalecimento de vínculo entre usuários e trabalhadores, sendo que um dos artigos constatou ainda que o acolhimento é um modo de ampliar o acesso dos usuários aos serviços ofertados nas unidades. Já na região Nordeste foi possível observar com mais frequência fatores como organizar o processo de trabalho e compreender a recepção do usuário no serviço até o seu cuidado integral, fator igualmente localizado no Centro-Oeste.
Além disso, foi possível verificar que acolhimento na AB se dá por meio da postura acolhedora, principalmente nas regiões Sul, Nordeste e Sudeste, já a resolutividade foi identificada nas regiões Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste e apenas nas pesquisas da região Sudeste foi encontrada a organização com filas por ordem de chegada.
De outro modo, observaram-se os principais fatores que interferem na efetividade das ações de acolhimento à demanda espontânea em unidades de saúde na AB, sendo eles a estrutura física inadequada, notada com frequência nos estudos da região Centro-Oeste e Nordeste, a falta de profissionais capacitados foi sinalizada nas pesquisas realizadas na região Sudeste e no sul do país, o pouco entendimento do usuário sobre o acolhimento foi percebido com maior frequência em estudos no Nordeste, a dificuldade do envolvimento multidisciplinar visto constantemente nas pesquisas do Sudeste. O elemento sobrecarga de trabalho foi evidenciado em todos os estudos analisados das regiões do país.
Estas implicações fazem refletir que, no período estudado, a região Sudeste, que possui mais oferta de serviços no país, demonstrou maior interesse em pensar estratégias para fortalecer o vínculo e ampliar a efetividade dos mesmos na atenção primária, pela satisfação dos usuários, num reconhecimento da AB como estratégica para organizar serviços e resolver problemas de saúde.
Os resultados encontrados apontam que a proximidade e a capacidade de acolhimento, vinculação, responsabilização e resolução são fundamentais para a efetivação da AB, uma vez que esta deve se constituir como uma grande articuladora, desenvolvendo-se como importante porta de entrada e ordenadora da rede de atenção.
Também foi possível perceber que as principais estratégias de acolhimento à demanda espontânea em unidades de saúde na AB do Brasil são a formação e fortalecimento dos vínculos entre usuários e trabalhadores, bem como um modo de ampliar o acesso dos usuários aos serviços ofertados nas unidades, além de outros fatores como a organização do processo de trabalho e o entendimento quanto à recepção do usuário no serviço até o seu cuidado integral.
Por outro lado, foram identificados fatores que interferem na efetividade das ações de acolhimento à demanda espontânea em unidades de saúde na AB, sendo eles a estrutura física inadequada, a falta de profissionais capacitados, assim como o pouco entendimento do usuário sobre o acolhimento, além do elemento sobrecarga de trabalho e a dificuldade do envolvimento multidisciplinar.
Com este estudo percebeu-se que ainda são necessárias mais análises e discussões acerca do acolhimento à demanda espontânea na AB, pois este é considerado um ato de cuidado de grande relevância que estrategicamente amplia o vínculo e que humaniza as relações entre usuários, trabalhadores e gestores. O acolhimento fomenta inclusive a adesão ao tratamento, devendo ser executado de acordo com os princípios norteadores do SUS, a PNAB e a PNH, com vistas à melhoria da qualidade dos serviços de saúde. Vale reassaltar a região Norte do país, que não apresentou estudos, bem como a inexistência de artigos que tratassem da articulação entre o acolhimento e as redes de atenção à saúde, conforme o método utilizado.
Do exposto, o estudo atingiu aos objetivos almejados, além de pressupor que na AB, há um espaço propício para o desenvolvimento de ações de acolhimento e resolução de problemas de saúde pautados na humanização, tendo em vista a mudança de atitude de gestores, profissionais de saúde e usuários. Com isso, espera-se melhorar as condições de acesso
aos serviços de saúde, ampliar as atividades de educação em saúde, promover a formação de vínculos e a satisfação do usuário, além de garantir o direito à saúde, a qualidade do cuidado e a efetividade das ações de saúde pública.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Jéssica Santos Fonsêca Rodrigues e Rita de Cássia de Sousa Nascimento.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Jéssica Santos Fonsêca Rodrigues e Rita de Cássia de Sousa Nascimento.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Jéssica Santos Fonsêca Rodrigues e Rita de Cássia de Sousa Nascimento.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Jéssica Santos Fonsêca Rodrigues e Rita de Cássia de Sousa Nascimento.
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Recebido: 28.9.2018. Aprovado: 28.9.2020.
Shirlei da Silva Xaviera
Ana Paula Freire Cruzb
Andréa da Anunciação Gomesc
Milena Guimarães Gama Assisd
Iêda Maria Fonseca Santose
Rebeca de Jesus Monteirof
A produção de novos conhecimentos fundamenta as práticas de ensino-aprendizagem, contribuindo para o fortalecimento das ações ofertadas e para a construção da identidade institucional. Em seus processos formativos, sobretudo as especializações lato sensu, a Escola de Saúde Pública da Bahia Professor Jorge Novis (ESPBA) prevê como produto final os trabalhos de conclusão de curso (TCC), concebidos como instrumentos impulsionadores para o desenvolvimento de pesquisas e intervenções nos serviços de saúde. Neste artigo buscou-se descrever e analisar o processo de orientação de TCC desenvolvido na escola, em seu percurso histórico, considerando as primeiras experiências e as transformações que se deram após a implantação de um conjunto de medidas voltadas para o aprimoramento dessa atividade. Para fins desta análise, foi realizado um estudo comparativo entre dois cursos de especialização promovidos pela escola. Os dados foram obtidos por meio de fichas de avaliação dos TCC, instrumento aplicado para avaliar
a Sanitarista. Doutora em Saúde Pública. Docente da Escola de Saúde Pública da Bahia Professor Jorge Novis. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: xaviershirlei@gmail.com
b Sanitarista. Mestre em Saúde Coletiva. Docente da Escola de Saúde Pública da Bahia Professor Jorge Novis. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: apaulafreire@yahoo.com.br
c Assistente Social. Mestre em Saúde Coletiva. Docente da Escola de Saúde Pública da Bahia Professor Jorge Novis. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: andreagomes.eesp@gmail.com
d Enfermeira. Especialista em Gestão do Trabalho e Educação na Saúde. Docente da Escola de Saúde Pública da Bahia Professor Jorge Novis. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: milly_assis@yahoo.com.br
e Enfermeira. Mestre em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente. Docente da Escola de Saúde Pública da Bahia Professor Jorge Novis. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: iedamfs2017@gmail.com
f Psicóloga. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: rebeca3monteiro@gmail.com
Endereço de correspondência: Av. Antônio Carlos Magalhães, s/n, Parque Bela Vista de Brotas. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 41840-000. E-mail: sesab.espba@saude.ba.gov.br
v.43,supl.1,p.182-197
e estabelecer nota aos produtos dos cursos. Dentre as modalidades de TCC disponíveis na ESPBA, o projeto de intervenção apresenta maior complexidade e tem maior relação com o processo de trabalho do servidor, tendo em vista que demanda uma clareza do contexto em que se quer intervir e a identificação de suas necessidades. Embora não tenha sido possível afirmar que houve uma influência direta das medidas implantadas para qualificar os TCC, pode-se inferir que as diferenças observadas no curso de Especialização em Gestão de Serviços de Saúde retratam a importância das discussões promovidas pela Comissão de Monitoramento e Avaliação da Escola com os discentes e orientadores. Palavras-chave: Pesquisa nos serviços de saúde. Escolas de saúde pública. Avaliação educacional.
THE PROCESS OF ACADEMIC ADVISING IN SPECIALIZATION COURSES: THE EXPERIENCE OF THE SCHOOL OF PUBLIC HEALTH OF BAHIA
Abstract
The production of new knowledge grounds teaching-learning practices, contributing to the strengthening of the offered actions and the construction of institutional identity. In its formative processes, especially for lato sensu specializations, the ESPBA foresees as final product the final paper (TCC), designed as an impelling instrument for the development of research and interventions in health services. This article described and analyzed the TCC advising process developed in the school, throughout its historical course, considering the first experiences and transformations that occurred after the implementation of a set of measures to improve this activity. For the purposes of this analysis, a comparative study was carried out between two specialization courses promoted by the school. The data were obtained through evaluation cards of the TCC, an instrument used to evaluate and establish a grade to the products of the courses. Among the modalities of TCC available at ESPBA, the Intervention Project presents greater complexity and is more related to the educator’s process, given it demands full understanding of the context to be intervened and the proper identification of needs. Despite no clear evidence of direct influence of the implemented measures in qualifying the TCC, it can be inferred that the differences observed in the specialization course of Health Services Management portrays the importance of discussions promoted by the Monitoring and Evaluation Commission of the school with students and counselors.
Keywords: Research in health services. Public health schools. Educational evaluation.
Revista Baiana de Saúde PúblicaLA EXPERIENCIA DE LA ESCUELA DE SALUD PÚBLICA DE BAHÍA
La producción de nuevos conocimientos fundamenta las prácticas de enseñanzaaprendizaje, contribuyendo al fortalecimiento de las acciones ofertadas y la construcción de la identidad institucional. En sus procesos formativos, sobre todo las especializaciones lato sensu, la Escuela de Salud Pública de Bahía Profesor Novis (ESPBA) prevé como producto final los Trabajos de Conclusión de Curso (TCC) concebidos como instrumentos impulsores para el desarrollo de investigaciones e intervenciones en los servicios de salud. En este artículo se buscó describir y analizar el proceso de orientación del TCC desarrollado en la escuela, en su recorrido histórico, considerando las primeras experiencias y las transformaciones que se dieron tras la implantación de un conjunto de medidas dirigidas al perfeccionamiento de esta actividad. En este análisis, se realizó un estudio comparativo entre dos cursos de especialización promovidos por la escuela. Los datos se recogieron de fichas de evaluación de los TCC, un instrumento que se aplica para evaluar y calificar a los productos de los cursos. Entre las modalidades de TCC disponibles en la ESPBA, el proyecto de intervención presenta mayor complejidad y tiene mayor relación con el proceso de trabajo del servidor, teniendo en vista que demanda una claridad del contexto que se quiere intervenir e identificar sus necesidades. Aunque no es posible afirmar que hubo una influencia directa de las medidas implantadas para calificar los TCC, se puede inferir que las diferencias observadas en el Curso de Especialización en Gestión de Servicios de Salud retratan la importancia de las discusiones promovidas por la Comisión de Monitoreo y Evaluación de la Escuela con los alumnos y orientadores.
Palabras clave: Investigación en los servicios de salud. Escuelas de salud pública. Evaluación educativa.
Nos dias atuais, compreende-se de forma relativamente homogênea que a pesquisa é fundamental para o desenvolvimento e para a qualificação dos processos de ensino-aprendizagem, sobretudo quando se observa a estrutura organizacional e a produção científica decorrente dos estabelecimentos de ensino mais tradicionais. Todavia, ainda que as atividades de pesquisa apareçam entre as competências das escolas de governo, elas não têm
sido priorizadas nem como pilar crucial para o fortalecimento das suas ações, nem como forma de construção da identidade institucional. Assim, pode-se dizer que a ausência de um quadro docente fixo e de um ambiente focado na pesquisa figuram como elementos que retardam o avanço dessas instituições nesse aspecto1
No Brasil, assim como em outros países, um dos grandes desafios da produção de novos conhecimentos e tecnologias refere-se à capacidade de incorporação das pesquisas na produção cotidiana do cuidado em saúde2.
A Escola Estadual de Saúde Pública Professor Francisco Peixoto de Magalhães Netto, atual Escola de Saúde Pública da Bahia Professor Jorge Novis (ESPBA) tem, entre as suas competências, a produção e a disseminação de conhecimentos, além do estímulo, da qualificação e da orientação com relação às áreas estratégicas do Sistema Único de Saúde na Bahia (SUS-BA) para o desenvolvimento de pesquisas. Nesse sentido, a instituição implementa ações voltadas para a produção e disseminação de conhecimentos, dentre as quais destacam-se o grupo de estudos e pesquisa “Educação e Saúde”, a produção de artigos científicos e livros, a promoção de mostras científicas, sessões temáticas e a oferta regular do curso de aperfeiçoamento em metodologia do trabalho científico em saúde.
Além disso, em seus processos formativos – sobretudo nas especializações lato sensu –, a escola prevê como produto final os trabalhos de conclusão de curso (TCC), que devem ser desenvolvidos segundo critérios previamente apresentados nos documentos de referência da escola, em diversos formatos e modalidades. Eles são submetidos à apreciação de uma banca examinadora, em defesa pública, como requisito parcial para aprovação no curso. Considerando-se que os cursos de especialização promovidos pela ESPBA estão referenciados nos pressupostos da educação permanente e assumindo, portanto, o trabalho como princípio pedagógico, espera-se que os objetos de estudo dos TCC mantenham relação com a prática dos discentes3. Contudo, nas primeiras ofertas de curso de especialização, observou-se que os TCC apresentados pouco refletiam os ideais e os pressupostos que fundamentam a escola. Assim, no ano de 2011 foi criada a Comissão de Monitoramento e Avaliação dos Trabalhos de Conclusão de Curso (CMAT)ga, mais tarde renomeada para Comissão de Monitoramento e
g Em 2012, o trabalho de autoria das docentes Shirlei Xavier, Ilena Cantharino, Rita Nascimento, Sara Bastos, Cristina Campos, Ivone Brito, Iêda Santos e Maria Creuza Ferreira, intitulado “Comissão de Monitoramento e Avaliação dos Trabalhos de Conclusão de Curso (CMAT) da Escola Estadual de Saúde Pública da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (EESP/Sesab)”, foi aceito e publicado nos anais do 10º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, realizado nas dependências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), no período de 14 a 18 de novembro.
h
Avaliação da ESPBA (CMAE)hb, com o objetivo de monitorar, qualificar e avaliar a instituição e seus processos formativos.
Portanto, este artigo tem como objetivo descrever e analisar o processo de orientação de TCC desenvolvido na ESPBA em seu percurso histórico, considerando as primeiras experiências e as transformações que se deram após a implantação de um conjunto de medidas voltadas para o aprimoramento dessa atividade.
Embora a relação orientador-orientando constitua um importante aspecto na elaboração de um trabalho científico, com significativo impacto na qualidade dos resultados apresentados, ela tem sido bastante negligenciada pelas instituições de ensino e centros formadores em geral. Apesar da baixa visibilidade que tem como objeto de investigação e análise, alguns pesquisadores têm se preocupado em defini-la, destacando o papel de cada um desses atores que participa do processo de construção de conhecimento, tanto em cursos de especialização como no mestrado e no doutorado. São abordados, ainda, os fatores que facilitam ou dificultam essa relação, com ênfase na díade poder e autonomia4.
Outros autores, centrados na perspectiva dos orientadores, tratam dos desafios didático-pedagógicos e dialógico-afetivos impostos por essa relação5. Em outras palavras, os estudos têm questionado como os orientadores desenvolvem o trabalho de orientação, tendo em vista que, em muitas instituições, as diretrizes que norteiam essa atuação não são claras. Vale destacar, ainda, os efeitos do capitalismo e da globalização, que afetam o tempo e o ritmo do trabalho docente, impondo-lhe uma rotina que compromete os processos de ensino e de orientação em termos de qualidade, criatividade e originalidade.
Preocupada com a qualidade dos TCC apresentados nos cursos de especialização ofertados pela ESPBA e com a expectativa de que esses trabalhos reverberem em mudanças positivas que aprimorem os processos de gestão e cuidado em saúde no SUS, a equipe docente dessa instituição tem desenvolvido estratégias que visam a aperfeiçoar o processo de orientação de TCC, especialmente no que se refere à relação estabelecida entre docentes e discentes. Com isso, realizam-se oficinas de formação dos docentes no sentido de prepará-los para o trabalho de orientação, evidenciando as expectativas institucionais, ao tempo que se busca formá-los no que tange às modalidades previstas nas Diretrizes para a Elaboração de TCC da escola (projeto de intervenção, projeto e relatório de pesquisa, relato de experiência,
integram a CMAE as docentes
revisão de literatura e produto tecnológico). Ademais, há um acompanhamento sistemático do processo de orientação a partir da CMAE, que observa tanto a qualidade do trabalho em seu percurso de elaboração quanto os aspectos relacionais que se constituem entre os atores que protagonizam esse fazer.
Por conseguinte, é importante salientar que a relação orientador-orientando se dá entre duas pessoas de níveis de formação e maturidade profissional diferentes e que se encontram por escolha ou determinação de um programa5 para produzir um texto científico em resposta a uma pergunta de investigação ou situação-problema, quando pensamos nas intervenções, relatos de experiência e produtos tecnológicos. Contudo, além do labor intelectual que envolve aspectos teórico-metodológicos e posições político-ideológicas, tal relação sofre forte interferência dos sentimentos e dos diferentes valores constituídos a partir da trajetória histórico-social desses atores.
Nesse sentido, é oportuno considerar que as instituições devem zelar pela área da produção científica, com estímulo e geração de oportunidades que viabilizem a construção de novos conhecimentos. Compreende-se que tais atividades favorecem o amadurecimento profissional do corpo discente e docente, ao tempo em que promovem, também, o desenvolvimento institucional. Assim, essas iniciativas não podem ser vistas de forma isolada, como constructo estritamente objetivo, mas devem considerar que a esfera afetiva faz parte do processo de ensino-aprendizagem e que a orientação de TCC, como prática docente, está imersa nas mesmas circunstâncias e nas mesmas possibilidades.
Outro ponto de relevante interesse refere-se às questões éticas enfrentadas por todos aqueles que se predispõem a aventurar-se no processo de produção de conhecimentos. São muitos os desafios éticos que atravessam o campo da produção científica, como aqueles que envolvem autoria, plágio ou problemas com o recorte dos projetos de pesquisa e intervenção que, uma vez mal formulados, não trazem novas contribuições, implicam em perda de tempo ou ocasionam constrangimentos desnecessários aos participantes dos estudos.
Mais do que a seção de um projeto ou estudo, a discussão ética traduz uma necessidade de garantir que os participantes das pesquisas e das intervenções sejam protegidos das práticas abusivas que foram historicamente desenvolvidas em nome do avanço da ciência, sem a devida atenção e respeito à vida humana. Esses equívocos não estão restritos às pesquisas experimentais, mas espraiam-se em outras situações aparentemente inofensivas e que podem colocar em risco a saúde física e/ou emocional dos participantes.
Nesse sentido, a ESPBA conta com o Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (CEP/Sesab), que funciona em suas dependências e reúne mensalmente pesquisadores e profissionais de saúde experientes de diversas áreas do conhecimento, bem como representantes religiosos e dos usuários dos serviços de saúde, que analisam projetos de pesquisa ou intervenção submetidos via Plataforma Brasil e a esse comitê designados, considerando a Resolução nº 466/20126, expedida pelo Ministério da Saúde, por intermédio do Conselho Nacional de Saúde, dentre outras normativas.
Espera-se que o estímulo ao desenvolvimento de pesquisas e intervenções balizadas pelo pensamento ético-crítico se reflita no trabalho em saúde, uma vez que se busca articular teoria e prática, ensino-aprendizagem e processo de trabalho. Nessa perspectiva, trabalho e formação em saúde caminham juntos, com vistas ao desenvolvimento dos trabalhadores e do próprio SUS.
Além dos princípios éticos, é necessário destacar quais perspectivas teóricopedagógicas norteiam o processo de orientação dos TCC, considerando-se que essa atividade integra a prática docente.
A EESP, atual ESPBA, tem utilizado o processo de trabalho como fio condutor das propostas pedagógicas, subsidiando a produção e a reconstrução de conhecimentos e práticas, considerando-se que os cursos têm como público-alvo gestores, trabalhadores, residentes e estudantes da área da saúde que atuam no âmbito do SUS. Nesse sentido, busca-se uma construção pedagógica pautada na criticidade e na reflexão do cotidiano em saúde para a melhoria das condições de trabalho e atendimento de qualidade à população usuária dos serviços de saúde. Para tal, na elaboração, no desenvolvimento e na avaliação dos processos formativos, busca-se observar e manter o foco na relação trabalho-educação, defendida por Frigotto7, não como perspectiva mecânica e estéril, mas como ponto de vista que enxerga as relações de trabalho e as potencialidades criativas, produtivas e reflexivas do ser humano. Recomenda-se, desse modo, que o desenvolvimento das atividades siga a metodologia da problematização, disseminada por Bordenave e Pereira8, em que os problemas são extraídos da realidade pela observação feita pelos orientandos, que são, por sua vez, estimulados a fazer uma análise de situação da área de abrangência do assunto a ser abordado, enquanto o orientador o apoiará com sua experiência na construção do trabalho, sugerindo, também, outras fontes de dados e pesquisas. Nesse sentido, destaca-se a vinculação com a pedagogia de Paulo Freire9 como importante pilar de apoio para orientação do TCC.
Esses suportes teórico-científicos que dão fundamento à prática e à participação ativa dos orientandos são fundamentais para o processo de aprendizagem. Todo esforço deve ser feito para que se entenda o problema – ou objeto de estudo – em suas manifestações empíricas, situacionais e mediante os princípios teóricos que os explicam. Assim, esse esforço analítico de confrontar a realidade com sua teorização contribui para que os orientandos desenvolvam, cada vez mais, a habilidade de empregar os conhecimentos teóricos acessados ao longo da formação na resolução dos problemas enfrentados no dia a dia.
Para fins desta análise, foi realizado um estudo comparativo entre dois cursos de especialização promovidos pela ESPBA. Os dados foram obtidos por meio de fichas de avaliação dos TCC, instrumento aplicado para avaliar e estabelecer nota ao produto do curso e cujo modelo foi aprimorado pela equipe da CMAE, contemplando os seguintes critérios: redação global e clareza na apresentação dos resultados; organização/estrutura do trabalho; coerência do quadro de referência; congruência entre conceitos, modelos e o objeto de estudo e/ou intervenção; relevância do tema para o SUS e/ou para o campo específico de conhecimento do curso; efeito sobre a prática no sentido de observar potencial de mudança/inovação; e potencial de utilização para melhoria do serviço ou da prática profissional.
Dessa forma, foram eleitos para comparação o Curso de Especialização em Gestão do Trabalho e Educação Permanente em Saúde (CGTES), o primeiro a ser contemplado pelo acompanhamento da CMAT, e o Curso de Especialização em Gestão dos Serviços de Saúde (CEGSS), uma experiência realizada após a implementação da CMAE. Os cursos ocorreram, respectivamente, nos períodos de 2010-2012 e 2016-2017. Ambos estiveram sob a coordenação da equipe docente da ESPBA e foram destinados aos trabalhadores da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia Sesab). A seguir, há uma breve descrição dos objetivos e do perfil dos discentes de cada um:
CURSO 1 – Objetivo: qualificar os profissionais da área de Gestão do Trabalho e Educação Permanente em Saúde, de forma regionalizada e coerente com as necessidades do SUS-BA. Perfil do discente: profissionais que atuam no setor de gestão de pessoal e/ou educação permanente em saúde.
CURSO 2 – Objetivo: qualificar técnica, teórica, política e pedagogicamente os gestores para o desenvolvimento de atividades atinentes à direção, ao planejamento e à organização dos serviços de saúde. Perfil do discente: servidores públicos efetivos ou em cargo comissionado, estaduais e municipais, de nível universitário.
Os TCC foram construídos no período de três meses, com o acompanhamento de um orientador. Todos os discentes e orientadores deveriam seguir as Normas para Elaboração de TCC desenvolvidas pela ESPBA. Os trabalhos foram avaliados por intermédio da ficha de avaliação anteriormente descrita. Contudo, a análise comparativa e os resultados apresentados a seguir foram obtidos com base em três critérios da ficha, a saber: cumprimento do método científico; a argumentação/fundamentação teórica e a organização de ideias; e os benefícios para melhoria do serviço ou da prática profissional. A escolha por esses critérios se justifica pela presença nos modelos de fichas dos dois cursos. As faixas estabelecidas estão de acordo com a pontuação obtida por cada TCC, que varia na escala de 0 a 1.
Utilizou-se como critério de exclusão a completude das fichas, ao tempo em que se buscou um alinhamento no quantitativo de fichas analisadas para que houvesse uma paridade entre os cursos. Quanto às escolhas que definiram a amostra, para o curso 2 foram utilizadas todas as fichas completas e para o curso 1 foi feita uma seleção aleatória para que se chegasse ao mesmo número de fichas do curso 2. Para realizar esta análise, utilizou-se o software Microsoft Excel.
Nas experiências iniciais de oferta de cursos de especialização pela ESPBA, os processos de orientação de TCC aconteciam de acordo com as premissas propostas por cada coordenador de curso, embora seguissem pressupostos gerais estabelecidos pela instituição. A ausência de mecanismos que garantissem um formato comum aos produtos, bem como de parâmetros de avaliação que fossem usados em todos os cursos – além de problemas identificados no que se refere à qualidade dos trabalhos e a divergências entre orientadores e orientandos –, nos levaram a constituir as Diretrizes para a Elaboração de TCC da ESPBA, bem como a CMAT, atual CMAE, que passou a se debruçar de forma mais ampla sobre os estudos voltados para o componente da avaliação que envolve uma instituição formativa.
A CMAE é um órgão colegiado interno, interdisciplinar, permanente, de caráter consultivo e deliberativo, criado para monitorar, qualificar e avaliar a instituição e seus processos formativos. Nesse sentido, assume como objetos de trabalho a autoavaliação institucional, incluindo-se aí o desempenho de todos os atores que compõem o cenário de ensino-aprendizagem, os efeitos dos processos formativos e o monitoramento e avaliação dos TCC. Essa comissão foi constituída originalmente no ano de 2011, como estratégia
de qualificação dos projetos de pesquisa e intervenção dos cursos de especialização promovidos pela escola, bem como de seus respectivos produtos, a fim de expandir a discussão acerca do papel da produção de conhecimento no âmbito dos serviços de saúde na intenção de contribuir para a sua valorização. Em 2016, ampliou-se, incorporando a autoavaliação institucional.
Desde então, no que tange ao processo de orientação de TCC, a comissão atua de forma integrada às coordenações dos cursos, indicando o fluxo de encaminhamento e os documentos necessários para a apresentação dos projetos a serem apreciados. Colabora, também, com o processo de seleção de orientadores e com a definição de critérios técnicos para sua seleção; organiza e realiza as oficinas de preparação dos orientadores; organiza e gerencia, em parceria com a secretaria acadêmica, um banco atualizado de orientadores relacionados à ESPBA; identifica demandas de educação permanente para orientadores; apoia os orientadores no processo de construção dos projetos e TCC, nas modalidades previstas nas diretrizes para elaboração de TCC da ESPBA, respeitando a diversidade teórico-metodológica, bem como as pactuações realizadas entre esses atores; orienta o discente quanto ao fluxo de encaminhamento do projeto e do TCC, quanto às reflexões éticas relacionadas ao projeto e aos casos omissos ao processo de orientação; acompanha os discentes e os orientadores de modo a estimular a produção de conhecimento, a implementação de projetos e a publicação a partir dos produtos dos TCC; auxilia a coordenação do curso na organização da defesa pública; e promove, sobretudo, a integração entre a produção de conhecimento e o processo de trabalho em saúde por meio do suporte técnico para a implementação dos projetos de intervenção e pesquisa.
Outra estratégia adotada por essa comissão é a realização de oficinas de acompanhamento dos TCC que ocorrem durante o processo de orientação e cujo objetivo é o de fornecer um espaço de reflexão do orientador-orientando com os membros da escola que compõem a comissão e de garantir que os produtos sigam as diretrizes estabelecidas pela instituição.
Para este artigo, foi realizada a comparação de dois cursos ofertados pela ESPBA, a saber, o CGTES (curso 1) e o CGESS (curso 2). A escolha dos cursos se deu por ser o CGTES o primeiro curso de especialização ofertado pela ESPBA após o credenciamento pelo Conselho Estadual de Educação, e o CGESS, por estar entre os cursos de especialização com período de conclusão mais recente e que guarda mais semelhanças com o curso 1.
Dessa forma, foram analisados 115 trabalhos, sendo 79 do curso 1 e 36 do curso 2. Constatou-se o predomínio do sexo feminino nos dois cursos, com 83,5% de mulheres e 16,5%
de homens. Quanto à variável “modalidade do TCC”, foi utilizado o mesmo universo da análise de gênero, sendo a maioria classificada como “projeto de intervenção” (53%), seguida de “relatório/projeto de pesquisa” (25,2%) e de “relato de experiência” (14,8%). Aparecem, ainda, em menores percentuais, a “revisão de literatura” (5,3%) e o “produto tecnológico” (1,7%).
O “projeto de intervenção” se destaca com um percentual maior do que a metade das demais modalidades juntas – aspecto que se justifica pelo fato de ser essa a única modalidade exigida no curso 2. Quando desagregamos os cursos e avaliamos apenas o curso 1, observamos que o “relatório/projeto de pesquisa” (36,2%) aparece como o mais realizado, seguido do “projeto de intervenção” (31,6%) e do “relato de experiência” (21,2%); as modalidades “revisão de literatura” e “produto tecnológico” aparecem com 7,6% e 2,5%, respectivamente.
Entretanto, para responder aos critérios em análise – cumprimento do método científico; argumentação/fundamentação teórica e organização de ideias; e benefícios para melhoria do serviço ou da prática profissional – foram utilizadas 58 fichas, das quais 29 eram do CGETS e 29, do CGESS. Quanto ao cumprimento do método científico, o curso 2 apresentou um número maior de trabalhos avaliados com aproveitamento maior do que 0,5, como podemos observar no Gráfico 1, sendo superior a 20% em relação ao curso 1.
Ao analisarmos o Gráfico 2, que se refere à observação do critério argumentação/ fundamentação teórica e organização de ideias, nota-se que apesar do curso 1 apresentar um quantitativo maior de trabalhos avaliados com nota 1,0, se tomarmos como base o aproveitamento maior que 0,5, veremos que o curso 2 se destaca, com um número absoluto de 26 trabalhos, em comparação a 21 do curso 1, o que nos leva a considerar que as ações implantadas pela CMAE no curso 2 refletem essa melhoria.
Os cursos se equiparam quando analisamos o critério benefícios para melhoria do serviço ou da prática profissional, conforme o Gráfico 3, pois independentemente da modalidade do TCC, o que se mostra relevante é o fato de ser um produto que reflete o processo de trabalho do discente.
Gráfico 1 – Comparação do critério “cumprimento do método científico”
Gráfico 2 – Comparação do critério “argumentação/fundamentação teórica e organização de ideias”
Gráfico 3 – Comparação do critério “benefícios para melhoria do serviço ou da prática
A proposição de um trabalho científico busca atender a uma exigência do Ministério da Educação para os cursos de pós-graduação lato sensu assim como dar oportunidade aos discentes para que vivenciem as dimensões de ensino, pesquisa e extensão10. Nos cursos de especialização da ESPBA, o módulo de metodologia do trabalho científico é oferecido de maneira transversal, com oficinas de trabalho que buscam favorecer a construção gradativa do TCC pelos discentes. Destaca-se a importância do trabalho prévio das oficinas de metodologia na escolha do tema, na construção da problemática e no desenvolvimento do pré-projeto a ser encaminhado ao orientador3.
O CGTES foi a primeira experiência que contou com o apoio da antiga CMAT. Este trabalho apresenta, assim, as principais contribuições dessa estratégia de qualificação dos produtos de conclusão desse curso em comparação com outro curso da escola que contou com o apoio da atual CMAE, que consideramos dispor de uma perspectiva mais ampla de avaliação.
Ainda, cabe assinalar que os achados apontados neste artigo corroboram com outros estudos11 que apontam o campo da saúde como lugar de concentração do trabalho
feminino. Entretanto, ainda que os cursos oferecidos tivessem como objetivo educacional a preparação de gestores, sabe-se que quando se analisa a ocupação de cargos mais elevados, os homens aparecem em maior número.
O principal resultado encontrado se refere à contribuição da CMAE na articulação entre teoria e prática para identificação de problemas, demandas e necessidades, favorecendo o empoderamento do discente para pensar estratégias de intervenção ou de pesquisa em seu ambiente de trabalho que busquem responder a perguntas de investigação ou a necessidades de mudança.
Este trabalho apresentou as principais contribuições do acompanhamento da CMAE, uma estratégia de qualificação dos produtos de conclusão de curso da ESPBA. Para tanto, foi realizada uma comparação entre dois cursos realizados por essa escola: o curso 1, que teve acompanhamento da antiga CMAT, e o curso 2, que contou com o apoio da CMAE durante todo o processo de construção dos TCC. Os discentes do curso 2, alunos/as da primeira experiência que contou com o suporte da CMAE, apresentaram trabalhos que foram mais bem avaliados em seu conjunto quando comparados àqueles desenvolvidos no outro curso analisado e que não contou com a intervenção da comissão em sua nova roupagem.
É importante salientar ainda que, dentre as modalidades disponíveis de TCC na ESPBA, o “projeto de intervenção” apresenta maior relevância para o processo de trabalho do servidor, tendo em vista que demanda uma clareza do contexto em que se quer intervir e a identificação de suas necessidades12. Essa articulação da teoria com a prática é um dos pressupostos das ações formadoras na ESPBA, que busca adotar o processo de trabalho enquanto princípio educativo em todas as propostas político-pedagógicas de curso. A CMAE, por sua vez, inclui como uma das suas atribuições promover a integração entre a produção de conhecimento e o processo de trabalho em saúde por meio do apoio técnico, com vistas à implementação dos projetos de intervenção e pesquisa. Desse modo, embora não seja possível afirmar que houve uma influência direta das medidas implantadas para qualificar os TCC, pode-se inferir que as diferenças observadas entre os cursos retratam a importância das discussões promovidas pela CMAE com os discentes e os orientadores.
Assim, conclui-se afirmando que outros estudos devem ser realizados com uma amostra maior e entre diferentes cursos da ESPBA a fim de esclarecer lacunas apresentadas neste trabalho.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Shirlei da Silva Xavier, Ana Paula Freire Cruz, Andréa da Anunciação Gomes, Milena Guimarães Gama Assis, Iêda Maria Fonseca Santos e Rebeca de Jesus Monteiro.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Shirlei da Silva Xavier, Ana Paula Freire Cruz, Andréa da Anunciação Gomes, Milena Guimarães Gama Assis, Iêda Maria Fonseca Santos e Rebeca de Jesus Monteiro.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Shirlei da Silva Xavier, Ana Paula Freire Cruz, Andréa da Anunciação Gomes, Milena Guimarães Gama Assis, Iêda Maria Fonseca Santos e Rebeca de Jesus Monteiro.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Shirlei da Silva Xavier, Ana Paula Freire Cruz, Andréa da Anunciação Gomes, Milena Guimarães Gama Assis, Iêda Maria Fonseca Santos e Rebeca de Jesus Monteiro.
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Recebido: 11.8.2020. Aprovado: 30.9.2020.
AVALIANDO PROCESSOS E CAMINHOS DE PROCESSOS EDUCATIVOS
Millene Moura Alves Pereiraa
Marilia Santos Fontourab
Caique de Moura Costac
Resumo
Este estudo de caso analisou a experiência de avaliação de um curso de especialização em saúde pública no estado da Bahia usando o referencial teórico metodológico da área de avaliação Treinamento, Desenvolvimento e Educação. As complexidades e transversalidades da saúde no cotidiano do trabalho indicam a necessidade de reordenamento das práticas e de transformações dos processos de trabalho e formação dos profissionais atuantes neste campo, além de tomar-se o trabalho como princípio educativo, adotando metodologias que favoreçam o diálogo e a capacidade crítico-reflexiva. Considera-se a avaliação como prática inerente e indutora de melhorias em qualquer processo educativo. Assim, este estudo justifica-se pela importância do desenvolvimento de práticas de avaliações em processos educativos e por incentivar a utilização de modelos baseados na avaliação integrada e em profundidade de processos educativos no campo da saúde. Os dados foram coletados com a aplicação de instrumentos de avaliação do curso, em diferentes momentos, identificando a reação e a aprendizagem dos discentes. O referencial utilizado tem consistência e aplicabilidade no campo da educação na saúde e, por meio dele, evidenciou-se coerência entre os níveis de avaliação de reação e aprendizagem. Para os discentes, o curso teve aplicabilidade e contribuiu para aprendizagem de conhecimentos e habilidades acerca da atuação do profissional sanitarista. Insumos, procedimentos e pro -
a Enfermeira Sanitarista. Mestranda em Saúde Coletiva pela Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil.
E-mail: millmoura@yahoo.com.br
b Enfermeira Sanitarista. Doutora em Saúde Coletiva. Professora adjunta da Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: marilia.fontoura@saude.ba.gov.br
c Sanitarista. Especialista em Saúde Coletiva sob a forma de residência na área de concentração em Planejamento e Gestão em Saúde. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: caiqueleblof@gmail.com.
Endereço para correspondência: Av. Antônio Carlos Magalhães, s/n, Iguatemi. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 40275-350.
E-mail: millmoura@yahoo.com.br
cessos do curso foram avaliados positivamente. No entanto, alguns aspectos da estrutura e da didática foram avaliados abaixo da expectativa. Portanto, espera-se que este trabalho contribua para o conhecimento na área de avaliação de processos educativos, inspirando a adoção de perspectivas metodológicas de avaliação contínua e em profundidade no campo da educação na saúde.
Palavras-chave: Avaliação educacional. Formação profissional. Saúde pública.
Abstract
This case study analyzed the assessment experience of a Specialization Course in Public Health in the state of Bahia using the methodological theoretical framework of the TD & E Evaluation area. The complexity and cross-sectional nature of health in daily life indicate a need for reorganizing practices, changes in work processes, and in the training of professionals working in this field, in addition to taking work as an educational principle and methodologies that favor dialogue and critical reflexive capacity. Assessments are considered an inherent practice that leads to improvements in any educational process. This study is justified by the importance of developing evaluation practices in educational processes and favoring the use of models based on the integrated and in-depth evaluation of educational processes in the Health field. Data were collected through the application of the evaluation instruments course at different moments, identifying the reaction and learning of students. The reference framework used is consistent and applicable in the field of health education, in addition to showing consistency between the levels of evaluation for Reaction and Learning. For students, the course had applicability and contributed to the learning of knowledge and skills about the work of sanitarist professionals. Inputs, procedures and course processes were evaluated positively. Some aspects of the structure and didactics were evaluated below expectations. We hope that this study contributes to the knowledge in the field of evaluation of educational processes, inspiring the adoption of methodological perspectives of continuous and in depth evaluation in the field of health education.
Keywords: Educational evaluation. Professional qualification. Public health.
Este estudio de caso analizó la experiencia de evaluación de un curso de especialización en salud pública en el estado de Bahía, usando el referencial teórico metodológico del área de evaluación TD&E. Las complejidades y transversalidades de la salud en el cotidiano del trabajo indican la necesidad de reordenamiento de las prácticas y transformaciones de los procesos de trabajo y de la formación de los profesionales actuantes en este campo, además de considerar el trabajo como principio educativo, adoptando metodologías que favorezcan el diálogo y la capacidad crítica-reflexiva. Se considera la evaluación como práctica inherente e inductora de mejoras en cualquier proceso educativo. Este estudio se justifica por la importancia del desarrollo de prácticas de evaluación en procesos educativos y por favorecer la utilización de modelos basados en la evaluación integrada y en profundidad de procesos educativos en el campo de la salud. Los datos se recopilaron aplicando instrumentos de evaluación del curso en diferentes momentos, identificando la reacción y el aprendizaje de los alumnos. El referencial utilizado tiene consistencia y aplicabilidad en el campo de la educación en la salud, por lo cual se evidenció coherencia entre los niveles de evaluación de reacción y aprendizaje. Para los discentes, el curso tuvo aplicabilidad y contribuyó al aprendizaje de conocimientos y habilidades acerca de la actuación del profesional sanitarista. Los insumos, procedimientos y procesos del curso se evaluaron positivamente. Algunos aspectos de la estructura y didáctica se evaluaron por debajo de la expectativa. Se espera que este trabajo contribuya al conocimiento en el área de evaluación de procesos educativos, inspirando la adopción de perspectivas metodológicas de evaluación continua y en profundidad en el campo de la educación en la salud.
Palabras clave: Evaluación educativa. Formación profesional. Salud pública.
O contexto da Reforma Sanitária e as mudanças advindas desse período, no que se refere à democratização e reorganização do sistema de saúde, bem como à busca de novas práticas e à valorização de certos conceitos que fundamentam as novas diretrizes de organização e a reformulação das práticas – tais como os conceitos de saúde coletiva e vigilância em saúde, legitimados nas políticas públicas – como norteadores das ações e dos serviços no Sistema
Único de Saúde (SUS), apontam para a necessidade de transformações tanto nos processos de trabalho em saúde quanto nos processos de formação e qualificação dos profissionais que atuam nesse campo.
As mudanças no modelo de atenção ou de organização da saúde e as repercussões no trabalho em saúde têm demandado maior atenção e reorientação na formação dos profissionais, revelando-se como desafios para uma atuação profissional coerente com o projeto político-social do SUS, o qual ainda padece com o enraizado modelo biomédico e o interesse mercadológico no que diz respeito à saúde. Portanto, para quebrar a hegemonia desse modelo conservador, há que se buscar e fortalecer processos de formação com a lógica proposta pelas leis orgânicas da saúde.
No atual momento, em que mudanças sociais têm exigido transformações em objetos, métodos, técnicas e práticas da saúde coletiva – entendida como campo de saber e práticas –, além de tomar as necessidades sociais de saúde como foco, a saúde coletiva apresenta-se como campo aberto a novos paradigmas1.
Os sanitaristas, nesse sentido, são responsáveis por operar determinada política social2, em especial no campo da saúde, e se diferenciam por terem uma proposta de formação interdisciplinar no nível de graduação orientada para a saúde, e não pela doença.
No que tange à pós-graduação, pode-se dizer que na maioria das vezes os cursos oferecidos se desviam do perfil esperado, convertendo-se em cursos básicos que preparam profissionais para atuar em saúde coletiva, tentando corrigir as deficiências acumuladas na graduação, na qual se gastou um tempo com o ensino de disciplinas/conteúdos que não trazem contribuição significativa para a formação do profissional que atuará nesse campo3.
Acerca das lacunas, dos desafios e da direcionalidade de conteúdos curriculares para o SUS, com vistas à transformação do modelo de atenção em saúde no Brasil – e, por conseguinte, para a consolidação do SUS – é necessário uma formação profissional com estrutura curricular que viabilize a compreensão dos aspectos subjetivos da saúde do ser humano em que a educação/formação profissional não represente momento distinto e independente do cotidiano das práticas e dos serviços de saúde4
No que se refere à formação em saúde, ainda existem currículos que priorizam conteúdos, formando profissionais com visão fragmentada, o que repercute no modo de aprender e no atendimento às pessoas. Por vezes, essa fragmentação distancia o estudante e o futuro profissional do contexto social em que as condições de saúde e seus determinantes estão presentes.
Assim, o curso de especialização em saúde pública, objeto deste estudo, tem entre suas finalidades contribuir com a formação de profissionais críticos e reflexivos, visando a implementação de novas práticas e a organização do trabalho em saúde, tendo como referência os princípios do SUS.
No que diz respeito a esta pesquisa, participaram do curso 30 servidores públicos e mais 10 profissionais com nível superior oriundos de outros setores da sociedade civil, com formação inicial em diferentes áreas, como enfermagem, psicologia, serviço social, administração e farmácia. A carga horária foi de 432 horas, distribuídas entre momentos de interação pedagógica presencial, atividades de avaliação, práticas e interação com o trabalho e produção do trabalho de conclusão de curso (TCC), organizadas em nove módulos, tendo como estratégia pedagógica prioritária as metodologias ativas e o trabalho como fio condutor do processo educativo.
Para além da estrutura curricular e das metodologias utilizadas nos cursos de graduação e em outros processos formativos, vale ressaltar que o conceito de “saúde” entendido por cada indivíduo perpassa suas experiências em diferentes grupos sociais, repercutindo em representações sociais5. Essas percepções relacionadas à saúde acabam se mantendo ligadas ao modelo biomédico, que nem sempre é desconstruído na graduação durante o processo de formação.
Desse modo, os cursos de especialização e outros processos educativos se tornam estratégias de educação permanente, constituindo-se enquanto espaços privilegiados e colaborando com um pensar e um agir pedagógico estratégicos, que podem viabilizar a formação de sujeitos para além do preparo técnico, formando indivíduos críticos e politicamente capazes de implementar mudanças em seu processo de trabalho, possibilitando, assim, impactar positivamente os indicadores de saúde dos espaços onde atuam.
Ao integrar o mundo do trabalho ao mundo da educação, o ambiente de aprendizagem dos profissionais configura-se no próprio espaço da gestão do SUS6, e essa aproximação faz com que o aprendizado seja fundamentado na reflexão das práticas, ganhando sentido por estar relacionada à realidade dos trabalhadores. Merhy7 destaca o trabalho como campo de formação, em que aprendemos e produzimos conhecimento e mobilidade no nosso cotidiano, em um território que, por vezes, convida-nos à imobilidade, dada a complexidade do trabalho em saúde. Sob essa perspectiva, não há como pensarmos o desenvolvimento dos trabalhadores de forma desarticulada do próprio trabalho.
Uma ação ou processo pedagógico, tendo o trabalho como princípio educativo, é constituído de várias dimensões: uma dimensão técnica, pela qual se constrói, apreende
e compreende um conhecimento; uma dimensão política, na medida em que não é uma ação neutra; uma dimensão relacional, porque envolve mais de um sujeito; e uma dimensão educativa, já que por meio dessa se busca algum tipo de modificação nos sujeitos envolvidos. Assim, o conhecimento, objeto da ação pedagógica, sempre se vincula a uma intenção; por conseguinte, o processo de ensino-aprendizagem, numa perspectiva crítica e transformadora, tem direção técnica e política8.
Sob esse ponto de vista, destaca-se a importância da compreensão do trabalho como processo educativo baseado na “educação dialógica” e na aprendizagem significativa propostas por Paulo Freire, bem como na teoria da ação comunicativa, na qual os sujeitos buscam resolver seus impasses utilizando-se do discurso argumentativo, chegando ao entendimento consensual9
Para saber se um processo educativo contribui ou contribuiu para imprimir mudanças no perfil profissional, nas práticas de determinado sujeito ou se foi capaz, ainda que indiretamente, de impactar os indicadores da organização em que atua, é importante que, de forma interconectada ou como parte da ação educativa, que seja desenvolvido um processo de avaliação, como exercício de reflexão crítica e de ação comunicativa voltada para o entendimento e para a predição desse processo.
Assim, como parte da avaliação da especialização em foco, pretendeu-se, principalmente, investigar, no âmbito do curso em saúde pública, os efeitos do processo educativo na prática dos participantes e, num segundo momento, dar continuidade ao estudo, investigando os efeitos para o trabalho da organização ou da unidade em que atuam.
Nos dias atuais, o interesse pela avaliação de ações, programas e serviços de saúde tem se mantido constante10 e cada vez mais avança no processo de institucionalização.
Em processos educativos de formação, educação permanente ou mesmo de “treinamento” – como são chamadas as ações educativas na área de Treinamento, Desenvolvimento e Educação (TD&E), no campo da gestão de pessoas – é importante a realização de avaliação, enquanto parte da própria ação educativa, seja desenvolvendo ou testando instrumentos de monitoramento e avaliação dessas ações que, para além da capacitação, aperfeiçoamento, formação ou desenvolvimento individual, com vistas a mudanças no comportamento no trabalho ou para subsidiar mudanças na prática, traz a perspectiva de ajudar no alcance de objetivos organizacionais. Alguns autores sugerem que a avaliação possibilita verificar o cumprimento de objetivos e o desempenho de pessoas e instituições envolvidas11. Assim, analisar processos e julgar12 permite reconhecer o nexo causal entre as ações e os resultados posteriores, assim como suscitar a reflexão sobre essas ações entre os envolvidos no processo13.
Este estudo se justifica, portanto, pela importância de se desenvolver ou fortalecer uma prática de avaliação de processos educativos para além de uma avaliação imediata do curso em si e, ainda, pela tentativa de discutir determinado modelo lógico acerca da avaliação de processos educativos como campo do saber e como prática indutora de tomada de decisão, humanização, transformações e possíveis melhorias.
Desse modo, o estudo exploratório de Neves et al.14, em suas conclusões, chama atenção para a indissociabilidade ou a interconexão entre o planejamento, a implementação e a avaliação de ações educativas, além da relação entre essas, que contribui para uma possível valorização da prática avaliativa no contexto de processos educativos.
O chamado modelo de Kirkpatrick15 tem sido muito utilizado, pois propõe quatro níveis de avaliação: reação, que avalia o nível de satisfação dos participantes com relação a determinado processo educativo; aprendizagem, a qual mediria o aumento ou a aquisição de conhecimentos durante o curso ou processo educativo; comportamento, ou transferência do “apreendido” para o comportamento e para as atitudes, ou seja, a capacidade ou o nível de transferência ou aplicação do conhecimento adquirido; e resultado, que mediria os efeitos da ação educativa e da ação do sujeito em seu ambiente de trabalho na organização em que atua. Além desse, cabe mencionar outros modelos que envolvem uma avaliação mais integrada e em profundidade de processos educativos: modelo do valor final de Hamblin11, o Modelo de Avaliação Integrado e Somativo (Mais) de Borges-Andrade16 e o Integrated Model for Impact Assessment of Training at Work (Impact, ou “Modelo Integrado de Avaliação do Impacto do Treinamento”) de Abbad17. Nessa direção, destacamos que Vianna et al.18, ao apresentarem um estudo feito na Fundação Nacional da Saúde (Funasa/MS), utilizando o modelo de Kirkpatrick, dizem que
Os resultados da aplicação do instrumento avaliativo registraram avaliações positivas quanto ao aprendizado, ao compartilhamento do conhecimento, à mudança no desempenho e no ambiente de trabalho, referentes a 76% das capacitações realizadas. A percepção apontada nos questionários revela que os eventos de capacitação produziram efeito no desempenho do trabalho e que as pessoas estão aplicando as novas aprendizagens. Indica que as ações de desenvolvimento atingiram objetivo desejado.18:sp
A pesquisa realizada constatou que os suportes adotados metodologicamente foram todos confirmados pelos participantes e pelas chefias, indicando que o impacto das capacitações (amostragem) da Funasa é positivo, em sua
maior parte (76%), mas a organização não deve perder a oportunidade de aprender com as avaliações negativas (23%), no sentido de aperfeiçoar suas ações de capacitação e obter a parceria efetiva com seus servidores.18:sp
Rangel19 avaliou determinadas ações de educação ofertadas pelo Ministério da Saúde (MS) nos anos de 2014 e 2015, tomando como referência os modelos de avaliação de TD&E. Ao final, a autora mostrou que os resultados de seu estudo apresentaram relevância na avaliação dos níveis de reação, de aprendizagem e de efeito no trabalho e propôs não só a continuidade do processo avaliativo no MS mas que este fosse incorporado como ação no âmbito organizacional, como processo de avaliação qualificado das ações de educação.
Já Ribeiro20 analisou o efeito em amplitude do treinamento em gestão de pessoas ofertado pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) aos magistrados de forma autoavaliativa e concluiu ter havido
um forte impacto do treinamento no trabalho dos magistrados. Uma quantidade considerável de itens apresentou impacto acima de 4,0, dessa forma, conclui-se que o treinamento alcançou o objetivo da instituição e da ação educacional ao instrumentalizar o magistrado com conhecimentos teóricos e práticos para auxiliá-lo nas atividades que desempenha.20:49
Otrenti et al.21, em uma revisão integrativa de literatura com o objetivo de analisar a produção científica sobre a avaliação de processos educativos para profissionais de saúde pública, após revisar as bases de dados Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), PubMed e Cochrane, pesquisaram 19 artigos em português, inglês e espanhol publicados no período de 2000 a julho de 2010, afirmando que, nesse grupo de estudo não se tem utilizado metodologia sistematizada para avaliar processos educativos e que, em sua maioria, o foco é na aprendizagem, havendo ausência de avaliação sobre o efeito das ações educativas nas instituições e nos usuários do sistema de saúde, propondo que se avaliem mais integralmente os processos educativos. A avaliação faz parte dos processos educativos como um todo, e as formas que são conduzidas refletem sua finalidade, como a obtenção de resultados, a correção de percursos e a tomada de decisão; todavia, atualmente se tem discutido sobre os modelos de avaliação e o potencial da avaliação para a formação.
Ao apresentar os estudos citados, pretende-se não apenas destacar a utilidade do referencial teórico usado mas também justificar a relevância dessa metodologia, demonstrando a necessidade de se investir em ferramentas e instrumentos de avaliação de processos educativos que possam ir além de uma mera avaliação de reação, ou de aprendizagem, que por sua vez,
já deve ou deveria ser parte de qualquer ação educativa. É importante que se amplie o olhar para analisar os efeitos dos processos educativos no processo de trabalho ou no comportamento dos participantes, e, principalmente os efeitos nos indicadores da organização onde os participantes do processo educativo atuam e ou trabalham.
A avaliação em profundidade de ações e processos educativos, no campo da saúde, é tão relevante quanto as avaliações das ações, dos programas e dos serviços de saúde para o planejamento, para a melhoria dos processos e, ainda, pela possibilidade de subsidiar a tomada de decisões, usando com mais racionalidade os recursos públicos, que cada dia têm sido mais escassos. Assim, realizar cursos sem o necessário planejamento e/ou sem o devido acompanhamento e a devida avaliação contínua em profundidade de todo processo poderia ser considerado um descuido com a economicidade enquanto princípio constitucional da administração pública ou com o alcance efetivo dos objetivos relativos a mudanças ou à melhoria das práticas, dos processos de trabalho ou, principalmente, da melhoria da atenção à saúde. É preciso, pois, investir na predição, nas medidas e nos métodos para dimensionar a eficácia e a efetividade das ações educativas no campo da saúde.
Portanto, a metodologia de medidas de avaliação de TD&E, comumente utilizada na área de administração, nas práticas de treinamento em empresas e aqui adaptada, buscou avaliar os níveis de reação e aprendizagem e buscará compreender como essa ação influencia na prática do profissional, assim como procurará investigar as transformações no ambiente de trabalho provindas dessa mudança pessoal, e, por fim, tentará identificar se os objetivos da ação presentes no Projeto Político Pedagógico foram de fato alcançados.
Quanto à possibilidade de adaptação da proposta metodológica utilizada neste texto, esta já foi confirmada por Kožušníková22 em seu estudo, que teve como objetivo identificar se a metodologia baseada em níveis poderia ser utilizada para avaliar outros processos educativos em geral – não se limitando, no entanto, a um contexto de treinamento empresarial. Como resultado, a autora sugere que, embora a utilização e a adaptação da metodologia de avaliação sejam complexas quanto aplicadas a outros processos educativos, o método pode ser utilizado e adaptado nas ações educativas em geral.
Portanto, este estudo tem como objetivo analisar e discutir a experiência de avaliação de um curso de especialização em saúde pública na Escola de Saúde Pública da Bahia, da Superintendência de Recursos Humanos da Saúde da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia
(ESPBA/Superh/Sesab). Posteriormente, pretende-se investigar os efeitos deste na prática dos egressos e nos indicadores ou nas metas das instituições ou dos espaços de trabalho onde atuam. Secundariamente – mas não menos importante –, a tentativa é experimentar a utilização do
referencial teórico-metodológico, com certa adaptação, do modelo proposto por Hamblin11 e do Mais, proposto por Borges-Andrade16, numa perspectiva também de contribuir com a iniciativa da coordenação do Centro Educacional São Pedro (Cesp) e de iniciar e incentivar a avaliação continua, sistematizada, integrada e em profundidade, como parte do planejamento, do desenvolvimento, do acompanhamento e da avaliação de toda e qualquer ação educativa implementada ou a ser implementada na ESPBA/Superh/Sesab que vá além de uma avaliação imediata de reação ou da avaliação de aprendizagem dos discentes e que contemple, ainda, os efeitos das ações educativas na prática e/ou comportamento profissional, bem como os efeitos nos indicadores organizacionais ou no ambiente institucional.
Trata-se de estudo avaliativo que tem como objeto um curso de especialização em saúde pública desenvolvido pela Escola Estadual de Saúde Pública (EESP; posteriormente transformada na ESPBA) em parceria com a RedEscola/ENSP/Fiocruz, com financiamento do Ministério da Saúde. Como referencial teórico-metodológico, utilizou-se uma adaptação do modelo de avaliação proposto por Hamblin11 e do Mais, proposto por Borges-Andrade16
No que se refere ao modelo lógico utilizado, historicamente, Kirkpatrick propuseram um modelo de avaliação em 1976, o qual era formado por quatro níveis: reações, aprendizagem, comportamento e resultados. Os autores sugeriram que esses fossem sequenciais, lineares e fortemente correlacionáveis entre si. Outros estudos, como o de Alliger e Janak23 e o de Abbad, Gama e Borges-Andrade24 questionaram essa relação. Hamblin11 acrescentou um nível ao modelo de Kirkpatrick. No entanto, o autor destaca que algumas vezes essa divisão pode não ser possível, por não apresentar limites claros. Atualmente, o modelo mais utilizado no Brasil é o Mais, formado por cinco itens: insumos, procedimentos, processos, resultados e ambientes.
Considera-se aqui “insumo” os fatores físicos e sociais e os estados de comportamento relacionados ao público que fará parte do treinamento; já os procedimentos compreendem as estratégias didáticas utilizadas na realização do treinamento – incluindo-se, nesse aspecto, procedimentos operacionais do treinamento, como o planejamento da ação e a atuação do instrutor. Por sua vez, o processo abrange as ocorrências significativas resultantes dos procedimentos adotados no treinamento, relacionando-se com características comportamentais do treinando durante o treinamento. Nesse aspecto, devem ser observados itens como motivação do participante, nível de dedicação e estudo e mesmo resultados obtidos em testes, compreendendo, assim, aspectos do aprendizado do participante, percebidos em Kirkpatrick15, Hamblin11 e Scorsolini-Comin, Inocente e Miura25.
No tocante aos resultados, examinam-se habilidades ou atitudes desenvolvidas em razão do treinamento. O exame desse aspecto deve ocorrer após a realização do evento, e é preciso verificar que os comportamentos observados sejam compatíveis com os objetivos definidos no planejamento do treinamento.
O aspecto “ambiente”, do modelo de Borges-Andrade, diz respeito ao contexto organizacional em que se insere o treinando antes e depois de sua realização25. De acordo com Lacerda e Abbad26, geralmente os modelos de avaliação de treinamento abordam três níveis: reação, aprendizagem e impacto no trabalho, transferência e/ou comportamento no cargo.
“Reação” é o grau de satisfação dos treinandos/educandos/discentes com a programação, a aplicabilidade e a utilidade do processo educativo. Por “aprendizagem” entende-se o nível de assimilação dos conteúdos ensinados. “Impacto” é a avaliação dos resultados obtidos pelo processo educativo nos níveis de desempenho e motivação, autoconfiança, entre outros24 Baseado nessas concepções metodológicas, para o nível de “reação” os dados foram coletados presencialmente por meio de fichas de avaliação da EESP no final de cada módulo, de forma processual e com a aplicação do questionário de avaliação de reação no final do curso. Para essa coleta de dados, utilizou-se a plataforma eletrônica SurveyMonkey, software de questionários e pesquisas online. Esses questionários foram estruturados com variáveis de satisfação, com objetivo de apreender dados quanto à efetividade, à utilidade do curso, à aplicabilidade do conteúdo, à didática dos docentes, às metodologias utilizadas e à interação entre discentes e com os docentes, além da organização geral do curso. Quanto à construção do questionário, seguiu-se as orientações do autor, com a utilização da Escala de Likert.
Após a aplicação, obtiveram-se 31 respostas de um corpo discente ativo com 33 profissionais matriculados.
De acordo com o referencial utilizado e com o qual concordamos, “reação” é sempre o primeiro efeito visível do treinamento, e esse efeito se compõe de um elevado nível de subjetividade, sendo importante determinar a satisfação dos participantes, pois a decisão de continuidade do programa ou curso formativo pode tomar por base a percepção de qualidade demonstrada por grupos anteriores. Para Borges-Andrade16, esses aspectos são entendidos como “reação aos insumos e procedimentos”.
Relacionado ao nível de “aprendizagem”, tem-se o quanto um programa de treinamento foi capaz de transferir conhecimento a seus participantes. Hamblin11 discute que as pessoas são passíveis ao aprendizado de diversas formas, e que cabe ao avaliador direcionar a identificação de quais objetivos de aprendizado são pretendidos pelo “treinamento” ou pela ação educativa.
Esses aspectos podem ser adaptados no contexto dos processos educativos. Assim, foi construído como instrumento de coleta um questionário com variáveis de conhecimento, habilidades e atitudes relacionadas aos objetivos do curso – no caso, objetivos técnicos e científicos para atuação do profissional sanitarista. Esse questionário de aprendizagem foi aplicado na plataforma SurveyMonkey, com questões relacionadas a cada objetivo do conteúdo ministrado e a habilidades/atitudes autorreferidas de cada participante. Acrescido ao instrumento, realizou-se a quantificação das notas de desempenho das atividades realizadas em cada módulo e as notas de desempenho no TCC; após a coleta, os dados foram sistematizados em uma matriz no Microsoft Excel para análise.
Quanto ao nível de comportamento no trabalho, Hamblin11 discutiu o aprendido no ambiente de aula para a situação de trabalho, que poderia ser traduzido como a capacidade de transferir atitudes, conceitos e procedimentos aprendidos para sua prática. Pantoja e Borges-Andrade27 explicam que a transferência pode ser verificada quando a mudança de comportamento ocorre em atividades não equivalentes às anteriores. Resgatando a literatura, Pantoja e Borges-Andrade recuperam a transferência de treinamento como a aplicação, a generalização e a manutenção no ambiente de trabalho de conhecimentos, habilidades e atitudes adquiridos27
Desse modo, propôs-se a construção de outro questionário com variáveis relacionadas a conhecimentos, habilidades e atitudes do sanitarista, a ser aplicado com os participantes depois de um tempo da conclusão do curso, correlacionando com o cotidiano nos trabalhos deles, a fim de apreender o que os discentes incorporaram do curso de especialização em suas práticas.
No nível de avaliação de resultados/organização e valor final devem ser estudados os efeitos repercutidos na empresa por meio do “treinamento” ou do processo educativo. Nesse âmbito, têm-se em vista indicadores de produtividade e de qualidade, por exemplo. No caso de processos educativos, seria avaliar se a finalidade e o objetivo do curso foram atingidos, por exemplo: se ele forneceu a capacidade técnica e científica para realizar determinado procedimento ou as atribuições e as competências de determinado trabalho.
Para avaliação do curso nesse nível, propõem-se a quantificação dos TCC, sendo que uma das formas de trabalho final será o projeto de intervenção, no qual podemos ter achados de transferência de conhecimentos e mudanças na organização com sua implementação. Além disso, o discente foi incentivado a refletir e a produzir conhecimento junto de sua área de formação inicial – agora com aspectos da formação de sanitarista. No total, foram produzidos
quatro relatos de experiência, cinco projetos de intervenção, oito projetos de pesquisa, quatorze revisões bibliográficas e dois estudos de caso.
Considerando o tempo de cada etapa aqui discutida, assim como na avaliação dos chamados “treinamentos”, a avaliação de processos educativos é processual e deverá ter estratégias de avaliação desses níveis em curto, médio e longo prazos.
Cabe retomar as pesquisas de Kožušníková22, que desenvolveu um estudo que teve como objetivo identificar se a metodologia baseada em níveis poderia ser utilizada para avaliar processos educativos em geral, não se limitando a um contexto de treinamento empresarial; e o estudo desenvolvido por Ribeiro20, cujo objetivo foi analisar o efeito em amplitude do treinamento em gestão de pessoas, tomando como fundamento o nível 3 de avaliação proposto por Hamblin11 e Kirkpatrick15 e que busca identificar as mudanças no comportamento do sujeito que participou do processo educativo e que tenha relação com os conhecimentos aprendidos no curso em questão.
Além disso, Vianna et al.18 submeteram ao VII Congresso Consad de Gestão Pública, realizado em Brasília (DF), um estudo realizado com servidores da Funasa que teve como objetivo avaliar o efeito das ações educacionais realizadas na instituição, tomando como base os níveis de reação e aprendizagem que foram mensurados mediante a aplicação de um questionário também construído com base nos trabalhos de Hamblin11 e Kirkpatrick15
Um artigo publicado na revista Health Research Policy and Systems, realizado pela autora chinesa Wu et al.28, emprega todos os quatros níveis proposto por Kirkpatrick15. No mesmo ano, Urassa e Chaya29 publicaram no Global Journal of Human-Social Science um estudo para avaliar a satisfação de estudantes de saúde comunitária (ACS) com o programa de treinamento dos Institutos de Saúde de Kahama e Shirati no Sistema Formal de Saúde da Tanzânia. O estudo se baseou no primeiro nível de reação do trabalho de Kirkpatrick15 e buscou identificar a reação dos ACS em relação ao curso.
Borate et al.30 realizaram um estudo que teve o objetivo de avaliar a eficácia de um processo educativo destinado aos funcionários de um departamento de qualidade de uma empresa multinacional, tomando como base todos os quatro níveis propostos por Kirkpatrick15.
Sendo assim, é possível afirmar que, de acordo com as referências apresentadas, além de relevante este estudo tomou como base teórica-metodológica estudos variados e presentes na literatura nacional e internacional, o que favoreceu o desenvolvimento metodológico.
Nesse primeiro artigo, apresentamos os dois primeiros níveis da avaliação em profundidade, segundo o referencial e o modelo lógico utilizados (reação, aprendizagem, mudança de comportamento e transformações no ambiente de trabalho), sendo que os outros níveis de avaliação serão realizados e apresentados em futuros artigos, como parte de uma avaliação continua, integrada e em profundidade, como parte deste estudo avaliativo.
Considerando que já existia a previsão da coordenação do curso da instituição promotora e certificadora para realizar um acompanhamento e uma avaliação do curso, o trabalho foi facilitado no plano institucional, havendo abertura e consentimento informado para implementar alguma inovações, como a de utilizar um referencial teórico que fosse além da análise de conteúdo, bem como ter sido incluídos ao questionário que era utilizado de forma impressa apenas para capturar aspectos de reação e satisfação inicial critérios de avaliação diretamente relacionados aos objetivos, possibilitando avanço no uso de plataforma eletrônica para melhoria da coleta e do processamento dos dados. Destaca-se que, embora a avaliação do processo fosse parte integrante do curso, para o estudo, obteve-se autorização prévia para uso de dados e informações institucionais, bem como o consentimento dos discentes/respondentes, tendo-se adotado todos os cuidados éticos previstos para preservar as pessoas participantes e as instituições envolvidas.
Referente aos resultados no nível de reação (Tabela 1) evidenciou-se: quanto à aplicabilidade do conteúdo no cotidiano, as/os discentes avaliaram positivamente, que se atendeu a expectativa, sendo que nos módulos (II, III, VI) superou-se a expectativa. A carga horária em relação ao conteúdo foi adequada, com coerência entre o conteúdo ministrado e a proposta do curso, tendo qualidade dos recursos audiovisuais e materiais utilizados.
O uso das dinâmicas e das técnicas de trabalho foi apropriado, exceto no módulo V: Informação, planejamento e Avaliação em Saúde, em que 70,83% dos/as discentes avaliaram como “abaixo da expectativa”. Observou-se críticas quanto à didática da docente ao ministrar o conteúdo. Para os/as discentes, a coordenação teve relacionamento com eles/elas e com os docentes, bem como a capacidade de comunicação e a resolução, acolhimento e/ou encaminhamento das necessidades dos discentes.
Tabela 1 – Matriz da avaliação de reação do curso de especialização em saúde
Relacionado à organização do curso e às condições gerais dos locais dos encontros presenciais, atendeu-se a expectativa. Observou-se insatisfação quanto às mudanças constantes dos locais das aulas, resultante da inexistência de um espaço físico e estrutura para o curso, além de dificuldade de agendamento em outros locais.
Os resultados da avaliação final de “reação” feita pelo SurveyMonkey corroboraram com os da avaliação realizada a cada módulo e ao final do curso, mas apontam cabem explicações das variáveis: 70% avaliaram que os conteúdos ministrados tiveram muita aplicabilidade no cotidiano e 30% acharam pouca aplicabilidade. Dentre os comentários apreendidos, tem-se: uma compreensão mais ampla do SUS, a melhoria na orientação aos usuários, assim como o estímulo de busca de outros conteúdos mais aprofundados e a utilidade do conteúdo para o preparo e a realização de provas. No entanto, a pouca aplicabilidade sinaliza caminhos: ou as discussões em sala e os objetivos não foram claros ao propor a reflexão crítica dessa atuação do sanitarista ou esta tem relação com a subjetividade do/a discente em compreender o modelo de processo pedagógico utilizado e a atuação na prática.
As condições gerais dos locais dos encontros presenciais foram avaliadas como “regular” (54,84%) e “bom” (35,48%). Isso se justifica na circunstância de não haver um local próprio e adequado da EESP.
Relacionado ao nível de aprendizagem (Tabela 2), tem-se que os objetivos do curso presentes nos módulos foram percebidos como “conhecimentos que passaram a ter compreensão após o curso”, tendo destaque o módulos V, “Informação, planejamento e avaliação em Saúde”; o módulo VI, “Regulação, controle e qualidade das redes de atenção à saúde e dos serviços”; e o módulo VII, “Gestão do trabalho, educação e formação em saúde”. Nesses módulos os discentes obtiveram desempenho valorativo de 8,5; 9,2; 8,8, respectivamente.
Considerando a habilidade referida após o curso, foi evidenciado que os discentes, no Módulo 1: compreendem o sanitarista como sujeito e como profissional da saúde pública que pode desenvolver diversos processos de trabalho em um sistema de saúde; compreendem a importância de estudos, pesquisas e projetos de intervenção no contexto das práticas do sanitarista; no Módulo 2: consideram ser capazes de construir espaços de estímulo e fortalecimento do SUS.
No Módulo 3: compreendem a relevância da discussão de território para o campo da saúde; reconhecem os determinantes sociais da saúde, bem como as iniquidades em saúde e as possibilidades de enfrentamento dessas questões; são capazes de estruturar propostas de intervenção adequadas às necessidades do território e da comunidade; entendem a história, a evolução, a importância e a função das atividades de vigilância à saúde.
No Módulo 4: sabem realizar busca nas bases de dados científicas (BVS, Lilacs, SciELO etc.), utilizar filtros e descritores; já no Módulo 5: conhecem o processo de planejamento em saúde e sua contribuição para a atuação do sanitarista na gestão do SUS; compreendem os aspectos fundamentais da informação em saúde para os processos de trabalho do sanitarista; entendem as ações decisórias como parte dos processos de trabalho no âmbito da saúde pública; aprenderam a produzir conhecimentos sobre o processo de acompanhamento, monitoramento e avaliação em saúde para atuação no âmbito da atenção e da gestão de serviços e sistemas de saúde.
No Módulo 6: compreendem a política de regulação como uma das estratégias para a organização da oferta e da demanda em saúde e para o fortalecimento do processo de regionalização, hierarquização e integração das ações na rede de serviços de saúde; considera, ser capazes de discutir a regulação enquanto ferramenta para a organização das redes e dos fluxos assistenciais e a necessidade da estrutura das ações de regulação, controle e avaliação no âmbito do SUS; entendem o funcionamento de um complexo regulador do SUS e seus aspectos em diferentes esferas de gestão.
No Módulo 7: refletem criticamente sobre temáticas que compõem a gestão do trabalho e a educação permanente, bem como suas estratégias e potencialidades na melhoria da qualidade da atenção à saúde; compreendem a formação e a educação permanente no contexto do SUS e a integração educação-saúde no contexto de uma escola de saúde pública; entendem os processos de gestão do trabalho e de formação e educação permanente na saúde desenvolvidos no âmbito estadual da gestão da saúde na Bahia.
E no Módulo 8: entendem a lógica de algumas leis que regulam e dão sustentação legal à administração pública, bem como compreendem as especificidades e o papel do Estado como fornecedor de bens e serviços; reconhecem a importância do planejamento estratégico e da gestão orçamentária para o desenvolvimento e o funcionamento das organizações pública de saúde; entendem o planejamento orçamentário como instrumento de gestão no contexto de uma organização de saúde e a importância da avaliação das ações e dos resultados.
Quanto ao módulo de metodologia do trabalho científico, os discentes referiram já ter a compreensão do conhecimento antes do curso, resultando em um percentual de pouco aproveitamento; todavia, o desempenho valorativo dos discentes nesse módulo foi de 8,9.
Considerando a habilidade referida antes do curso, foi evidenciado que os discentes, no Módulo 1: já compreendiam e participavam de discussão sobre ética e trabalho, reconhecendo a relação entre o ser humano, o trabalho, a ética e a subjetividade humana
no mundo contemporâneo; no Módulo 2: compreendiam o processo de criação, a estrutura e o funcionamento do SUS; se reconheciam enquanto sujeitos importantes e ativos para consolidação do SUS; e no Módulo 4: entendiam e identificavam a estruturação do estudo, considerando a elaboração dos projetos de TCC.
Referente aos objetivos mencionados como “pouco compreendidos” após o curso, tem-se, no Módulo 8: entender alguns instrumentos de gestão, como Plano Plurianual e Lei Orçamentária Anual, bem como financiamento e Lei de Diretrizes Orçamentárias; identificar os principais procedimentos num processo de licitação e contratos administrativos de convênios no setor público de saúde.
Ao triangular as informações de “aprendizagem” com as de “reação”, percebe-se que os módulos 3 e 6 se destacaram, de acordo com a percepção de habilidades adquiridas após o curso pelos discentes pois, para eles, esses módulos foram avaliados como “superou as expectativas”. Quanto aos conhecimentos que mais se destacaram, pode-se citar as contribuições para o reconhecimento e valorização da consciência sanitária que ultrapassassem os aspectos coercitivos da vigilância e para a habilidade de discussão da regulação enquanto ferramenta para a organização das redes e fluxos assistenciais, além da necessidade da estruturação das ações de regulação, controle e avaliação no âmbito do SUS, respectivamente.
Essa relação positiva pode ser justificada pela participação de diferentes profissionais das áreas da vigilância sanitária e as discussões pautadas que, por vezes, favoreceram a desconstrução da visão negativa da ação fiscalizadora da vigilância sanitária e a sensibilização quanto a sua importância da vigilância e a importância de suas vertentes. Sobre a compreensão da regulação, é possível relacioná-la com a metodologia utilizada, tendo a visita técnica como norteadora do conteúdo a ser estudado e visualização das ações na prática.
No nível de “avaliação da reação”, o módulo 2 se destacou positivamente como os módulos citados anteriormente; entretanto, na avaliação de aprendizagem, evidenciouse que a maior parte do grupo já tinha os conhecimentos trabalhados no módulo, sendo estes: a compreensão do processo de criação, a estrutura e o funcionamento do SUS e o reconhecimento enquanto sujeito importante e ativo da consolidação do SUS. Esse achado demonstra a consciência de pertencimento que os discentes tinham e a importância de sua ação enquanto trabalhadores do SUS.
Quanto à avaliação de “reação” do módulo 5, este foi considerado “abaixo da expectativa”, considerando aspectos relacionados à metodologia e à didática utilizada pela
docente. Todavia, na avaliação de aprendizagem, os discentes mencionaram ter adquirido conhecimentos de informação, planejamento e avaliação em saúde após o curso.
No módulo de metodologia do trabalho científico, os resultados dos níveis de reação e aprendizagem confirmam o conhecimento previamente adquirido, na medida em que os discentes avaliaram negativamente o módulo e referiram já ter compreensão dos objetivos a serem trabalhados antes do curso.
O módulo 8 foi avaliado positivamente, atendendo às expectativas dos discentes quanto à efetividade, aplicabilidade do conteúdo e metodologia utilizada. Porém, os conhecimentos e as habilidades relacionados ao objetivo do módulo ainda permaneceram poucos compreendidos após o curso, o que aponta para a necessidade de adaptar os materiais e métodos de forma a garantir a fácil compreensão dos assuntos de administração abordados. Podemos inferir que, do ponto de vista de “reação”, para os discentes o curso teve aplicabilidade, assim como contribuiu para aprendizagem de conhecimentos e habilidades acerca da atuação do profissional sanitarista – aspecto confirmado pelo achado de 54% dos objetivos terem sido compreendidos pelos discentes após o curso.
O estudo demonstra, assim, a existência de coerência entre os níveis de “avaliação de reação” e “aprendizagem”. Mesmo sem haver relação direta entre os níveis de avaliação, é importante que ela seja realizada de forma metodológica, baseada em níveis (reação, aprendizagem, mudança de comportamento e transformações no ambiente de trabalho).
Este estudo permitiu um avanço na prática de avaliação para os autores e para a instituição que promoveu o curso, além de possibilitar o aprimoramento em relação a conceitos e métodos para estudos avaliativos no campo da educação na saúde, especialmente no que se refere a uma avaliação contínua, integrada e em profundidade, na qual se propõe avaliar os efeitos do curso na prática dos profissionais, nos processos de trabalho e nos indicadores organizacionais/institucionais como partes integrantes de processos educativos.
Buscou-se adequar o marco conceitual aqui discutido visando contribuir para novas perspectivas de avaliação nas quais se possam utilizar outros métodos, e não apenas entrevistas, grupos focais e análise de conteúdo, segundo Bardin31. Ao apontar a existência de outros métodos, teorias e/ou modelos lógicos que podem ajudar no aprofundamento e amplitude de processos de avaliação, certamente este estudo contribuiu para o avanço do desenvolvimento institucional no que se refere à possibilidade de a avaliação, na forma aqui apresentada, ser institucionalizada como parte dos processos educativos, colaborando,
inclusive, na possibilidade de incorporação da tecnologia nas etapas de coleta e análise de dados (plataforma SurveyMonkey e Google Docs) – o que contribuiu para dinamicidade da pesquisa, ferramenta que, até então, não era utilizada na instituição.
Vale destacar que o estudo é de extrema importância para o planejamento de ações educativas, mesmo que se encontre ainda em fase de desenvolvimento quanto aos outros níveis. Pretende-se, portanto, dar continuidade ao processo avaliativo e apreender certa profundidade no processo avaliativo, envolvendo comportamento ou efeitos na prática profissional e os possíveis efeitos nos indicadores institucionais ou da organização em que os participantes atuam ou trabalham.
Destacamos o pioneirismo e a relevância da iniciativa da instituição EESP/ Superh/Sesab, ao tempo que agradecemos o acolhimento deste estudo como parte do desenvolvimento, do acompanhamento e da avaliação do curso em questão. Gostaríamos também de parabenizar o entusiasmo da coordenação e do corpo docente nessa modalidade de formação em nível de especialização de saúde pública, buscando colaborar com a formação, a educação permanente e com a ordenação da formação de recursos humanos na área da saúde, como prevê a legislação do SUS. Agradecemos principalmente aos colegas discentes da primeira turma do Cesp que participaram da pesquisa, tornando este trabalho possível ao preencher os instrumentos de avaliação.
Gostaríamos, por fim, de dizer que sem ser parte do projeto e sem contar com o apoio da RedEscola e com financiamento do Ministério da Saúde, seria difícil a EESP/Superh/ Sesab realizar o curso de especialização objeto deste estudo. Agradecemos à instituição Sesab, à direção da EESP/Superh, aos professores, aos orientadores, à equipe da Comissão de Monitoramento e Avaliação e do Núcleo de Tecnologias Educacionais e Comunicação em Saúde da EESP, sem os quais o curso também não teria sido possível.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Millene Moura Alves Pereira, Marilia Santos Fontoura e Caique de Moura Costa.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Millene Moura Alves Pereira, Marilia Santos Fontoura e Caique de Moura Costa.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Marilia Santos Fontoura.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Millene Moura Alves Pereira e Caique de Moura Costa.
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Recebido: 18.9.2018. Aprovado: 29.9.2020.
Resumo
É contraditório pensar em promoção, proteção e recuperação da saúde sem a presença do nutricionista. Dessa forma, o objetivo do trabalho é relatar as ações desenvolvidas com a inserção do nutricionista na equipe de saúde em uma unidade da Estratégia Saúde da Família, em Salvador (BA). Trata-se de um estudo descritivo, do tipo relato de experiência, realizado durante o Estágio Supervisionado de Nutrição em Saúde Pública, em uma unidade de saúde da família em Salvador, apresentando ações de abordagens individuais e em grupos. Como resultado foi possível identificar que as ações, os temas e as dinâmicas aplicadas foram bem vistas pela população adstrita possibilitando reflexão e promoção de mudança de hábitos, tornando a assistência integral e resolutiva. Dessa forma, o nutricionista pode atuar na equipe mínima de saúde, sendo essencial a sua integração à equipe, tornando o atendimento mais integral, universal, resolutivo e equânime, conforme o SUS defende.
Palavras-chave: Nutricionistas. Sistema Único de Saúde. Saúde pública. Estratégia Saúde da Família.
a Nutricionista. Pós-graduanda em Saúde Pública na Escola de Saúde Pública da Bahia Professor Jorge Novis. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: liu.santos@hotmail.com
b Nutricionista. Mestre em Saúde Coletiva. Orientadora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Escola de Saúde Pública da Bahia Professor Jorge Novis. Feira de Santana, Bahia, Brasil. E-mail: flavia-57@hotmail.com
Endereço para correspondência: Rua Thomas Edson, n. 15-E, Tancredo Neves. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 41207-615. E-mail: liu.santos@hotmail.com
v.43,supl.1,p.222-229
HEALTH STRATEGY: EXPERIENCE REPORT
Abstract
It is contradictory to think about promotion, protection and recovery of health without the presence of a nutritionist. Thus, this study reports the actions developed with the insertion of the nutritionist in the health team in a Family Health Strategy unit in Salvador, Bahia. This is a descriptive, experience-type study carried out during the Supervised Nutrition Internship in Public Health at a family health unit presenting individual and group approaches. It was possible to identify that the actions, themes and dynamics applied were well received by the employed population, allowing reflection and promotion of habit changes, rendering integral and resolutive care. In this way, nutritionists can act in the minimum health team, being essential to integrate the team making the service more integral, universal, and have equitable resolution, as defended by SUS.
Keywords: Nutritionists. Unified Health System. Public health. Family Health Strategy.
SALUD FAMILIAR: RELATO DE EXPERIENCIA
Resumen
Es contradictorio pensar en promoción, protección y recuperación de la salud sin la presencia del nutricionista. Para ello, el objetivo del trabajo es relatar las acciones desarrolladas con la inserción del nutricionista en el equipo de salud en una unidad de la Estrategia Salud Familiar, en Salvador, Bahía. Se trata de un estudio descriptivo, del tipo relato de experiencia, realizado durante las Prácticas Supervisadas de Nutrición en Salud Pública, en una Unidad de Salud de la Familia en Salvador, presentando acciones de abordajes individuales y grupales. Los resultados permitieron identificar que las acciones, los temas y las dinámicas aplicadas fueron bien vistas por la población adscrita posibilitando reflexión y promoción de cambio de hábitos, lo que vuelve la asistencia integral y resolutiva. De esta forma, el nutricionista puede actuar en el equipo mínimo de salud, siendo esencial su integración al equipo, lo que vuelve la atención más integral, universal, resolutiva y con equidad, conforme defiende el SUS.
Palabras clave: Nutricionistas. Sistema Único de Salud. Salud pública. Estrategia Salud Familiar.
Revista Baiana de Saúde PúblicaVisando consolidar o Sistema Único de Saúde (SUS), foi criada em 1994 a Estratégia de Saúde da Família (ESF) através da Portaria Ministerial nº 648/2006, que foi revogada pela Portaria Ministerial 2.488/2011, cujo eixo principal do cuidado é a família1
Sendo assim, a ESF foi definida como um modelo de assistência à saúde, garantindo a oferta de serviços à população e promovendo a saúde de forma transversal em todas as ações realizadas pela equipe mínima de saúde2.
É contraditório pensar em promoção, proteção e recuperação da saúde e não contemplar os profissionais envolvidos direta e indiretamente na Atenção Básica (AB), a exemplo do nutricionista. Segundo Boog3, não há dúvidas sobre a influência da alimentação na saúde. A obesidade, por exemplo, predispõe ao desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como diabetes mellitus (DM) e hipertensão arterial (HAS)4. Dessa forma, o nutricionista é de fundamental importância na ESF, abordando aspectos da alimentação saudável e do direito humano à alimentação adequada. É importante organizar e qualificar o cuidado nutricional no âmbito da AB, pois, caso isso não ocorra, o potencial de intervenção na saúde da população continuará restrito e pouco resolutivo5
As ações referentes à alimentação e à nutrição ainda não estão bem estabelecidas, pois o profissional capaz de executá-las não se encontra inserido na equipe. Como consequência, outros profissionais de saúde irão realizá-las de forma superficial3-5. Assim, este trabalho visa refletir acerca da inclusão do nutricionista e das ações desenvolvidas na Equipe de Saúde por meio da preceptoria de Estágio Supervisionado em Saúde Pública em uma unidade da Estratégia de Saúde da Família, em Salvador (BA).
Trata-se de um estudo descritivo, do tipo relato de experiência, produzido a partir do trabalho de conclusão de curso da especialização em Saúde Pública da Escola de Saúde Pública do Estado da Bahia Professor Jorge Novis.
As atividades foram realizadas no Estágio Supervisionado de Nutrição de uma universidade privada, em uma Unidade de Saúde da Família (USF) em Salvador (BA), entre fevereiro de 2016 e dezembro de 2017.
As ações contemplam:
a) Consultas (individual ou compartilhada) na unidade e/ou no domicílio
Visando à coleta de dados foi aplicada a anamnese nutricional, conforme a faixa etária. As consultas foram agendadas e duravam 60 minutos.
Para classificar o ciclo de vida foram consideradas as recomendações propostas pelo Ministério da Saúde1. O peso dos adultos foi obtido a partir de balança mecânica da marca Welmy com estadiômetro acoplado e, no caso das crianças, foi utilizada a balança pediátrica com capacidade de 15 kg. Além disso, foram empregados o estadiômetro para verificar a altura dos adultos e das crianças maiores de 2 anos, o infantômetro para crianças menores de 2 anos e a fita inelástica para medir a circunferência da cintura (CC) visando identificar o risco de DCNT.
O Diagnóstico Nutricional (DN) de cada ciclo de vida foi dado a partir dos pontos de corte, conforme indicado pelo Ministério da Saúde1.
Para análise do consumo alimentar foi aplicado o recordatório de 24 horas, utilizando como base o dia anterior à consulta, associado ao questionário de frequência alimentar. Em seguida, foi dado por escrito um plano alimentar com orientações nutricionais e, se necessário, com a suplementação nutricional/fitoterápicos.
b) Abordagem em grupos (Grupo de Tabagismo e Síndrome Metabólica)
Para o Grupo de Tabagismo (GT) foi utilizada como base a Cartilha número 3 do Programa de Tabagismo do Ministério da Saúde. Através da roda de conversa e mesa expositiva foi discutida a importância dos hábitos alimentares no controle dos sintomas mais comuns ao parar de fumar e distribuído o “Kit fissura” (um instrumento feito com alimentos cortados no formato do cigarro que pode ser adotado como manobra do movimento involuntário de levar algo à boca com as mãos).
Os participantes do Grupo de Síndrome Metabólica (GSM) deveriam atender aos critérios da Diretriz de Síndrome Metabólica6. Os encontros ocorreram uma vez por semana com duração de três horas. Antes das sessões houve a triagem nutricional com coleta de peso, altura e CC. Na Semana 1 aconteceu o acolhimento dos usuários e explicação dos temas que seriam abordados em cada encontro; na Semana 2, com o tema “Alimentação Saudável”, houve a dinâmica da montagem de um prato e sua análise qualitativa, sugerindo substitutos saudáveis; o tema “Hipertensão”, da Semana 3, ensinou sobre a leitura dos rótulos, identificação de termos que indicam sódio, quais micronutrientes podem controlar HAS e como fazer uma horta com garrafas PET; na Semana 4, sob o tema “Diabetes”, foi realizada uma atividade lúdica em que os participantes classificaram os alimentos em alto, médio e baixo índice glicêmico (IG) e carga glicêmica (CG) conforme a cor das placas feitas com cartolina (vermelho, amarelo e verde, respectivamente); no tema “Motivação”, da Semana 5, foi usado um recipiente denominado “Cápsulas da Felicidade” contendo frases motivacionais retiradas da internet, as quais eram lidas pelos usuários em voz alta para reflexão e, caso alguém apresentasse dificuldade na leitura, a equipe o auxiliava; na Semana 6, com o tema “Alimentação Saudável em festas comemorativas
como o Natal”, foi realizada uma palestra com mesa expositiva de preparações adaptadas para o Natal, ação que reforçou o segmento da alimentação saudável durante as festas. Em todas as sessões foram distribuídos materiais educativos e preparações para degustação.
c) Capacitação dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS): A capacitação almejou sensibilizar sobre a relação entre hábitos alimentares inadequados e a presença das doenças, promovendo a alimentação saudável. Para dar suporte ao treinamento foi distribuído um questionário com duas orientações abertas: “Cite as doenças mais prevalentes na microárea” e “faça três perguntas que gostaria que fossem respondidas no dia da capacitação”. A capacitação durou duas horas. Ao final, foi entregue um material educativo.
Todos os ciclos de vida foram atendidos, apresentaram DN desde a desnutrição até a obesidade com risco para desenvolver DCNT. As ações em grupo foram prioridade visando alcançar maior número de participantes. Participaram do GT adultos e idosos, a maioria do sexo masculino, em média de cinco pessoas. No GSM, predominou o sexo feminino (30 a 75 anos), cuja maioria apresentava HAS, mas havia alguns casos de HAS e DM associadas. O DN da maioria foi sobrepeso ou obesidade com elevada CC. Foi identificado que a maior parte não realizava o desjejum e que a adesão era parcial, devido à crise econômica.
Estas ações possibilitaram construir um novo espaço de diálogo e reflexão sobre a realidade, desenvolver novas metodologias participativas para reter o interesse do público-alvo, além de sensibilizá-los acerca da mudança de hábitos, melhorar o entendimento sobre a relação entre hábitos alimentares e saúde, tornando o ser coparticipativo no processo do autocuidado. Permitiram, além disso, desenvolver o pensamento crítico ao escolher os alimentos, compartilhar e construir saberes, valorizando a cultura popular e desestimulando práticas ultrapassadas em prol das que têm ação científica, bem como estimular ações mais humanizadas, atendendo às necessidades e à demanda do público. Deve-se destacar a presença da população masculina (mesmo que em menor número), o pensamento biomédico (pois os usuários questionavam sobre a renovação da receita e entrega de medicamentos) e a participação relativa do médico que, apesar da agenda bloqueada, consultou usuários que não eram do GSM.
Os ACS avaliaram que os temas abordados na capacitação foram importantes, com possibilidade de aplicação na área de atuação e que adquiriram novos conhecimentos que serão passados para a comunidade.
Vale ressaltar que as ações só ocorreram durante o estágio, logo, a assistência não foi contínua, o que interfere na integralidade do cuidado e nas mudanças de hábitos alimentares, porque a unidade não tem o apoio do Nasf. Rodrigues e Bosi7,8 revelam que a articulação entre o Nasf e a equipe mínima é insuficiente e a principal ação desenvolvida pelo nutricionista é o atendimento individualizado. Neste trabalho as ações em grupo foram prioritárias.
As abordagens individuais não atendem ao que é preconizado pela Lei 8.080/19909, ou seja, assistência universal, integralizada e igualitária, porque os usuários eram assistidos somente após a identificação de alguma patologia. Logo, o foco continua sendo a doença e não a prevenção e a promoção da saúde, que são essenciais e prioritárias. Os atendimentos compartilhados possibilitaram avançar na construção do trabalho interdisciplinar, inserindo diversas competências que, articuladas, potencializam a assistência integral como defendida na Lei 8.080/19909. Esta lei ainda define que a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. Assim, a visita domiciliar atende ao preconizado na Diretriz do Nasf10,11, tornando o atendimento equânime e acessível, permitindo a humanização, as orientações nutricionais de acordo com a realidade do usuário e o atendimento às necessidades de diversos grupos vulneráveis.
No GT, o preenchimento das vagas não ocorreu, possivelmente porque a decisão de parar de fumar não é fácil e muitos desistem. Dessa forma, o tratamento do tabagista deve ser realizado no território, melhorando a saúde e a qualidade de vida e reduzindo custos maiores no SUS11,12. A presença do nutricionista é importante, pois uma das consequências, quando alguém decide parar de fumar, é o ganho de peso que, consequentemente, pode aumentar o aparecimento de DCNT.
O GSM pode ser considerado um Projeto Terapêutico Singular uma vez que, segundo as Diretrizes do Nasf10, é um conjunto de ações (terapêuticas e articuladas) para um público específico, resultado da discussão coletiva de uma equipe. Vale ressaltar que o planejamento das ações foi idealizado de acordo com características clínicas identificadas na população adstrita, conforme recomendação da Diretriz do Nasf7,9,10.
Diante do exposto, vale a reflexão acerca da inserção e importância do nutricionista na ESF. Sua integração à equipe é essencial, tornando o atendimento mais integral, universal,
resolutivo e equânime, conforme defendem o SUS e a Constituição Federal de 1988, uma vez que a saúde adequada e igualitária é um direito de todos e um dever do Estado.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Livia Nascimento dos Santos.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Livia Nascimento dos Santos e Flávia Lima de Carvalho.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Livia Nascimento dos Santos e Flávia Lima de Carvalho.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Livia Nascimento dos Santos e Flávia Lima de Carvalho.
1. Brasil. Ministério da Saúde. Orientações para coleta e análise de dados antropométricos em serviços de saúde: norma técnica do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional – Sisvan. Brasília (DF); 2011.
2. Geus LMMA. Importância na inserção do nutricionista na Estratégia Saúde da Família. Ciênc Saúde Colet. 2011;16(supl. 1):797-804.
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5. Costa K, Santana PR. A importância e o papel do nutricionista na Atenção Básica em Vitória de Santo Antão/PE. Tempus. 2011;5(4):67-85.
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9. Brasil. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o Funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília (DF); 1990 set 20. Seção 1, p. 1.
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11. Brasil. Ministério da Saúde. Contribuições dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família para a Atenção Nutricional. Brasília (DF); 2017.
12. Veloso NS, Rodrigues CAQ, Leite MTS, Ottoni JLM, Veloso GCC, Rodrigues RM, et al. Tabagismo: a percepção dos fumantes em um grupo de educação em saúde. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2011;6(20):193-208.
Recebido: 19.9.2018. Aprovado: 6.10.2020.
DOI: 10.22278/2318-2660.2019.v43.n0.a3227
Luciana de Oliveira Alves Bastos Amorima
Camila Oliveira Nunesb
Laíse Rezende de Andradec
Lília Pereira Limad
Liana Aparecida Barbosa Santiagoe Resumo
A formação em saúde historicamente baseou-se em um modelo curativista e insuficiente para preparar o perfil profissional necessário à implantação e operacionalização dos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS). Diante deste cenário, a estratégia de reorientação da formação tem sido utilizada para promover a aproximação dos estudantes de graduação com a realidade do SUS. Para atender a esta necessidade, a Escola Estadual de Saúde Pública (EESP) da Bahia mantém, desde 2008, o programa de estágio não obrigatório no âmbito da gestão em saúde, denominado CotidianoSUS. Este relato de experiência objetiva descrever o desenvolvimento do programa ao longo de suas oito edições a partir de uma análise das fontes de informação da EESP de 2008 até 2018. Como resultado destaca-se o crescimento do programa, que já proporcionou a cerca de 2 mil estudantes de áreas da saúde a vivência da realidade cotidiana dos serviços do SUS, e sua solidificação dentro da rede esta-
a Odontóloga Sanitarista. Mestra em Estudos Interdisciplinares sobre a Universidade. Técnica da Coordenação de Integração da Educação e Trabalho na Saúde. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: lualvesba@gmail.com
b Bióloga. Mestra em Ecologia Aplicada à Gestão Ambiental. Técnica da Coordenação de Integração da Educação e Trabalho na Saúde. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: milaon@gmail.com
c Doutora em Saúde Pública. Professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: laiseandrade@hotmail.com
d Enfermeira. Docente da Escola de Saúde Pública da Bahia Professor Jorge Novis. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: lplima88@hotmail.com
e Graduanda do Bacharelado Interdisciplinar em Saúde da Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil.
E-mail: liana.santhiago@gmail.com
Endereço para correspondência: Escola de Saúde Pública da Bahia Professor Jorge Novis. Av. Antônio Carlos Magalhães, s/n, Parque Bela Vista. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 41840-000. E-mail: lualvesba@gmail.com
v.43,supl.1,p.230-240
dual de saúde da Bahia, além do número de estudantes treinados e qualificados que podem vir a ser contratados após a conclusão do estágio e da graduação. Palavras-chave: Sistema Único de Saúde. Estágio. Formação profissional. Educação em saúde pública.
TRAINING AND STRENGTHENS SUS IN BAHIA
Abstract
Health education was historically based on a curative model and insufficient to prepare the professional profile needed to implement and operationalize the principles and guidelines of the Unified Health System (SUS). In view of this situation, the strategy of promoting the reorientation of training has been used to promote the approach of undergraduate students to the reality of SUS. To meet this need, the State School of Public Health (EESP) of Bahia has maintained since 2008 the non-compulsory internship program in health management, called CotidianoSUS. This experience report describes the development of the program over its eight editions through a documentary analysis of the EESP’s information sources from 2008 to 2018. This has resulted in the growth of the program, which has already provided around 2000 students from health related areas the experience of the reality of SUS in the daily services and the solidification of the program within the state health network of Bahia, in addition to the number of trained and qualified students who may be hired after completing the internship and graduation.
Keywords: Unified Health System. Internship. Profissional training. Education in public health.
Resumen
La formación en salud históricamente se basó en un modelo curativista e insuficiente para preparar el perfil profesional necesario a la implantación y operacionalización de los principios y directrices del Sistema Único de Salud (SUS). Ante esta situación, la estrategia de promoción de reorientación de la formación ha sido utilizada para promover la aproximación de los estudiantes de graduación a la realidad del SUS. Para atender a esta necesidad, la Escuela Estadual de Salud
Revista Baiana de Saúde PúblicaPública (EESP) de Bahía mantiene desde 2008 el programa de prácticas no obligatorias en el ámbito de la gestión en salud, denominado CotidianoSUS. Este relato de experiencia tiene por objetivo describir el desarrollo del programa a lo largo de sus ocho ediciones por medio de un análisis de las fuentes de información de la EESP desde 2008 hasta 2018. Como resultado se destaca el crecimiento del programa que ya proporcionó a cerca de 2000 estudiantes de áreas de la salud afines la vivencia de la realidad del SUS en el cotidiano de los servicios y la solidificación del programa dentro de la red estadual de salud de Bahía, además del número de estudiantes entrenados y calificados que pueden ser contratados después de la conclusión de las prácticas y de la graduación.
Palabras clave: Sistema Único de Salud. Prácticas. Formación profesional. Salud pública.
A integração entre o aprendizado teórico dos estudantes durante a graduação e a realidade cotidiana do Sistema Único de Saúde (SUS) é fundamental para a qualificação e formação de futuros profissionais, bem como para gerar diálogo e reflexão sobre a gestão deste sistema.
A criação do SUS propôs a remodelação da formação curativista, centrada na patologia, no tratamento e na reabilitação. Neste novo contexto, evidenciou-se a mobilização para a formação em saúde voltada para a prática no SUS com a criação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação Nacional1, em 1996, e das Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação em Saúde (DCN)2, em 2001, por intermédio dos Ministérios da Saúde e da Educação e Cultura. Outras estratégias para a inserção e qualificação com foco no novo modelo foram instituídas pela Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (Pneps), através da Portaria n. 198 de 2004 e da criação das Comissões Permanentes de Integração Ensino Serviço (Cies), fundamentadas pela Portaria n. 1.996 de 20073, juntamente com os Colegiados de Gestão Regional. Na Bahia, a Política Estadual de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde (Pegtes) foi criada em 20114
A integração ensino-serviço entre instituições de ensino superior e serviços de saúde públicos do estado baiano é realizada pela Secretaria da Saúde do Estado (Sesab), por intermédio da Coordenação de Integração da Educação e Trabalho na Saúde (Ciet), na atual Escola de Saúde Pública da Bahia Professor Jorge Novis (Espba). A Ciet vem desenvolvendo estratégias que favoreceram novas relações de compromisso e responsabilidade das instituições de ensino superior (IES) com o SUS, por meio da troca de experiências e dos conhecimentos
produzidos e acumulados no ambiente de trabalho, desenvolvendo sujeitos críticos que possam contribuir com o fortalecimento, aprimoramento e constantes transformações do SUS5. Acompanhando o cenário das mudanças, em 2017 surge a necessidade de aumentar a oferta de vagas de estágio para outras graduações não específicas da área da saúde, mas estratégicas para o SUS, a exemplo dos cursos de direito, engenharia e administração. Este aumento de vagas, sob novos critérios, motivou a equipe da Ciet a olhar para sua história e suas experiências exitosas e relatá-las neste artigo que descreve, a partir de uma pesquisa documental, o desenvolvimento do programa de estágio não obrigatório CotidianoSUS ao longo de suas oito edições.
A experiência da Ciet/Espba na gestão dos processos formativos foi revisitada por meio de consulta documental às fontes de informação da Escola Estadual de Saúde Pública (EESP) de 2008 até a atual Espba em 2018. Os dados foram coletados nos meses de julho e agosto de 2018. Segundo as Diretrizes para a Elaboração de Trabalhos de Conclusão de Curso da EESP6, um relato de experiência descreve, analisa e reflete criticamente acerca de uma intervenção concreta implementada ou produto tecnológico desenvolvido no campo da gestão, da assistência ou do controle social.
Foram selecionados como fontes os relatórios de gestão, os bancos de dados, o projeto político-pedagógico do programa, os editais de seleção, o manual, a avaliação do programa e outros documentos que fornecem informações sobre o CotidianoSUS. Utilizou-se o software Excel para organização dos dados de gestão e elaboração dos gráficos que apresentam panoramas comparativos entre as oito edições do programa, demonstrando a remodelação do desenho e o crescimento dele no decorrer das edições. Os dados foram analisados e contextualizados à luz da literatura referenciada.
Por tratar-se de um relato de experiência, baseado em dados de domínio público, sem identificação de participantes e sem riscos ou danos para as pessoas envolvidas, este estudo não foi submetido à análise do Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria da Saúde da Bahia (Sesab).
O CotidianoSUS foi utilizado como uma referência para outras secretarias do estado da Bahia no que se refere à inserção de estudantes de graduação no mundo do trabalho, pois o ingresso de estagiários na Sesab era conduzido de forma transparente, com um edital de seleção pública que previa a realização de uma prova pautada nas políticas do SUS.
Apesar das dificuldades geradas pelos critérios, a Tabela 1 evidencia a concorrência e seus dados expressivos de 2012 (3,4 inscritos/vaga) e de 2014 (34,1 inscritos/vagas). Em 2012 estes valores justificam-se em função de problemas técnico-administrativos que impossibilitaram uma ampla divulgação em tempo hábil, diferentemente de 2014, quando o número de inscritos superou as expectativas, uma vez que o edital foi nacionalmente divulgado, inclusive por meio das redes sociais.
Tabela 1 – Número de estudantes inscritos e vagas autorizadas nos programas de estágio não obrigatório da Sesab, no período de 2008 a 2018
Com o lançamento do Programa Partiu Estágio em 2017, a gestão do processo seletivo passou a ser realizada pela Secretaria de Administração da Bahia (Saeb). Ocorreram mudanças nos critérios de seleção dos estagiários priorizando, a partir de então, os estudantes que possuíam o cadastro único para programas sociais do Governo Federal e/ou que cursaram o ensino médio em escolas públicas. Os novos critérios congregaram todas as vagas de estágio não obrigatório ofertadas pelo estado da Bahia em seus diferentes órgãos (secretarias, universidades, agências reguladoras, empresas e fundações públicas, dentre outros).
De 2008 a 2018 as variáveis foram analisadas segundo: (1) número de estudantes de graduação inscritos por vagas de estágio não obrigatório autorizadas para a Sesab; (2) vagas do CotidianoSUS preenchidas por graduação e (3) estagiários do CotidianoSUS distribuídos por estabelecimento de saúde da rede Sesab. Vale ressaltar que em 2009, 2011 e 2016 não houve publicação do edital de seleção de estagiários devido a problemas administrativos e contratuais.
A Tabela 1 mostra o panorama de estudantes inscritos no processo seletivo e o número de vagas ofertadas pelo programa nas oito edições. O número de estudantes inscritos cresceu substancialmente, passando de 1.050 em 2008 para 17 mil em 2018 após os novos
critérios descritos acima. É importante ressaltar que dados de inscritos de 2017 e 2018 refletem a totalidade de estudantes inscritos para todas as vagas ofertadas pelo estado, não sendo possível identificar quantos se inscreveram exclusivamente para as vagas da Sesab. Desse modo, foi feita a correlação do número de inscritos por vaga e observou-se uma redução nessa proporção nos últimos dois anos, já que entre 2008 e 2015 o valor ficou em torno de dez inscritos por vaga e em 2017 e 2018 decaiu para 7,7 e 6,2. A média das oito edições foi de 8,4 inscritos por vaga.
É possível constatar o aumento de vagas disponibilizadas (de 105 em 2008 para 332 em 2015), mostrando que a oferta mais que triplicou nesse período. Em 2017 e no primeiro edital de 2018 foram autorizadas, respectivamente, 430 e 226 vagas, o que totalizou 2.051 vagas nas oito edições do estágio não obrigatório para o CotidianoSUS. A redução em 2018 se justifica pela estratégia adotada de repartir a oferta em dois editais. A publicação de novo edital foi prevista para o segundo semestre.
As vagas ofertadas durante essa década contemplaram cerca de quarenta graduações, sendo 16 da área da saúde, incluindo o bacharelado interdisciplinar em saúde e saúde coletiva, e 24 dos demais cursos de nível superior (Tabela 2). Esse cenário tão diverso reflete a complexidade multidisciplinar que compreende os processos de gestão do SUS. O número de vagas oferecidas para os cursos de enfermagem, medicina e farmácia acompanha a evolução histórica do mercado de saúde e, principalmente, a expressiva demanda e oferta de vagas para essas graduações no SUS. A oportunidade de espaços para estudantes oriundos dos cursos de direito, administração e comunicação social também aumentou expressivamente, considerando-se a existência de profissionais dessas áreas que integram a rede Sesab e atuam como mediadores deste processo de ensino-aprendizagem. Graduações como arquivologia, secretariado executivo, estatística, letras e química têm oferta reduzida porque poucos candidatos se inscrevem para o processo seletivo, ainda que estes profissionais sejam necessários para o sistema de saúde.
A lotação dos estagiários nos estabelecimentos de saúde da rede Sesab ocorre de acordo com a capacidade técnico-pedagógica, disponibilidade e interesse dos setores e dos profissionais em acolher e orientar os estudantes. O Gráfico 1 evidencia que as unidades hospitalares ainda concentram a maior quantidade de vagas. Porém, nele também se destaca o número de vagas das unidades estritamente de gestão, que já acolheram 710 estudantes.
Tabela 2 – Distribuição das vagas de estágio do CotidianoSUS por graduação no período de 2008 a 2018
A integração ensino-serviço é uma aposta da Espba na necessária mudança no modelo de formação das graduações da saúde no estado da Bahia. O investimento nessa integração visa restabelecer compromissos fundamentais entre os trabalhadores dos serviços de saúde, os estudantes e os professores das universidades, a fim de instrumentalizar os novos profissionais para desenvolverem processos de cuidado mais integrais e em consonância com os princípios do SUS. Com isso espera-se também provocar mudanças no modelo de atenção
nos serviços que compõem a rede estadual de saúde. Para operacionalizar esse desafio, a Espba estruturou o programa de estágio não obrigatório CotidianoSUS após a publicação das DCNs2. Concomitantemente ao seu movimento de institucionalização na Sesab, caracterizado pelo aumento gradativo da oferta de vagas, ampliou-se também o número de inscritos, o que pode estar ligado às mudanças na formação em saúde. Com a introdução de disciplinas de conteúdo social, políticas públicas e saúde coletiva, o contato com o SUS ainda na universidade desperta nos estudantes o interesse de aprender e complementar o conhecimento mediante a prática no próprio serviço de saúde. Contudo, mais do que a introdução de estudantes em campos de atuação, o CotidianoSUS visa à formação de sujeitos com capacidade de atuação criativa e relevante nos cenários do sistema de saúde, inclusive com capacidade de aprender continuamente em contato com o chamado “mundo do trabalho”7,8
As vagas ofertadas pelo CotidianoSUS estão distribuídas nas diversas unidades da rede Sesab (hospitais, maternidades, unidades de emergência, centros de referência e unidades de gestão). Este experimentar afeta os sujeitos na medida em que o trabalho e a educação ocorrem juntos, agindo transversalmente nos cenários do SUS9, nos quais as transformações são construídas no cotidiano da prática pedagógica a partir do enfrentamento dos problemas que se apresentam nas diversas realidades10. Ressalta-se também que esses estabelecimentos de saúde são campos de empregabilidade, de modo que é oportuno aos estudantes vivenciarem o cotidiano deste sistema público.
A priorização de áreas-meio como campo de estágio parte do entendimento de que os espaços de gestão são lócus privilegiados de conhecimento e vivência de aspectos que estruturam o SUS e que não são abordados em estágios obrigatórios, tampouco em conteúdos curriculares propostos pelas IES. Oferecer vagas a cursos que não são da área da saúde dentro do programa CotidianoSUS é um grande avanço. Primeiro, por despertar a vontade de trabalhadores dessas áreas em obterem estagiários, permitindo compartilhar informações sobre o funcionamento de um sistema público com estudantes ainda em formação. Segundo, por propiciar aos estudantes das áreas estratégicas para o SUS o primeiro (se não o único) contato com o Sistema durante a graduação, além do entendimento de que o SUS é construído com muitas mãos, e não somente por profissionais da saúde.
Dessa forma, é possível afirmar que o CotidianoSUS beneficia não só a formação dos estagiários, mas também dos mediadores e da equipe envolvida no processo ensinoaprendizagem, pois a responsabilidade de qualificar um futuro profissional possibilita a
problematização e reflexão sobre a realidade deste mediador e da equipe. Isto se alinha com a essência da Educação Permanente em Saúde11.
Este relato descreve a experiência exitosa de desenvolver o programa de estágio não obrigatório CotidianoSUS e demonstra sua viabilidade, pois cumpre o papel de ser uma estratégia de mudança na forma de ensinar e praticar saúde por intermédio da integração ensino-serviço.
A Ciet/Espba exerce o desafio de gerir esta grandiosa estratégia, considerando a dinâmica do trabalho. Entretanto, uma análise crítica do processo de execução e dos resultados faz-se sempre necessária, ainda que os objetivos propostos venham sendo alcançados com êxito a cada versão. Sugere-se uma revisão do projeto político-pedagógico do programa e, consequentemente, dos editais e da oferta de processos educativos com um olhar mais amplo. A frequente realização de oficinas de acompanhamento dos estagiários e a qualificação pedagógica permanente dos mediadores de aprendizagem do estágio são indispensáveis para que eles se disponibilizem a acolher e orientar os estudantes, entendendo que o SUS é uma escola viva e em construção.
A Ciet/Espba compreende que é necessário para o fortalecimento da integração ensino-serviço abraçar outras ferramentas, por isso vem promovendo Encontros Itinerantes com estudantes e diversas IES, além dos Encontros de Integração envolvendo a Secretaria Municipal de Saúde de Salvador (BA) e as IES públicas.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Luciana de Oliveira Alves Bastos Amorim, Camila Oliveira Nunes e Liana Aparecida Barbosa Santiago.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Luciana de Oliveira Alves Bastos Amorim, Camila Oliveira Nunes, Laíse Rezende de Andrade, Lília Pereira Lima e Liana Aparecida Barbosa Santiago.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Luciana de Oliveira Alves Bastos Amorim, Camila Oliveira Nunes, Laíse Rezende de Andrade e Lília Pereira Lima.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Luciana de Oliveira Alves Bastos Amorim, Camila Oliveira Nunes, Laíse Rezende de Andrade, Lília Pereira Lima e Liana Aparecida Barbosa Santiago.
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Recebido: 19.9.2018. Aprovado: 30.9.2020.
Resumo
A mortalidade materna é considerada um excelente indicador de saúde, não apenas da mulher, mas da população como um todo. No Brasil, a morte materna configura-se como um problema de saúde pública. Segundo o Ministério da Saúde, as altas taxas de mortalidade materna compõem um quadro de violação dos direitos humanos de mulheres e de crianças, atingindo desigualmente aquelas das classes sociais com menor ingresso e acesso aos bens sociais nas várias regiões brasileiras. O planejamento familiar, quando oferecido de forma contínua e prolongada, pode contribuir para a redução do número de gestações indesejadas, de abortos ilegais e da mortalidade materna. Trata-se de estudo de revisão sistemática de literatura do tipo exploratória com abordagem qualitativa. Após a leitura seletiva das referências, teve início a fase analítica. Realizou-se o grupamento em duas categorias temáticas, a seguir discriminadas: (1) o homem no planejamento familiar; (2) contracepção pós-abortamento e redes de cuidado. No que tange ao aborto, a participação masculina é de extrema relevância, pois a não aceitação da gravidez ou o abandono do parceiro são alguns dos motivos que levam a mulher ao aborto provocado. O cuidado integral à saúde da mulher em situações de abortamento deve incluir, além do tratamento de emergência, o acesso universal ao planejamento reprodutivo, inclusive orientações para as mulheres que desejam uma nova gestação.
Palavras-chave: Planejamento familiar. Aborto. Saúde da mulher.
a Enfermeira. Especialista em Enfermagem do Trabalho. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: nathalie.l.teixeira@gmail.com b Enfermeiro. Doutorando em Administração pela Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: enfemerson@bol.com.br
Endereço para correspondência: Av. Leovigildo Filgueiras, n. 392, Garcia. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 40100-050. E-mail: nathalie.l.teixeira@gmail.com
Abstract
Maternal mortality is considered an excellent indicator of health, not only for women but also for the population as a whole. In Brazil, maternal death is a public health problem. According to the Ministry of Health, the high rates of maternal mortality constitute a framework of violation of human rights for women and children, unequally affecting those of the lower income classes and with less access to social assets in various Brazilian regions. Family planning, when provided on a continuous and protracted basis, can contribute to reducing the number of unwanted pregnancies and illegal abortions as well as maternal mortality rates. This is a systematic review of literature with a qualitative approach and exploratory nature. After selective reading of the references, the analytical phase began. The data were grouped into two thematic categories, as follows: (1) The man in family planning; (2) Post-abortion contraception and care networks. Regarding abortion, male participation is extremely relevant, and non-acceptance of pregnancy as well as partner abandonment were some of the reasons that lead women to abortion. Comprehensive care for women’s health in abortion situations should include universal access to reproductive planning and guidelines for women seeking a new pregnancy, in addition to emergency treatment.
Keywords: Family planning. Abortion. Women’s health.
Resumen
La mortalidad materna se considera un excelente indicador de salud no solo de la mujer, sino de la población como un todo. En Brasil, la muerte materna se configura como un problema de salud pública. Según el Ministerio de Salud, las altas tasas de mortalidad materna componen un cuadro de violación a los derechos humanos de mujeres y de niños, alcanzando desigualmente las clases sociales con menor ingresos y acceso a los bienes sociales, en las distintas regiones brasileñas. La planificación familiar, cuando se ofrece de forma continua y prolongada, puede contribuir a la reducción del número de embarazos no deseados y abortos ilegales, y de la mortalidad materna. Se trata de un estudio de revisión sistemática de literatura de tipo exploratorio, con abordaje cualitativo. Después de la lectura selectiva de las referencias, se inició la fase analítica. Se realizó el agrupamiento en dos categorías temáticas: (1) el hombre en la planificación familiar;
(2) contracepción postaborto y redes de cuidado. En lo que se refiere al aborto, la participación masculina es de extrema relevancia, pues la no aceptación del embarazo o el abandono del compañero son algunos de los motivos que llevan a la mujer al aborto. El cuidado integral a la salud de la mujer en situaciones de aborto debe incluir, además del tratamiento de emergencia, el acceso universal a la planificación reproductiva, comprendiendo orientaciones para las mujeres que desean una nueva gestación.
Palabras clave: Planificación familiar. Aborto. Salud de la mujer.
A mortalidade materna é considerada um excelente indicador de saúde, não apenas da mulher, mas da população como um todo. No Brasil, a morte materna configura-se como um problema de saúde pública. Segundo o Ministério da Saúde (MS), as altas taxas de mortalidade materna compõem um quadro de violação dos direitos humanos de mulheres e de crianças, atingindo desigualmente aquelas das classes sociais com menor ingresso e acesso aos bens sociais nas várias regiões brasileiras1
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define morte materna segundo expresso na 10ª revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) como:
A morte de uma mulher durante a gestação ou dentro de um período de 42 dias após o término da gestação, independente da duração ou da localização da gravidez, devido a qualquer causa relacionada com ou agravada pela gravidez ou por medidas em relação a ela, porém não devida a causas acidentais ou incidentais.2:12
A incidência de gestações indesejadas não só no Brasil, como em outros países em desenvolvimento ainda é alta. Cerca de 25% dessas gestações terminará em abortamento, na maioria das vezes inseguro, levando quase 67 mil mulheres à morte anualmente, e das que forem levadas a termo, uma parte resultará na não aceitação da criança, levando a importantes repercussões individuais, familiares e sociais3.
Salvador (BA) é uma cidade com índices elevados de mortalidade materna por aborto inseguro, cerca de cinco vezes maior que o mínimo definido como aceitável pela OMS, que é de 10 mortes maternas por 100 mil nascidos vivos, revelando o risco maior de morrer por causas maternas, nos distritos mais pobres da periferia4
Na tentativa de buscar caminhos e soluções para reduzir o problema da mortalidade materna, algumas estratégias têm merecido destaque: adequado sistema de registro de nascimentos e mortes, implantação de comitês de mortalidade materna, incentivo ao planejamento familiar, qualidade na atenção pré-natal, capacitação profissional, incremento tecnológico, treinamento de parteiras tradicionais e institucionalização do parto.
O planejamento familiar é um conjunto de ações que auxiliam as pessoas que pretendem ter filhos e as que preferem adiar o crescimento da família, e é assegurado pela Constituição Federal e pela Lei n. 9.263/19965
Embora a Política Nacional de Planejamento Familiar (PNPF) tenha uma concepção coerente e com base em direitos, ainda existem dificuldades para o acesso universal à saúde reprodutiva no Brasil, pois tanto essa política quanto a Política Nacional de Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos ainda apresentam problemas para atender a demanda por métodos contraceptivos, especialmente da população mais carente e das comunidades mais distantes dos grandes centros urbanos6.
A PNPF foi criada em 2007 e inclui a oferta de oito métodos contraceptivos gratuitos, além da comercialização de anticoncepcionais a preços reduzidos na rede Farmácia Popular.
Nesse contexto, o planejamento familiar, quando oferecido de forma contínua e prolongada, pode contribuir para a redução do número de gestações indesejadas, abortos ilegais e mortalidade materna.
Dessa forma, o objetivo deste trabalho é discutir como esse planejamento familiar pode colaborar para a redução da mortalidade materna por aborto, identificando quais fatores podem potencializar suas ações.
Do início do século XX até meados da década de 1970, a mulher era assistida de forma restrita, reducionista e fragmentada, com ações voltadas ao ciclo gravídico-puerperal. As ações eram verticalizadas e centralizadoras, o que distanciava as medidas adotadas das reais necessidades dessa população. Dessa forma, o movimento feminista iniciou uma série de reivindicações com o objetivo de incorporar às políticas de saúde da mulher outras questões como gênero, trabalho, desigualdade, sexualidade, anticoncepção e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis7
A maior inserção da mulher no mercado de trabalho na década de 60 e a expansão feminista coincidiram com a chegada maciça dos métodos anticoncepcionais, como pílula e
DIU (dispositivo intrauterino), facilitando a aceitação pelas mulheres, pois eram associados a ideia de dissociar sexualidade da procriação7.
Em 1984, o governo brasileiro lançou o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) que adotava políticas e medidas para permitir o acesso da população aos meios de contracepção e buscava integralizar essa assistência, incorporando medidas educativas, preventivas, de promoção, diagnóstico, tratamento e recuperação nos âmbitos da ginecologia; pré-natal, parto e puerpério; climatério; planejamento familiar; doenças sexualmente transmissíveis e câncer de mama e colo de útero8.
Em 1996, o MS, em parceria com Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), lançou o Projeto Maternidade Segura, que pretendia reduzir a mortalidade materna e perinatal com a melhoria da assistência ao parto e ao recém-nascido1
Além disso, o governo lançou, em 2000, o Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento, com seus diferentes componentes de incentivo à assistência prénatal, a organização, regulação e novos investimentos na assistência obstétrica, em razão da importância da atenção de pré-natal na redução das taxas de mortalidade materna1,6.
Já em 2004, o MS elaborou o documento da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher – Princípios e Diretrizes (PNAISM)1, que reflete o compromisso com a implementação de ações em saúde da mulher, garantindo seus direitos e reduzindo agravos por causas preveníveis e evitáveis, com enfoque principal na atenção obstétrica, no planejamento familiar, na atenção ao abortamento inseguro e no combate à violência doméstica e sexual.
Até o advento do Sistema Único de Saúde (SUS), a saúde da mulher não era o foco das políticas públicas – antes disso, os serviços de saúde eram organizados na perspectiva de manter a força de trabalho, que consistia em homens assalariados urbanos e operários das indústrias.
Essa supremacia masculina na prioridade à saúde era reflexo da hierarquia social entre os gêneros, e, desde a antiguidade, a mulher não era vista como um sujeito de direitos; a partir do século XIX, houve uma exaltação do papel da maternidade. A partir de inquietações de movimentos feministas na década de 1960, que questionavam esses papéis, foi que começaram a surgir discussões sobre gênero. Assim, compreender gênero inclui conhecer toda a trajetória da invisibilidade feminina ao longo da história e a maneira como se formaram as relações de subordinação entre homens e mulheres9
Historicamente, da mulher se espera, social e ideologicamente, o encontro com a felicidade completa no espaço da família como mãe e esposa, esta sendo uma extensão
da feminilidade, o que é questionado quando ocorre uma mudança dos papéis predefinidos pela sociedade9
Quanto aos homens, são estes a representação do poder, negando qualquer ato de ternura, passividade e dependência: são decididos, sexualmente insaciáveis e sedutores, competitivos e, na busca por esse poder, utilizam inclusive a violência para a autoafirmação e a conquista. Diante dessa cobrança social, os homens não são capazes de demonstrar afeto familiar nem de assumir o cuidado com sua prole9
Assim, as questões de gênero devem ser encaradas como um dos determinantes da saúde na formulação das políticas públicas1.
As ações de planejamento familiar brasileiras, no âmbito do SUS, são desenvolvidas principalmente pela Estratégia Saúde da Família (ESF), cujas equipes multiprofissionais trabalham com população adstrita visando à formação de vínculo entre o serviço e a comunidade10. No entanto, as intervenções direcionadas ao planejamento familiar se apresentam de forma fragmentada, não atendendo adequadamente à parcela da população feminina que depende desse sistema e expondo as mulheres ao risco de gravidezes não planejadas e/ou indesejadas11
Entretanto, a atenção fragmentada ou inexistente do planejamento familiar, que constitui a realidade de muitas mulheres no Brasil, leva, em 2001, à inclusão desse campo de atenção na Norma Operacional da Assistência à Saúde (Noas), sendo reafirmado que as ações de planejamento familiar devem fazer parte da atenção básica e que estão entre as responsabilidades mínimas da gestão municipal em relação à saúde da mulher1.
Pelo exposto, acredita-se que o foco principal do problema do abortamento induzido é a gravidez indesejada, sendo necessário, portanto, aumentar as possibilidades de se planejar a gestação, valorizando o planejamento familiar. Assim, acredita-se que esse planejamento deva ser pautado em outros conceitos, não o de simplesmente reproduzir informações, e sim de criar espaços de diálogo para que não apenas as mulheres sejam protagonistas, mas que, também, os homens possam ser envolvidos no processo e se corresponsabilizem por ele, participando das decisões pelo método contraceptivo e dividindo com as mulheres o direito a uma vida reprodutiva que seja guiada pela escolha consciente e pelo desejo de cuidar de uma nova vida12.
A questão do abortamento tem sido amplamente discutida com diferentes enfoques, passando por ética, política, movimento organizado de mulheres, igrejas, setores da saúde e aspectos jurídicos, entre outros13
O maior desafio para avaliar a magnitude do aborto no Brasil é a dificuldade de acesso a dados fidedignos, em razão do elevado número de mulheres que omitem ter induzido o aborto nas pesquisas que utilizaram questionários com perguntas diretas14
Portanto, pode-se dizer que o abortamento é um grave problema de saúde pública, pois se estima que ocorram no Brasil cerca de 1 milhão de abortamentos induzidos por ano15
Segundo a OMS, a cada mil mulheres em idade fértil (15 aos 44 anos), 29 induziram o aborto em algum momento da vida. Aproximadamente um terço das 205 milhões de gravidezes que ocorrem no mundo anualmente são indesejadas, e 20% acabam em aborto provocado16
Assim, não olhar para o problema implícito ao abortamento é continuar a reprisar as tragédias vividas isoladamente por mulheres e que resultam, às vezes, na morte de milhares de mulheres pobres, negras e jovens17
A incidência de óbitos por complicações do aborto oscila em torno de 12,5%, ocupando o 3º lugar entre as causas de mortalidade materna, com variações entre os estados brasileiros. A mortalidade materna é uma das mais graves violações aos direitos das mulheres, por se tratar de algo evitável em aproximadamente 92% dos casos e ocorrer predominantemente nos países em desenvolvimento18
No Brasil, onde o aborto é criminalizado, exceto apenas em casos de estupro ou risco de vida da mulher, as taxas de mortalidade materna por aborto não diminuem, apresentando incidência alarmante. Trata-se de quadro merecedor de um tratamento mais sério do que aquele que tem recebido até agora em nossa sociedade19.
Faltam, no Brasil, estudos epidemiológicos sobre aborto inseguro e clandestino, principalmente em populações vulneráveis e de renda muito baixa nas quais o peso do aborto é maior nas taxas de morbimortalidade materna e em que mais se faz clara a necessidade de trabalhar a questão do planejamento familiar16
Trata-se de estudo de revisão sistemática de literatura do tipo exploratória com abordagem qualitativa.
Para a pesquisa foram utilizadas as bases de dados Biblioteca Virtual da Saúde (Bireme), estando nela compreendidas a Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs) e Scientific Electronic Library Online (SciELO), o banco de teses e dissertações da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e a Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Para maior embasamento, fez-se necessária a inclusão de referências complementares de sites como o do MS. A partir das bases de dados, as buscas resultaram em 106 artigos. Utilizou-se, na busca avançada, o termo “mortalidade materna” e, como filtro, os assuntos: “aborto induzido”, “planejamento familiar” e “saúde reprodutiva”. Ainda com o objetivo de articular os descritores, foi adotada a expressão booleana “AND”, que permitiu a inserção de duas ou mais palavras. A busca foi realizada entre os meses de abril e junho de 2017.
Ante o quantitativo de artigos, fez-se necessária uma seleção. Nesse sentido, os critérios utilizados para inclusão foram: texto completo, idioma português, título e objetivo, trabalhos relacionados com o planejamento familiar, aborto e mortalidade materna, além do recorte temporal de 2007 a 2017, com o objetivo de identificar pesquisas mais recentes. Os critérios de exclusão foram: artigos que se encontravam duplicados na base de dados, que retratavam apenas conhecimento dos participantes acerca da temática; que abordassem apenas o aborto espontâneo e que não contivessem no título os termos “aborto”, “planejamento familiar” ou “mortalidade materna”.
Aplicando os critérios estabelecidos, foram encontrados 53 artigos, que receberam leitura flutuante para análise do resumo, palavras-chave e objeto de estudo que contextualizasse acerca do planejamento familiar, do aborto, da mortalidade materna e das políticas públicas em vigência. A partir dessa análise, foram selecionados 27 artigos para leitura exaustiva e composição deste estudo (Tabela 1).
Após a leitura seletiva das referências, teve início a fase analítica. Realizou-se o grupamento em duas categorias temáticas a partir da identificação de sua relevância, de acordo com os autores, na decisão da mulher em abortar e na atenção pós-abortamento, a seguir discriminadas: (1) o homem no planejamento familiar; (2) contracepção pós-abortamento e redes de cuidado. Embora o quantitativo de artigos selecionados tenha sido maior, os que apresentavam as categorias selecionadas foram 13 (Tabela 2).
Tabela 2 – Grupamento por categoria temática e autor. Salvador, Bahia – 2007 a 2017 Homem no planejamento familiar Contracepção pós-abortamento
Bezerra e Rodrigues20; Casarin e de Siqueira21; Portilho-da-Silva e Lemos22; Silva et al.23; Souza9;
As políticas públicas de atenção à saúde, ao longo da história, vêm sendo marcadas por privilegiarem grupos populacionais específicos, como, por exemplo, as mulheres, as crianças, os adolescentes e os idosos.
A participação masculina é carente de reflexões e análises, reforçando a clara divisão do trabalho reprodutivo, o que faz com que o homem tenha um papel secundário e muitas vezes inexistente na hora da decisão do aborto e da contracepção22
Em relação ao planejamento familiar, as políticas, durante muito tempo, dedicaram-se, principalmente, às mulheres, as quais até hoje são responsabilizadas pela decisão da escolha do anticoncepcional, pelas gravidezes não planejadas e demais atos em relação ao planejamento familiar. Colocar a mulher nesse lugar “privilegiado” deixou o homem na penumbra, fazendo com que alguns mitos, originados de uma cultura machista, se consolidassem na sociedade. Atualmente, incluir os homens nas ações de saúde tem sido um desafio para os profissionais de saúde21.
É necessário superar a restrição da responsabilidade das práticas contraceptivas
às mulheres, assegurando aos homens o direito à participação na regulação da fecundidade e na reprodução. Entende-se a paternidade como um direito do homem em participar de todo
o processo, incluindo a decisão de ter filhos ou não, como e quando tê-los, assim como o acompanhamento da gravidez, do parto, do pós-parto e da educação da criança.
Os homens, em geral, são uma clientela que pouco acessa os serviços de saúde, sobretudo os da atenção primária. O machismo, o medo e o preconceito se mostram como grandes entraves à busca do serviço de saúde. Aspectos da cultura de uma sociedade patriarcal impuseram à mulher a responsabilidade pela maternidade, pelo lar e pelas tarefas internas da família, e, ao homem, a responsabilidade pelo mundo externo21.
Assim, discutir sobre a participação masculina no planejamento familiar é muito mais abrangente do que uma simples definição de vasectomia ou uso do condom, pois exige uma abordagem das relações de gênero, considerando que os homens também têm sentimentos, opiniões, cultura, religião e emoções.
É imprescindível a realização de condutas que estimulem os homens a participarem de atividades no serviço de saúde, compreendendo-o de uma forma mais ampla, com vistas à aquisição de novos conhecimentos e cujo entendimento se torne mais abrangente e vá além da visão de planejamento de filhos20
O fato de os homens estarem comparecendo às UBSs (Unidades Básicas de Saúde) para retirarem o método de barreira pode estar sinalizando para uma realidade em que eles estejam indo além da situação cômoda de apoio às parceiras em relação ao planejamento familiar. Assim, essa situação deve servir de alerta para os profissionais para chamarem esses usuários para outras atividades do planejamento reprodutivo, como, por exemplo, as educativas21
No que tange ao aborto, a participação masculina é de extrema relevância, visto que alguns estudos 9 mostram que a não aceitação da gravidez ou o abandono do parceiro são alguns dos motivos que levam a mulher ao aborto provocado. A relação afetiva é frustrada quando a mulher descobre a gravidez e é abandonada pelo companheiro. O abandono, pois, denota a realidade do cotidiano das mulheres, ou seja, a gravidez se desenvolve no corpo feminino, e a mulher fica responsável pela decisão de levar ou não a gravidez adiante.
Em determinadas situações, a decisão de abortar da mulher independe do desejo e/ou da aceitação do companheiro, e ela assume o direito em relação ao seu corpo, decidindo interromper a gestação independentemente dos prejuízos que o ato possa lhe trazer.
Uma pesquisa24 mostra a divergência no discurso entre os parceiros, pois o homem assume uma postura que o “exime” da responsabilidade pela decisão da parceira de abortar. Essa exclusão é um aspecto que deve ser observado e incentivado pelos profissionais, pois o
debate sobre a inserção masculina nas políticas de saúde reprodutiva é recente. Em relação ao aborto provocado, o homem se distancia e apenas comparece à maternidade para buscar as mulheres no momento da alta.
No entanto, como a ênfase dada pelos profissionais é no aspecto biológico, na maioria das vezes a mulher não pode relatar seus conflitos conjugais e a forma como eles influenciam no processo saúde-doença.
A submissão da mulher ao homem a coloca em posição de aceitar sem questionar as vontades do companheiro, inclusive no que se refere a relações sexuais desprotegidas27
Portanto, entende-se que, para uma maior adesão masculina ao planejamento familiar é necessário que os serviços se aproximem mais dos homens. O programa deve priorizar ações criativas, educativas e motivacionais em saúde reprodutiva e sexual, envolvendo de forma participativa ambos os sexos, levando em consideração as questões de gênero e respeitando as respectivas singularidades.
O cuidado integral à saúde da mulher em situações de abortamento deve incluir além do tratamento de emergência o acesso universal ao planejamento reprodutivo, inclusive orientações para as mulheres que desejam uma nova gestação.
Abordar a visão das mulheres na atenção pós-aborto imediato traz questões importantes sobre a assistência à saúde referente ao aborto que podem refletir, também, na tomada de decisão dessas mulheres de procurarem o serviço de saúde para orientações e informações sobre o planejamento familiar.
O aconselhamento em contracepção e a oferta de insumos contraceptivos ainda durante a hospitalização são parte da atenção pós-abortamento e têm mostrado efeito positivo na adoção de métodos contraceptivos, especialmente os reversíveis de longa duração, como DIU e implantes25. Assim, ações que englobam simultaneamente orientação e oferta de insumos são capazes de promover o uso de métodos anticoncepcionais (MAC) pós-abortamento25.
Um estudo26 revela que, com relação aos serviços de saúde, as informações e as orientações sobre os MAC são pouco difundidas e têm falhas quanto ao trabalho de promoção da saúde dessas mulheres.
Mais de um terço das entrevistadas de outra pesquisa já havia realizado pelo menos outro aborto, sinalizando a necessidade de trabalhos educativos que valorizem o campo das subjetividades com adolescentes, mulheres e homens e que permitam desenvolver
a consciência da vivência da sexualidade com entendimento do corpo fisiologicamente preparado para gestar27.
Esse quadro mostra a necessidade de ações estratégicas que melhorem as condições para as práticas sexuais e reprodutivas de mulheres, incluindo o atendimento em situação pós-aborto. É importante, sob essa perspectiva, oferecer à mulher apoio e alternativas para que ela tenha acesso aos serviços de planejamento reprodutivo, incluindo a prevenção de novos episódios de aborto.
Assim, o aconselhamento reprodutivo desponta como uma tecnologia de comunicação bidirecional que facilita a interação e a troca de informações entre profissionais e mulheres, podendo trazer resultados satisfatórios – sobretudo durante o período de hospitalização para mulheres que abortaram28
Como a internação hospitalar pode ser o único contato de muitas mulheres com o sistema de saúde e por ser o aconselhamento reprodutivo uma estratégia possível de ser desenvolvida em todas as esferas de atenção, a ênfase das ações nesses aspectos pode contribuir para a redução da morbimortalidade materna por causas evitáveis, bem como complicações relacionadas ao abortamento28
Ao obter alta hospitalar após um aborto provocado, as mulheres são orientadas para a procura do serviço de planejamento familiar de forma imperativa, mas não se discute a respeito das questões de gênero que envolvem o uso de métodos anticonceptivos9.
Há um roteiro engessado por grande parte dos serviços de planejamento familiar, incluindo palestras sobre os métodos anticonceptivos e as consultas com o profissional enfermeiro e/ou médico mensalmente que não analisa, no entanto, as peculiaridades da história sexual e social das mulheres que os procuram9.
A OMS15 afirma que o risco de ter um novo aborto é maior justamente entre as mulheres que já tiveram o primeiro abortamento. Assim, o ideal é que orientações sobre o planejamento familiar, e os métodos contraceptivos estejam disponíveis no local onde se atendem às mulheres em abortamento, para que elas façam suas escolhas e iniciem seu uso antes de receber alta. Se isso não for possível, que a mulher saia do hospital com a orientação de quais locais ela deve procurar.
Abortos inseguros são preveníveis, e as formas de prevenção são conhecidas: ampla provisão de informação sobre contraceptivos, aconselhamento e outros serviços focalizados especialmente para pacientes que já passaram pela experiência do aborto. Esses serviços são importantes mecanismos para reduzir as taxas de abortamentos subsequentes, tanto seguros quanto inseguros14.
A participação masculina no planejamento familiar vem se constituindo como uma estratégia importante no contexto da saúde sexual e reprodutiva, pois os homens vêm entendendo que sua função vai além de apoiar as companheiras no uso do método contraceptivo.
As orientações à mulher que abortou, ainda na maternidade, também se mostraram de extrema relevância no sentido de evitar novos abortos e de auxiliar a mulher que não deseja engravidar novamente.
O planejamento familiar deve, portanto, levar em consideração o contexto em que a mulher está inserida; o profissional deve ter uma fala de fácil compreensão, objetiva e que respeite o desejo da mulher pelo método, embora os trabalhos tenham mostrado que a oferta de insumos nem sempre corresponde ao desejo de quem vai utilizá-lo.
Por fim, cabe dizer que apesar do tema ser de grande relevância, poucos trabalhos retratam esse recorte do planejamento familiar como uma das estratégias para reduzir a mortalidade materna por aborto, sendo necessárias mais pesquisas nessa área.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Nathalie Luciano dos Santos.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Nathalie Luciano dos Santos.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Nathalie Luciano dos Santos e Emerson Garcia.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Nathalie Luciano dos Santos e Emerson Garcia.
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Recebido: 19.9.2018. Aprovado: 27.9.2020.
DOI: 10.22278/2318-2660.2019.v43.n0.a3229
Na década de 1920, a Bahia teve sua política de saúde reformulada e, por meio dessa reforma, o governo estadual organizou as ações de saúde pública em todo o estado. Com isso, o objetivo desta pesquisa foi descrever as características da política de saúde baiana no período entre 1925 e 1930. Os dados foram coletados em quatro acervos documentais e se constituíram de diferentes fontes históricas. Os resultados apontam que a implantação da política estadual de saúde em 1925 foi induzida pelo governo federal e sua base ideológica foi o higienismo. O foco dessa política de saúde era a educação sanitária e o controle das doenças infectocontagiosas prevalentes em diferentes espaços geográficos da sociedade baiana. Entre 1925 e 1929, realizaram-se modificações na legislação sanitária e na organização das ações e serviços de saúde pública no estado; contudo, com o golpe de Estado de 1930, a política de saúde foi reformulada, demarcando o declínio do projeto de reforma sanitária elaborado pela elite médica higienista brasileira. Conclui-se que a política de saúde baiana, no período de 1925 a 1930, ampliou formalmente o escopo de ações do Estado no território baiano. Entretanto, após outubro de 1930, essa política foi modificada e adequada às novas diretrizes do governo federal.
Palavras-chave: Política de saúde. Saúde pública. História da saúde pública.
Abstract
In the 1920s, Bahia had its health policy reformulated and the state government organized public health measures throughout the state. This study thus describes the characteristics of Bahian health policies in the period 1925-1930. The data were collected from four documentary collections and were made with use of different historical sources. The results indicate that the implementation of the state health policy in 1925 was induced by the federal government and its ideological base was hygienism. The focus of this health policy was health education and the control of infectious diseases prevalent in different geographic spaces of Bahia. Between 1925 and 1929, changes were made in health legislation and in the organization of public health actions and services in the state; however, with the 1930 coup, health policies were reformulated, marking the decline of the sanitary reform project developed by the Brazilian medical hygienist elite. The health policies in 1925-1930 Bahia were shown to formally increase the scope of state actions in the state. However, after October 1930, this policy was modified and adapted to the new guidelines of the federal government.
Keywords: Health policy. Public Health. Public health history.
Resumen
En la década de 1920, Bahía reformuló su política de salud, que permitió que el gobierno estadual organizara las acciones de salud pública en todo el estado. Ante esto, el objetivo de esta investigación fue describir las características de la política de salud bahiana, en el período entre 1925 y 1930. Los datos se recopilaron de cuatro acervos documentales y se constituyeron de diferentes fuentes históricas. Los resultados apuntan que la implantación de la política estadual de salud en 1925 fue inducida por el gobierno federal y su base ideológica fue el higienismo. El foco de esta política de salud era la educación sanitaria y el control de las enfermedades infectocontagiosas prevalentes en diferentes espacios geográficos de la sociedad bahiana. Entre 1925 y 1929, se realizaron modificaciones en la legislación sanitaria y en la organización de las acciones y servicios de salud pública en el estado; sin embargo, con el golpe de Estado de 1930, la política de salud se reformuló, demarcando el declive del proyecto de reforma sanitaria elaborado por la elite médica higienista brasileña. Se concluye que la política de salud bahiana, en el período 1925-1930, amplió
formalmente el alcance de acciones del Estado en el territorio bahiano. Sin embargo, después de octubre de 1930, esa política fue modificada y adecuada a las nuevas directrices del gobierno federal. Palabras clave: Política de salud. Salud pública. Historia de la salud pública.
Os anos 1920 são considerados por alguns autores como um marco para as políticas de saúde no Brasil, uma vez que nessa década a saúde foi considerada um bem coletivo e/ou público1, ou, ainda, foi transformada em uma questão social2. Segundo o sociólogo Gilberto Hochman3, nessa década existiram oportunidades políticas que possibilitaram ao Estado implementar as primeiras políticas de saúde de escopo nacional e realizar uma ampla Reforma Sanitária.
Em linhas gerais, a Reforma Sanitária ocorrida nos anos 1920 foi uma modernização institucional que pretendeu reestruturar as bases burocrático-administrativas do setor da saúde e reorganizar os serviços e as práticas de saúde públicac em âmbito nacional. Essa reforma ampliou a responsabilidade do Estado pelos problemas de saúde da coletividade e teve como um dos principais resultados a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP)3
Criado em 2 de janeiro de 1920, o DNSP materializou parte das propostas da elite médica higienista para o campo da saúde pública brasileira e emergiu formalmente como um aparelho institucional complexo de dimensões nacionais e cuja finalidade era centralizar o comando das intervenções no setor saúde, uniformizar as ações de higiene e saúde pública, além de ampliar a presença do Estado no território nacional3
O espaço de intervenção do DNSP englobava predominantemente os domicílios, as indústrias, os estabelecimentos comerciais e os serviços de saúde da capital federal. Contudo, o DNSP também poderia atuar em outros estados do território nacional, por meio de acordos estabelecidos entre o departamento e os governos estaduais e municipais, com vistas a implementar ações de higiene pública, tais como a profilaxia rural e a prevenção e/ou o combate de endemias nas cidades e nas zonas rurais do interior do Brasil4,5
c Compreende-se “saúde pública” como uma política governamental e expressão de um modelo tecnoassistencial. Este último expressa um projeto de política organicamente articulado a determinadas forças sociais, que atuam nas arenas políticas decisórias, e está associado às alternativas históricas e à relação entre o Estado e as classes sociais4 Nesse sentido, o modelo tecnoassitencial dos anos 1920 concebia a saúde pública como um conjunto de ações voltadas às coletividades pobres, tendo como espaço privilegiado para a operacionalização de ações estatais de saúde pública os domicílios e as comunidades.
Nesse contexto, alguns estados brasileiros fizeram acordos com o DNSP para operacionalizar ações de higiene pública voltadas ao combate de doenças infecciosas prevalentes. Um desses estados foi a Bahia, que mesmo com um cenário político-econômico fragmentado e dominado pelas oligarquias regionais, na década de 1920 operou medidas da reforma sanitária induzida pelo governo federal, teve sua política de saúde pública reformulada e estabeleceu acordos com a União, via DNSP, para organizar as ações de saúde pública no interior do estado, inclusive em territórios dominados por coronéis e poderosas oligarquias6.
Com isso, a implantação da política nacional de saúde nos anos 1920 afetou a organização da saúde pública baiana e induziu a uma modernização institucional que iniciou após a criação da Subsecretaria da Saúde e Assistência Pública (SSAP), estrutura que substituiu a DiretoriaGeral de Saúde Pública, e a publicação do primeiro Código Sanitário estadual, ambos em 1925, além de possibilitar melhor aparelhamento institucional e progresso na legislação em saúde6-8.
Destaca-se que em 21 de julho de 1927, por meio da Lei nº 1.993, criou-se a Secretaria da Saúde e Assistência Pública, em substituição à subsecretaria existente, sendo que essa foi uma iniciativa pioneira no país e tratou-se de um arranjo institucional idealizado pelo DNSP, testado na Bahia para posterior difusão para os outros estados. Ou seja, nos anos 1920, a Bahia foi afetada pela política nacional de saúde e escolhida para ser um caso exemplar da intervenção federal no interior do Brasil6.
Considerando, assim, a implantação da política de saúde baiana nos anos 1920 como um fato que merece ser explicado historicamente e que a década de 1920 “é uma das mais importantes do ponto de vista da história econômica, política e cultural brasileira, e mesmo mundial”, pois “é um período de transição, de grande efervescência, que tem paralelos interessantes com o que acontece hoje”9:3, este estudo tem como questão de pesquisa: quais as características da política de saúde pública baiana entre 1925 e 1930? Para responder a essa pergunta, definiu-se como objetivo descrever as características da política de saúde pública baiana no período 1925-1930.
Trata-se de um estudo qualitativo, de natureza histórica. A escolha da história para construir essa investigação pautou-se na convicção de que ela explica as ações humanas no tempo e auxilia homens e mulheres a compreenderem o passado, a elucidarem o presente e a criarem perspectivas para o futuro10-11. A baliza cronológica inicia em 2 de agosto 1925 e encerra em 5 de novembro de 1930. A primeira demarca a publicação da Lei nº 1.811, que criou a Subsecretaria de Saúde e Assistência Pública, enquanto a segunda corresponde à publicação do
Decreto nº 7.068, que além de restabelecer a Diretoria-Geral de Saúde Pública – extinta após a criação da SSAP, em 1925 –, demarcou o declínio do projeto de Reforma Sanitária elaborado nos anos 1920.
A coleta de dados ocorreu no Arquivo Público do Estado da Bahia, na Biblioteca Pública do Estado da Bahia, na biblioteca da Escola Estadual de Saúde Pública Professor Francisco Peixoto Magalhães Netto (EESP, atual Escola de Saúde Pública da Bahia) e na Biblioteca Universitária de Saúde Professor Álvaro Rubim de Pinho, da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Além da pesquisa nesses acervos, realizou-se também uma busca assistemática em plataformas virtuais de pesquisa, a exemplo do Google Acadêmico e da Biblioteca Virtual em Saúde, como também no site da Revista Baiana de Saúde Pública e da Revista
Baiana de Enfermagem
No transcorrer dessa etapa, construiu-se um corpus documental cuja finalidade foi organizar e agrupar as evidências históricas. Esse corpus compôs-se por diferentes tipos de fontes históricas: documentos oficiais (leis, decretos, relatórios de gestão, comunicações internas, regimentos e outras informações de interesse contidas no Diário Oficial do Estado); discursos escritos de agentes envolvidos com a formulação e a implantação da política de saúde; e trabalhos acadêmicos relacionados ao objeto de estudo (livros, capítulos de livros, artigos científicos, teses de doutorado, dissertações de mestrado e trabalhos de conclusão de curso de graduação).
Ressalta-se que durante a coleta dos dados, utilizou-se um diário de campo para anotar reflexões e questionamentos que emergiram no momento da investigação do objeto de pesquisa. O conteúdo do diário foi incorporado à análise das evidências históricas e permitiu resgatar interpretações dos documentos que auxiliaram a construção da síntese final.
A análise dos dados teve como eixo norteador o conceito de “política de saúde” elaborado por Paim12, que a concebe como produto histórico das relações estabelecidas entre a sociedade e o Estado, resultando de decisões ou de não decisões deste. Ao intervir em necessidades humanas e/ou seus determinantes socioambientais, a política de saúde produz efeitos econômicos, políticos e ideológicos. Sendo assim, para o estudo de uma política de saúde, deve-se empreender uma “análise da estrutura social em um determinado período histórico ou conjuntura, particularmente a natureza e as funções do Estado nas suas relações com as classes e grupos sociais”12:285
A essa compreensão, somou-se a noção de análise política em saúde com foco no processo político, que considera as relações de poder dentro e fora das instituições, além da produção de fatos e sua relação com a saúde13. Portanto, a análise foi sistematizada em
dois blocos, sendo o primeiro de análise do contexto, no qual se desenvolveu a formulação e implementação da política de saúde baiana entre 1925 e 1930, e o segundo de análise do conteúdo dessa política e das mudanças institucionais e na práxis em saúde naquele período.
Para compreender a implantação da política de saúde na Bahia nos anos 1920, cabe conhecer o contexto político-econômico dessa década. Assim, em relação ao sistema econômico baiano nos anos 1920, este era agrário-exportador e pautado em forças produtivas pouco desenvolvidas, bem como na produção de diferentes mercadorias – matérias-primas, especificamente –, o que diferia do Centro-Sul, onde o café era a mercadoria base do sistema econômico. Nesse momento, o fumo e o cacau foram as mercadorias que mais contribuíram com a balança comercial baiana, seguidos pelo café e pelo açúcar14-15
Apesar de ser a principal fonte de receita do estado, “o comércio de exportações sofria limitações decorrentes da sua dependência estrutural em relação a firmas e capitais estrangeiros”, situação reforçada “pela crescente subordinação da Bahia aos estados líderes da Federação, com grave prejuízo do seu equilíbrio orçamentário”14:35p. Com efeito, a fragmentação da produção e a dependência/subordinação da economia baiana ao capital estrangeiro e aos entes federativos economicamente predominantes inibia o desenvolvimento econômico do estado, estancava qualquer tentativa de mudança na estrutura social e refletia no modus operandi do estado baiano.
No plano político, tinha-se uma elite conservadora, composta majoritariamente por membros das oligarquias regionais. Essa elite política era pouco coesa e, em razão disso, seus membros defendiam interesses distintos e particulares, resultando “na debilidade e consequente instabilidade das instituições, permitindo que a competição política se revestisse de uma feição tumultuada e cruenta”14:46. Essa mesma autora16 elucida que na Primeira República, as mudanças pontuais ocorridas no sistema político baiano “não resultaram de choques de interesses antagônicos, pois tanto a situação quanto a oposição representavam interesses oligárquicos”, mas do “alto grau de competição no interior do pequeno universo das elites”, sendo que “à competição seguia-se um processo de acomodação, que geralmente terminava em acordos e rearticulações”16:52-3.
Com relação à organização social, na década de 1920 a maior parte da população era analfabeta (81,6% em 1920), vivia em precárias condições de vida e encontrava-se na zona rural, trabalhando em condições semisservis. Além dessa camada da população, existia uma classe intermediária e a burguesia agrocomercial: a primeira correspondia a 20% da população
e de “forma global (…) tinha postura ideológica e visão política ‘tradicional’, conservadora”; a segunda ocupava o topo da pirâmide social, e seus membros, além de terem “acesso natural às fontes de riqueza e aos corredores do poder”, apoiavam-se solidamente no latifúndio, “dominavam o aparelho do estado” e interviam “diretamente no processo de decisão política”14:40-1.
Como se observa, o estado baiano era um instrumento de dominação da elite político-econômica e legitimava os interesses das oligarquias regionais, mesmo quando esses não eram homogêneos. Somado a isso, o poder político estatal era utilizado para manter o status quo do sistema econômico e dos oligarcas, reforçando esse poder em território baiano e submetendo a capacidade regulatória do estado aos seus interesses pessoais.
Diante do exposto, questiona-se: o que propiciou uma modernização institucional do setor da saúde na década de 1920 e a implementação de ações de saúde pública no interior do estado, inclusive em territórios dominados por oligarcas? A resposta dessa pergunta situa-se no plano político, já que na década de 1920 não houve alteração no padrão de acumulação da economia baiana que permitisse ao estado investir numa modernização institucional –pelo contrário, nesse período as receitas geradas pelo sistema econômico baiano eram insuficientes para custear as despesas do estado baiano, como explicita Sampaio14
O principal elemento do contexto político baiano que propiciou o início da reforma sanitária no estado foi a eleição de Francisco Marques de Góes Calmon para o cargo de governador da Bahia (1924-1928). Como chefe do poder executivo estadual, Góes Calmon obteve maior coesão política, permitindo que ideias reformistas adentrassem o aparelho de estado, além de melhor manipulação e centralização do poder. Factualmente, essa coesão política foi obtida após a fundação do segundo Partido Republicano da Bahia (PRB), ocorrida em 1927, que permitiu ao governador estabelecer no estado “a atuação de um partido único ( o PRB , grifo nosso)” e, assim, garantir “a acomodação entre as três ( principais , grifo nosso) facções” políticas estaduais. Como resultado, houve o amortecimento temporário das crises internas da elite política local, apaziguando-se os ânimos entre os três principais grupos políticos baianos (calmonistas, seabristas e mangabeiristas), melhorando o “(…) equilíbrio do poder entre o litoral e o interior”, e criando um “espírito de colaboração, no plano político-administrativo” 14:205 .
Nesse ínterim, “quando a vida política se encaminhava para uma acomodação interna, os diversos setores econômico-administrativos do estado foram cuidadosamente regulamentados”, sendo que o governador procurou resolver os graves problemas que afligiam a Bahia “através de uma série de leis que estabeleceram, no estado, o imposto territorial, a reforma da instrução pública, a polícia de carreira (…) a construção de estradas”,
que rompiam o isolamento geoeconômico das regiões do estado, “além da especial atenção dada ao problema sanitário”14:207-8.
Contudo, essas medidas “não se tratavam (sic) de um boom progressista, mas da ordenação do desenvolvimento do estado, fruto da mentalidade empresarial-conservadora do chefe do executivo”14:207. O conservadorismo continuava dominante e, consequentemente, repugnava-se qualquer tentativa de inovação, principalmente na esfera social. Não por acaso, embora o governo Góes Calmon tenha lançado sementes significativas para o desenvolvimento do estado, as medidas que ameaçavam alterar o campo social se atrofiaram, enquanto aquelas voltadas ao atendimento dos interesses político-econômicos deram frutos imediatos e abundantes14. A ampliação territorial e do escopo das ações de saúde pública são elementos desse contexto que permitem corroborar com essa constatação. Veja-se o porquê disso. No período anterior à Proclamação da República, a intervenção estatal no âmbito da saúde era pontual e restringia-se aos momentos de calamidade – epidemias e cataclismos naturais, por exemplo. Esse padrão começou a ser modificado na passagem do século XIX para o século XX, dado que o Estado interveio crescentemente no espaço urbano e na vida da população. Isso porque as condições insalubres das cidades brasileiras e as constantes epidemias que assolavam os principais centros urbanos desorganizavam a produção e a circulação de mercadorias, inviabilizando o desenvolvimento das atividades comerciais17-18
Essa situação evidenciou a necessidade de intervir nos centros comerciais e na vida da população, de modo a enquadrá-los aos padrões sanitários aceitáveis para o desenvolvimento econômico. Não por acaso, nos primeiros vinte anos do século XX registraram-se “grandes intervenções na estrutura e infraestrutura urbana, que passaram a fazer parte do projeto político das elites brasileiras”18:43.
Nos primeiros vinte anos do século XX, o principal núcleo urbano e econômico baiano – Salvador – era o cenário ideal para a propagação de doenças:
Salvador era uma cidade enferma, com taxas de morbidade e mortalidade muito elevadas. Doenças como a disenteria, a difteria, a febre tifoide, o beribéri, a febre amarela, a peste, a malária, a varíola, a gripe e a tuberculose, entre outras, acometiam os soteropolitanos com frequência, assumindo caráter quase endêmico […].
Por toda área urbana e periférica da cidade, abundavam lagoas, córregos, charcos, valas, brejos […] cujas margens mal drenadas, de vegetação vigorosa e cheias de lixo e dejetos, eram o habitat de fauna variada, inclusive de transmissores de enfermidades diversas.
A falta de um sistema de esgotamento sanitário eficiente permitia que as águas servida e pluvial, assim como os detritos domésticos, fossem escoadas de maneira inadequada, geralmente a céu aberto, contaminando o solo, as águas e os alimentos. O lixo doméstico e outros resíduos também se acumulavam nas ruas, nos terrenos baldios, nos pátios e nos quintais. Para completar o quadro de insalubridade, o sistema de distribuição de água era insuficiente e de qualidade duvidosa – os barris de água distribuídos nas portas por aguadeiros eram abastecidos nas mesmas fontes em que as pessoas se banhavam, animais matavam a sede e lavadeiras lavavam a roupa.
Muitas famílias disputavam espaço em cubículos arruinados, mal arejados, úmidos, escuros, situados em becos e ruelas que careciam de limpeza e pavimentação, bem como de serviço regular de luz, água e esgoto.18:52
Além das precárias condições de moradia e da insalubridade do espaço urbano, os indivíduos das camadas economicamente desfavorecidas da população baiana “trabalhavam em excesso”, “eram pessimamente remunerados” e a maior parte desta era “analfabeta e enfrentava problemas com o alcoolismo”18:51.
O contexto de precariedade das condições de vida da população soteropolitana não era ignorado por frações da elite política dominante – pelo contrário, essas consideravam as epidemias de doenças infectocontagiosas um fator de atraso, refletindo negativamente na economia estadual e na capacidade produtiva dos/as trabalhadores/as, além de afugentar investidores e comerciantes estrangeiros17. Ademais, essas frações da elite política baiana “começavam a perceber que em um centro populoso como Salvador, dotado de um porto de complexas e diversificadas conexões, as doenças que ali circulavam atingiam tanto os pobres quanto os ricos”18:57, fato que ensejava a necessidade de implementar medidas que sanassem os problemas de saúde pública de maneira ampla, compulsória, permanente e coletiva.
A despeito disso, “a percepção da interdependência social por parte das elites baianas não era motor suficiente para transformar a realidade e promover mudanças efetivas nos serviços sanitários do estado, capazes de atingir a população como um todo”18:57. Lembrando: o território baiano era controlado por oligarquias regionais ideologicamente conservadoras e que utilizavam o poder político estatal para manter o status quo da estrutura social e estacar as iniciativas de mudanças que fossem contrárias aos seus interesses privados.
Deve-se considerar também que “salvo nos estados política e economicamente fortes, como Rio de Janeiro (…) e São Paulo (…) poucos eram os que possuíam recursos materiais e financeiros para implantar políticas de saúde pública realmente eficazes”18:57. No particular,
a situação financeira do estado e dos municípios baianos não favorecia a implementação de ações de saúde abrangentes, permanentes e eficazes.
Desse modo, nos primeiros 20 anos do século XX “(…) o governo estadual ainda concentrava suas forças no combate às epidemias de doenças transmissíveis que assolavam Salvador e influenciavam negativamente a economia local”, privilegiando “(…) ações que ainda se restringiam ao âmbito da capital do estado e suas cercanias”18:70. Embora em 1916 tenha ocorrido a centralização dos serviços estaduais na Diretoria-Geral de Saúde Pública da Bahia (DGSPB), apenas em 1925 é que se observa maior presença do estado baiano no campo da saúde pública17.
O ano de 1925 é um marco institucional para a saúde pública baiana, pois foi nesse ano que Góes Calmon “deu o primeiro passo em direção à unificação dos serviços de saúde na Bahia ao substituir a DGSPB pela Subsecretaria de Saúde e Assistência Pública”. Essa decisão do governador, além de propiciar maior eficiência à intervenção estatal no campo da saúde pública, visava a eliminar a sobreposição de responsabilidades e a fragmentação da gestão da saúde na Bahia, que naquele momento estava sob a responsabilidade de três órgãos: “a DGSPB, a Diretoria de Higiene e Assistência Municipal e o Serviço Federal de Saneamento (encarregado da profilaxia da lepra e de doenças venéreas, da higiene infantil, da Liga Antituberculose e de fiscalizar as ações da Fundação Rockefeller)”18:62
A SSAP foi criada por meio da Lei nº 1.811, de 29 de julho de 1925, e emergiu no cenário baiano formalmente como um órgão essencialmente técnico e responsável por todos os serviços de saúde pública no estado da Bahia19. Essas características eram compatíveis com os interesses dos formuladores da política nacional de saúde nos anos 1920, pois estes concebiam que os serviços sanitários estaduais deveriam ser exclusivamente técnicos, garantindo “a prevalência da ciência contra os interesses políticos, alvo de críticas do movimento sanitário (dos anos 1920, grifo nosso)”3:77
O campo de ação da SSAP extrapolava formalmente a capital baiana e englobava uma vasta gama de ações, inclusive algumas que não eram assumidas pelo estado antes da década de 192019. No interior, as ações e os serviços de saúde foram operacionalizados predominantemente com recursos técnico-financeiros da União e da Fundação Rockefeller6, que firmaram convênios com o governo estadual e responsabilizaram-se “(…) pelo serviço de Saneamento Rural, Prophylaxia da Syphilis e Doenças Venereas, Hygiene Infantil e Prophylaxia
da Tuberculose”19:9 até que o governo estadual tivesse condições de assumir a execução desses serviços. As ações sob a responsabilidade da SSAP eram as seguintes:
• Educação sanitária da população.
• Profilaxia de doenças infectocontagiosas.
• Organização das informações em saúde do estado.
• Construção de pesquisas no campo da saúde pública.
• Comando da saúde pública e a fiscalização da assistência à saúde privada.
• Preparo de soros, vacinas e outros produtos destinados ao combate de doenças transmissíveis.
• Fiscalização do exercício profissional da medicina, farmácia, obstetrícia, odontologia.
• Adoção de medidas punitivas para o cumprimento dos dispositivos da lei.
• Inspeção e fiscalização de edificações públicas ou privadas, como domicílios, fábricas, estabelecimentos comerciais e escolas.
• Superintendência técnica das obras de engenharia sanitária nas zonas rurais e dos serviços de água, esgotos e lixo da capital e dos centros urbanos do interior.
• Vigilância sanitária de medicamentos e alimentos, que incluía a fiscalização de todo ciclo produtivo dessas mercadorias (produção, distribuição, armazenamento, comercialização e consumo)19:sp
Como se observa no discurso institucional oficial, a criação da SSAP almejou centralizar o comando da saúde pública estadual, ampliar a intervenção do estado sobre a saúde da população e uniformizar as ações de saúde pública. Na perspectiva do subsecretário da saúde e assistência públicadb a conformação da SSAP representou uma “completa e radical transformação, de modo a ficar melhor aparelhada para o desempenho de suas funcções”, e rompeu com a “franca estagnação” da DGSPB, que deixava a organização sanitária estadual alheia “(…) por completo dos progressos da technica sanitaria de nossos dias”20:1-2 O subsecretário comenta, ainda, que no período de 1917 a 1925, embora a “sciencia sanitaria” tenha evoluído “(…) sensivelmente em seus preceitos” e aperfeiçoado “consideravelmente os seus methodos”, a “repartição de Saúde Publica da Bahia” não modificou seus “processos de administração” nem “os methodos de technica sanitaria de que se utilizava”, fazendo que suas
ações não se orientassem “pelos novos principios da administração sanitaria já consagrados pela pratica”20:2.
Com efeito, no início do governo Góes Calmon, em março de 1924, a organização da saúde pública baiana era “vasada em moldes antiquados” e “desprovida de legislação technica apropriada”. Com a criação da SSAP e a extinção da DGSPB, o aparelho do estado da saúde passou a atender “(…) mais de perto as exigencias technicas da moderna hygiene” e ter “completa independencia administrativa e financeira”, o que permitia ao gestor da saúde implantar rápida e eficazmente “as medidas que lhe cabe adoptar na salvaguarda da saúde do povo e no zêlo pelo bem estar da collectividade”20:2-3.
Nesse sentido, a criação da SSAP também buscava romper com a intervenção pontual do estado nos problemas de saúde da população, como ocorria nos tempos da DGSPB, e modernizar o arcabouço institucional, adequando-a aos avanços da ciência sanitária. Observa-se, ainda, que o conjunto de ações sob a responsabilidade da SSAP possibilitava ao estado enquadrar em uma única repartição os instrumentos capazes de eliminar ou controlar os entraves sanitários que limitavam a expansão da base material da sociedade baiana, além de garantir a regulação do espaço urbano e o controle social, o que convergia com o projeto de saúde pública da elite médica higienista brasileira.
Sobre o conteúdo da lei que instituiu a SSAP, infere-se que este era semelhante ao decreto que criou o DNSPec, principalmente no que tange aos objetivos das repartições públicas e às suas estruturas formais. Essa semelhança não significa que houve uma transposição ipsis litteris da legislação federal na Bahia, mas que a criação da SSAP foi um produto da implantação da Reforma Sanitária capitaneada por membros da elite médica higienista brasileira, em âmbito nacional, e que engendrou um processo de modernização institucional da saúde pública baiana.
Destaca-se que nos anos 1920, a elite médica higienista brasileira considerava que “(…) as condições de saúde de um indivíduo não eram um assunto privado, muito menos um direito natural, como a liberdade individual”, fazendo que o Estado devesse “(…) intervir sobre a liberdade do indivíduo e sua propriedade para proteger a comunidade”3:84. Ou seja, a doença transmissível era um problema político e demandava do Estado maior interferência na vida das pessoas para combater as doenças e promover o saneamento do Brasil. Para isso, “a solução para o problema seria uma reforma que possibilitasse a unificação e centralização das políticas de saúde e saneamento nas mãos do Governo Federal”3:79, o que se concretizou com a criação do DNSP.
e Decreto nº 3.987, de 2 de janeiro de 1920.
Com relação à estrutura formal da SSAP, esta era composta por cinco seções, sendo que a seção de Saúde Pública concentrava o maior número de diretorias (Figura 1) e tinha como escopo de atuação a estatística médica, a análise de condições sanitárias e a implementação das ações de prevenção e controle de doenças transmissíveis.
Figura 1 – Organograma resumido da Subsecretaria de Saúde e Assistência Pública – 1925
SUBSECRETARIA DE SAÚDE E ASSISTÊNCIA PÚBLICA
Justiça Sanitária Conselho Sanitário Expediente e Contabilidade
Directoria de Demographia e Educação Sanitárias
Fonte: Elaboração
Assistência Pública Saúde Pública
Directoria de Epidemiologia e Prophylaxia Geral
Directoria de Hygiene Infantil e Escolar Directoria de Engenharia Sanitária
No âmbito da seção de Saúde Pública, a Directoria de Epidemiologia e Prophylaxia Geral era supervisionada diretamente pelo subsecretario de saúde e assistência pública e tinha o maior número de serviços vinculados, a saber: Serviço de Enfermeiras Sanitárias; Delegacias de Saúde; Hospital de Isolamento; Serviço Médico da Hospedaria dos Imigrantes; Instituto Oswaldo Cruz; profilaxia da sífilis e doenças venéreas; profilaxia da tuberculose; postos municipais de higiene; postos de saneamento rural; higiene industrial; e luta contra animais transmissores19
Considerando a amplitude das ações e a relação da Directoria de Epidemiologia e Prophylaxia Geral com o gestor da saúde, depreende-se que essa subseção era estratégica para o controle das doenças infectocontagiosas prevalentes e para a Reforma Sanitária projetada pelos formuladores da política estadual de saúde. Isso porque essa diretoria concentrava os principais serviços de saúde – municipais e estaduais – destinados ao controle de doenças transmissíveis e era tecnicamente orientada para quebrar a cadeia de transmissão das doenças prevalentes
e preveni-las em diferentes espaços geográficos da sociedade baiana, particularmente nos domicílios, nas escolas e nas fábricas, sendo que suas ações eram complementadas pelas das demais diretorias da seção de Saúde Pública19.
Retomando a análise do conteúdo da Lei nº 1.811/1925, nota-se que esta estabeleceu as novas bases burocrático-administrativas da saúde pública baiana, embora os formuladores da política estadual de saúde a considerassem genérica, dado que o seu conteúdo não traduzia minuciosamente as mudanças almejadas por eles: “quando, em julho de 1925, mereceu sancção a lei que reorganizou os serviços sanitários do Estado, ainda se regiam elles pelos dispositivos legaes do acto n. 1.231 de 1917, os quaes delineavam a organização administrativa da repartição então reformada” e “pouco, ou quasi nada” estabelecia “as directrizes scientificas que deviam ser adoptadas”20:2
O detalhamento da Lei nº 1.811/1925 ocorreu com a publicação do primeiro Código Sanitário Estadual, em 20 de novembro de 1925. Esse documento foi elaborado segundo o Código Sanitário Federal de 192321 e, além de regulamentar os dispositivos da Lei nº 1.811/1925, era o “estatuto científico” da nova organização sanitária da Bahia. Nas palavras do subsecretario da saúde e assistência pública,
contando, com os regulamentos annexos, para mais de 2.500 artigos, o Codigo Sanitario, além de detalhar todas as minucias de ordem administrativa da nova organização, encerra as determinações technicas actualmente pela sciencia da Saude Publica, faculta ao Governo a revisão integral e periodica, dentro do prazo minimo de dois annos, de todos os seus dispositivos e estabelece, de modo a permittir o rejuvenescimento dos quadros, a disponibilidade compulsoria dos funccionarios technicos que contarem 30 annos de serviço publico ou 60 de idade.20:3
A análise do Código Sanitário Estadual permite afirmar que a SSAP, como produto da política de saúde nascente, era um aparelho institucional complexo, responsável por diferentes ações de saúde pública no território baiano e que materializava a Reforma Sanitária desenhada pela elite médica higienista brasileira. O contexto em que foi gerada possibilita inferir que a SSAP, assim como o DNSP, propiciaria maior interferência dos médicos e do Estado no espaço urbano e na vida dos/as brasileiros/as, de modo a controlá-los e os enquadrar ao projeto de higienização e saneamento da sociedade de frações da elite médica brasileira.
Hochman3 ressalta que os formuladores da política nacional de saúde dos anos
1920 defendiam que o Estado deveria utilizar todos os recursos da medicina para “convencer e educar o homem comum para comportamentos individuais e coletivos fundados no
conhecimento médico existente”, de modo a agir para “modificar práticas e hábitos sociais arraigados, como o consumo de álcool, a prostituição, a não utilização de calçados e latrinas, o despejo de lixo em rios e vias públicas, a manutenção de focos de moscas, ratos e mosquitos, a fraude do leite e nos alimentos etc”3:78
Nesse sentido, o poder estatal coercitivo seria protagonista na modificação de comportamentos individuais que disseminavam a doença e seus efeitos negativos, permitindo ao Estado restringir a liberdade e a propriedade dos indivíduos que colaborassem com a propagação de doenças e ameaçassem a ordem social3. Essa perspectiva foi incorporada aos códigos sanitários federal e estadual e indica que a higienização da vida da população era um dos pilares da política de saúde pública dos anos 1920.
No Código Sanitário Estadual verifica-se também que os formuladores da política de saúde preocupavam-se com a qualificação e a definição/padronização da força de trabalho do campo da saúde pública. O subsecretário da saúde e assistência pública expressa essa preocupação em seu relatório de gestão, afirmando que no período anterior à SSAP e na ausência de um “estatuto de providencias technicas, ou de simples instrucções de serviço”, os funcionários trabalhavam “(…) á mercê do criterio individual, executando cada um a seu sabôr, o que lhe parecia mais vantajoso e consentaneo com o seu preparo profissional”20:2
Com a criação da SSAP, o estado baiano passou a custear a qualificação de trabalhadores da saúde, principalmente de médicos, enviando-os para instituições nacionais e internacionais para se especializarem. Entre agosto de 1925 e dezembro de 1926, por exemplo, a SSAP financiou o estudo no exterior de “(…) tres de seus medicos, dois á America do Norte para estudar questões de laboratorio e anatomia pathologica, um á Europa afim de conhecer os serviços de hygiene infantil e escolar”, além de enviar oito médicos ao Sul do país para conhecer as organizações sanitárias de São Paulo, da Capital Federal e de Minas Gerais, e para realizar os cursos de malariologia e de saúde pública do Instituto Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro. Outrossim, “permaneceram ainda no Rio de Janeiro dois funccionarios technicos acompanhando o curso especializado do Departamento Nacional de Saúde Publica”20:4.
Além de investir na qualificação de alguns funcionários, a SSAP também fez acordo com o Instituto Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro para que esta instituição “cedesse durante seis mezes um de seus assistentes para dirigir o nosso Instituto homonymo” e com a Fundação Rockefeller para que esta liberasse, durante sete meses, “(…) um de seus melhores sanitaristas, autoridade em organização de postos municipaes de hygiene”, para trabalhar na Bahia20:4. Isto é, a SSAP financiou a permanência de profissionais externos à Bahia para gerir
alguns setores da saúde pública baiana de modo a propiciar a implantação das mudanças na organização do setor saúde no estado.
Em âmbito nacional, o investimento na qualificação e na especialização de trabalhadores do campo da saúde pública foi uma demanda da implantação da política nacional de saúde cuja principal linha de ação era a educação sanitária e a higiene pública. Castro Santos e Faria22 comentam que o movimento pela formação de especialistas em saúde pública iniciou em 1920 e produziu propostas que eram debatidas em reuniões organizadas pela Sociedade Brasileira de Higiene, sendo que estas propostas foram incorporadas ao novo projeto institucional voltado para a especialização em saúde pública.
Nessa conjuntura, o Estado brasileiro investiu na qualificação de médicos/ sanitaristas e inseriu uma nova categoria trabalhadora no campo da saúde pública, a enfermeira moderna, cuja força de trabalho foi fundamental para o controle social pretendido pela política de saúde nascente. Seguindo a experiência federal, a Bahia também inseriu a enfermeira no aparelho do estado da saúde e criou repartições responsáveis por qualificar e controlar a força de trabalho dessa profissional no campo da saúde pública: o Serviço de Enfermeiras Sanitárias e a Escola de Enfermeiras da SSAP23.
Essas evidências históricas corroboram a perspectiva de que a implantação da política nacional de saúde induziu a uma modernização institucional na Bahia cujos espelhos eram o DNSP e o Código Sanitário Federal de 1923. Ademais, as semelhanças identificadas na legislação sanitária federal e estadual, bem como entre os aparelhos de Estado da saúde, ratificam a interpretação de que a Bahia foi escolhida para ser um caso exemplar da intervenção federal no interior do Brasil e cuja experiência seria reproduzida em outros estados6.
Apesar das modificações realizadas na legislação sanitária e na organização do setor da saúde, tanto em âmbito federal quanto na Bahia, a implantação da política nacional de saúde, elaborada segundo os cânones da higiene, começou a declinar no final dos anos 1920, especialmente após a saída de Carlos Chagas do comando do DNSP, fato ocorrido em 1926, além do Golpe de Estado ocorrido em outubro de 1930. No contexto pós-outubro de 1930, a política nacional de saúde foi reformulada, e o setor da saúde passou por reformas que induziram à reorganização e/ou à remodelação dos departamentos estaduais da saúde à luz das novas diretrizes impostas pelo governo federal24.
Na Bahia, a implantação da política nacional de saúde após o Golpe de Estado de 1930 repercutiu imediatamente na organização formal da saúde pública estadual, culminando na extinção da SSAP e no restabelecimento da DGSPB 25. Com efeito, a Bahia acompanhou o governo federal na conformação da política estadual de saúde, alterando a
organização das ações e dos serviços de saúde estaduais, que passaram a seguir “um modelo de assistência à saúde centralizado e fragmentado, organizado em serviços e programas especializados por enfermidades e implantados nos estados e municípios através de ações verticais” 8:75-76 .
Essa modificação não agradou alguns médicos vinculados à SSAP, que até outubro de 1930 era gerida por Barros Barreto e independente técnico-administrativamente. Isso foi registrado pelo diretor do 2º Centro de Saúde, o médico Mário Andréa dos Santos, em seu relatório de atividades referente ao ano de 1931:
Cabe-me consignar a decepção e tristeza causadas entre os funccionarios da Saúde Publica deste Estado, com o acto do primeiro governo revolucionário, transformando a Secretaria de Saúde em Directoria Geral, annexada á Secretaria do Interior. Fôra positivamente um regresso e uma diminuição na organização sanitaria da Bahia, nem se podendo considerar como medida economica do momento, porquanto, as dotações orçamentarias estabelecidas, não se justificava semelhante transformação, tanto mais quanto, com a organização actual, não houve nenhuma queda de efficiencia nos serviços que, de facto, gosam, como na antiga Secretaria, de toda independencia, pela superioridade de seus dirigentes e elevada mentalidade do Sr. Dr. Secretario do Interior. Entretanto não se poderá prever, de futuro, se outros dirigentes possam ter igual procedimento. São serviços, os de saúde pública, de acção rápida, precisos e de conhecimentos technicos, não devendo depender de uma secretaria, por sua natureza, de visão preferentemente política.26:4
Esse discurso revela que as alterações feitas na política estadual de saúde reduziram a autonomia administrativa do aparelho de estado da saúde e o deixou susceptível aos humores do cenário político. Essas medidas contrariavam parte dos interesses da elite médica brasileira, que desde o final dos anos 1910 reivindicava maior autonomia do órgão da saúde em relação à interferência político-partidária, pois estes consideravam a saúde pública um campo essencialmente técnico e fora da órbita política, embora dependesse desta para aprovar projetos de interesse ao campo 3. O relato do médico Mário Andréa aponta também o declínio do projeto de Reforma Sanitária capitaneado por membros da elite médica higienista brasileira que ascenderam ao aparelho de Estado nos anos 1920, abrindo espaço para uma política de saúde cujo foco seria paulatinamente voltado para a
atenção médico-hospitalar individual, em detrimento das ações de saúde pública destinadas à coletividade.
Em relação à política de saúde instituída pelo estado baiano entre 1925 e 1930, verificou-se que o seu conteúdo era similar ao da política nacional de saúde, sendo constituído com base no Código Sanitário Federal de 1923. Por meio do Código Sanitário Estadual de 1925, o estado baiano regulava, normatizava e enquadrava crescentemente o espaço urbano – principalmente a capital do estado – e a vida da sociedade, com o intuito de higienizar os hábitos das classes sociais economicamente desfavorecidas, sanear as cidades e impedir a ocorrência de epidemias de doenças infectocontagiosas que prejudicavam as relações comerciais. Para isso, o Estado utilizava predominantemente os dispositivos da ideologia higienista, as ações de vigilância sanitária, a vigilância epidemiológica, a educação sanitária e a visita domiciliar – tudo isso para garantir o cumprimento das normas previstas no Código Sanitário de 1925.
Portanto, a implantação da política estadual de saúde em 1925 foi induzida pelo governo federal, tendo por base ideológica o higienismo. O foco dessa política de saúde era a educação sanitária e o controle das doenças infectocontagiosas prevalentes em diferentes espaços geográficos da sociedade baiana. Entre 1925 e 1929, realizaram-se modificações na legislação sanitária e na organização das ações e dos serviços de saúde pública no estado; contudo, com o Golpe de Estado de 1930, a política de saúde foi reformulada, demarcando o declínio do projeto de Reforma Sanitária elaborado pela elite médica higienista brasileira nos anos 1920.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Nildo Batista Mascarenhas.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Nildo Batista Mascarenhas e Lívia Angeli Silva.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Nildo Batista Mascarenhas e Lívia Angeli Silva.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Nildo Batista Mascarenhas e Lívia Angeli Silva.
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25. Bahia. Decreto nº 7.068, de 5 de novembro de 1930. Restabelece a DiretoriaGeral de Saúde Pública. Diário Oficial [do] Estado da Bahia, Salvador (BA); 1930.
26. Bahia. Directoria-Geral de Saúde e Assistência Pública. Relatório dos trabalhos do 2º Centro Sanitario apresentado ao Ilmo. Sr. Dr. Director Geral de Saude e Assistência Publica pelo Dr. Mário Andréa dos Santos em 5 de janeiro de 1932. Salvador (BA); 1931.
Recebido: 19.9.2018. Aprovado: 25.9.2020.
DOI: 10.22278/2318-2660.2019.v43.n0.a3230
RELATO DE EXPERIÊNCIA
UM CENTRO OBSTÉTRICO DE FEIRA DE SANTANA: RELATO DE EXPERIÊNCIA
Resumo
No intuito de expandir o uso das políticas de boas práticas durante o parto e o trabalho de parto, em 1996, a Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou um guia para atenção ao parto normal, que se trata de um conjunto de recomendações baseadas em evidências dando suporte adequado às gestantes. Compreendendo que é indiscutível a necessidade de mudança na assistência ao parto, no sentido de estimular as boas práticas comprovadamente benéficas, este artigo objetiva relatar a experiência de implantação do Protocolo Operacional Padrão (POP) de uso das boas práticas de atenção ao parto e nascimento no Hospital Inácia Pinto dos Santos (HIPS) de Feira de Santana (BA). Trata-se de um estudo descritivo, do tipo relato de experiência, referente à implantação do POP de uso das boas práticas de atenção ao parto e nascimento no HIPS, utilizando-se de um plano de ação para sensibilização dos profissionais. Após a identificação de dados relacionados ao uso das boas práticas no HIPS, verificou-se a necessidade de abordar essa temática junto às equipes e de elaborar um POP. Para isso foram realizados três momentos diferentes: sensibilização, educação e avaliação. Os resultados permitiram verificar que existia uma lacuna relacionada à efetiva aplicação das boas práticas recomendadas pela OMS e a necessidade de se trabalhar tal recomendação, fato que começou de forma tímida, mas importante. Palavras-chave: Parto humanizado. Nascimento. Humanização da assistência.
IMPLEMENTATION OF A PROTOCOL FOR BEST PRACTICES IN BIRTH CARE IN AN OBSTETRIC CENTER OF SANTANA FAIR: AN EXPERIENCE REPORT
Abstract
In order to establish the use of best practice policies during childbirth and labor in 1996, the World Health Organization (WHO) publishes the guide to normal childbirth care, which is a set of recommendations based on supporting pregnant women. In light of these considerations, and because the need for a change in childbirth care is considered essential to stimulate best practices that are proven to be beneficial. This article thus reports the experience of implementing the Standard Operational Protocol (POP) for the use of best practices in childbirth care at Hospital Inácia Pinto dos Santos (HIPS). This is a descriptive, experience-based study of the implementation of POP for the use of best practices in childbirth care at HIPS using a plan of action to raise awareness among professionals. After identifying data related to the use of best practices in HIPS, we verified a need to address this issue with the teams and to implement POP. For this, three measures were taken: raising awareness, education and evaluation. The results showed a lack related to the effective application of best practices recommended by WHO and a need to work on this recommendation, a fact that began in a timid but important way.
Keywords: Humanized delivery. Birth. Humanization of assistance.
IMPLANTACIÓN DEL PROTOCOLO DE USO DE LAS BUENAS PRÁCTICAS EN ATENCIÓN AL PARTO Y NACIMIENTO EN UN CENTRO OBSTÉTRICO DE FERIA DE SANTANA: RELATO DE EXPERIENCIA
Resumen
Con el fin de establecer el uso de las políticas de buenas prácticas durante el parto y el trabajo de parto, en 1996, la Organización Mundial de la Salud (OMS) publica la guía para la atención al parto normal, un conjunto de recomendaciones basadas en evidencias dirigidas a la asistencia a las gestantes. Por comprender que es indiscutible la necesidad de cambio en la asistencia al parto, en el sentido de estimular las buenas prácticas comprobadamente beneficiosas, este artículo objetiva relatar la experiencia de implantación del Protocolo Operativo Estándar (POP) de uso de las buenas prácticas de atención al parto y nacimiento en el Hospital Inácia
Pinto dos Santos (HIPS) en Feira de Santana, Bahia. Se trata de un estudio descriptivo, del tipo relato de experiencia, sobre la implantación del POP de uso de las buenas prácticas de atención
al parto y nacimiento en el HIPS, utilizando un plan de acción para sensibilizar a los profesionales. Después de la identificación de datos relacionados con el uso de las buenas prácticas en el HIPS, se verificó la necesidad de abordar esta temática, junto a los equipos y de elaborar un POP. Para ello, se realizaron tres momentos diversos: sensibilización, educación y evaluación. Los resultados permitieron verificar que existía la laguna relacionada con la efectiva aplicación de las buenas prácticas recomendadas por la OMS y la necesidad de trabajarlas, hecho que comenzó de forma tímida pero importante.
Palabras clave: Parto humanizado. Nacimiento. Humanización de la asistencia.
Os processos da gravidez, do parto e do nascimento, que anteriormente ocorriam em família, onde os participantes eram ligados por fortes vínculos humanos e suportes sociais, passaram de evento familiar para hospitalar com os avanços tecnológicos e científicos na área da saúde. Agora, os profissionais da saúde controlam como e quando será o parto, quem e quando pode ter contato com o binômio mãe-filho, e como deve ser o comportamento das pessoas envolvidas1
No intuito de estabelecer o uso das políticas de boas práticas durante o parto e o trabalho de parto, em 1996, a Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou o guia para a atenção ao parto normal, que corresponde a um conjunto de recomendações baseadas em evidências, e prevê suporte adequado à gestante, auxiliando na redução da mortalidade materna, pressupondo o acompanhamento e estímulo a este processo pelos profissionais de saúde, na perspectiva de promoção do nascimento saudável e combate às elevadas taxas de morbimortalidade materna e neonatal2.
Assim, o projeto Rede Cegonha, instituído no Brasil em março de 2011, tem sido um programa de grande importância para o desenvolvimento e estímulo das boas práticas inseridas no contexto do parto e do trabalho de parto nos hospitais do país, além de promover o acompanhamento adequado da gestante em um pré-natal de qualidade. As políticas de boas práticas compreendem, de início, o transporte das gestantes ao hospital, o apoio ao recémnascido e a alimentação materna saudável imprescindível para o desenvolvimento da criança, além do direito à escolha da presença do acompanhante, entre outras3 Diante dessas considerações e compreendendo que é indiscutível a necessidade de mudança na assistência ao parto, estimulando as práticas comprovadamente benéficas,
foi proposta a realização de um projeto de intervenção no Centro Obstétrico (CO) do Hospital
Inácia Pinto dos Santos (HIPS) na cidade de Feira de Santana (BA).
Este relato de experiência surgiu a partir das vivências de uma das autoras como enfermeira plantonista e docente de uma Instituição de Ensino Superior (IES), e produto do Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Enfermagem Obstétrica promovido pela Escola Estadual de Saúde Pública da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia, atual Escola de Saúde Pública da Bahia.
Acredita-se que esse projeto de intervenção seja relevante por estimular uma análise crítica do trabalho realizado pelos profissionais de saúde, dos cuidados que prestam aos usuários dos serviços de saúde e do que podem fazer para melhorar e tornar mais humanizada essa assistência. A partir da necessidade de reflexão sobre o tema, os profissionais podem sensibilizar-se acerca da importância da participação efetiva da equipe de saúde na assistência, educação, promoção da saúde, prevenção de intercorrências na gravidez e recuperação da saúde.
Nesta perspectiva, este artigo tem como objetivo relatar a experiência de implantação do Protocolo Operacional Padrão (POP) de uso das boas práticas de atenção ao parto e nascimento no HIPS.
Trata-se de um estudo descritivo referente à implantação do POP de uso das boas práticas de atenção ao parto e nascimento no HIPS, do tipo relato de experiência4, utilizando-se de um plano de ação para sensibilização dos profissionais no que concerne ao uso dessas práticas e avaliação da resposta a esse POP.
O problema da não padronização do uso das boas práticas foi identificado em 2015 e inicialmente realizou-se revisão de literatura sobre a temática; tais atividades serviriam como base para construção do PI (Projeto de Intervenção).
A intervenção foi realizada no CO do HIPS, situado no município de Feira de Santana (BA), entre os anos 2017 – 2018. O HIPS popularmente conhecido como Hospital da Mulher, foi idealizado pelo médico Colbert Martins na década de 1980, em seu primeiro mandato como prefeito da cidade, e foi inaugurado em 30 de janeiro de 1992. O seu nome é uma homenagem a Inácia Pinto dos Santos, mãe do falecido prefeito Francisco Pinto (1963/1964).
O HIPS funciona como hospital de referência atendendo a demanda da zona urbana e rural do município e de outros 88 municípios que são pactuados. Tem como
proposta assistir à mulher no ciclo gravídico-puerperal e aos recém-nascidos, com qualidade e humanização, tentando manter a filosofia original dos seus serviços apesar das dificuldades encontradas ao longo de sua história. Além disso, busca ampliar suas instalações com vista à oferta de serviços públicos de qualidade.
O CO do HIPS funciona com quatro salas do sistema de pré-parto, parto e puerpério, com dois leitos em cada uma; duas salas de cuidados imediatos e mediatos ao recém-nascido; duas salas destinadas a partos operatórios; posto de enfermagem; uma sala para curetagem e uma sala de recuperação pós-anestésica com três leitos.
Todo o hospital e a maternidade funcionam 24 horas ininterruptamente. Contam com um quadro de funcionários fixos da instituição, alguns concursados, desde 1994 no regime estatutário, e outros, terceirizados cooperados ou celetistas5.
Este projeto de intervenção foi realizado com profissionais de saúde da categoria médica, enfermeira e técnicos de enfermagem que atuam na assistência ao parto do CO e do Acolhimento com Classificação e Risco em Obstetrícia (AC&R), e gestores do HIPS. Inicialmente a quantidade de participantes não foi delimitada, visto que se buscou alcançar o número máximo de profissionais possíveis no período definido para a realização do projeto.
Após a identificação de dados relacionados ao uso das boas práticas no HIPS e levantamento do aporte teórico, verificou-se a necessidade de se abordar melhor essa temática junto às equipes e de elaborar um POP, e posteriormente realizar a implantação deste no CO do HIPS. Para tanto foram realizados três momentos diferentes: sensibilização, educação e avaliação. Foi realizada uma análise descritiva dos achados e, em seguida, apresentados estes resultados às coordenações do centro obstétrico, do acolhimento, do consultório e da gestão, e posteriormente a todas as equipes plantonistas de forma a sensibilizá-las com a proposta de discussão do tema e análise das vivências que se dão na práxis. Uma vez identificado o desconhecimento dos servidores sobre o uso de boas práticas para o parto e nascimento, a proposta foi facilmente aceita pelos gestores, que demonstraram seu apoio à realização do PI de implantação do uso de boas práticas para o parto e nascimento.
O POP sobre as boas práticas na assistência ao parto, elaborado com base na publicação da OMS6, baseado em evidências científicas concluídas através de pesquisas feitas mundialmente, foi enviado para a Diretoria Médica e Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) em março de 2017 para apreciação, e encaminhado como projeto de intervenção pela Plataforma Brasil. Devido ao atraso na emissão do parecer, em virtude da
necessidade de ajustar alguns documentos, e sua liberação não ter sido possível em tempo hábil para cumprimento do cronograma da ESPBA, optou-se por realizar o plano piloto entre dezembro de 2017 e fevereiro de 2018.
EDUCAÇÃO: REALIZAÇÃO DE ATIVIDADE EDUCATIVA COM A EQUIPE MULTIPROFISSIONAL SOBRE AS BOAS PRÁTICAS PARA O PARTO E NASCIMENTO
Conforme o cronograma proposto durante os anos 2017–2018 no curso de especialização em enfermagem obstétrica da ESPBA, foi realizada uma atividade de integração entre as equipes multiprofissionais que atuam no CO, AC&R, e consultório, inicialmente, de forma a tentar sensibilizá-los para o cumprimento do protocolo ora divulgado, de forma a atender às recomendações da OMS. Essas atividades ocorreram no formato de oficinas e rodas de conversa de educação permanente no CO, proporcionando o cumprimento do POP, a melhoria na qualidade da assistência e a normatização de ações recomendadas pela OMS. Também foi aplicado um questionário de avaliação de maneira informal às puérperas no alojamento conjunto. Desenvolveram-se ações educativas a fim de atentar as usuárias, seus acompanhantes e os profissionais do setor, quanto à importância das boas práticas no trabalho de parto, parto e puerpério como plano teste/piloto em dezembro de 2017. Realizaram-se salas de espera no CO e nas enfermarias A, B, C e D, conforme plano de educação proposto. Entretanto, durante a atividade educativa, percebeu-se a necessidade de realizar rodas de conversas com os profissionais, em momentos oportunos durante seus turnos de trabalho, o que facilitou o engajamento deles acerca do protocolo, e influenciou na melhoria do atendimento às mulheres em trabalho de parto, parto e puerpério.
Elaborou-se cartaz informativo que foi fixado nos principais pontos do CO como estratégia de divulgação entre os profissionais e fonte de informação para as parturientes e acompanhantes.
Executadas as ações educativas, foi elaborado um instrumento de avaliação das boas práticas que foi aplicado nas enfermarias A, B, C e D durante duas semanas, após o término do plano piloto. Com a abordagem através de questionário simples não identificado realizouse a entrevista, não estruturada, em que se obteve a participação espontânea de cinquenta mulheres. Destas, 98% referiram terem sido atendidas com respeito e privacidade no local do parto e que se sentiram acolhidas pelos profissionais durante o atendimento. Apenas 4% responderam que não foi permitido escolher seus acompanhantes durante o trabalho de parto
e parto, porém todas queriam optar pelo companheiro como acompanhante, mas no CO não é permitida a entrada de acompanhantes do sexo masculino, para assegurar a privacidade das mulheres, uma vez que os pré-partos não são individuais.
Todas as mulheres disseram que os profissionais forneceram todas as informações e explicações que elas desejavam. Quanto à oferta de líquido, entre as 28 mulheres que tiveram parto normal, 17,9% referiram que não foi ofertado líquido durante o trabalho de parto e parto. Todas afirmaram que foi realizada a ausculta dos batimentos cardiofetais durante o trabalho de parto, porém 20% das mulheres não consideram que seu bem-estar físico e emocional foi monitorado pelos profissionais durante o trabalho de parto. Além disso, 71,4% das mulheres que referiram ter sentido dor no trabalho de parto relataram que não receberam terapia não farmacológica para alívio da dor.
Das mulheres que tiveram parto normal, 92,9% relataram ter liberdade para escolher sua posição e se desejavam movimentar-se durante o trabalho de parto. Quanto à posição, 92,9% das mulheres não foi estimulada a estar em posições não supinas durante o trabalho de parto. Quanto ao uso de ocitocina, 78,5% fizeram uso desse medicamento no trabalho de parto. Das 28 mulheres que tiveram parto normal, todas referiram que foi feito o contato pele a pele nos primeiros minutos de vida do bebê e todas as 22 que tiveram parto cesáreo referiram que não tiveram contato pele a pele com o bebê.
Os resultados permitiram verificar que existia uma lacuna relacionada à efetiva aplicação das boas práticas recomendadas pela OMS e a necessidade de se trabalhar tal recomendação, fato que começou de forma tímida, mas importante. Com o Curso de Especialização em Enfermagem Obstétrica e a possibilidade de elaborar um PI, percebeu-se a excelente oportunidade de abordar a temática da implantação do POP de uso das boas práticas em atenção ao parto e nascimento em um centro obstétrico de Feira de Santana (BA).
Desde então este PI tornou-se de grande importância, funcionando como mais uma proposta de atenção humanizada, uma vez que possibilitou aos profissionais de saúde desta unidade e aos gestores tecer reflexões e, assim, analisar criticamente o seu processo de trabalho. Também serviu como ponto de partida para a consideração sobre os cuidados que prestam aos usuários e sobre as medidas que devem ser utilizadas para melhorar e tornar mais segura e abrangente a assistência prestada, aspecto que os atentou quanto à importância da participação de todos na assistência, educação, promoção da saúde e respeito às escolhas das gestantes, ao tempo em que se assegura o momento do parto como único na vida da mulher.
A aplicação do plano piloto ou plano teste trouxe resultados surpreendentes, descritos já no plano de ação, por promover a reflexão sobre as ações realizadas ao longo da elaboração do projeto e a sensibilização dos gestores e profissionais, bem como demonstrou ser este o caminho a ser traçado. As avaliações, fotos das ações realizadas e das usuárias assistidas, trouxeram uma repercussão positiva, visto que hoje temos um serviço implantado de enfermagem obstétrica que busca como meta principal assistir à mulher gestante que procura o HIPS para parir, obedecendo às boas práticas preconizadas pelo Ministério da Saúde e pela OMS. Isso tornou-se evidente na satisfação da clientela assistida, que deixou registros em formulários de satisfação do setor de ouvidoria do HIPS, onde o percentual de satisfação pelo atendimento prestado na sala de parto, que era de 51% em 2017, passou a ser de 75%, além dos elogios feitos ao CO e às enfermeiras obstetras no mês de abril de 2018.
Ao longo dos últimos três meses observou-se que a presença do acompanhante em sala de parto normal e parto cesariano, o respeito ao clampeamento tardio e à hora dourada, a frequência de secção de cordão por acompanhantes e a prestação de cuidados imediatos ao recém-nascido ao lado da mãe tiveram uma aceitação melhor por parte da equipe, aspectos que contemplam assim as recomendações do POP e a lei do acompanhante.
O POP de boas práticas passa no momento por uma atualização, uma vez que foi criado tendo como referência o guia da OMS de 1996, e houve publicação de nova recomendação em fevereiro de 2018. Acredita-se que o alcance da meta de implantação deste protocolo de forma totalmente efetiva pode trazer benefícios não só para nossa clientela gestante e puérperas, mas ao trinômio (mãe, pai e filho) e para a sociedade como um todo, fato que irá requerer um estudo epidemiológico mais detalhado, que será realizado oportunamente após a sua efetiva implantação. Vale destacar aqui que o apoio recebido da gestão para a realização e implantação deste PI foi de fundamental importância para que a experiência fosse exitosa.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Luciane Alves Ribeiro.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Luciane Alves Ribeiro e Denise Santana Silva dos Santos.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Luciane Alves Ribeiro e Denise Santana Silva dos Santos.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Luciane Alves Ribeiro e Denise Santana Silva dos Santos.
1. Souza TG, Gaíva MAM, Modes PSSA. A humanização do nascimento: percepção dos profissionais de saúde que atuam na atenção ao parto. Rev Gaúcha Enferm. 2011;32(3):479-86.
2. Carvalho EMP, Göttems LBD, Pires MRGM. Adesão às boas práticas na atenção ao parto normal: construção e validação de instrumento. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(6):889-97.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Gravidez, parto e nascimento com saúde, qualidade de vida e bem-estar. Brasília (DF); 2013.
4. Gil AC. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo (SP): Atlas; 2010.
5. Marconi MA, Lakatos EM. Fundamentos de metodologia científica. 7a ed. São Paulo (SP): Atlas; 2010.
6. Organização Mundial da Saúde. Assistência ao parto normal: um guia prático. Saúde materna e neonatal. Unidade de maternidade segura. Saúde reprodutiva e da família. Genève; 1996.
Recebido: 20.9.2018. Aprovado: 30.9.2020.
A Revista Baiana de Saúde Pública (RBSP), publicação oficial da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), de periodicidade trimestral, publica contribuições sobre aspectos relacionados aos problemas de saúde da população e à organização dos serviços e sistemas de saúde e áreas correlatas. São aceitas para publicação as contribuições escritas preferencialmente em português, de acordo com as normas da RBSP, obedecendo a ordem de aprovação pelos editores. Os trabalhos são avaliados por pares, especialistas nas áreas relacionadas aos temas referidos.
Os manuscritos devem destinar-se exclusivamente à RBSP, não sendo permitida sua apresentação simultânea a outro periódico, tanto no que se refere ao texto como às ilustrações e tabelas, quer na íntegra ou parcialmente. Os artigos publicados serão de propriedade da revista, ficando proibida a reprodução total ou parcial em qualquer meio de divulgação, impresso ou eletrônico, sem a prévia autorização da RBSP. Devem ainda referenciar artigos sobre a temática publicados nesta Revista.
1 Artigos Temáticos: revisão crítica ou resultado de pesquisa de natureza empírica, experimental ou conceitual sobre um assunto em pauta, definido pelo Conselho Editorial (10 a 20 páginas).
2 Artigos Originais de Tema Livre:
2.1 pesquisa: artigos apresentando resultados finais de pesquisas científicas (10 a 20 páginas);
2.2 ensaios: artigos com análise crítica sobre um tema específico (5 a 8 páginas);
2.3 revisão: artigos com revisão crítica de literatura sobre tema específico, solicitados pelos editores (8 a 15 páginas).
3 Comunicações: informes de pesquisas em andamento, programas e relatórios técnicos (5 a 8 páginas).
4 Teses e dissertações: resumos de dissertações de mestrado e teses de doutorado/ livre docência defendidas e aprovadas em universidades brasileiras (máximo 2 páginas). Os resumos devem ser encaminhados com o título oficial da tese/dissertação, dia e local da defesa, nome do orientador e local disponível para consulta.
5 Resenha de livros: livros publicados sobre temas de interesse, solicitados pelos editores (1 a 4 páginas).
6 Relato de experiência: apresentando experiências inovadoras (8 a 10 páginas).
7 Carta ao editor: comentários sobre material publicado (2 páginas).
8 Documentos: de órgãos oficiais sobre temas relevantes (8 a 10 páginas).
De responsabilidade dos editores, pode também ser redigido por um convidado, mediante solicitação do editor geral (1 a 3 páginas).
ITENS DE VERIFICAÇÃO PARA SUBMISSÃO
Como parte do processo de submissão, os autores são obrigados a verificar a conformidade da submissão em relação a todos os itens listados a seguir. As submissões que não estiverem de acordo com as normas serão devolvidas aos autores.
Os trabalhos a serem apreciados pelos editores e revisores seguirão a ordem de recebimento e deverão obedecer aos seguintes critérios de apresentação:
a) todas as submissões devem ser enviadas por meio do Sistema Eletrônico de Editoração de Revista (SEER). Preenchimento obrigatório dos metadados, sem os quais o artigo não seguirá para avaliação;
b) as páginas do texto devem ser formatadas em espaço 1,5, com margens de 2 cm, fonte Times New Roman, tamanho 12, página padrão A4, numeradas no canto superior direito;
c) os desenhos ou fotografias digitalizadas devem ser encaminhados em arquivos separados;
d) o número máximo de autores por manuscrito científico é de seis (6).
Folha de rosto/Metadados: informar o título (com versão em inglês e espanhol), nome(s) do(s) autor(es), principal vinculação institucional de cada autor, órgão(s) financiador(es) e endereço postal e eletrônico de um dos autores para correspondência.
Segunda folha/Metadados: iniciar com o título do trabalho, sem referência a autoria, e acrescentar um resumo de no máximo 200 palavras, com versão em inglês (Abstract) e espanhol (Resumen). Trabalhos em espanhol ou inglês devem também apresentar resumo em português.
Palavras-chave (3 a 5) extraídas do vocabulário DeCS (Descritores em Ciências da Saúde/ www. decs.bvs.br) para os resumos em português e do MESH (Medical Subject Headings/ www.nlm. nih.gov/mesh) para os resumos em inglês.
Terceira folha: título do trabalho sem referência à autoria e início do texto com parágrafos alinhados nas margens direita e esquerda (justificados), observando a sequência: introdução – conter justificativa e citar os objetivos no último parágrafo; material e métodos; resultados, discussão, conclusão ou considerações finais (opcional) e referências. Digitar em página independente os agradecimentos, quando necessários, e as contribuições individuais de cada autor na elaboração do artigo.
Os resumos devem ser apresentados nas versões português, inglês e espanhol. Devem expor sinteticamente o tema, os objetivos, a metodologia, os principais resultados e as conclusões. Não incluir referências ou informação pessoal.
Obrigatoriamente, os arquivos das ilustrações (quadros, gráficos, fluxogramas, fotografias, organogramas etc.) e tabelas devem ser encaminhados em arquivo independente; suas páginas não devem ser numeradas. Estes arquivos devem ser compatíveis com o processador de texto “Microsoft Word” (formatos: PICT, TIFF, GIF, BMP).
O número de ilustrações e tabelas deve ser o menor possível. As ilustrações coloridas somente serão publicadas se a fonte de financiamento for especificada pelo autor.
Na seção resultados, as ilustrações e tabelas devem ser numeradas com algarismos arábicos, por ordem de aparecimento no texto, e seu tipo e número destacados em negrito (e.g. “[...] na Tabela 2 as medidas [...]).
No corpo das tabelas, não utilizar linhas verticais nem horizontais; os quadros devem ser fechados.
Os títulos das ilustrações e tabelas devem ser objetivos, situar o leitor sobre o conteúdo e informar a abrangência geográfica e temporal dos dados, segundo Normas de Apresentação Tabular do IBGE (e.g.: Gráfico 2 – Número de casos de aids por região geográfica. Brasil – 1986-1997).
Ilustrações e tabelas reproduzidas de outras fontes já publicadas devem indicar esta condição após o título.
Trabalho que resulte de pesquisa envolvendo seres humanos ou outros animais deve vir acompanhado de cópia escaneada de documento que ateste sua aprovação prévia por um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), além da referência na seção Material e Métodos.
Preferencialmente, qualquer tipo de trabalho encaminhado (exceto artigo de revisão) deverá listar até 30 fontes.
As referências no corpo do texto deverão ser numeradas em sobrescrito, consecutivamente, na ordem em que sejam mencionadas a primeira vez no texto.
As notas explicativas são permitidas, desde que em pequeno número, e devem ser ordenadas por letras minúsculas em sobrescrito. As referências devem aparecer no final do trabalho, listadas pela ordem de citação, alinhadas apenas à esquerda da página, seguindo as regras propostas pelo Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas (Requisitos Uniformes para Manuscritos apresentados a periódicos biomédicos/Vancouver), disponíveis em http://www.icmje.org ou http://www.abeceditores.com.br.
Quando os autores forem mais de seis, indicar apenas os seis primeiros, acrescentando a expressão et al.
Exemplos:
a) LIVRO
Acha PN, Szyfres B. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales. 2ª ed. Washington (DC): Organizacion Panamericana de la Salud; 1989.
b) CAPÍTULO DE LIVRO
Almeida JP, Rodriguez TM, Arellano JLP. Exantemas infecciosos infantiles. In: Arellano JLP, Blasco AC, Sánchez MC, García JEL, Rodríguez FM, Álvarez AM, editores. Guía de autoformación en enfermedades infecciosas. Madrid: Panamericana; 1996. p. 1155-68.
c) ARTIGO
Azevêdo ES, Fortuna CMM, Silva KMC, Sousa MGF, Machado MA, Lima AMVMD, et al. Spread and diversity of human populations in Bahia, Brazil. Hum Biol. 1982;54:329-41.
d) TESE E DISSERTAÇÃO
Britto APCR. Infecção pelo HTLV-I/II no estado da Bahia [Dissertação]. Salvador (BA): Universidade Federal da Bahia; 1997.
e) RESUMO PUBLICADO EM ANAIS DE CONGRESSO
Santos-Neto L, Muniz-Junqueira I, Tosta CE. Infecção por Plasmodium vivax não apresenta disfunção endotelial e aumento de fator de necrose tumoral-α (FNT-α) e interleucina-1α (IL-1α). In: Anais do 30º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Salvador, Bahia; 1994. p. 272.
Comissão de Residência Médica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia. Regimento Interno da Coreme. Extraído de [http://www.hupes. ufba.br/coreme], acesso em [20 de setembro de 2001].
Não incluir nas Referências material não publicado ou informação pessoal. Nestes casos, assinalar no texto: (i) Antunes Filho FF, Costa SD: dados não publicados; ou (ii) Silva JA: comunicação pessoal, 1997. Todavia, se o trabalho citado foi aceito para publicação, incluí-lo entre as referências, citando os registros de identificação necessários (autores, título do trabalho ou livro e periódico ou editora), seguido da expressão latina In press e o ano.
Quando o trabalho encaminhado para publicação tiver a forma de relato de investigação epidemiológica, relato de fato histórico, comunicação, resumo de trabalho final de curso de pós-graduação, relatórios técnicos, resenha bibliográfica e carta ao editor, o(s) autor(es) deve(m) utilizar linguagem objetiva e concisa, com informações introdutórias curtas e precisas, delimitando o problema ou a questão objeto da investigação. Seguir as orientações para referências, ilustrações e tabelas.
As contribuições encaminhadas só serão aceitas para apreciação pelos editores e revisores se atenderem às normas da revista.
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The Public Health Journal of Bahia (RBSP), a quarterly official publication of the Health Secretariat of the State of Bahia (Sesab), publishes contributions on aspects related to population’s health problems, health system services and related areas. It accepts for publication written contributions, preferably in Portuguese, according to the RBSP standards, following the order of approval by the editors. Peer experts in the areas related to the topics in question evaluate the papers.
The manuscripts must be exclusively destined to RBSP, not being allowed its simultaneous submission to another periodical, neither of texts nor illustrations and charts, in part or as a whole. The published articles belong to the journal. Thus, the copyright of the article is transferred to the Publisher. Therefore, it is strictly forbidden partial or total copy of the article in the mainstream and electronic media without previous authorization from the RBSP. They must also mention articles about the topics published in this Journal.
1 Theme articles: critical review or result from empirical, experimental or conceptual research about a current subject defined by the editorial council (10 to 20 pages).
2 Free theme original articles:
2.1 research: articles presenting final results of scientific researches (10 to 20 pages);
2.2 essays: articles with a critical analysis on a specific topic (5 to 8 pages);
2.3 review: articles with a critical review on literature about a specific topic, requested by the editors (8 to 15 pages).
3 Communications: reports on ongoing research, programs and technical reports (5 to 8 pages).
4 Theses and dissertations: abstracts of master degree’ dissertations and doctorate thesis/ licensure papers defended and approved by Brazilian universities (2 pages maximum). The abstracts must be sent with the official title, day and location of the thesis’ defense, name of the counselor and an available place for reference.
5 Book reviews: Books published about topics of current interest, as requested by the editors (1 to 4 pages).
6 Experiments’ report: presenting innovative experiments (8 to 10 pages).
7 Letter to the editor: comments about published material (2 pages).
8 Documents: of official organization about relevant topics (8 to 10 pages).
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The editors must evaluate the papers and the revisers will follow the order of receipt and shall abide by the following criteria of submission:
a) all the submissions must be made by the publisher online submission system (SEER). The metadata must be filled in. Failure to do so will result in the nonevaluation of the article;
b) the text pages must be formatted in 1.5 spacing, with 2 cm margins, Times New Roman typeface, font size 12, A4 standard page, numbered at top right;
c) drawings and digital pictures will be forwarded in separate files;
d) the maximum number of authors per manuscript is six (6).
Cover sheet/Metadata: inform the title (with an English and Spanish version), name(s) of the author(s), main institutional connection of each author, funding organization(s) and postal and electronic address of one of authors for correspondence.
Second page/Metadata: Start with the paper’s title, without reference to authorship and add an abstract of up to 200 words, followed with English (Abstracts) and Spanish (Resumen) versions. Spanish and English papers must also present an abstract in Portuguese. Keywords (3 to 5) extracted from DeCS (Health Science Descriptors at www.decs.bvs.br) for the abstracts in Portuguese and from MESH (Medical Subject Headings at www.nlm.nih.gov/mesh) for the abstracts in English.
Third page: paper’s title without reference to authorship and beginning of the text with paragraphs aligned to both right and left margins (justified), observing the following sequence: introduction –containing justification and mentioning the objectives in the last paragraph; material and methods; results, discussion, conclusion or final considerations (optional) and references. Type in the acknowledgement on an independent page whenever necessary, and the individual contribution of each author when elaborating the article.
The abstracts must be presented in the Portuguese, English and Spanish versions. They must synthetically expose the topic, objectives, methodology, main results and conclusions. It must not include personal references or information.
The files of the illustrations (charts, graphs, flowcharts, photographs, organization charts etc.) and tables must forcibly be independent; their pages must not be numbered. These files must be compatible with “Microsoft Word” word processor (formats: PICT, TIFF, GIF, BMP).
Colored illustration will only be published if the author specifies the funding source.
On the results section illustrations and tables must be numbered with Arabic numerals, ordered by appearance in the text, and its type and number must be highlighted in bold (e.g. “[...] on Table 2 the measures […]).
On the body of tables use neither vertical nor horizontal lines; the charts must be framed.
The titles of the illustrations and tables must be objective, contextualize the reader about the content and inform the geographical and time scope of the data, according to the Tabular Presentation Norms of IBGE (e.g.: Graph 2 – Number of Aids cases by geographical region. Brazil – 1986-1997).
Illustrations and tables reproduced from already published sources must have this condition informed after the title.
Paper that results from research involving human beings or other animals must be followed by a scanned document, which attests its previous approval by a Research Ethic Committee (REC), in addition to the reference at the Material and Methods Section.
Preferably, any kind of paper sent (except review article) must list up to 30 sources.
The references in the body of the text must be consecutively numbered in superscript, in the order that they are mentioned for the first time.
Explanatory notes are allowed, provided that in small number and low case letters in superscript must order them.
References must appear at the end of the work, listed by order of appearance, aligned only to the left of the page, following the rules proposed by the International Committee of Medical Journal Editors (Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals/ Vancouver), available at http://www.icmje.org or http://www.abec-editores.com.br.
When there are more than six authors, indicate only the first six, adding the expression et al.
Examples:
a) BOOK
Acha PN, Szyfres B. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales. 2ª ed. Washington (DC): Organizacion Panamericana de la Salud; 1989.
b) BOOK CHAPTER
Almeida JP, Rodriguez TM, Arellano JLP. Exantemas infecciosos infantiles. In: Arellano JLP, Blasco AC, Sánchez MC, García JEL, Rodríguez FM, Álvarez AM, editores. Guía de autoformación en enfermedades infecciosas. Madrid: Panamericana; 1996. p. 1155-68.
c) ARTICLE
Azevêdo ES, Fortuna CMM, Silva KMC, Sousa MGF, Machado MA, Lima AMVMD, et al. Spread and diversity of human populations in Bahia, Brazil. Hum Biol. 1982;54:329-41.
d) THESIS AND DISSERTATION
Britto APCR. Infecção pelo HTLV-I/II no estado da Bahia [Dissertação]. Salvador (BA): Universidade Federal da Bahia; 1997.
e) ABSTRACT PUBLISHED IN CONFERENCE ANNALS
Santos-Neto L, Muniz-Junqueira I, Tosta CE. Infecção por Plasmodium vivax não apresenta disfunção endotelial e aumento de fator de necrose tumoral-α (FNT-α) e interleucina-1α (IL-α). In: Anais do 30º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Salvador, Bahia; 1994. p. 272.
f) DOCUMENTS OBTAINED FROM INTERNET ADDRESS
Comissão de Residência Médica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia. Regimento Interno da Coreme. Extraído de [http://www. hupes. ufba.br/coreme], acesso em [20 de setembro de 2001].
Do not include unpublished material or personal information in the References. In such cases, indicate it in the text: (i) Antunes Filho FF, Costa SD: unpublished data; or Silva JA: personal communication, 1997. However, if the mentioned material was accepted for publication, include it in the references, mentioning the required identification entries (authors, title of the paper or book and periodical or editor), followed by the Latin expression In press, and the year.
When the paper directed to publication have the format of an epidemiological research report, historical fact report, communication, abstract of post-graduate studies’ final paper, technical report, bibliographic report and letter to the editor, the author(s) must use a direct and concise language, with short and precise introductory information, limiting the problem or issue object of the research. Follow the guidelines for the references, illustrations and tables.
The editors and reviewers will only accept the contribution sent for evaluation if they comply with the standards of the journal.
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La Revista Baiana de Salud Pública (RBSP), publicación oficial de la Secretaria de la Salud del Estado de la Bahia (Sesab), de periodicidad trimestral, publica contribuciones sobre aspectos relacionados a los problemas de salud de la población y a la organización de los servicios y sistemas de salud y áreas correlatas. Son aceptas para publicación las contribuciones escritas preferencialmente en portugués, de acuerdo con las normas de la RBSP, obedeciendo la orden de aprobación por los editores. Los trabajos son evaluados por pares, especialistas en las áreas relacionadas a los temas referidos.
Los manuscritos deben destinarse exclusivamente a la RBSP, no siendo permitida su presentación simultánea a otro periódico, tanto en lo que se refiere al texto como a las ilustraciones y tablas, sea en la íntegra o parcialmente. Los artículos publicados serán de propiedad de la revista, quedando prohibida la reproducción total o parcial en cualquier soporte (impreso o electrónico), sin la previa autorización de la RBSP. Deben, también, hacer referencia a artículos sobre la temática publicados en esta Revista.
1 Artículos Temáticos: revisión crítica o resultado de investigación de naturaleza empírica, experimental o conceptual sobre un asunto en pauta, definido por el Consejo Editorial (10 a 20 hojas).
2 Artículos originales de tema libre:
2.1 investigación: artículos presentando resultados finales de investigaciones científicas (10 a 20 hojas);
2.2 ensayos: artículos con análisis crítica sobre un tema específico (5 a 8 hojas);
2.3 revisión: artículos con revisión crítica de literatura sobre tema específico, solicitados por los editores (8 a 15 hojas).
3 Comunicaciones: informes de investigaciones en andamiento, programas e informes técnicos (5 a 8 hojas).
4 Tesis y disertaciones: resúmenes de tesis de maestría y tesis de doctorado/ libre docencia defendidas y aprobadas en universidades brasileñas (máximo 2 hojas). Los resúmenes deben ser encaminados con el título oficial de la tesis, día y local de la defensa, nombre del orientador y local disponible para consulta.
5 Reseña de libros: libros publicados sobre temas de interés, solicitados por los editores (1 a 4 hojas).
6 Relato de experiencias: presentando experiencias innovadoras (8 a 10 hojas).
7 Carta al editor: comentarios sobre material publicado (2 hojas).
8 Documentos: de organismos oficiales sobre temas relevantes (8 a 10 hojas).
De responsabilidad de los editores, también puede ser redactado por un invitado, mediante solicitación del editor general (1 a 3 páginas).
ITEM DE VERIFICACIÓN PARA SUMISIÓN
Como parte del proceso de sumisión, los autores son obligados a verificar la conformidad de la sumisión en relación a todos los item descritos a seguir. Las sumisiones que no estén de acuerdo con las normas serán devueltas a los autores.
Los trabajos apreciados por los editores y revisores seguirán la orden de recibimiento y deberán obedecer a los siguientes criterios de presentación:
a) todos los trabajos deben ser enviados a través del Sistema de Publicación
Electrónica de Revista (SEER). Completar obligatoriamente los metadatos, sin los cuales el artículo no será encaminado para evaluación;
b) las páginas deben ser formateadas en espacio 1,5, con márgenes de 2 cm, fuente Times New Roman, tamaño 12, página patrón A4, numeradas en el lado superior derecho;
c) los diseños o fotografías digitalizadas serán encaminadas en archivos separados;
d) el número máximo de autores por manuscrito científico es de seis (6).
Página de capa/Metadatos: informar el título (con versión en inglés y español), nombre(s) del(los) autor(es), principal vinculación institucional de cada autor, órgano(s) financiador(es) y dirección postal y electrónica de uno de los autores para correspondencia.
Segunda página/Metadatos: iniciada con el título del trabajo, sin referencia a la autoría, y agregar un resumen de 200 palabras como máximo, con versión en inglés (Abstract) y español (Resumen). Trabajos en español o inglés deben también presentar resumen en portugués. Palabras clave (3 a 5) extraídas del vocabulario DeCS (Descritores en Ciências da Saúde/ www. decs.bvs.br) para los resúmenes en portugués y del MESH (Medical Subject Headings/ www. nlm.nih.gov/mesh) para los resúmenes en inglés.
Tercera página: título del trabajo sin referencia a la autoría e inicio del texto con parágrafos alineados en las márgenes derecha e izquierda (justificados), observando la secuencia: introducción – contener justificativa y citar los objetivos en el último parágrafo; material y métodos; resultados, discusión, conclusión o consideraciones finales (opcional) y referencias. Digitar en página independiente los agradecimientos, cuando sean necesarios, y las contribuciones individuales de cada autor en la elaboración del artículo.
Los resúmenes deben ser presentados en las versiones portugués, inglés y español. Deben exponer sintéticamente el tema, los objetivos, la metodología, los principales resultados y las conclusiones. No incluir referencias o información personal.
Obligatoriamente, los archivos de las ilustraciones (cuadros, gráficos, diagrama de flujo, fotografías, organigramas etc.) y tablas deben ser independientes; sus páginas no deben ser numeradas. Estos archivos deben ser compatibles con el procesador de texto “Microsoft Word” (formatos: PICT, TIFF, GIF, BMP).
El número de ilustraciones y tablas debe ser el menor posible. Las ilustraciones coloridas solamente serán publicadas si la fuente de financiamiento sea especificada por el autor.
En la sección de resultados, las ilustraciones y tablas deben ser enumeradas con numeración arábiga, por orden de aparecimiento en el texto, y su tipo y número destacados en negrita (e.g. “[...] en la Tabla 2 las medidas [...]).
En el cuerpo de las tablas, no utilizar líneas verticales ni horizontales; los cuadros deben estar cerrados.
Los títulos de las ilustraciones y tablas deben ser objetivos, situar al lector sobre el contenido e informar el alcance geográfico y temporal de los datos, según Normas de Presentación de Tablas del IBGE (e.g.: Gráfico 2 – Número de casos de SIDA por región geográfica. Brasil – 1986-1997).
Ilustraciones y tablas reproducidas de otras fuentes ya publicadas deben indicar esta condición después del título.
Trabajo resultado de investigación envolviendo seres humanos u otros animales debe venir acompañado con copia escaneada de documento que certifique su aprobación previa por un Comité de Ética en Investigación (CEP), además de la referencia en la sección Material y Métodos.
Preferencialmente, cualquier tipo de trabajo encaminado (excepto artículo de revisión) deberá listar un máximo de 30 fuentes.
Las referencias en el cuerpo del texto deberán ser enumeradas en sobrescrito, consecutivamente, en el orden en que sean mencionadas la primera vez en el texto.
Las notas explicativas son permitidas, desde que en pequeño número, y deben ser ordenadas por letras minúsculas en sobrescrito.
Las referencias deben aparecer al final del trabajo, listadas en orden de citación, alineadas apenas a la izquierda de la página, siguiendo las reglas propuestas por el Comité Internacional de Editores de Revistas Médicas (Requisitos uniformes para manuscritos presentados a periódicos biomédicos/ Vancouver), disponibles en http://www.icmje.org o http://www.abeceditores. com.br.
Cuando los autores sean más de seis, indicar apenas los seis primeros, añadiendo la expresión et al.
Ejemplos:
a) LIBRO
Acha PN, Szyfres B. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales.
2ª ed. Washington (DC): Organización Panamericana de la Salud; 1989.
b) CAPÍTULO DE LIBRO
Almeida JP, Rodriguez TM, Arellano JLP. Exantemas infecciosos infantiles. In: Arellano JLP, Blasco AC, Sánchez MC, García JEL, Rodríguez FM, Álvarez AM, editores. Guía de autoformación en enfermedades infecciosas. Madrid: Panamericana; 1996. p. 1155-68.
c) ARTÍCULO
Azevêdo ES, Fortuna CMM, Silva KMC, Sousa MGF, Machado MA, Lima AMVMD, et al. Spread and diversity of human populations in Bahia, Brazil. Hum Biol. 1982;54:329-41.
d) TESIS Y DISERTACIÓN
Britto APCR. Infecção pelo HTLV-I/II no estado da Bahia [Dissertação]. Salvador (BA): Universidade Federal da Bahia; 1997.
e) RESUMEN PUBLICADO EN ANALES DE CONGRESO
Santos-Neto L, Muniz-Junqueira I, Tosta CE. Infecção por Plasmodium vivax não apresenta disfunção endotelial e aumento de fator de necrose tumoral-α (FNT-α) e interleucina-1α (IL-1α). In: Anais do 30º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Salvador, Bahia; 1994. p. 272.
f) DOCUMENTOS EXTRAIDOS DE SITIOS DE LA INTERNET
Comissão de Residência Médica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia. Regimento Interno da Coreme. Extraído de [http://www.hupes. ufba.br/coreme], acesso em [20 de setembro de 2001].
No incluir en las Referencias material no publicado o información personal. En estos casos, indicar en el texto: (i) Antunes Filho FF, Costa SD: datos no publicados; o (ii) Silva JA: comunicación personal, 1997. Sin embargo, si el trabajo citado es acepto para publicación, incluirlo entre las referencias, citando los registros de identificación necesarios (autores, título del trabajo o libro y periódico o editora), seguido de la expresión latina In press y el año.
Cuando el trabajo encaminado para publicación tenga la forma de relato de investigación epidemiológica, relato de hecho histórico, comunicación, resumen de trabajo final de curso de postgraduación, informes técnicos, reseña bibliográfica y carta al editor, el(los) autor(es) debe(n) utilizar lenguaje objetiva y concisa, con informaciones introductorias cortas y precisas, delimitando el problema o la cuestión objeto de la investigación. Seguir las orientaciones para referencias, ilustraciones y tablas.
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ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE
AVANÇOS E DESAFIOS PARA GARANTIA DO ACESSO A MEDICAMENTOS DO COMPONENTE ESPECIALIZADO PERSPECTIVA DE DESCENTRALIZAÇÃO E REGIONALIZAÇÃO DE UM CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA NA BAHIA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NO ACESSO A MEDICAMENTOS NO SUS EM UMA SECRETARIA ESTADUAL DA SAÚDE REDE CEGONHA POTENCIALIZANDO MUDANÇAS NA FORMAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA UMA ANÁLISE DA ARTICULAÇÃO DA SAÚDE MENTAL COM A ATENÇÃO BÁSICA
AÇÕES NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA PARA COMBATE À SÍFILIS CONGÊNITA
OUVIDORIA SUS: ANÁLISE DAS MANIFESTAÇÕES DE 2017 AMPARADAS NA LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO
MORTALIDADE INFANTIL E FETAL: ANÁLISE DOS CASOS NO MUNICÍPIO DE BARREIRAS, BAHIA, 2008-2017
EDUCAÇÃO EM SAÚDE EM COMUNIDADES QUILOMBOLAS: REVISÃO DE LITERATURA
CONHECIMENTO DA GESTANTE E DIREITOS ASSEGURADOS PELA REDE CEGONHA: CONTRIBUIÇÃO GESTORA
REFLEXOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE A MORTALIDADE POR CÂNCER DO COLO UTERINO ACOLHIMENTO NA ATENÇÃO BÁSICA: UMA REVISÃO DA LITERATURA
RELATO DE EXPERIÊNCIA
O PROCESSO DE ORIENTAÇÃO DE TRABALHOS DE CONCLUSÃO DE CURSOS DE ESPECIALIZAÇÃO: A EXPERIÊNCIA DA ESCOLA DE SAÚDE PÚBLICA DA BAHIA
FORMAÇÃO EM SAÚDE E EFEITOS NO TRABALHO: AVALIANDO PROCESSOS E CAMINHOS DE PROCESSOS EDUCATIVOS
INSERÇÃO DO NUTRICIONISTA NA EQUIPE MÍNIMA DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA: RELATO DE EXPERIÊNCIA
COTIDIANOSUS: INTEGRAÇÃO ENSINO-SERVIÇO QUE QUALIFICA A FORMAÇÃO
ESTUDANTIL E FORTALECE
O SUS NA BAHIA
O PLANEJAMENTO FAMILIAR E A MORTALIDADE MATERNA POR ABORTO A POLÍTICA DE SAÚDE NA BAHIA (1925-1930)
IMPLANTAÇÃO DO PROTOCOLO DE USO DAS BOAS PRÁTICAS EM ATENÇÃO AO PARTO E NASCIMENTO EM UM CENTRO OBSTÉTRICO DE FEIRA DE SANTANA: RELATO DE EXPERIÊNCIA