Publicado originalmente por B&H Publishing Group Nashville, Tennessee www.bhpublishinggroup.com
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Rua Professor Saldanha 110, Lagoa, Rio de Janeiro-RJ, 22.461-220
1ª edição: 2025
ISBN: 978-65-81489-77-9
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Proibida a reprodução por quaisquer meios, salvo citações breves, com indicação da fonte.
Direção executiva
Judiclay Silva Santos
Conselho editorial
Judiclay Santos
David Bledsoe
Paulo Valle
Gilson Santos
Leandro Peixoto
Supervisão editorial: Cesare Turazzi
Tradução: Pro Nobis Editora
Preparação de texto: Bruna G. Ribeiro, Isabela Fontenelles
Revisão de provas: Thalles de Araujo
Revisão técnica: Judiclay S. Santos
Capa: Filipe Ribeiro
Diagramação: Marcos Jundurian
Nesta obra, as citações bíblicas foram extraídas da Bíblia Almeida Revista e Atualizada (ARA), salvo informação em contrário.
As opiniões representadas nesta obra são de inteira responsabilidade do autor e não necessariamente representam as opiniões e os posicionamentos da Pro Nobis Editora ou de sua equipe editorial.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Nettles, Tom J.
Por que somos batistas/Tom J. Nettles, Russell Moore; [tradução Pro Nobis Editora]. – Rio de Janeiro: Pro Nobis Editora, 2025.
Título original: Why I am a Baptist.
ISBN 978-65-81489-77-9
1. Batistas - Biografia 2. Batistas - Doutrinas 3. Convenção Batista do Sul (Estados Unidos)Doutrinas 4. Convenção Batista do Sul (Estados Unidos) - Biografia I. Moore, Russell. II. Título.
25-265969
Índices para catálogo sistemático:
1. Batistas: Vida cristã: História 286
Eliete Marques da Silva – Bibliotecária – CRB-8/9380
— Geoffrey Thomas .................................................. 181
Parte 5
Considerações do gabinete pastoral
12. Quando os sentidos atrapalham: Dos sacramentos católicos à convicção batista
— Andrew Davis ...................................................... 199
13. Levando tudo em consideração... um batista
— Mark E. Dever ..................................................... 213
14. Um batista na berlinda
— Tom Elliff ............................................................ 225
15. A tristeza gosta de estar acompanhada?
Um pastor presbiteriano volta para casa
— Fred A. Malone .................................................... 231
16. Um batista provado pelo fogo
— Al Meredith ......................................................... 245
Parte 6
Considerações da sala de estar
17. Tudo que uma mãe batista poderia desejar
— Donna Ascol ........................................................ 261
18. A herança de um batista
— Denise George ...................................................... 277
Parte 7
Considerações do púlpito dos mestres
19. Um simples cristão... e batista
— Douglas Blount .................................................... 291
20. Distinta e abertamente batista
— Stan Norman ....................................................... 303
21. O sangue é mais espesso que a água
— Donald S. Whitney ............................................... 319
Parte 8
Considerações de líderes CRISTÃOS
22. Batista por causa da Bíblia
— Wayne Grudem .................................................... 337
23. Cinquenta anos como batista
— Carl F. H. Henry ................................................. 349
24. O que estou fazendo aqui?
— C. Ben Mitchell.................................................... 363
25. É a graça — e não a raça — que conta aqui
— Roger Nicole ......................................................... 375
Parte 9
Considerações finais
26. Afinal, batista: Conservadores ressurgentes enfrentam o futuro
— Russell D. Moore .................................................. 383
Prefácio à edição
em português
No dia 12 de maio de 1991, mediante pública profissão de fé em Jesus Cristo como Senhor e Salvador, fui batizado em nome do Deus Trino. A inesquecível cerimônia de batismo aconteceu na Primeira Igreja Batista de Jequié, uma histórica igreja, organizada em 1901. Muitos familiares meus foram batizados nela, inclusive a minha querida mãe. Tenho terna lembrança do pastor Jess Carlos Monteiro Costa, exímio pregador, notável evangelista e piedoso servo de Deus. Seu ministério moldaria, de forma muito positiva, as minhas primeiras impressões sobre o que é e o que faz um ministro da Palavra.
Vale dizer, porém, que as sementes da fé já tinham sido semeadas muito antes do batismo. Logo após o meu nascimento, em fevereiro de 1978, fui apresentado ao Senhor em um culto público na Igreja Batista Betânia. A oração foi feita pelo pastor Carlos Farias de Macedo, o qual também oficiou o casamento dos meus pais. Ali congregamos por um tempo. Depois, por mudança de endereço, congregamos na Igreja Batista Betel, à época pastoreada por José de Oliveira.
No contexto dessas três igrejas batistas do interior da Bahia, especialmente na PIB de Jequié, onde fui batizado e firmei os meus passos na jornada da fé, a identidade batista começou a ser moldada. Passados todos esses anos, há mais de duas décadas como pastor, olho para trás e vejo em tudo a bondosa mão da Providência. Deus é testemunha da minha alegria por ser batista e o quanto sou grato por isso. Não faço da minha identidade denominacional um ídolo, mas sou batista por convicção e amo a história dos batistas, no Brasil e no mundo.
No Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, onde estudei entre os anos de 2001 e 2004, a minha visão sobre a história do povo batista foi ampliada. A partir da leitura de alguns clássicos, da conversa com professores e da observação das igrejas no contexto do Rio de Janeiro, comecei a perceber que havia uma distância entre a nossa história e a realidade atual. Percebi que nem todas as igrejas batistas eram de fato batistas.
As últimas décadas foram marcadas por mudanças sem precedentes. Nem todas foram ruins, mas certamente houve uma transformação cultural que afetou as igrejas batistas. Por conta do pluralismo, em nome da tolerância religiosa, manifestar uma posição ou defender convicções passou a ser visto como algo inaceitável. O apelo à diversidade veio acompanhado de um espírito anticonfessional, doutrinariamente frágil, que se mostra hostil às tradições, desrespeitoso para com as instituições, revelando uma profunda ignorância e desprezo pelo passado. Houve uma revolução que subverteu a ordem. Igrejas batistas históricas sofreram quatro influências nocivas: o liberalismo teológico, o pentecostalismo, o movimento de crescimento de igrejas — com suas técnicas
POR QUE SOMOS BATISTAS
e linguagem de mercado —, e a deletéria invasão da agenda esquerdista, diametralmente oposta à fé cristã.
Diante desse cenário sombrio, a resposta fundamentalista se mostrou inadequada, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil. No seu bojo vieram o dogmatismo árido e o tradicionalismo, levando muitos ao extremo oposto, seja pela abordagem belicosa e sectária, seja pelo apego a questões periféricas. Infelizmente, algumas das mais antigas igrejas batistas, rigorosamente tradicionalistas, sofreram um colapso eclesiológico. A liturgia e a forma de governo, entre outras coisas, revelam que já não são de fato batistas.
O pastor Mark Dever, um dos colaboradores deste livro, fez uma impressionante descrição da realidade dos batistas do Sul no final dos anos 1990. Segundo ele, os batistas poderiam ser comparados a um homem que sofreu um acidente de carro. A colisão foi tão forte que ele ficou internado em estado grave. Ao acordar do coma, sua memória foi de tal forma afetada que ele só lembrava de uma coisa: missões.
A base eclesiológica e a ortodoxia doutrinária tinham sido esquecidas. O povo batista é missionário desde a sua gênese. Basta observar que a Primeira Sociedade Batista Missionária foi organizada pelos batistas ingleses particulares no final do século 18. Sob a liderança de Andrew Fuller e outros notáveis, centenas de missionários foram enviados aos mais distintos lugares do mundo, sendo William Carey o seu primeiro missionário na Índia. A questão é que o trabalho de missões e evangelismo não pode ser desvinculado da nossa identidade teológica e eclesial. A intenção de Dever era levar os Batistas do Sul a refletir sobre as razões pelas quais as igrejas batistas se perderam, distanciando-se da ortodoxia e dos distintivos eclesiológicos batistas.
Em nosso contexto, posso afirmar que o Brasil batista é gigante. Somos a maior denominação histórica do país. Temos um trabalho missionário amplo e forte, com duas grandes agências missionárias. A força do voluntariado batista para servir nas variadas frentes é algo notável. No entanto, é necessário usar toda essa capacidade a partir de um fundamento bíblico consistente, com o endosso de nossa preciosa herança histórica. Portanto, o resgate da identidade batista é essencial a fim de fortalecer a missão e preparar as novas gerações para os desafios diante de nós.
Por que somos batistas é um livro necessário e oportuno para o nosso tempo. Embora tenha sido escrito a partir do contexto norte-americano, o leitor irá perceber que, em muitos aspectos, a realidade é muito similar à brasileira.
Há princípios supraculturais e atemporais que transcendem os contextos e suplantam as eventuais diferenças.
A obra é estruturada em nove partes e conta com vinte e seis capítulos. Um seleto time de teólogos, escritores, mestres, pastores e esposas de pastores apresenta um instrutivo panorama sobre a herança teológica batista, destacando princípios e distintivos eclesiológicos. Cada um deles, de uma forma peculiar, partilha sua experiência pessoal com a denominação, analisa algum princípio ou doutrina, investiga uma dimensão da história e amplia nossa visão sobre a identidade do povo batista.
Visto termos muitos desafios e uma grande obra a realizar, este livro é mais que bem-vindo. É preciso investir na formação de uma nova geração de batistas por convicção; crentes que façam a diferença no mundo e levem adiante a tocha do evangelho.
Thomas Nettles e Russell Moore fizeram um excelente trabalho de resgate, indicando um bom caminho para
POR QUE SOMOS BATISTAS
aprofundar o entendimento, ampliar a visão e alimentar nobres convicções. Por que somos batistas é um livro-chave à compreensão da identidade batista no contexto mais amplo da fé cristã. Seja Deus gracioso e abençoe o povo batista.
Pelo Rei e pelo Reino,
Pr. Judiclay S. Santos, fundador e diretor executivo da Pro Nobis Editora
POR QUE SOMOS BATISTAS
Preâmbulo
Batista não é apenas minha preferência denominacional. Eu sou batista até o tutano. Nascido em uma família cristã batista do Sul, eu cri em Jesus aos sete anos, fui batizado e, sem saber tudo o que isso significava, tornei-me batista. No entanto, à medida que amadureci, o que tinha sido uma simples conexão com minha identidade batista transformou-se numa questão de profunda convicção.
Sentado aos pés de fiéis professores da escola dominical em minha igreja batista no Mississippi, aprendi a conhecer melhor Jesus e a amá-lo. Fui desafiado e inspirado pelo pastor que agraciava seu púlpito. Fui treinado e formado em uma universidade batista de meu estado natal. Em um seminário batista do Sul, fui preparado para uma vida inteira de serviço, liderança e ministério. Aprendi a amar a Palavra de Deus com grandes batistas e fui inspirado ao fervor evangelístico por piedosos batistas leigos, evangelistas e pastores apaixonados pelas almas. Os santos batistas desenvolveram em mim uma sede pelo avivamento enviado por Deus ao nosso mundo.
Como poderíamos descrever o que significa ser batista? Considero que há três denominadores comuns para tal definição. Quando estes são fracos, o nome “batista” se desvanece; quando estão ausentes, esse nome é completamente esvaziado de significado real.
A devoção a Jesus identifica os batistas. Muitos de nossos antepassados na fé “não consideraram sua vida como preciosa” e preferiram desistir dela a renunciar ao Senhor. Muitos foram atribulados por zombarias e açoites cruéis, laços e prisões. Eles foram apedrejados. Foram serrados ao meio, afogados e torturados até a morte. Qual é a fonte dessa persistência em face da oposição, dessa disposição em ser contado como a escória do mundo? Simples teimosia humana? Não, os batistas sabem que Jesus é o Senhor e que só ele merece nossa lealdade total. Nossa herança repreende aqueles que são apanhados no espírito do relativismo religioso e da conveniência fácil. A devoção total a Cristo continua sendo nosso desafio e chamado!
A fidelidade bíblica identifica os batistas. Na Igreja Primitiva, “eles perseveravam na doutrina dos apóstolos” (At 2.42). Embora nunca tenham apoiado os credos a eles impostos pelos de fora, os batistas sempre adotaram fortes confissões doutrinárias e têm sido marcados pela adesão às verdades preciosas e poderosas da Palavra de Deus. Cremos no grande Deus da Bíblia que nos criou à sua imagem e, tendo nos amado, deu seu próprio Filho para redimir nossos pecados, reconciliando-nos consigo mesmo. Os batistas do Sul acreditam na autonomia da igreja local, no sacerdócio dos cristãos, na responsabilidade da alma, na preexistência de Cristo, em seu nascimento virginal, sua vida sem pecado, sua morte expiatória, sua ressurreição corporal e seu retorno
POR QUE SOMOS BATISTAS
glorioso. Eles acreditam na inspirada e infalível Palavra de Deus, inerrante nos manuscritos originais. Temos sido alimentados e nutridos na fé e na fidelidade por corações fortes que sustentam essas convicções — convicções batistas! Temos uma missão a cumprir — manter o curso traçado no passado por nossos pais na fé.
O fervor missionário identifica os batistas. A primeira igreja batista plantada no Sul foi, na verdade, uma igreja transplantada de Kittery, Maine, cuja congregação foi conduzida para a Carolina do Sul por um construtor naval do Maine chamado William Screven, um homem com um grande coração missionário. Assim como o sangue flui pelo corpo, as missões fluem pelas veias batistas. Nossa herança nos induz a olhar para fora do corpo da igreja, para as pessoas da nossa terra e do nosso mundo. As necessidades são muito maiores do que a maioria pode imaginar, e as oportunidades ao redor do mundo não vão esperar. Tanto nas nações desenvolvidas quanto nas em desenvolvimento, as pessoas são obcecadas por novidades e inovações, por tecnologia e progresso. No entanto, os batistas sabem que nosso mundo anseia não pelo moderno, mas pelo atemporal.
Batistas, nós estamos em uma jornada. Os dois grandes embaixadores de Deus estão em nossos calcanhares. São eles a bondade e a misericórdia. Façamos esse percurso juntos, para a glória de Deus e de seu Cristo. Não devemos voltar atrás!
Os editores desta obra são seus colegas batistas do Sul. Os escritores selecionados para contribuir com ela representam os batistas em escala multinacional. Todos eles são biblicamente convictos, ousadamente confessionais e bravamente corajosos. Este livro é apresentado como um encorajamento para um compromisso renovado com nossa
Preâmbulo
identidade batista, e é oferecido com a oração para que os batistas do Sul de nossa geração possam ser batistas — não como uma criança desinformada seria, por conexão simples, mas por convicção profunda.
Morris H. Chapman1
1 Morris A. Chapman é um líder de destaque na Convenção Batista do Sul (CBS), conhecido por seu compromisso inabalável com a verdade bíblica e a unidade denominacional. Ele serviu como pastor em várias igrejas influentes nos estados de Texas e Novo México antes de ser eleito presidente da CBS em 1990. Em 1992, tornou-se diretor executivo da CBS, cargo que ocupou por quase duas décadas durante uma era decisiva de ressurgimento conservador
POR QUE SOMOS BATISTAS
Prefácio original
Certa vez, perguntaram a C. S. Lewis o que o levou a escrever seus amados livros sobre Nárnia. Ele respondeu que como ninguém iria escrever os livros que queria ler, era necessário que ele mesmo o fizesse. Embora não pretenda ser tão majestoso ou cativante como O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa e suas sequências, o livro que você tem em mãos agora nasceu de uma frustração bastante parecida. Em uma manhã revigorante em Kentucky, nós dois estávamos atravessando o campus do The Southern Baptist Theological Seminary a caminho dos cultos da capela. Ambos folheávamos com interesse as páginas de um livro recém-lançado pela editora Smyth and Helwys, e estávamos especialmente interessados nessa obra por causa de seu título: Por que somos batistas. 2 Esse título tem uma grande e antiga tradição na vida dos batistas do Sul. Imediatamente nos lembramos de trabalhos há muito esgotados com o
2 Cecil Staton, Jr., Why I Am a Baptist: Reflections on Being Baptist in the 21st Century (Macon, Ga.: Smyth and Helwys, 1999).
mesmo nome, editados por Louie Newton e nosso colega do Mississippi, o estimado Joe T. Odle.3
Esse livro, porém, era diferente. Escrito por um verdadeiro “maioral” da esquerda batista, essa obra fazia um esforço conjunto para tentar apresentar a identidade separadamente da teologia batista. “Batista não tem tanto a ver com teologia”, um dos colaboradores assegurou aos leitores. Rejeitando as fronteiras confessionais e tratando-as como camisas de força, esses escritores moderados apresentaram a seguinte alternativa: uma identidade batista construída sobre semelhanças sociológicas, memórias compartilhadas, e não muito mais que isso. O eclipse da teologia na vida batista foi celebrado por alguns dos colaboradores porque traz consigo a liberdade de buscar uma “jornada de fé” sem discutir muito sobre o que é a fé.
Um dos colaboradores começou seu artigo contando uma experiência que teve ao pregar em uma igreja metodista. Depois do culto, um membro da congregação perguntou a ele: “Por que você é batista, afinal? Você parece um de nossos pastores”.4 No fim do livro, a pergunta permanecia sem resposta. A questão “Por que você é batista?” parecia ser respondida em uníssono com uma resposta simples: “Por ter crescido como batista, isso me deu a liberdade de fazer e acreditar no que eu escolher, então permaneço assim”. Os escritores não conseguiram demonstrar por que alguém que não tem lembranças das reuniões das Uniões de Treinamento
3 Louie D. Newton, ed., Why I Am a Baptist (New York: Thomas Nelson, 1957); Joe T. Odle, ed., Why I Am a Baptist (Nashville: Broadman, 1972).
4 Robert C. Ballance, Jr., “Baptist Born, Baptist Bred”, em: Why I Am a Baptist: Reflections on Being Baptist in the 21st Century, p. 7.
POR QUE SOMOS BATISTAS
Batistas deveria se tornar batista. Uma pessoa que rejeita a ressurreição de Cristo (mas que aceita ser mergulhada na água) pode ser considerada um batista autêntico? Infelizmente, os colaboradores do livro da Smyth and Helwys não apresentaram nenhuma razão para que esse não fosse o caso.
Esse tipo de revisionismo nos entristeceu. “Gostaria que houvesse um livro como este escrito por conservadores”, disse um de nós, “argumentando que ser batista tem a ver com convicções teológicas”. Depois de um momento de silêncio, o outro respondeu: “Vamos fazer isso”. Portanto, este livro é mais do que uma simples coleção de testemunhos. Uma vez que estamos convencidos de que a identidade batista é, em seu cerne, uma questão de convicções teológicas, decidimos convidar alguns dos batistas mais teologicamente engajados que conhecíamos para defender a identidade batista de uma perspectiva conservadora e confessional.
Visto que sempre há o perigo de que os distintivos batistas sejam massacrados em favor do menor denominador comum do ativismo paraeclesiástico, escolhemos alguns batistas comprometidos que ministram no contexto do mundo mais abrangente do evangelicalismo americano. Pelo fato de haver muitos batistas que acharam fácil levar seus bebês com eles nas águas do confessionalismo da Reforma, escolhemos alguns batistas comprometidos com a tradição reformada, incluindo dois que são ex-presbiterianos e um que lecionou por muitos anos em um seminário predominantemente presbiteriano. Alguns batistas na tradição dispensacionalista têm admitido a tentação de valorizar as conferências proféticas regionais em lugar da igreja local, e por isso escolhemos alguns fiéis batistas dispensacionalistas. Como os batistas moderados há muito dizem que uma pessoa não pode ser “verdadeiramente
batista” e, ao mesmo tempo, afirmar a inerrância bíblica, escolhemos alguns dos teólogos mais firmes da controvérsia da inerrância de nossa denominação. E como sempre há o perigo de paroquialismo, escolhemos alguns batistas confessionais de lugares distantes, como País de Gales e Zâmbia.
Os leitores podem notar que há muita reflexão aqui sobre a herança da comunidade e as experiências passadas que nos tornaram batistas. Não estamos, com isso, dizendo que ser batista é nada menos do que um fenômeno sociológico, mas, ao contrário de alguns, insistimos que é muito mais do que isso. Consequentemente, muitos de nossos colaboradores escrevem com honestidade sobre suas dolorosas jornadas para descobrir se sua identidade batista estava enraizada simplesmente na herança cultural ou na convicção bíblica.
Neste projeto literário, como em toda a vida, o Senhor também nos forneceu os muito necessários amoladores de ferro enquanto pensávamos sobre o que significa ser um batista confessional e convicto. Nossas esposas, Margaret e Maria, foram, como sempre, alegres lembretes de pelo menos uma verdade importante de uma Bíblia inerrante: “Não é bom que o homem esteja só” (Gn 2.18). Também recebemos conselhos e encorajamento bem-vindos de alguns amigos que trabalham todos os dias para transmitir uma identidade batista robusta para a próxima geração. Entre eles estão Juan Sanchez, pastor da Ryker’s Ridge Baptist Church em Madison, Indiana; David Prince, pastor da Raleigh Avenue Baptist Church em Birmingham; Gregory A. Thornbury, que ensina estudos cristãos na Union University; Peter R. Schemm, que ensina teologia no Southeastern Baptist Theological Seminary; Tim Harrelson, comprador de livros acadêmicos da LifeWay Christian Resources; e Tony Rose, nosso pastor.
POR QUE SOMOS BATISTAS
Somos especialmente gratos a Sean M. Lucas, arquivista do The Southern Baptist Theological Seminary e membro valioso da nossa classe de escola dominical, por revisar esta obra e nos dar conselhos tão necessários.
Claro, não poderíamos deixar de mencionar o exemplo fiel de R. Albert Mohler Jr., colega e presidente que trouxe um de nós para a equipe de professores do seminário-pai dos batistas do Sul. Para o outro, ele é um mentor precioso, aquele que, nos anos de trabalho em conjunto, ensinou a esse outro mais de mil ensinamentos sobre divindade — geralmente às três ou quatro da manhã em sua biblioteca no porão, ou dirigindo por um trecho de estrada no caminho para o próximo compromisso de palestra, ou andando pelos corredores de uma livraria Borders em alguma cidade distante. Para ambos os editores, ele é, sem dúvida, a imponente presença teológica batista do século 21, colocada pela providência divina neste momento estratégico.
Não podemos expressar adequadamente nossa gratidão à nossa classe de escola dominical na DeHaven Memorial Baptist Church, a quem temos a alegre responsabilidade de ensinar juntos. Eles amam a Palavra do nosso Deus. Em seu amor por nós e uns pelos outros, nossos alunos exemplificam o tipo de retidão do Reino que vem somente através do agir do Espírito. A cada Dia do Senhor, eles nos lembram o quão abençoados somos por sermos batistas. Desde o início, os batistas foram acusados de serem “fanáticos por água”. Às vezes, fazemos por merecer isso. Oferecemos este livro com o pleno conhecimento de que dependemos muito de poderosos servos do Senhor, muitos dos quais nunca foram batizados biblicamente. Ansiamos pelo dia em que nosso Senhor Jesus Cristo chamará de seus
túmulos nossos irmãos em Cristo: Agostinho, Martinho Lutero, Jonathan Edwards, John Wesley, George Whitefield, J. Gresham Machen, D. L. Moody e o resto da grande nuvem de testemunhas. Cremos que, então, seremos todos batistas. Por fim, louvamos ao Trino Deus por duas Igrejas Batistas do Mississippi que nos amaram o suficiente para nos contar a velha, velha história. Na verdade, elas nos mostraram a mesma verdade que um grande batista “com b minúsculo” apontou há muitos anos: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” (Jo 1.29). Por meio da pregação e do ensino fiéis, eles falavam como se pronunciassem os oráculos de Deus “para que, em todas as coisas, seja Deus glorificado, por meio de Jesus Cristo, a quem pertence a glória e o domínio pelos séculos dos séculos. Amém!” (1Pe 4.11).
Tom J. Nettles
Russell D. Moore
PARTE 1
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
POR QUE SOMOS BATISTAS
Ser batista: Não podemos ser frouxos
Tom J. Nettles
O DESAFIO DA DEFINIÇÃO
Como batista nasci, Como batista fui criado.
Quando eu partir, Serei um batista finado.
Assim declarou o grande pregador batista do Sul R. G. Lee, famoso pelo sermão “Pay Day, Someday” [Um dia prestaremos contas]. Além de ter sido criado como batista, Lee deu duas outras razões para sua posição como tal. Ele comparou as crenças de outras denominações, como a dos presbiterianos e a dos metodistas, e achou que eram insuficientes, e isso o levou a confiar nas crenças doutrinárias características dos batistas. Nessa lista de “crenças batistas”, Lee incluiu dezoito declarações, algumas das quais na forma de afirmações e negações. Em suma, tratava-se de epigramas simples e vigorosos, por exemplo: “Na livre graça, não na graça sacramental...”;
Ser batista: Não podemos ser frouxos
“No batismo do cristão, não no batismo infantil...”; “Que na religião não temos sacerdote senão Cristo...”; “Que não há sacrifício pelo pecado senão o Calvário...”; “Que em todas as coisas não temos autoridade senão a Bíblia”.5
Lee certamente concordaria que ninguém “nasce batista”; com maior exatidão bíblica, ele diria: “eu nasci morto em delitos e pecados, filho de pais batistas”. Essa advertência é necessária à luz de sua crença no batismo do cristão. Na verdade, os batistas confessam uma doutrina da igreja na qual é impossível dizer: “eu nasci batista”. Alguém pode nascer católico-romano, ou anglicano, ou metodista, ou presbiteriano, mas ninguém pode nascer batista. Isso porque ninguém pode ser batista até depois da conversão pessoal à fé somente em Cristo e em sua obra salvífica, uma vez que ele ou ela professa essa fé diante da congregação por meio do batismo, isto é, da imersão na água como um símbolo de morte, sepultamento e ressurreição. Essa diferença requer tal definição. Mas o que faz de alguém batista? Nem todas as tentativas de responder a essa pergunta têm a simplicidade, confiança e clareza da discussão de R. G. Lee. Alguns sociólogos classificam os batistas como uma religião do “tipo seita” por causa da natureza voluntária de sua membresia, da natureza congregacional do governo da igreja e de seu culto não ritualístico. Alguns historiadores atribuem à origem histórica, bem como ao contexto histórico contínuo, a maior parte no desenvolvimento de uma definição. Um grande número de pessoas pertencentes à denominação percebem a vida batista em termos de sua igreja local, de seu pastor,
5 R. G. Lee, “Why I Am a Baptist”, em: Joe Odle, ed. Why I Am a Baptist (Nashville: Broadman, 1972), p. 21-22.
POR QUE SOMOS BATISTAS
das várias pessoas que as amam (ou não gostam delas), das organizações que influenciaram essas pessoas e dos hinos que cantam nos cultos.
Todos esses esforços por estabelecer uma definição são válidos em ajudar a obter uma perspectiva geral. Uma definição mais precisa, no entanto, demanda o componente bíblico/doutrinário. Ao longo dos últimos quatro séculos, os batistas têm se identificado por meio de uma discussão de compromissos doutrinários defendidos pelas igrejas e que são baseados na exposição e síntese das Escrituras. Algumas dessas tentativas seriam: The Doctrines of Our Faith [As doutrinas da nossa fé], escrito por E. C. Dargan e publicado pelo Conselho da Escola Dominical da Convenção Batista do Sul em 1905, ou ainda o Manual de eclesiologia, escrito por John L. Dagg (publicado em português pela Pro Nobis Editora em 2023).
Em seu prefácio ao livro Baptist Doctrines [Doutrinas batistas], publicado em 1882, C. A. Jenkens indicou a certeza com a qual os batistas afirmavam seu compromisso denominacional e lamentou a tendência de “ignorar o ensino doutrinário”.
Sua esperança para o livro, no entanto, centrava-se em seu desejo de que “milhares de batistas” fossem levados a “regozijar-se na fé, uma vez entregue aos santos, e compreender plenamente que seu credo vem do céu”.6
Em Baptist: Why and Why Not [Batista: Por que e por que não?], J. M. Frost enfatizou a identidade batista a partir de três pontos de vista. Primeiro, ele enfatizou a unidade batista interna. Em 1900, Frost não era tão apaixonado pela diversidade como muitos pareciam estar um século depois.
“Os batistas são um na luta pela fé”, em seu julgamento, bem
6 C. A. Jenkens, Baptist Doctrines (St. Louis: Chancy R. Barnes, 1882), p. iv.
Ser batista: Não podemos ser frouxos
como em sua história e na “herança de seus pais”; também são um em seu “propósito de pregar o evangelho da graça de Deus entre todas as nações”. A coesão batista e a singularidade doutrinária vêm de sua centralidade na Bíblia. Eles a recebem como “uma regra de fé e prática todo-suficiente e infalível” por causa da “inerrância absoluta e única autoridade da Palavra de Deus”. Nesse ponto, Frost não deixou espaço “para divisão, seja de prática ou crença, ou mesmo de sentimento”. A unidade fundada nessa convicção é a única que vale a pena — “nenhuma outra vale a pena ser mencionada”.7 Em segundo lugar, Frost destacou doutrinas mantidas em comum com outros grupos; em terceiro lugar, apontou para a singularidade batista. “Os batistas têm uma fé distinta”, escreveu ele, “e ainda assim têm muito em comum com pessoas de outras denominações”.8 Ao que parece, os batistas sustentavam tudo o que era bíblico em outras denominações, mas, em suas características, sustentavam com mais tenacidade do que outros o ensino claro das Escrituras. Em seu livro de 1913 publicado pelo Conselho da Escola Dominical da Convenção Batista do Sul, What Baptists Believe [No que creem os batistas], O. C. S. Wallace empreendeu uma exposição da Confissão de New Hampshire. Ele dedicou o livro a James P. Boyce e B. H. Carroll como “homens poderosos no reino do ensino cristão”. Wallace declarou que “os credos [...] não obstante a sua concordância essencial e seu uso visível” não seriam tidos como “exercício de autoridade sobre a crença de qualquer pessoa”. Eles não são considerados
7 J. M. Frost, Baptist: Why and Why Not (Nashville: Sunday School Board of the Southern Baptist Convention, 1900), p. 9, 12. 8 Ibid., p. 11.
POR QUE SOMOS BATISTAS
oficiais porque são tentativas humanas de enunciar verdades destiladas por toda a Bíblia de forma sintetizada. Ninguém alegaria, portanto, que tudo o que a Bíblia ensina está na confissão; ou que toda ênfase é exatamente o que deveria ser; ou que, na ocasião, um vocabulário mais claro não poderia ter sido escolhido; ou que exposições declaradas de forma mais pungente e corajosa não poderiam ter sido feitas. Admitindo tudo isso, no entanto, “de uma forma eminente e quase dominante”, Wallace insistiu: “eles representam as coisas que mais seguramente acreditam entre um grande povo que reconhece apenas as Escrituras como o padrão supremo de crença e prática religiosa”.9
EXPANDINDO AS FRONTEIRAS
Em seu caloroso e gracioso livro com o mesmo título deste, Why I Am a Baptist [Por que sou batista, 1957], Louie Newton inclui um capítulo intitulado “Por causa dos livros”. Ele menciona livros de história batista, livros de doutrina batista, livros de E. Y. Mullins, B. H. Carroll, Armitage, Vedder, sermões de George W. Truett e muitos outros. Esses livros o convenceram de que a doutrina batista estava certa. Particularmente interessante é o destaque dado a E. Y. Mullins como o mais perspicaz expositor da identidade batista. Parece que a geração de Newton considerou a obra Axioms of Religion [Axiomas da religião], de Mullins, como a mais pura destilação do gênio batista já apresentada ao mundo.10
9 O. C. S. Wallace, What Baptists Believe (Nashville: Sunday School Board of the Southern Baptist Convention, 1913; reimpresso por Calvary Baptist Church, Piqua, Ohio, 2000), p. 4.
10 Louie D. Newton, Why I Am a Baptist (New York: Thomas Nelson & Sons, 1957), p. 47-71.
Entretanto, ao contrário de obras anteriores sobre o assunto, o livro de Newton alcançou uma maior latitude em questões doutrinárias. Mullins o havia preparado para essa aceitação, talvez glorificação, da diversidade. Em seu próprio testemunho, menciona contatos com uma miríade de tipos de batistas, dentre os quais estavam Walter Rauschenbusch e Harry Emerson Fosdick. O sermão de Fosdick, “Shall the Fundamentalists Win?” [Devem os fundamentalistas vencer?], pregado em 1922 em Nova York, intensificou a contenda entre duas denominações: os presbiterianos do Norte e os batistas do Norte. Newton deu várias páginas ao artigo de Rauschenbusch, “Why I Am a Baptist”, publicado em 1905 no The Rochester Baptist Monthly . Rauschenbusch enfatizou a natureza experiencial não credal do cristianismo e, seguindo o estilo do historiador liberal alemão Adolf von Harnack, vinculou a ortodoxia ao “intelectualismo grego depois que o cristianismo se fundiu com a civilização grega do mundo pagão”. Esse era um velho refrão liberal bem pouco característico dos batistas da geração anterior. Newton demonstrou grande admiração por Rauschenbusch e seus escritos sobre o Evangelho Social e não achou necessário nenhum aviso a respeito de sua fundamentação liberal. 11 Depois de falar sobre sua própria peregrinação, Louie Newton incluiu testemunhos de cinquenta pessoas de diferentes vertentes batistas, o que refletiu uma ampla gama de convicções sobre o assunto. James L. Sullivan, então secretário executivo do Conselho da Escola Dominical da Convenção Batista do Sul, enfatizou que os batistas “apontam para um
11 Ibid., p. 97-106.
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Cristo perfeito, têm fé complet a na revelação inerrante de Deus por meio da Bíblia e procuram exaltá-lo em todos os lugares da melhor forma possível”. Ao destacar ainda mais a centralidade das Escrituras, Sullivan escreveu: “A Palavra de Deus é o guia infalível para a estrada da vida e o livro mais importante na estante de livros da humanidade. É eterno em duração, completo em revelação, incomparável em inspiração. Os batistas exaltam a Bíblia e mergulham em suas páginas constantemente para descobrir verdades sobre os caminhos de Deus para a vida na terra”.12 R. Alton Reed, secretário executivo do Conselho de Socorro e Anuidade da Convenção Batista do Sul, fala sobre o conselho que recebeu de John R. Sampey para um programa de estudos que respondesse à questão de ser batista. Reed escreve: “Após muitos meses de pesquisa, estudo e oração, cheguei à conclusão de que era batista porque acreditava que as pessoas assim chamadas seguem mais de perto os princípios e as verdades doutrinárias da igreja do Novo Testamento do que qualquer outro grupo denominacional”.13
Outro, entretanto, não compartilha dessa mesma certeza, mas dá seu testemunho com a maior brevidade e a menor convicção.14
Em primeiro lugar, minha família era batista. Meu pai era o presidente do corpo diaconal da Dudley Street Baptist Church. Em segundo lugar, não vi nenhuma razão particular para adotar qualquer outra fé ou qualquer outra igreja e, em terceiro lugar, tenho certeza de que a
12 Ibid., p. 290-91.
13 Ibid., p. 284-285.
14 Ibid., p. 300-301.
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igreja particular ou fé religiosa a que alguém pertence não tem relação importante com sua utilidade na vida. — Paul Dudley White, especialista cardíaco, Boston, Massachusetts
Outros testemunhos dentre os cinquenta recolhidos indicavam a amplitude da diversidade teológica que lentamente se insinuou na vida batista do Sul ao longo do século 20. A latitude teológica ganhou preferência ao enfatizar as grandes virtudes da diversidade e o amor batista pela tolerância. Esse espírito aumentou rapidamente na década de 1950 e era motivo de orgulho para alguns. G. B. Connell, presidente da Mercer University e filho de um ministro batista, reconhecia sua familiaridade precoce com discussões intensas sobre uma ampla gama de questões doutrinárias. No entanto, sua lealdade batista encontrou raízes não na veracidade de qualquer compromisso doutrinário, mas em uma resistência ao “autoritarismo na religião e no governo”. Ele se gloriava nas quatro liberdades “em nossa fé batista” e mostrou que havia bebido profundamente do poço do liberalismo protestante ao separar a voz de Cristo da Palavra escrita da Bíblia.
Liberdade da coerção de credo, liberdade da coerção do ritual, liberdade da coerção da autoridade eclesiástica e, acima de tudo, a liberdade de romper mil intérpretes profissionais para ver o próprio Mestre, admirar seu ministério gracioso e compassivo e ouvi-lo dizer sua palavra viva.15
Outro, J. C. Wilkinson, pastor emérito da First Baptist Church em Athens, na Geórgia, escreve que “a unidade dos
15 Ibid., p. 229.
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batistas também é voluntária, mas muito real. A comunhão inclui uma grande diferença de pensamento e interpretações variadas. Para mim, uma das glórias dos batistas é que há espaço para o liberal e para o mais conservador entre os pregadores e leigos”.16
Em 1972, Joe Odle compilou testemunhos e sermões sobre esse assunto e deu ao livro um título que soa cada vez mais familiar, Why I Am a Baptist. Doze testemunhos e seis sermões prepararam o terreno para a própria apresentação de Odle dos “distintivos batistas”, seguido por um sermão de J. D. Gray intitulado “Baptist Devotion to Doctrine and Truth” [Devoção Batista à Doutrina e à Verdade]. Com o desejo sincero de apresentar um caso convincente para uma visão conservadora da identidade Batista, Odle personificou a ambivalência de um batista conservador preso no meio da controvérsia sobre o Comentário Broadman. Enquanto se regozijava com os relatos de reavivamento entre os jovens batistas, ele lamentou que “muitos de nossos membros não sabem no que cremos ou por que somos batistas. [...] Isso me perturbou e me preocupou profundamente”.17 Odle claramente concordou com a afirmação de W. O. Vaught a respeito da “infalibilidade das Escrituras” e de que “as próprias palavras das Escrituras [carregam] a autoridade da autoria divina”; também concordou com M. E. Ramay, que disse que a “Bíblia é a Palavra de Deus inspirada pelo Espírito Santo, infalível, que não muda e não mudará”.18 Com uma convicção um pouco menor, ele admitiu a posição de Grady Cothen, que disse: “Na medida em que
16 Ibid., p. 304.
17 Odle, p. 9-10.
18 Ibid., p. 57.
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tentamos escrever e fazer cumprir declarações de credo, comprometemos nosso distintivo batista”. Outro colaborador, na época o jovem e procurado pastor da First Baptist Church em Jackson, Mississippi, Larry Rohrman, assume, aparentemente sem nenhum senso de ambivalência, uma posição forte em lados opostos da questão da unidade confessional. Ele escreve em uma página: “A pessoa que deseja se filiar a uma igreja batista deve desejar fazê-lo o suficiente a ponto de se submeter às crenças doutrinárias da igreja”. Essa convicção é reforçada por ele em uma linguagem mais enfática: “Se você deseja ser membro de nossa igreja, deve submeter-se totalmente à nossa teologia”. Dois parágrafos depois, o mesmo escritor informa, com toda franqueza, que “nenhum credo jamais será entregue a um indivíduo batista com o propósito de ditar sua posição teológica”. O resultado dessa feliz condição é que “há alguns batistas que discordam doutrinariamente de outros”. No entanto, doutrina diferente não reflete, na opinião de Rohrman, imaturidade ou instabilidade, mas é “um dos pontos mais fortes da fé batista”.19
Odle reconheceu que as diferenças doutrinárias não apenas prevaleciam, mas também eram admiradas por muitos na vida batista. “Alguns declaram que não existe uma posição batista”, lamentou ele, “visto que os batistas não têm um credo e não exigem de seus membros que aceitem certas posições doutrinárias”. Isso, porém, não faz muito sentido, visto que os batistas se distinguem por suas crenças. A resposta intuitiva de Odle é: “Ainda assim, existe algo que faz das pessoas batistas e as distingue dos membros de outras denominações”. O que poderia ser isso? “Há apenas um motivo: suas
19 Ibid., p. 73, 54.
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doutrinas são diferentes. Eles são separados dos outros pelo que acreditam.”20 O ethos de “não me obrigue a acreditar em nada” havia permeado a consciência dos batistas do Sul de tal modo que Odle faria uma ressalva após citar a declaração de Fé e Mensagem Batista de 1963 nas Escrituras. “Não é uma declaração de credo”, ele contestou, “e, portanto, não é obrigatório para nenhum batista”. Uma afirmação da veracidade das Escrituras que não é obrigatória para nenhum batista! Que pitoresco. A queda se tornou tão debilitante para o latitudinarismo21 que até Joe Odle se desesperaria pensando que era necessário para um batista acreditar na Bíblia. Embora não dê a tal afirmação o status de um credo, ele deve pelo menos compreender o seguinte: “No entanto, é uma enunciação do que os batistas acreditam sobre a Bíblia”.22
UM CONFLITO DE VISÕES
Não apenas a diversidade, mas também a definição de tolerância que promoveu tal diversidade apareceu apenas em lugares isolados no final do século 19, espalhou-se sutilmente nas primeiras décadas do século 20 sob o pretexto da experiência cristã e se desenvolveu de forma mais deliberada e completa em meados do século 20. Gigantes batistas como J. B. Gambrell e B. H. Carroll nunca interpretaram o princípio da tolerância em tal contexto. Eles estavam apenas muito felizes por todos os tipos de religiões e infiéis terem
20 Ibid., p. 88.
21 Doutrina e atitude adotadas por alguns teólogos anglicanos no século 17 que defendem que há salvação fora da Igreja, rejeitam dogmas, dão preferência à razão sobre a Bíblia e tradições e defendem uma ampla tolerância em questões religiosas.
22 Ibid., p. 93.
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liberdade no país. No contexto civil, sua liberdade significava que os batistas podiam trabalhar com convicção fervorosa por congregações puras e organizações denominacionais. Em um artigo intitulado “Direitos batistas”, J. B. Gambrell observou o seguinte: “Homens que não pregam as doutrinas aceitas pelos batistas não têm direito nos púlpitos batistas, e isso não se trata de uma restrição de seus direitos nem qualquer tipo de perseguição para mantê-los distantes”. Da mesma forma, nas escolas, um homem às vezes pensa que as doutrinas da denominação estão erradas ou ultrapassadas. “Ninguém deve procurar limitar seu pensamento, ou a defesa de seu pensamento”, argumentou Gambrell. O mundo está aberto a ele. No entanto, quando tal pessoa usa o dinheiro, o prestígio e as oportunidades que uma instituição batista lhe oferece para se opor às suas doutrinas, “ela ultrapassa os limites da liberdade e entra no âmbito da licença arrogante”.23 Observando uma tendência ao minimalismo doutrinário em alguns setores da vida batista devido ao surgimento do liberalismo na primeira década do século 20, B. H. Carroll alertou contra “qualquer ensino que deprecie as doutrinas”. Ele considerou que a mentalidade de magnificar a liberdade em detrimento da doutrina é “certamente um pecado, e muito prejudicial”. A ênfase na liberdade individual significou um sacrifício do poder da união das forças, e a “tendência de cortar todo artigo de fé a que algum indivíduo excêntrico possa se opor, vai, se não resistir mansamente, deixar a igreja sem um credo e sem uma vida moral”.24
23 J. B. Gambrell, Ten Years in Texas (Dallas: Baptist Standard, 1910), p. 129.
24 B. H. Carroll, An Interpretation of the English Bible: Colossians, Ephesians, and Hebrews (Grand Rapids: Baker Book House, 1973; reimpresso por Broadman Press, edição de 1948), p. 146, 148.
POR QUE SOMOS BATISTAS
Os batistas não tinham inclinação para o aumento no número de membros à custa de suas convicções. Em 1887, o Alabama Baptist escreveu: “As igrejas batistas não têm utilidade para aqueles que não acreditam em suas doutrinas”. Eles não queriam seguidores sem compromisso como membros, mas apenas aqueles que vinham de “uma convicção de dever, e porque eles acreditam que os batistas mantêm a verdade como ela é em Cristo”. O The Christian Index respondeu: “Profundamente sólido”. Se eles não são como nós, então não deveriam estar entre nós, esse era o sentimento. O editor contou a anedota de uma mulher que ele persuadiu a se juntar aos presbiterianos porque ela queria se juntar aos batistas apenas por preferir um grupo ao outro. Ser membro da igreja, no entanto — pelo menos em uma igreja batista —, “não é uma questão de preferência, mas de consciência. Não queremos membros, exceto aqueles que, por sua consciência, não podem ir a nenhum outro lugar”.25
UMA AMPLITUDE NO EXCLUSIVISMO BATISTA
Enquanto levamos a sério a necessidade de adesão cordial à verdade doutrinária como uma questão de consciência na tarefa de definir o que é ser batista, notamos que a catolicidade de espírito também faz parte da herança batista. A década de 1850 a 1860 viu um movimento entre os batistas do Sul que reprimiu esse espírito. Em seus dias de agitação mais intensos, o landmarkismo26 poderia fazer a seguinte pergunta, na intenção de receber uma resposta séria: “Podemos reconhecer
25 The Christian Index, 20 de outubro de 1887.
26 Teoria também conhecida como sucessionismo batista, divulgada a partir do século 19, que afirma haver uma continuidade batista
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consistentemente os ministros de tais corpos irregulares e antibíblicos [igrejas não batistas] como ministros do evangelho oficiais em suas capacidades?”. A resposta era: “Claro que não!”. Isso, por sua vez, levava à próxima pergunta: “Podemos consistentemente tratar como irmãos” aqueles que não adotam nosso entendimento batista da igreja?27
Apesar de compartilhar a aprovação sincera de tal zelo pelas ordenanças bíblicas em seu relacionamento apropriado, o escopo estreito da comunhão aqui implícito dificilmente satisfaria o espírito generoso dos batistas de outras gerações. Hercules Collins, um batista particular do século 17, defendeu fortemente a retidão do batismo do cristão e a necessidade de restaurá-lo ao seu devido lugar no estabelecimento da “verdadeira forma da Casa de Deus”. Entretanto, para que qualquer pessoa não interprete mal seu zelo nesse assunto, Collins declarou entusiasticamente seu desejo de abertura de comunhão com todos os cristãos evangélicos. Mesmo que “haja algumas diferenças entre muitos santos piedosos e nós na constituição da Igreja, ainda, visto que essas coisas não são a essência do cristianismo, mas que concordamos em sua doutrina fundamental, há base suficiente para deixar de lado toda amargura e todo preconceito, e trabalharmos juntos para manter um espírito de amor mútuo, sabendo que nunca seremos totalmente iguais aqui”.28
Oliver Hart, pastor da First Baptist Church em Charleston, Carolina do Sul, por trinta anos (1750-1780), personificou
desde João Batista até os dias de hoje. Ficou popular através do livro
O rasto de sangue, escrito por J. M. Caroll. [N. R.]
27 De “The Cotton Grove Resolutions”, Robert A. Baker, A Baptist Sourcebook (Nashville: Broadman, 1966), p. 142.
28 Hercules Collins, An Orthodox Catechism (London: 1680), prefácio.
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a histórica eclesiologia purista e catolicidade evangélica dos batistas. Sua amizade com William Tennent, ministro presbiteriano na Carolina do Sul e filho de um dos famosos membros da família Tennent que ministrou durante o Primeiro Grande Avivamento, evocou expressões da mais alta confiança na utilidade cristã de outros evangélicos. Na morte de Tennent, Hart pregou um sermão memorial no qual sua fraternidade e afeição por ele, bem como a alta avaliação de sua utilidade na igreja, saturam suas palavras. Tennent foi precedido por “ancestrais mais respeitáveis e piedosos”. A esses homens, Hart os descreveu como “grandes, piedosos e ortodoxos ministros do evangelho”. Ele sempre os ouvia pregar “com grande prazer e, espero, algum proveito”. Hart menciona o avô, o pai e três tios — todos ministros cristãos que foram “instrumentos felizes na conversão de milhares de almas”.29 De forma alguma Hart rejeitou os Tennent como ministros cristãos. Abraham Booth, um dos mais articulados defensores da exclusividade da eclesiologia batista como escriturística, ainda mantém um senso de cordialidade e respeito pelos irmãos evangélicos, embora eclesiologicamente incorretos. Ele expressou esses compromissos paralelos em An Apology for the Baptists in which they are Vindicated from the Imputation of laying unwarrantable Stress on the Ordinance of Baptism; and Against the Charge of Bigotry in Refusing Communion at the Lord’s Table to Paedobaptists [Uma apologia aos batistas em que eles são absolvidos da acusação de colocar ênfase injustificável na ordenança do batismo; e contra a acusação de
29 Oliver Hart, The Character of a Truly Great Man Delineated and His Death Deplored as a Public Loss (Charlestown, S.C.: Printed by David Bruce, 1777), p. 24.
Ser batista: Não podemos ser frouxos
fanatismo ao recusar a comunhão à mesa do Senhor aos pedobatistas]. De forma mais criteriosa, consistente, clara, sincera e intransigente, Booth afirma que ninguém, exceto os cristãos, devem ser batizados e recebidos como membros da igreja, e ninguém, exceto os cristãos batizados, devem ser recebidos na comunhão da Ceia do Senhor. Ele se opõe veementemente às igrejas que têm membresia aberta, bem como àquelas que têm comunhão aberta. Retratado como um “fanático aguado”, saturado de desinteresse, falta de amor e estrita rigidez, Booth mantém seu argumento com precisão inabalável enquanto exibe uma incrível amplitude de erudição e conhecimento íntimo dos escritos de cristãos de todas as denominações. Em um ponto particularmente alto de seu argumento, ele propõe a seguinte pergunta e resposta:
“Você vai, então, ousar rejeitar aqueles a quem Cristo aceita?”. Rejeitar, de quê? Minha estima e carinho? Muito longe! Sob a convicção de que Cristo o recebeu, eu amo e honro você como um irmão cristão. A imagem de Deus aparecendo em seu temperamento e sua conduta comanda minha consideração. — “Com base em quê, então, você pode me recusar a comunhão? Se Cristo me aceitou, se o próprio Cristo tem comunhão comigo, por que você não pode ter?”. Eu tenho comunhão com você no conhecimento e conforto da verdade; e esta seria minha honra e felicidade, se você fosse um judeu convertido. Eu também tenho comunhão com você no afeto; mas a comunhão na mesa do Senhor é um ato distinto, uma coisa muito diferente; e isso deve ser regulado inteiramente pela vontade revelada daquele que o designou.30
30 Abraham Booth, An Apology for the Baptists (London: Printed for W. Button, 1812), p. 144-145.
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Enquanto seu questionador continua a exortar Booth a ceder em sua posição, ele sugere que este o considera um pagão não batizado. Pelo contrário. Booth diria a ele: “Um grande erro. Eu o considero um verdadeiro convertido, e amo-te como um irmão cristão”.31 Booth também fornece uma longa defesa contra uma acusação de “notória inconsistência” em que ele “ocasionalmente admitia, com prazer, ministros pedobatistas em nossos púlpitos, aos quais devemos recusar a comunhão à mesa do Senhor”. O princípio landmarkista de negar a não batistas o púlpito não tinha lugar nas resoluções de um batista tão bem-definido como Abraham Booth.
Assim, damos testemunho do que é ser batista por convicção e desejo de abraçar com alegria tudo o que nosso Senhor nos pediu para fazer. Nenhum desses testemunhos é movido pelo desejo de excluir da afeição ou apreciação aqueles cujas consciências ditam o contrário. Nos juntamos a Hércules Collins ao declarar que a essência do cristianismo existe fora dos parâmetros das distinções denominacionais. Compartilhar com outros evangélicos ortodoxos as crenças na inerrância da Escritura, a Trindade, a divindade e humanidade de Cristo em uma só pessoa, a expiação substitutiva, a justificação pela fé, a necessidade de regeneração, o propósito invencível de santidade de Deus para seu povo, a certeza do retorno físico de Cristo e os destinos eternos do céu e do inferno constituem um compromisso cristão mais central do que as peculiaridades denominacionais de qualquer grupo que confesse essas mesmas verdades. De fato, antes que os distintivos possam ser discutidos de maneira significativa,
31 Ibid., p. 147.
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aqueles que divergem de forma amigável devem, primeiro, compartilhar essas certezas da fé. Antes que alguém possa se tornar batista, ele deve primeiro ser cristão. A submissão ao batismo por imersão não tem poder de tornar uma pessoa batista se ela não crê no evangelho da justiça salvadora de Cristo e que Jesus é de fato o Cristo encarnado, Deus conosco.
O batismo desse cristão e outras características distintivas não têm status como elementos da fé salvadora; não torna tais elementos opcionais ou não essenciais em qualquer sentido. Eles ainda existem como parte dos mandamentos positivos de Deus para a formação e ordem da igreja. Eles constituem aspectos do cumprimento do imperativo missionário de Cristo e da prática universal da igreja do Novo Testamento. Qualquer erro aqui cria modificações embaraçosas e possivelmente destrutivas na forma como alguém enxerga a igreja e sua missão de evangelismo, adoração e pureza como a Noiva de Cristo. Apesar da comunhão com todos os que creem na experiência da graça salvífica de Deus e nas grandes verdades da redenção, e embora os atributos de Deus e a pessoa de Cristo possuam uma excelência intrinsecamente superior, não há como justificarmos a desatenção a qualquer mandamento positivo. Omitimos o cumprimento fiel desses mandamentos de Jesus à custa da rebelião contra nosso Mestre e Redentor.
OS BATISTAS SÃO UM POVO
Ser batista é mais do que apenas aceitar a verdade de determinadas proposições. A interação curiosa e estimulante entre verdade e personalidade que produz personagens inesquecíveis e uma quantidade sem fim de memórias dá profundidade e textura à palavra “batista”. Os maravilhosos dons naturais, a visão espiritual, a astúcia doutrinária, a
POR QUE SOMOS BATISTAS
atenção especial ao cristianismo experimental e a tragédia pessoal que preenchem os movimentos e as crônicas da história batista dotam o nome “batista” de uma riqueza inesgotável e continuam a moldá-lo para o bem ou para o mal. É preciso cuidar do como construímos a nós mesmos a partir destes ensinamentos.
Pode-se pensar em dezenas, centenas, de traços pessoais, realizações e atos de coragem, cuja ausência diminuiria o brilho do que significa ser batista. Sem o autobatismo de John Smyth e sua defesa até a morte por Thomas Helwys, nossa história seria mais pobre. Sem a coragem de Benjamin Keach em ser punido por seus livros; sem seu trabalho em tipologias e metáforas nas Escrituras; sem seu catecismo infantil e suas contendas conscientes pelo canto congregacional, que forma a história batista teria assumido? Quão diferente o mundo inteiro seria se John Bunyan não tivesse sonhado na prisão por causa de sua consciência e escrito a obra O Peregrino? Devemos ter o compromisso inabalável de John Gill com a causa de Deus e da verdade, não apenas com o calvinismo, mas com o cristianismo ortodoxo, ou os batistas poderiam ter desmoronado na infidelidade.
Robert Hall teve que apresentar sua obra Help to Zion’s Travelers [Auxílio aos viajantes de Sião]. Andrew Fuller teve que escrever The Gospel Worthy of All Acceptation [O evangelho digno de toda aceitação] e a variedade de defesas necessárias para sua publicação. William Carey teve que produzir seu
An Enquiry in the Obligations of Christians, to use Means for the Conversion of the Heathens [Uma investigação sobre os deveres dos cristãos, no uso de meios para a conversão dos pagãos]. Abraham Booth precisou escrever The Reign of Grace [O Reino da Graça] e Roger Willams teve que sangrar seu
Ser batista: Não podemos ser frouxos
The Bloudy Tenent of Persecution [O ensanguentado inquilino da perseguição]. Alguém pode conceber o que ser batista significaria sem todas essas coisas?
Os batistas seriam o que são atualmente sem a coragem moral de Adoniram Judson e sua hábil esposa Ann, que estavam dispostos a ser deixados em uma terra estrangeira sem apoio ao invés de dar falso testemunho perante Deus no que diz respeito à questão do batismo? Tendo recebido instruções de sua Sociedade Missionária Congregacional para batizar cristãos honestos “e suas famílias”, e tendo subsequentemente chegado à posição bíblica de que apenas os cristãos deveriam ser batizados e que os batismos domésticos no Novo Testamento incluíam apenas aqueles que poderiam ser instruídos a acreditar e alegrar-se com a verdade, os Judson renunciaram graciosamente às suas posições (estando em uma terra estrangeira) e começaram uma série de eventos que culminariam na união inextricável entre as igrejas batistas e as missões estrangeiras. Eles expressaram a convicção eloquente de Roger Williams: “Tendo comprado a verdade por preço tão caro, não devemos vendê-la barato, nem mesmo o menor grão dela pelo mundo inteiro, não, não para salvar almas, por mais preciosas que sejam”.32 Se ser batista não adota esse tipo de convicção, lamentamos muito.
Durante o longo pastorado de George Truett na First Baptist Church em Dallas, Texas, J. B. Cranfill disse que “George W. Truett é o maior batista do mundo, tanto oficialmente quanto de fato. Eu o considero o maior pregador do mundo”. Isso foi escrito em 1937. Em 1914, ele havia
32 Roger Williams, The Complete Writings of Roger Williams, 7 vols. (New York: Russell & Russell, 1963), v. 3, p. 13.
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anotado em 11 de novembro, na morte de B. H. Carroll: “O maior batista do mundo está morto. Na quarta-feira de manhã, 11 de novembro, no Seminary Hill em Fort Worth, o espírito do homem mais majestoso que os batistas do mundo conheceram nesta geração entrou pelos portões eternos”.33 Desde sua época, não se pode conceber o que significa ser batista sem contarmos com os nomes de Carroll e Truett. Talvez possamos perdoar Cranfill por seus superlativos; pois, na avaliação de qualquer observador, ele não estava muito errado em ambos os casos.
Muitos observadores teriam dito a mesma coisa sobre Spurgeon. Ele foi envolto em elogios e análises críticas desde os primeiros dias de seu ministério e, muitas vezes, foi assunto de escrutínio em jornais batistas na América. Alguns acharam suas credenciais batistas um pouco duvidosas por causa de sua aceitação de não batistas na comunhão; outros não estavam dispostos a descartá-lo tão rapidamente. Spurgeon causou um alvoroço na escravidão no sul dos Estados Unidos em 1860, criou uma controvérsia sobre a regeneração batismal entre os anglicanos evangélicos, horrorizou os arminianos com suas convicções e pregações calvinistas vívidas e enérgicas, perturbou os hipercalvinistas por causa da franqueza com que demonstrou Cristo como Salvador dos pecadores e, ao final de sua vida, inspirou resistência em alguns setores devido à postura que havia assumido na Controvérsia Downgrade.34
33 J. B. Cranfill, From Memory (Nashville: Broadman, 1937), p. 118, 149.
34 A Controvérsia Downgrade ocorreu quando, em 1887, Spurgeon permitiu a publicação de artigos na revista teológica The Sword and the Trowel, os quais criticavam o liberalismo teológico da União Batista da Grã-Bretanha e o consequente rebaixamento (downgrade) da fé entre muitas de suas igrejas cooperantes. A controvérsia culminou
Ser batista: Não podemos ser frouxos
Dado isso, ele ainda era considerado universalmente como o Príncipe dos Pregadores e, durante a Controvérsia Downgrade, seu nome inspirou grande admiração em praticamente todos os Batistas na América. Sobre Charles Haddon Spurgeon, Helmut Thielicke disse o seguinte: “O fogo que ele acendeu e transformou em um farol que brilhou através dos mares e através das gerações não era um mero pincel de sensacionalismo, mas uma labareda inesgotável que brilhava e queimava em lareiras sólidas e foi alimentado pelas fontes da Palavra eterna. Aqui estava o milagre de um arbusto que queimava com fogo e ainda não era consumido”.35 Como o poço de Spurgeon transbordava de recursos inesgotáveis (para alterar um pouco a metáfora de Thielicke), Thielicke aconselhou: “Venda tudo o que você tem [...] e compre Spurgeon”.36 Spurgeon era batista, e o termo “batista” irá evocar em outros cristãos um sentimento de dívida por causa de sua contribuição.
UM CASO DE CLAREZA E CONFIANÇA
Os autores não adotaram uma atitude de desespero na missão de definir o que significa ser batista. O doutrinário, o caridoso e o pessoal ainda desempenham papéis importantes nessa tarefa. O pressuposto do liberalismo que recusa uma definição doutrinária acaba por entrar em colapso em seu esforço de definir uma denominação. Bill Leonard ilustra isso perfeitamente em seu conselho ao dizer que os batistas
em grande debate teológico entre os batistas britânicos e na saída de Spurgeon e de sua congregação da União Batista, os quais, assim, se tornaram batistas independentes. [N. R.]
35 Helmut Thielicke, Encounter with Spurgeon, transcrito por John W. Doberstein (Cambridge: James Clarke & Co., 1978), p. 1.
36 Ibid., p. 47.
POR QUE SOMOS BATISTAS
esquecem o mito de que uma identidade denominacional pode ser restabelecida em nossa geração.37 Sua observação, astuta e provavelmente correta, de que muitos jovens batistas “não têm uma referência clara para as crenças e práticas batistas”, não deveria constituir um novo paradigma, mas servir ao propósito de enfatizar que os batistas enfrentam um desafio. O mesmo ocorreu em mais de uma ocasião. Leonard assegura ao desencantado entre os batistas moderados que as pessoas modernas não se importam com as denominações, especialmente aquelas que olham para o passado em busca de um credo ultrapassado.
Sob as mesmas suposições intelectuais, Gary Parker indica que a proteção do aspecto doutrinário da identidade funciona, de alguma forma, em contradição com o evangelismo. “Com o tempo, os neobatistas [ou seja, batistas que pensam que nossas doutrinas históricas são importantes] em nosso meio podem construir um muro doutrinário tão alto e largo que ninguém vai querer entrar para brincar em nosso quintal”. Passamos tempo demais com a doutrina e logo, “em vez de convidar os perdidos para nossa casa”, nos encontraremos “construindo muros de ortodoxia, conformidade e credos que os repelem”.38 É estranho que as próprias ideias que tornaram os batistas fortes e deram ângulos agudos e característicos ao seu perfil fossem consideradas não batistas e destrutivamente exclusivistas. Foi o que aconteceu em 1888 com Spurgeon, quando a União Batista se recusou a adotar uma declaração
37 Greg Warner, “Baptist Identity Dismantled, Reforming, Bill Leonard Says”, Associated Baptist Press, 5 de maio de 2000.
38 Gary E. Parker, Principles Worth Protectin g (Macon: Smyth & Helwys, 1993), p. 50.
Ser batista: Não podemos ser frouxos
confessional evangélica clara e precisa. Em 1873, a União reduziu sua base teológica à simples afirmação: “A imersão é a única forma de batismo cristão”. Convencido de que “a doutrina do batismo não é suficiente para um alicerce”, Spurgeon ofereceu uma avaliação de tal aridez doutrinária diretamente contraditória aos temores citados anteriormente.
Dizer que “um credo se interpõe entre o homem e seu Deus” é supor que se trata de uma inverdade; pois a verdade, entretanto, declarada com clareza, não separa o cristão de seu Senhor. No que me diz respeito, aquilo que acredito não me envergonho de declarar na linguagem mais simples possível; e a verdade a qual me apego eu abraço porque acredito que é a mente de Deus revelada em sua Palavra infalível. Como isso pode me separar de Deus, que a revelou? É um meio de minha comunhão com meu Senhor, que eu receba suas palavras e também a ele mesmo, e submeta minha compreensão ao que vejo ser ensinado por ele. Diga ele o que quiser, eu aceito porque ele o diz, e nisso presto a ele a humilde adoração do mais íntimo do meu ser.39
Em 1888, após a renúncia de Spurgeon e uma série de fortes argumentos publicamente expressos pela utilidade dos credos, a União adotou uma declaração dos “fatos e doutrinas do Evangelho” junto a uma profissão por parte de seus ministros de “terem passado pela mudança espiritual expressa ou implícita neles”. Os “fatos e doutrinas” tratavam de uma lista de seis afirmações: a inspiração e autoridade das Escrituras, “o estado caído e pecaminoso do homem”, a “Divindade, Encarnação, Ressurreição do Senhor Jesus Cristo e sua obra sacrificial e mediadora”, a justificação pela
39 Charles Spurgeon, Sword and Trowel, fevereiro de 1888.
POR QUE SOMOS BATISTAS
fé, a obra do Espírito Santo na conversão e santificação, e na ressurreição e no julgamento. Essas doutrinas não foram expostas, mas apenas expressas por seu nome.40 À luz das tendências destrutivas do clima teológico vigente, Spurgeon considerou isso embaraçosamente inadequado. O mesmo aconteceu com os batistas do Norte em 1922.
W. B. Riley apelou para a reunião nacional, à luz da “deserção inquestionável da fé de outrora, que agora põe em perigo o bom nome e o maior progresso da nossa sagrada causa”, para adotar a Confissão de Fé de New Hampshire. Ele a apresentou como um documento de santidade histórica que “repousa, em todas as suas sentenças, sobre a base inabalável das Sagradas Escrituras, como uma expressão de nossa lealdade ao cristianismo evangélico”. Em vez disso, a Convenção adotou, em moção de substituição, a sugestão do liberal Cornelius Woelfkin de que “a Convenção Batista do Norte afirma que o Novo Testamento é a base suficiente de nossa fé e prática, e não precisamos de outra declaração”. Isso passou por uma votação de 1.264 a 637.41 Com “nada mais a declarar”, as pessoas receberam menos razões para serem batistas, e as estatísticas mostram que muitos decidiram que era tão seguro não ser nada quanto ser batista. Desde então, os Batistas do Norte (americanos) têm lutado para se manterem firmes. Em 1922, a Convenção Batista do Norte tinha 9.109 igrejas com 1.358.000 membros. Em 1994, o número de igrejas era de 5.796, com um total de 1.516.505 membros.
40 A Declaração de Fé da Baptist Union pode ser encontrada em William L. Lumpkin, Baptist Confessions of Faith (Valley Forge: Judson Press, 1969), p. 345-346
41 Annual of the Northern Baptist Convention , 1922 (Philadelphia: American Baptist Publication Society, 1922), p. 133.
Ser batista: Não podemos ser frouxos
Quando os conservadores entre eles, ainda na esperança de redenção, procuraram fazer com que a Convenção revogasse missionários que tinham desvios doutrinários vitais e os substituísse por “homens e mulheres igualmente competentes, cuja fé e cujo fervor evangélicos não podem ser questionados”, eles se viram incapazes de conseguir qualquer apoio determinante para aprovar o pedido. Apesar da evidência clara de que alguns missionários negavam doutrinas como o nascimento virginal, a inspiração das Escrituras, a divindade de Cristo e a necessidade da obra expiatória de Jesus, um obstáculo estava no caminho do objetivo dos conservadores. A política não confessional envenenou imediatamente as águas doutrinárias. O Conselho poderia afirmar com sinceridade:
1. Que a própria denominação é constituída de indivíduos aos quais é permitido um amplo grau de diferença teológica. 2. Que a avaliação de adesão à Convenção não é feita por motivos teológicos. 3. Que representantes de visões teológicas amplamente divergentes sejam membros, ocupem a plataforma e participem das deliberações da Convenção sem que seja aplicada uma avaliação teológica. 4. Que a denominação apela a todos por apoio, aceita dinheiro de todos, implicando assim que, de alguma forma justa, a representação deve ser dada a esses vários grupos no trabalho da denominação.
Embora o conselho afirmasse não nomear “não evangélicos”, eles tinham pouca ou nenhuma orientação para definir — embora tentassem — e, portanto, decidir quem se encaixa nessa categoria.42
42 Annual of the Northern Baptist Convention , 1925 (Philadelphia: American Baptist Publication Society, 1925), p. 85-86.
POR QUE SOMOS BATISTAS
Que nunca venhamos a sofrer com essa destrutiva falta de definição. Este livro surge da convicção inabalável de que, a menos que alguém tenha acreditado na obra redentora de Cristo conforme estabelecido na Bíblia, e tenha sido levado a tal crença por uma experiência de reconhecimento de seu pecado e impotência, tal pessoa sofrerá a ira de Deus por toda a eternidade. Com menos importância, mas tão verdadeiramente, esta obra expressa a convicção de que a mais pura expressão do evangelho e sua manifestação na ordem da igreja é encontrada na doutrina e na eclesiologia batista histórica. Esses testemunhos são expressões contemporâneas de como essa convicção afetou a vida dos colaboradores e como eles, por sua vez, contribuíram com a dimensão pessoal para o que significa ser batista.
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Mas por que Pro Nobis? Trata-se de uma expressão em latim que significa POR NÓS. Na tradição cristã, essa expressão se relaciona com a obra de Jesus Cristo em nosso favor. A cruz é o símbolo maior e mais sublime da fé cristã, o coração do Evangelho. O Deus Trino fez uma aliança de redenção em favor de seu povo eleito, salvo pelo sangue do Cordeiro. Nosso alvo é edificar a igreja para que ela prossiga na missão de proclamar “o evangelho das insondáveis riquezas de Cristo” (Ef 3.8).
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