Publicado originalmente por B&H Academic Brentwood, Tennessee bhacademic.bhpublishinggroup.com
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por PRO NOBIS EDITORA Rua Professor Saldanha 110, Lagoa, Rio de Janeiro-RJ, 22.461-220
1ª edição: 2025
ISBN: 978-65-81489-95-3
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Proibida a reprodução por quaisquer meios, salvo citações breves, com indicação da fonte.
Direção executiva
Judiclay Silva Santos
Conselho editorial
Judiclay Santos
David Bledsoe
Paulo Valle
Gilson Santos
Leandro Peixoto
Helder Cardin
Wilson Porte Jr.
Coordenação e supervisão editorial: Cesare Turazzi
Tradução: Georgia Zardi
Preparação de texto: Gabriel Lago
Revisão de provas: Thalles de Araujo
Índices remissivos: Gabriel Lago, Thalles de Araujo
Capa: Luis de Paula
Diagramação: Marcos Jundurian
Nesta obra, as citações bíblicas foram extraídas da Bíblia
Almeida Revista e Atualizada (ARA), salvo informação em contrário.
As opiniões representadas nesta obra são de inteira responsabilidade do autor e não necessariamente representam as opiniões e os posicionamentos da Pro Nobis Editora ou de sua equipe editorial.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Tratado de teologia: uma profunda apresentação da fé cristã e suas implicações práticas/ organizadores Daniel L. Akin , David S. Dockery, Nathan A. Finn ; tradução Georgia Zardi. – Rio de Janeiro: Pro Nobis Editora, 2025. – (Teologia para o povo de Deus)
Título original: A handbook of theology: theology for the people of God.
Vários colaboradores.
ISBN 978-65-81489-95-3
1. Bíblia - Estudos 2. Protestantismo 3. Teologia cristã I. Akin, Daniel L. II. Dockery, David S. III. Finn, Nathan A. IV. Série.
25-310055.0
Índices para catálogo sistemático: 1. Teologia cristã 230 Eliete Marques da Silva – Bibliotecária – CRB-8/9380
Como colaborador da série Teologia para o povo de Deus, tenho o prazer de recomendar este volume introdutório, Tratado de teologia. Em cerca de uma dúzia de páginas para cada tema, este volume de fácil acesso aborda amplamente a teologia, seu método e história, doutrinas centrais, vida cristã e envolvimento cultural. Desde o tratamento responsável das afirmações bíblicas sobre quase cinquenta tópicos, passando pela investigação de seu desenvolvimento histórico, até conselhos práticos para sua aplicação, este Manual é um guia abrangente que será consultado muitas vezes e em diversas ocasiões.
Gregg R. Allison, professor de teologia, The Southern Baptist Theological Seminary
Este é um livro que você pode, sem pensar duas vezes, entregar nas mãos de líderes eclesiásticos e estudantes para lhes apresentar uma variedade de diferentes tipos de teologia (teologia bíblica, teologia histórica, e assim por diante), e especialmente um panorama da teologia sistemática. A maioria dos colaboradores buscou forjar conexões entre seus respectivos capítulos e a vida e vitalidade da igreja. Em termos confessionais, a obra é conservadora e batista, mas sem dúvida servirá a leitores de diversas origens.
D. A. Carson, teólogo-geral, The Gospel Coalition
Este manual aborda com sucesso uma ampla gama de assuntos: fundamentos teológicos, teologia, história, geografia, doutrinas, vida cristã e envolvimento com a cultura. Os capítulos são curtos o suficiente para digerir, mas longos o bastante para informar. Os ensaios são escritos de forma muito competente por estudiosos e profissionais em suas áreas. Tanto homens quanto mulheres, bem como jovens acadêmicos e teólogos experientes, são colaboradores deste volume de fácil leitura e grande valor.
Graham A. Cole, reitor emérito, Trinity Evangelical Divinity School, e diretor emérito, Ridley College
Uma obra grandiosa. Há muito aqui para ler, apreciar, absorver e usar como ferramenta de ensino para outros. Que ninguém diga que os batistas não sabem fazer teologia!
Josh Moody, pastor sênior, College Church em Wheaton, e presidente, God Centered Life Ministries
Este manual trata de tópicos clássicos e contemporâneos em teologia de uma forma que é biblicamente fiel, eclesialmente enraizada e solidamente evangélica. Escritos por estudiosos batistas renomados e emergentes, os capítulos são perspicazes, concisos, edificantes e oportunos. Os editores devem ser elogiados por esta conquista significativa.
Christopher W. Morgan, reitor e professor de teologia na School of Christian Ministries, California Baptist University
Numa época em que a teologia, como a “rainha das ciências”, tem sido questionada, Tratado de teologia nos lembra, com alegria, do poder duradouro e do lugar apropriado da teologia no discurso cristão. Neste guia notável, dezenas de teólogos respeitados estabeleceram uma base adequada dos amplos contornos da teologia cristã, sobre a qual uma vida inteira de estudo pode ser construída. Recomendo com entusiasmo.
Timothy C. Tennent, presidente e professor de Cristianismo Mundial, Asbury Theological Seminary
O apóstolo Paulo, escrevendo à igreja em Tessalônica, exortou os seguidores de Jesus Cristo a permanecerem firmes e se apegarem à tradição que lhes fora ensinada (2Ts 2.15). Da mesma forma, o apóstolo exortou Timóteo, seu representante apostólico, a guardar o padrão do ensino (2Tm 1.13). Em sua carta a Tito, Paulo observou que os líderes precisam se apegar com firmeza à palavra fiel, conforme ensinada, a fim de serem capazes de encorajar com a sã doutrina e refutar os que a contradizem (Tt 1.9). No que representa um resumo dessas várias exortações, Paulo instruiu Timóteo a confiar os ensinamentos que ouvira a homens fiéis, para que estes fossem capazes de ensinar também a outros (2Tm 2.2).
Essas importantes prioridades continuam a ser o foco dos teólogos eclesiásticos, aqueles pensadores cristãos que compreendem que sua vocação e obra devem ser realizadas a serviço da igreja, o povo de Deus. A teologia eclesiástica, entre outras coisas, deve estar fundamentada nas Escrituras; deve ser trinitária, cristocêntrica, capacitada pelo Espírito e doxológica; além de orientada pelo pensamento do povo de Deus ao longo da história da igreja; bem como ter foco no ministério e na missão.
Os colaboradores de Tratado de teologia compreendem a importância de falar tanto à mente quanto ao coração, buscando também fornecer aplicação para a vida diária de serviço. Os teólogos eclesiásticos no século 21 devem se esforçar ao máximo para ajudar as pessoas a desenvolverem
uma maneira teologicamente orientada de ver e compreender o mundo, a fim de dialogar com as grandes ideias do passado e as questões atuais em nosso contexto e cultura. Esse referencial teológico fornecerá as motivações corretas para a vida e o ministério cristãos. Este manual, de muitas maneiras, serve tanto como uma introdução quanto como um resumo para a nova série de múltiplos autores e volumes chamada Teologia para o povo de Deus, fundamentada na vocação de servir a igreja.
Os mais de 48 colaboradores deste volume acreditam que deve haver lugar para o verdadeiro amor intelectual por Deus, pois Jesus nos ordenou amar a Deus de todo o nosso coração, de toda a nossa alma, de todas as nossas forças e de todo o nosso entendimento, e ao nosso próximo como a nós mesmos (Mt 22.37-39). Isso, contudo, não deve levar a uma fria abordagem intelectual da fé, desacompanhada de afeto. Para muitas pessoas, o trabalho dos teólogos parece ser caracterizado por um tipo de distanciamento intelectual ou uma mera curiosidade intelectual sem compromisso.
Aqueles que contribuíram para Tratado de teologia afirmam de coração um compromisso com a veracidade da Bíblia, o poder transformador do evangelho e a centralidade da igreja. Desta forma, os participantes deste volume buscam ser fiéis ao melhor de nossa herança evangélica. É nossa oração que este volume preste serviço à igreja de muitas maneiras, satisfazendo tanto a mente quanto o coração, para que possamos conhecer a Deus (Jr 9.23-24) e seguir em amor o Cristo vivo e exaltado (Fp 3.10-14). Cremos plenamente que a teologia é necessária para fortalecer a adoração da igreja e as suas tarefas de evangelismo, discipulado, ensino, serviço e missões.
Embora os colaboradores deste volume tenham procurado ser fiéis ao melhor da herança batista e evangélica, também buscaram dialogar com as questões atuais e preparar os seguidores de Cristo para os desafios do futuro. Dito isso, nosso objetivo nesta obra não foi nos deixar levar pelos movimentos, tendências ou modismos mais recentes, sempre buscando aquilo que é novo e baseado no pensamento ou proposta
mais recente no mundo teológico. O tipo de maturidade descrito em Efésios 4 requer um fundamento teológico melhor articulado e com mais cautela, expressando-se de forma renovada sem cair em caminhos inadequados que levam à ingenuidade, instabilidade ou pensamento heterodoxo. Os participantes deste volume escreveram com o objetivo de fornecer uma visão renovada para a relação entre teologia, igreja, adoração, ministério e missões. Fazem-no com a consciência de que a saúde da igreja requer um sólido fundamento teológico.
Nossa esperança é que este volume sirva como um recurso útil para estudantes, pastores e líderes da igreja. Pedimos que os leitores se unam a nós, rogando a Deus que use este volume como fonte de força, renovação e revitalização para a igreja nos dias vindouros. Confiamos que isso acontecerá à medida que as pessoas compreenderem melhor aquilo em que creem e por que creem. Acreditamos que a teologia sã e confiável encontrada nestas páginas servirá como fonte de força e esperança para o povo de Deus nas próximas décadas.
Nós três temos trabalhado neste projeto há alguns anos. Oramos agora para que ele sirva como um instrumento de graça aos leitores e àqueles que serão influenciados pelos esforços fiéis dos colaboradores que atuaram conosco. Somos gratos por cada autor e pela dedicação, experiência, habilidades e dons que cada um traz a este esforço conjunto. Queremos expressar nossa gratidão aos nossos amigos da B&H e à administração da Lifeway por seu apoio irrestrito, orientação e paciência, bem como pela assistência de colegas e membros das equipes em nossas instituições, especialmente Devin Moncada e Chris Kim. Somos genuinamente gratos por nossas famílias, as quais nos incentivaram durante o processo de mais um projeto de escrita. Por fim, agradecemos ao nosso grande Deus pelo privilégio de trabalharmos juntos neste projeto, confiando que o Senhor fortalecerá seu povo de muitas e multifacetadas maneiras.
Soli Deo Gloria
Daniel L. Akin, David S. Dockery e Nathan A. Finn
INTRODUÇÃO À SÉRIE TEOLOGIA
PARA O POVO DE DEUS
No cerne deste volume está a compreensão de que o estudo da teologia é importante para a vida e a saúde da igreja. O termo “teologia”, no entanto, costuma assustar as pessoas. Para alguns, soa formidável, esotérico, técnico e abstrato. Outros acreditam que a teologia seja irrelevante para nossa vida com Deus, suspeitando até que seja algum tipo de presunção humana a servir como distração do ministério genuíno. A maioria de nós já se deparou com esse tipo de pensamento. Você talvez se surpreenda ao nos ouvir dizer que as suspeitas são, ao menos em parte, bem fundadas, pois tem-se estudado a teologia da maneira errada com bastante frequência. Isso levou a pensamentos equivocados ou mesmo prejudiciais sobre ela em alguns contextos.
Orientação do apóstolo Paulo
Será útil darmos um passo para trás e examinarmos uma passagem do apóstolo Paulo em Efésios 4. Aqui vemos que os objetivos do ministério de ensino para o povo de Deus são tríplices: (1) edificar a igreja; (2) conduzi-la à maturidade na fé; e (3) levá-la à unidade. A teologia, em sua melhor forma, visa realizar essas três coisas, equipando e fortalecendo o povo de Deus de maneira integral, dirigindo-se à
Introdução à série Teologia para o povo de Deus
cabeça, ao coração e às mãos. Se os envolvidos no trabalho teológico se concentrarem apenas na cabeça, teremos, na melhor das hipóteses, seguidores de Cristo bem informados, porém não conformados ao caráter de Cristo. É nossa oração que este volume sirva como um recurso para ajudar as pessoas a desenvolver (1) uma maneira teologicamente orientada de ver o mundo — a cabeça —, (2) respostas cristãs em nossa experiência e afetos — o coração —, e (3) estratégias e motivações cristãs para o ministério — as mãos. Cremos que uma compreensão plena dessas coisas só pode ser alcançada quando entendemos que a teologia encontra seu foco na igreja, reconhecendo que cabeça, coração e mãos não devem ser separados.
Orientação da história da igreja
Na história da igreja, tanto líderes quanto membros foram chamados ao estudo contínuo (2Tm 2.15), a fim de supervisionarem o ministério da Palavra de Deus nos cultos, bem como para discipular novos convertidos (2Tm 2.2; Tt 1.9). Mesmo na época de Agostinho, no século 5, a mentoria pessoal, a orientação e o ensino de pastores e bispos mais velhos permaneceram como o modelo principal para fazer teologia voltada ao povo de Deus. Na época da Reforma, Martinho Lutero, Filipe Melâncton e João Calvino dedicaram-se ao trabalho da teologia e ao seu ensino. Desse esforço surgiu uma abordagem tríplice para o estudo da teologia, incluindo (1) o estudo da Bíblia e sua interpretação na história da igreja; (2) o estudo da doutrina; e (3) a aplicação desses assuntos com atenção especial à administração prática das igrejas, pregação, adoração e ministério. De muitas maneiras, a estrutura deste volume segue esse padrão.
Desafios do Iluminismo e Pós-Iluminismo
É preciso reconhecer que, mesmo no século 21, ainda lutamos com os efeitos residuais da vasta influência do pensamento iluminista e pós-iluminista, o qual desafiou o próprio cerne da fé cristã. Embora
o propósito deste volume não seja primariamente apologético ou polêmico, os colaboradores deste livro não compartilham das abordagens do pensamento iluminista e de seus questionamentos a respeito do sobrenaturalismo, da autoridade bíblica, da tradição cristã e do papel da razão. O Iluminismo, tendo florescido no século 18, foi um divisor de águas na história da civilização ocidental. O consenso cristão que existira do século 4 ao 17 foi prejudicado por um espírito radicalmente secular. As ênfases iluministas caracterizavam-se por destacar a primazia da natureza e da razão em detrimento da revelação especial. Junto com essa visão elevada da razão, o movimento refletia uma visão rebaixada do pecado, um viés antissobrenatural e um questionamento contínuo sobre o lugar da autoridade e da tradição.
No século 19, Friedrich Schleiermacher liderou as várias tentativas de sintetizar a fé cristã com ideias tanto do Romantismo quanto do Iluminismo. Sua tentativa de adaptar a fé cristã para aqueles tempos de mudança, conforme articulada em obras como Sobre a religião: Discursos aos seus menosprezadores cultos (1799), não foi apenas uma tentativa de tornar a fé cristã relevante ou de levar o cristianismo a um lugar onde pudesse ser ouvido de maneira renovada. Pelo contrário, seu trabalho transformou a fé cristã em algo bastante diferente. O pensamento de Schleiermacher foi formado no contexto do pietismo; contudo, em sua tentativa de salvar o espiritual divorciando teologia e espiritualidade, ele acabou perdendo ambos. Schleiermacher iniciou uma trajetória que criou uma ruptura entre o estudo da teologia e as congregações, acarretando uma separação entre cabeça e coração.
Teologia para o povo de Deus
Nosso desejo ao oferecer Tratado de teologia é ajudar a todos nós a repensar como reunir, para o povo de Deus, o estudo da teologia, a importância da formação espiritual e o serviço. Assim, quando falamos de teologia, não estamos meramente ecoando a compreensão de Schleiermacher com relação a ela como uma tentativa de articular
Introdução à série Teologia para o povo de Deus
nossos sentimentos sobre a dependência que temos de Deus. Por outro lado, não desejamos exagerar o movimento do pêndulo definindo a teologia apenas em termos objetivos, como se bastasse colocar a verdade na ordem correta. Fiéis à nossa herança da igreja livre, sugerimos que a teologia envolve tanto o desenvolvimento de nossa mente para a verdade, de modo que de fato articulemos “a fé que uma vez por todas foi entregue aos santos”, quanto o desenvolvimento de um coração para Deus, para que nossa vida seja edificada na fé. Em última análise, uma teologia para o povo de Deus busca servir à igreja ao edificar o corpo de Cristo, para que cresça em direção à Cabeça, que é o próprio Cristo, a fim de trazer maturidade no pensamento e na vida (Ef 4.13-16).
Para muitas pessoas, no entanto, o domínio da teologia não tem sido a igreja, mas tem se limitado ao âmbito dos especialistas no mundo acadêmico. Sem dúvida, cremos que a teologia cristã deve fazer parte do mundo acadêmico e deve dialogar com a academia, bem como com a sociedade em geral. Afirmamos que há um lugar legítimo para a teologia acadêmica e pública. Em última análise, porém, cremos que a teologia deve ter seu foco em servir à igreja, edificando os crentes na fé. Isso não significa que todos os seguidores de Cristo devam ser teólogos singularmente convocados à tarefa de liderar o pensamento teológico. Significa, no entanto, que todos os cristãos são responsáveis diante de Deus por ter pensamentos elevados sobre o Deus triúno e por viver de acordo com sua Palavra revelada a nós. Oramos para que os artigos encontrados neste volume ajudem homens e mulheres a ver e compreender a revelação de Deus para suas crenças fundamentais, ao mesmo tempo que integram essas crenças em sua vida e prática. De forma alguma desejamos sugerir que a teologia é a totalidade da vida da igreja. Não obstante, deve haver lugar para o verdadeiro amor intelectual a Deus, pois Jesus nos ensinou a amar a Deus com nosso coração, alma, força e mente, e também a amar nosso próximo. Isso não deve levar a alguma abordagem fria e intelectual da fé, desacompanhada
de afeto. Para muitos, a teologia é uma espécie de distanciamento intelectual, meramente uma busca acadêmica desconectada.
Cremos que a teologia presta serviço à igreja de muitas maneiras. Satisfaz a mente para que possamos conhecer a Deus e conhecer o Cristo vivo. A teologia é necessária para as tarefas de ensino e apologética da igreja (1Pe 3.15); é um importante critério para compreender aquilo em que a igreja crê e reconhecer os princípios pelos quais a lealdade de seus membros será julgada. Tais crenças e práticas provêm de uma séria reflexão teológica. Essa compreensão reconhece que a fé cristã é mais do que uma experiência pessoal e subjetiva; é também o corpo de verdade que “uma vez por todas foi entregue aos santos” (Jd 3). Certamente inclui o “crer em” (fé, confiança), mas também deve ser entendida em termos de “crer que” (assentimento, convicção).
Além disso, a teologia aponta para a ética. Com certeza é possível agir de uma maneira e pensar de outra, porém não é logicamente possível fazê-lo por muito tempo; pois, como a pessoa pensa em seu coração, assim ela é (Pv 23.7). Se a igreja há de viver no mundo com um estilo de vida que resulte em glória para Deus, então deve pensar profundamente sobre a ética pessoal, bem como sobre as implicações da fé bíblica para a sociedade, a cultura e o mercado. Tais necessidades tocam o cerne da vida e da missão da igreja; não são meras questões periféricas dentre opções das quais podemos escolher. Um dos principais problemas que a igreja enfrenta no século 21 é deixar de reconhecer um de seus propósitos primordiais, articulado em Efésios 3.10. A intenção de Deus é que, por meio da igreja, a multiforme sabedoria do Senhor seja conhecida. A história da igreja cristã e o desenrolar do drama da redenção têm sido chamados de uma escola de pós-graduação para os principados e potestades nas regiões celestiais. A igreja é central para a obra de Deus na história, bem como para o evangelho e a vida cristã. Assim, a teologia consiste em mais do que as palavras de Deus para nós como indivíduos, pois Deus não está apenas salvando indivíduos; antes, está salvando um povo para
Introdução à série Teologia para o povo de Deus
si. Sugerimos que a teologia é melhor compreendida como teologia para a igreja, a comunidade da fé. Se a igreja é central para o plano de Deus, então não podemos empurrar para a margem o que é central para nosso Senhor. Precisamos de um referencial para compreender a teologia da igreja antes de falarmos sobre fazer teologia para a igreja.
Em Efésios, Paulo parece ampliar a compreensão da igreja para além de um corpo local de crentes, incluindo o povo de Deus na terra em qualquer tempo, em adição a todos os crentes no céu e na terra, o que costuma ser chamado de igreja universal. No Pentecostes, Deus inaugurou a igreja como sua nova sociedade (At 2), fundada na obra consumada de Cristo (At 2.22-24) e no batismo do Espírito Santo (1Co 12.13). A igreja é um mistério (Ef 3.1-6) que Cristo profetizou (Mt 16.18) e foi revelado na vinda do Espírito no Pentecostes. A igreja tem apóstolos e profetas como seu fundamento, e Cristo como a pedra angular (Ef 2.20-21). Em origem e propósito, a igreja é a igreja de Deus. Não é criada por nossos esforços, mas recebida como dom de Deus, constituída por ele e para ele.
A participação na comunidade da fé ocorre por iniciativa divina, pois nós o amamos porque ele nos amou primeiro (1Jo 4.10). Deus cria uma comunhão de pessoas habitadas pelo Espírito Santo. O Novo Testamento apresenta a igreja como a família da fé (Gl 6.10), a comunhão do Espírito (Fp 2.1), a família de Deus (Ef 3.14-15), a coluna da verdade (1Tm 3.15), a noiva de Cristo (Ap 19.7), o corpo de Cristo (Ef 1.22-23), a nova criação (Ef 2.15) e o templo do Espírito Santo (Ef 2.21). Mais do que uma organização humana, a igreja é uma expressão visível e tangível do povo reconciliado com Cristo e uns com os outros.
Unindo-nos à confissão da igreja ao longo dos séculos, podemos sustentar que a igreja é una — santa, universal e apostólica. Todos os quatro marcadores são vitalmente importantes e devem ser levados a sério, mesmo enquanto lidamos com as tensões inerentes a eles. O povo de Deus deve buscar a unidade, refletir a santidade e permanecer
em continuidade com o passado, principalmente com a doutrina e prática apostólicas reveladas a nós nas Escrituras cristãs (Ef 2.20; 3.2-13), enquanto busca viver um compromisso com a comunhão dos santos através de todas as barreiras geracionais, sociais, étnicas e econômicas. A igreja deve levar a sério o trabalho de fazer teologia como um aspecto de seu propósito e missão gerais, pois o papel da “Regra de Fé”, desde suas primeiras gerações, tem servido de modelo. Levando adiante a imagem da coluna da verdade (1Tm 3.15), cremos que a primeira responsabilidade no trabalho da teologia é equipar ou edificar a igreja (Ef 4.13-16). Equipar envolve mover os crentes em direção (1) à unidade da fé e (2) a uma maturidade da fé que envolve o pleno conhecimento do Filho de Deus. Quando a igreja for capacitada, o povo de Deus evidenciará estabilidade em preceito e prática, crescendo em tudo em direção a Cristo, com cada membro apoiando o outro, ajustados juntos em harmonia e edificados em amor.
A igreja não deve ser caracterizada como instável, sempre arrebatada pelo último movimento, tendência ou modismo, buscando a todo momento o novo e o inédito. Um compromisso com a apostolicidade e a tradição cristã fornece uma âncora para a igreja.
O tipo de maturidade descrito em Efésios 4 necessita de um fundamento teológico cuidadosamente articulado que afastará a igreja da instabilidade e da ingenuidade. A igreja deve estar sempre ciente dos enganos e falsificações da verdade, os quais só podem ser conhecidos quando aprendemos a pensar com sabedoria em categorias teológicas.
A maturidade teológica frequentemente advém da capacidade de reconhecer uma heresia genuína, como a encontrada em Marcião, Ário, Pelágio ou Abelardo, bem como na negação de doutrinas cristãs fundamentais. Quase todas as heresias ao longo da história da igreja foram adaptações desses quatro pensadores equivocados. A heresia deve ser rejeitada, ao mesmo tempo que reconhecemos que a mera discordância sobre questões secundárias ou terciárias não deve ser caracterizada como heresia.
Introdução à série Teologia para o povo de Deus
O pensamento teológico cuidadoso que leva à edificação do povo de Deus resulta no avanço da missão do evangelho entre as nações (Ap 5.7). Na realização dessa missão, a igreja é chamada a ser fiel, a discernir, a interpretar e a proclamar o evangelho de Jesus Cristo como o poder transformador para o mundo. Infelizmente, as separações contemporâneas que costumamos encontrar entre teologia, espiritualidade e ministério eclesiástico resultam em mútua desconfiança do trabalho teológico. Por vezes, a igreja não apenas deixou de encorajar, mas também, noutros momentos, em princípio desencorajou a necessidade do trabalho fiel e colaborativo dos teólogos. Lamentavelmente, o outro lado da moeda não é muito melhor.
O que é necessário é uma visão escatológica renovada para o povo de Deus, com um reconhecimento da importância da igreja no plano geral do Senhor e uma nova apreciação do significado de um fundamento teológico para a igreja. Nossa oração é por teólogos fiéis que sejam também homens fiéis na igreja; mestres fiéis que sejam também evangelistas fiéis. Nosso objetivo neste volume é que os artigos sejam úteis ao povo de Deus e aplicáveis à sua vida. Além disso, a teologia deve ser apresentada diante da igreja e do mundo como um sistema de verdade que depende da mente regenerada e expõe as diferenças radicais entre o cristianismo e as filosofias do mundo.
Teologia e as crenças, proclamação e ministério da igreja
Crenças sobre Deus e sua Palavra têm consequências definitivas nesta vida. O que cremos sobre o Senhor conduz a consequências significativas não apenas para esta vida, mas por toda a eternidade. A teologia cristã, por conseguinte, forma o fundamento das crenças, da proclamação e do ministério da igreja. Envolve não apenas crer na verdade revelada, mas articulá-la de tal forma que chame a igreja à espiritualidade genuína, à pureza e à santidade ética. Se a teologia cristã é o estudo de Deus e suas obras, então ela não pode ser meramente o trabalho de especialistas. A teologia é responsabilidade da
igreja que busca comunicar aquilo em que ela própria crê, pratica e proclama, primeiro para o bem dos crentes, mas também para um mundo que a observa.
Por vezes, ouvimos vozes sugerindo que a teologia é divisiva demais e, portanto, deveria ser menos enfatizada. A teologia, no entanto, serve como a espinha dorsal da igreja. Sem boa teologia, a igreja não pode e não irá amadurecer na fé, e estará propensa a ser jogada de um lado para outro pelas ondas e levada daqui para ali por todo vento de doutrina (Ef 4.14). Uma teologia saudável que amadurece a cabeça e o coração não apenas capacitará os crentes a avançarem em direção à maturidade, mas resultará no louvor e exaltação de Deus entre todos os povos (Sl 96). A boa teologia deve sempre levar a uma doxologia vigorosa e fiel. O apóstolo Paulo — após expor as doutrinas do pecado, justificação, santificação e o futuro de Israel nos primeiros 11 capítulos de Romanos — conclui a seção declarando:
Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído? Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém! (Rm 11.33-36)
A teologia que não leva à doxologia pode ser intelectualmente útil, mas fica aquém da visão bíblica da reflexão doxológica para a glória de Deus e o florescimento de seu povo.
Sejamos honestos e reconheçamos que alguns teólogos complicaram indevidamente a fé cristã ou nos distraíram de aspectos da vida com Cristo. Não devemos, contudo, concluir que a teologia em si seja uma distração ou cause divisão. A teologia precisa fazer parte da igreja tanto quanto a adoração, o evangelismo, os ministérios de benevolência e as missões. Na verdade, ela deve orientar cada uma dessas prioridades. Um ministério baseado em teologia falha será ele
Introdução à série Teologia para o povo de Deus
mesmo falho e até perigoso. A adoração que não vê a Deus como ele é e como ele se revelou não o glorificará. A teologia pode nos ajudar a compreender melhor a fé que desejamos compartilhar em nossos esforços evangelísticos e, além disso, pode nos levar a uma consciência da magnitude, da grandeza e da bondade do Deus único, verdadeiro e sábio, a quem adoramos e servimos.
A teologia também pode capacitar o povo de Deus a recuperar uma verdadeira compreensão da vida humana. Nesse sentido, a igreja pode novamente adquirir uma percepção da grandeza da alma. A teologia pode nos ajudar a recuperar a consciência de que Deus é mais importante do que nós, que a vida futura é mais importante do que esta, e que uma visão correta de Deus confere significado e segurança genuínos à nossa vida. Compreenderemos que a esperança é a promessa do céu e que a santidade é a prioridade aqui neste mundo.
A igreja pode compreender melhor aquilo em que cremos e por que cremos. Podemos reconhecer nossa herança e avivar nossa esperança futura. Quando a igreja realiza essa tarefa teológica, e quando os teólogos fazem teologia para ela, o conteúdo de verdade da fé pode ser preservado. Pois é tarefa expressa da teologia expor todo o conselho de Deus (At 20.7). Quando isso acontece, a igreja pode ser fortalecida. O evangelho e sua plenitude podem ser proclamados.
Sem o fundamento de uma teologia sólida, não pode haver pregação, evangelismo, discipulado ou alcance missionário eficazes a longo prazo. O ditado popular segundo o qual “o que os olhos não veem o coração não sente” encontrará bastante dificuldade para se justificar se essa abordagem for adotada em relação a questões definitivas como céu e inferno. Por outro lado, a teologia sã e confiável, firmemente baseada na Palavra de Deus, oferece segurança e esperança.
Compreender a teologia no contexto da história da igreja fornece discernimento para hoje e orientação para o futuro. Dessa forma, a teologia pode preservar a igreja contra modismos equivocados. O conhecimento do passado impede que o povo de Deus confunda o
que é mera expressão contemporânea com aquilo que é permanentemente relevante, evitando que caiamos na armadilha do presentismo. A teologia ajuda a apresentar à igreja um acúmulo valioso de discernimentos duradouros, junto com numerosas lições e advertências, tanto positivas quanto negativas. Assim, a teologia feita para a igreja sempre terá um olho nos caminhos históricos dela própria.
Tal consciência da história da igreja fornece um baluarte contra o orgulho e a arrogância que podem sugerir sermos “nós” o único grupo ou tradição que dá continuidade à ortodoxia dos apóstolos. O conhecimento de tais continuidades e descontinuidades no passado nos ajudará a focar aquelas áreas da verdade que são verdadeiramente atemporais e duradouras, ao mesmo tempo que encoraja a autenticidade e a humildade, bem como a dependência do Espírito de Deus. Com esperança, essa consciência nos encorajará a não só aceitar as coisas de acordo com nossa tradição ou fazê-las de acordo com nossas próprias “zonas de conforto”, mas a todo momento nos impulsionará de volta ao Novo Testamento com olhos renovados e um coração aberto. Portanto, nossa posição será fundamentada ali.
Por fim, cremos que uma igreja teologicamente orientada e equipada estará mais bem preparada para tempos de dificuldade e provação — seja em meio à perseguição, diante da erudição infiel ou durante as disputas e divisões internas no corpo. Com esperança, a igreja pode se concentrar na obra triunfal de Deus em Jesus Cristo, vivendo na expectativa do governo glorioso do Rei dos reis e Senhor dos senhores.
Daniel L. Akin
David S. Dockery
Nathan A. Finn
Para estudo adicional
AKIN, Daniel L. (ed). A Theology for the Church, ed. rev. (Nashville: B&H Academic, 2014).
BASDEN, Paul; DOCKERY, David S. (orgs). People of God: Essays on the Believers’ Church (Nashville: B&H, 1991).
DOCKERY, David S. (ed). New Dimensions in Evangelical Thought (Downers Grove: IVP, 1998).
______. Theology, Church, and Ministry (Nashville: B&H Academic, 2017).
MORGAN, Christopher. Christian Theology (Nashville: B&H Academic, 2020).
YARNELL, Malcolm B., III. Formation of Christian Doctrine (Nashville: B&H Academic, 2007).
PRIMEIRA PARTE
FUNDAMENTOS TEOLÓGICOS
A EXISTÊNCIA DE DEUS
Jeremiah J. Johnston
A questão da existência de Deus pode ser tratada sob diferentes ângulos. Teólogos e filósofos costumam abordar formas do “Argumento Cosmológico” (o argumento a favor da existência de Deus baseado na origem e natureza do universo), do “Argumento Teleológico” (o argumento a partir do propósito ou design), do “Argumento Ontológico” (o argumento a partir do ser e da existência), do “Argumento Moral” (o argumento a partir da necessidade moral ou ética), ou de argumentos baseados em design, inteligência ou consciência.1 O presente ensaio considerará a evidência para a existência de Deus que surge principalmente da experiência, conforme relatada na literatura bíblica, a qual apoia e esclarece a realidade da existência de Deus. As Escrituras consistem na experiência de Deus. Essa literatura inclui a antiga Escritura hebraica de Israel. Aqui encontramos relatos de segunda mão da experiência dos patriarcas e outras figuras da antiguidade, bem como relatos em primeira mão de profetas que afirmam ter visto Deus ou escutado literalmente a sua voz. Também se inclui a literatura
1 Veja J. P. Moreland; Chad V. Meister; Khaldoun A. Sweis (orgs.), Debating Christian Theism (Oxford: Oxford University Press, 2013).
sagrada da Igreja cristã, que fornece relatos de segunda mão de eventos nos quais Deus ou um ser sobrenatural (a saber, um anjo) é visto ou de alguma outra forma experienciado, bem como relatos em primeira mão de pessoas, como os apóstolos Paulo ou João, os quais viram a Deus ou, em certo sentido, entraram em sua presença.
Argumentos teleológicos e espirituais para a existência de Deus
Na literatura bíblica, encontramos argumentos teleológicos para a existência de Deus baseados no que pode ser observado na natureza ou experimentado no coração. Refletindo o primeiro caso, o Saltério afirma: “Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos. Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite” (Sl 19.1-2). A lógica desta confissão reside na ideia de que a natureza reflete a grandeza de Deus.2 Em outro lugar, o Saltério declara: “Quando contemplo os teus céus, obra dos teus dedos, e a lua e as estrelas que estabeleceste, que é o homem, que dele te lembres? E o filho do homem, que o visites?” (Sl 8.3-4). Refletindo a crença de que Deus é, em certo sentido, conhecido pelo que ele imprime no coração, o Saltério fala de Deus dando conselho (Sl 16.7) ou escrevendo sua lei no coração de alguém (Sl 40.8). Encontramos uma ideia semelhante nos profetas. Em expectativa da restauração futura, o profeta Jeremias, falando as palavras de Deus, declara: “Dar-lhes-ei coração para que me conheçam que eu sou o Senhor” (Jr 24.7), e “Dar-lhes-ei um só coração e um só caminho, para que me temam todos os dias” (Jr 32.39). No contexto da promessa de uma nova aliança, Deus afirma por meio de Jeremias:
Na mente, lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas inscreverei; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo.
2 Veja Hans-Joachim Kraus, Psalms 1–59: A Continental Commentary, trad. Hilton C. Oswald (Minneapolis: Fortress, 1993), p. 270. [Salmos: Volume 1 (Salmos 1–59), trad. Carlos Almiro Finger (São Leopoldo: Sinodal/ASTE, 1997).]
Não ensinará jamais cada um ao seu próximo, nem cada um ao seu irmão, dizendo: Conhece ao Senhor, porque todos me conhecerão, desde o menor até ao maior deles, diz o Senhor. Pois perdoarei as suas iniquidades e dos seus pecados jamais me lembrarei. (Jr 31.33-34)
Ter a lei de Deus “na mente” ou “escrita no” coração é conhecer ao Senhor de modo íntimo e verdadeiro. É por isso que Deus, através de Jeremias, pode dizer: “Ninguém mais ensinará ao seu próximo nem ao seu irmão, dizendo: ‘Conheça o Senhor’, porque todos eles me conhecerão” (Jr 31.34, NVI). Como todos conhecerão a Deus, não será necessário que sejam ensinados. A antiga aliança foi escrita em tábuas de pedra (isto é, no Sinai), as quais exigiam leitura, interpretação e ensino, para que se pudesse conhecer a Deus e sua lei. O profeta vislumbra um tempo em que o conhecimento de Deus e de sua lei será imediato e, portanto, não exigirá leitura, estudo ou ensino.3 Ideias semelhantes são expressas no livro de Ezequiel, o qual promete que ao povo de Deus será dado um “coração novo” (Ez 11.19; 36.26), e escatologicamente em Isaías 11.9 e Habacuque 2.14.
Em sua crítica contundente à cultura pagã de sua época, o apóstolo Paulo declara:
Porquanto o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis; porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato. (Rm 1.19-21)
3 Jack R. Lundbom, Jeremiah 21–36: A New Translation with Introduction and Commentary, Anchor Bible 21A (Nova York: Doubleday, 2004), p. 470.
Aqui, Paulo provavelmente ecoa elementos da filosofia grega, na qual se argumenta que, embora Deus seja invisível, ele é percebido pelo que fez e pelo que faz.4 O argumento de Paulo pressupõe e, em alguns pontos, vai além da confissão do Saltério de que os céus declaram a natureza e o poder criador de Deus. A verdade de Deus é conhecida, segundo Paulo, “porque Deus lhes manifestou”. Eles são, portanto, “indesculpáveis”.
Experiências patriarcais de Deus
Em Gênesis, lemos histórias de Deus falando aos patriarcas. Por exemplo, encontramos: “Então, disse Deus a Noé” (Gn 6.13), mas nada nos é dito sobre qual foi a experiência de Noé. Ele viu Deus?
Como o ouviu? Da mesma forma, no caso de Abrão (posteriormente Abraão), “Disse o Senhor a Abrão: Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que eu te mostrarei” (Gn 12.1).
Deus repetidamente fala a Abra(ã)o, mas apenas uma vez se relata que o patriarca vê algo: “Depois destes acontecimentos, veio a palavra do Senhor a Abrão, numa visão” (Gn 15.1), porém a visão seguinte é estranha e aterradora, e ocorre enquanto Abrão dorme (Gn 15.1221). O “Anjo do Senhor” aparece a Agar (Gn 16.7-11; 21.17). Depois, Agar pergunta a si mesma: “Não olhei eu neste lugar para aquele que me vê?” (Gn 16.13). O “Anjo do Senhor” também aparece a Abraão (Gn 22.11, 15). Três homens misteriosos encontram Sara e Abraão, e um deles, identificado como “o Senhor”, fala a Abraão e Sara (Gn 18.13-15). Anjos aparecem a Ló, sobrinho de Abraão, advertindo-o a fugir de Sodoma (Gn 19.1, 15).
Outra história estranha envolve Jacó, o “suplantador”, o qual foi enganado por seu tio e sogro, Labão, e depois o enganou em troca. Quando Jacó e sua família chegam a um lugar chamado Maanaim,
4 Veja Pseudo-Aristóteles, Sobre o Universo [= De mundo], 6, 399b (São Paulo: Edipro, 2012); Diodoro Sículo, Bibliothēkē Historikē, 2.21.7.
ele é encontrado pelos “anjos de Deus” (Gn 32.1-2). Não há mais explicações. A declaração concisa provavelmente tem a intenção de estabelecer o contexto para o que acontece mais tarde naquela noite, quando Jacó, sozinho, encontra um homem misterioso, com quem luta durante toda a noite (Gn 32.24-32). O homem declara a Jacó: “Já não te chamarás Jacó, e sim Israel, pois como príncipe lutaste com Deus” (Gn 32.28). Jacó chama o lugar de Peniel (“Face de Deus”), explicando: “Vi Deus face a face, e a minha vida foi salva” (Gn 32.30). O reconhecimento grato de Jacó de que sua vida foi preservada (ou literalmente “salva”) reflete a crença generalizada de que ver Deus era perigoso, pois “ver a Deus significava a morte”.5
Talvez um dos mais famosos encontros com Deus narrados no Antigo Testamento seja encontrado na história de Moisés e da sarça ardente. As porções principais desta passagem dizem:
Apareceu-lhe o Anjo do Senhor numa chama de fogo, no meio de uma sarça; Moisés olhou, e eis que a sarça ardia no fogo e a sarça não se consumia. Então, disse consigo mesmo: Irei para lá e verei essa grande maravilha; por que a sarça não se queima? […] Disse mais: Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó. Moisés escondeu o rosto, porque temeu olhar para Deus. (Êx 3.2-3, 6)
Moisés ouve e vê Deus, mas não fica claro em que sentido ele enxerga o Senhor. Afirma-se apenas que ele vê “uma chama de fogo”. Em princípio, isso é tudo o que Moisés pôde ver de Deus. De qualquer forma, seu encontro em meio às chamas prenuncia as muitas aparições futuras de Deus.
A representação de Deus como fogo é um lugar-comum na literatura bíblica. Já se mencionou a aterradora visão ou sonho que Abrão teve de Deus como “fogareiro fumegante e uma tocha de fogo” (Gn
5 Veja Gerhard von Rad, Genesis: A Commentary, ed. rev. (Filadélfia: Westminster, 1972), p. 323; cf. cf. Êx 33.20; Dt 4.33; 5.24, 26; 18.16; Jz 6.22-23; 13.22; Is 6.5.
[O Livro de Gênesis, 3ª ed. (São Leopoldo: Sinodal/ASTE, 2004).]
15.17). Durante as peregrinações de Israel no deserto, o Senhor “ia adiante deles, durante o dia, numa coluna de nuvem, para os guiar pelo caminho; durante a noite, numa coluna de fogo, para os alumiar, a fim de que caminhassem de dia e de noite” (Êx 13.21; cf. 14.24; Nm 14.14; Ne 9.12, 19). Quando Deus desceu sobre o Monte Sinai para fazer sua aliança com Israel, registra-se que “o Senhor descera sobre ele em fogo; a sua fumaça subiu como fumaça de uma fornalha” (Êx 19.18), e que “o aspecto da glória do Senhor era como um fogo consumidor no cimo do monte” (Êx 24.17). Quando o tabernáculo foi concluído e a “glória do Senhor encheu o tabernáculo” (Êx 40.34), a partir daquele momento, “de dia, a nuvem do Senhor repousava sobre o tabernáculo, e, de noite, havia fogo nela, à vista de toda a casa de Israel” (Êx 40.38; cf. Nm 9.15-16).
Numa ocasião em que Israel irritou a Deus, “fogo do Senhor ardeu entre eles e consumiu extremidades do arraial. Então, o povo clamou a Moisés, e, orando este ao Senhor, o fogo se apagou. Pelo que chamou aquele lugar Taberá, porque o fogo do Senhor se acendera entre eles” (Nm 11.1-3). Da mesma forma, homens que ofereciam incenso pagão foram destruídos por fogo “procedente do Senhor” (Nm 16.35; cf. 26.10). Remetendo a este evento, Moisés lembra a Israel que “o Senhor, teu Deus, é fogo que consome, é Deus zeloso” (Dt 4.24).
De fato, é prometido a Israel que Deus irá adiante deles como um “fogo consumidor” para destruir seus inimigos (Dt 9.3; cf. Sl 50.3).
O profeta Isaías adverte que Deus virá em julgamento, “como fogo devorador” (Is 30.27, 30; 66.15-16). Não é surpreendente que o autor do livro de Hebreus declare que “o nosso Deus é fogo consumidor” (Hb 12.29). Várias vezes em Deuteronômio, Israel é lembrado da presença de Deus entre chamas no Monte Sinai/Horebe (Dt 4.11-12, 15, 36; 5.4-5, 22-25; 9.10, 15; 10.4, “o Senhor vos falou do meio do fogo”). De fato, declara o salmista: “A voz do Senhor despede chamas de fogo” (Sl 29.7). De acordo com Daniel, o trono-carruagem de Deus tem rodas de fogo, e “um rio de fogo manava e saía de diante dele” (Dn 7.9-10).
Naquilo que provavelmente tem o propósito de ser um paralelo à presença divina entre chamas no tabernáculo (e talvez, também, uma referência ao triunfo dramático de Elias sobre os profetas de Baal), o Cronista nos relata: “Tendo Salomão acabado de orar, desceu fogo do céu e consumiu o holocausto e os sacrifícios; e a glória do Senhor encheu a casa” (2Cr 7.1). E acrescenta: “Todos os filhos de Israel, vendo descer o fogo e a glória do Senhor sobre a casa, se encurvaram com o rosto em terra sobre o pavimento, e adoraram, e louvaram o Senhor, porque é bom, porque a sua misericórdia dura para sempre” (2Cr 7.3).
Segundo se acreditava, ver a Deus era fatal
Ouvir a voz de Deus ou, de alguma forma, sentir sua presença não era considerado necessariamente perigoso (veja, porém, abaixo), mas ver a Deus poderia muito bem significar a morte. A tradição bíblica, no entanto, é complexa. Quando Moisés encontrou o Senhor pela primeira vez na sarça ardente, ele “escondeu o rosto, porque temeu olhar para Deus” (Êx 3.6). Mais tarde, como líder de Israel no deserto, Moisés costumava se encontrar com Deus, e este falava com ele “face a face, como quem fala com seu amigo” (Êx 33.11, NVI; cf. Nm 14.14; Dt 5.4; 34.10). Como resultado desses encontros com Deus, o rosto de Moisés começou a resplandecer, o que assustou o povo (Êx 34.29-30, 35).
Apesar desses encontros, o pedido de Moisés para ver a glória de Deus (Êx 33.18) é recusado; pois, como Deus lhe diz: “Não me poderás ver a face, porquanto homem nenhum verá a minha face e viverá” (Êx 33.20). Se Moisés costumava falar com Deus “face a face” — e o fazia aparentemente sem sofrer dano —, então por que ele não podia ver a face de Deus? A explicação reside em reconhecer que a expressão “face a face” denota intimidade, não teofania.6 Deus falou a Moisés como um homem falaria a seu amigo. Porém, quando
6 John I. Durham, Exodus, Word Biblical Commentary 3 (Waco: Word, 1987), p. 443.
Moisés pede para ver a “glória” de Deus (seu kabōd), isso significa ver o próprio ser e essência de Deus. Moisés não pode ver isso em seu corpo mortal; fazê-lo seria fatal.
Em Deuteronômio, na revisão do êxodo de Israel e da entrega da lei, Moisés pergunta ao povo: “Que povo ouviu a voz de Deus falando do meio do fogo, como vocês ouviram, e continua vivo?”
(Dt 4.33, NVI; cf. 5.24, 26). Normalmente, é o ver a Deus que traz perigo, mas, ao ouvir Deus falar no Monte Sinai (ou Horebe), o povo teme morrer.7 O refrão “do meio do fogo” poderia explicar por que encontros próximos com Deus eram às vezes fatais, o que parece estar implícito quando Moisés lembra o que o povo declarou na montanha: “Não ouvirei mais a voz do Senhor, meu Deus, nem mais verei este grande fogo, para que não morra” (Dt 18.16).
Buscando um sinal de Deus, Gideão prepara uma oferta (Jz 6.11-18). O sinal é dado quando “o Anjo do Senhor […] tocou a carne e os bolos asmos; então, subiu fogo da penha e consumiu a carne e os bolos; e o Anjo do Senhor desapareceu de sua presença” (Jz 6.21). Gideão percebe que era o Anjo do Senhor e clama: “Ai de mim, Senhor Deus! Pois vi o Anjo do Senhor face a face. Porém o Senhor lhe disse: Paz seja contigo! Não temas! Não morrerás!” (Jz 6.22-23). Aqui, mais uma vez, Deus parece, em certo sentido, estar presente no fogo. Embora o ser divino seja descrito como “o Anjo do Senhor”, antigos como Gideão bem poderiam ter presumido que o próprio Deus estava presente. De fato, é Deus quem fala e tranquiliza seu servo: “Paz seja contigo! Não temas! Não morrerás!”. A palavra de paz assegura ao assustado Gideão que tudo está bem em sua posição diante de Deus. Seu encontro com Deus não resultará em sua morte.
Encontramos uma história semelhante mais adiante no livro de Juízes. Manoá suplica a Deus em favor de sua esposa estéril (Jz 13.8-14).
7 Êx 20.19; A. D. H. Mayes, Deuteronomy (Grand Rapids: Eerdmans, 1979), p. 157.
Um “homem” misterioso aparece, o qual, como se descobre, é identificado como “o Anjo do Senhor” (Jz 13.13). Como Gideão antes dele, Manoá prepara uma oferta, e, “subindo para o céu a chama que saiu do altar, o Anjo do Senhor subiu nela” (Jz 13.20; cf. Sl 104.4; Hb 1.7). É então que Manoá percebe quem o “homem” era de fato, e diz à sua esposa: “Certamente, morreremos, porque vimos a Deus” (Jz 13.22). Desta vez, no entanto, não é Deus quem tranquiliza o humano assustado; é sua esposa, que raciocina com acerto que Deus não teria aceitado a oferta se desejasse matá-los (Jz 13.23).
Uma das descrições mais dramáticas de um encontro com Deus está situada no livro de Isaías. Enquanto estava no templo, Isaías diz: “eu vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono, e as abas de suas vestes enchiam o templo” (Is 6.1). O profeta, presumindo ser um homem morto, clama: “Ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos!” (Is 6.5). Neste caso, uma explicação é oferecida: Isaías está perdido (em hebraico, dāmah, “perdido” ou “arruinado”) porque é um homem de “lábios impuros” e vive entre um povo de impuros lábios. Desta confissão, devemos inferir que os mortais arriscam a vida na presença de Deus porque são pecadores e, portanto, estão espiritualmente afastados de Deus. Este pode muito bem ter sido o ponto quando o maravilhado Pedro, vendo a grande pesca e percebendo mais plenamente quem Jesus de fato é, lhe roga: “Senhor, retira-te de mim, porque sou pecador” (Lc 5.8).
A partir desses encontros com Deus, podemos inferir que os antigos acreditavam que os humanos corriam perigo mortal por causa da santa natureza de um Deus entre chamas, e porque os humanos mortais eram pecadores. Essas histórias são antigas e difundidas. Embora nem sempre bem compreendidas, atestam a antiga crença de que, às vezes, um ser humano encontrava Deus e tal encontro podia resultar em morte. Não é surpresa, então, que esses momentos não fossem procurados. Eram, por consequência, tão raros quanto indesejados.
Experiências com Deus em visões proféticas
A existência de Deus na literatura bíblica também é observada em visões proféticas, as quais muitas vezes não eram visões no sentido de enxergar coisas, mas de ouvir a voz divina. A voz de Deus é reveladora e experiencial. O jovem Samuel ouve a voz de Deus (1Sm 3.1-14), confundindo-a primeiro com a de Eli. Na quarta chamada do Senhor, Samuel responde: “Fala, porque o teu servo ouve” (1Sm 3.10). No final do capítulo, aprendemos: “Continuou o Senhor a aparecer em Siló, enquanto por sua palavra o Senhor se manifestava ali a Samuel” (1Sm 3.21). Deus falou diversas vezes a Samuel: (a) revelou que o desejo do povo por um rei atestava sua rejeição contra Deus (1Sm 8.7, 22); (b) o Senhor falou a Samuel sobre onde encontrar Saul, o primeiro rei de Israel, escondido entre as bagagens (1Sm 10.22); e, (c) na cena da unção de Davi como rei de Israel, o Senhor apareceu quatro vezes a Samuel (1Sm 16.1-2, 7, 12). Com onisciência divina, o Senhor disse: “Não atentes para a sua aparência, nem para a sua altura, porque o rejeitei; porque o Senhor não vê como vê o homem. O homem vê o exterior, porém o Senhor, o coração” (1Sm 16.7). De uma perspectiva negativa, Saul é impactado pela realidade de que não ouve mais o Senhor: “Deus se desviou de mim e já não me responde, nem pelo ministério dos profetas, nem por sonhos” (1Sm 28.15); de fato, o espírito de Samuel pronuncia: “o Senhor te desamparou” (1Sm 28.16). A experiência de Saul mostra que, se ele consultasse o Senhor, poderia esperar uma resposta pelo menos de um intermediário, porém a comunicação foi interrompida. Disso, infiro que a existência de Deus é conhecida porque Deus se revela em visão ou, mais comumente, em palavra.
Ao estabelecer a aliança davídica, Deus falou a Natã, o profeta, “toda esta visão” de que a casa, o reino e o trono de Davi seriam estabelecidos “para sempre” (2Sm 7.4, 16-17). Assim como o Senhor falou a Davi, também falou a seu filho, Salomão, na dedicação do templo: “cumprirei para contigo a minha palavra, a qual falei a Davi,
teu pai” (1Rs 6.11-12). Elias, desanimado, se escondeu numa caverna em Horebe e testemunhou um vento forte que fendeu as montanhas, depois um terremoto e, em seguida, um fogo; no entanto, ouviu ao Senhor não nesses “atos de Deus”, mas em uma “voz mansa e suave” (A21) enquanto Deus revelava o remanescente fiel de sete mil que não haviam se curvado a Baal (1Rs 19). Após a vívida manifestação da vitória divina sobre os profetas de Baal, Elias discerniu que o poder transformador de Deus também é revelado através da “voz mansa e suave” (cf. 1Rs 17.8-9; 18.1; 19.5; 21.17-18).
Voltando-nos para as Sagradas Escrituras cristãs, as duas ocorrências de Deus falando no Evangelho de Marcos são o batismo de Jesus (Mc 1.9-11) e a transfiguração (Mc 9.2-8). Em ambos os casos, Deus se refere ao seu “Filho amado” (cf. Sl 2.7), e, na transfiguração, apela aos presentes para “ouvi-lo”. De acordo com Marcos, o ponto teológico é que ouvir Jesus é ouvir o próprio Deus. Este é encontrado por meio de sua Palavra. Paulo é a testemunha mais importante do Novo Testamento para a existência de Deus, por causa de seu testemunho em primeira mão. Paulo escreve várias cartas, e raramente é idealista.
Seu estilo é prosaico e didático, então temos grande confiança de que o apóstolo deparou-se com Deus em 2Coríntios 12 (cf. também 1Co 9.1; 15.8). Algum tempo antes de sua primeira viagem missionária (43 d.C.), Paulo narra uma experiência de visitar o céu e ouvir coisas no ambiente celestial oriundas de Deus. Quer sejam anjos falando com Deus ou Deus falando com anjos, Paulo ouviu “palavras inefáveis, as quais não é lícito ao homem referir” (2Co 12.4), e ele simplesmente não consegue comunicar essas coisas em linguagem humana.
Noutro relato em primeira mão do Novo Testamento, o autor do Apocalipse viu o Cristo ressurreto (Ap 1.9-20) e quase morreu: “Caí a seus pés como morto” (Ap 1.17). Ver Cristo é ver Deus, pois Jesus afirmou: “Quem me vê a mim, vê o Pai” (Jo 14.9). Além disso, João teve a experiência de visitar o próprio céu (Ap 4–5). Ele descreve ter visto o próprio trono onde Deus se assenta, o qual Ezequiel (caps.
1 e 10) e Daniel (cap. 7) também descreveram. João vê os anciãos prostrando-se diante de Deus. Ele ouve a adoração de um número incontável e descreve o contínuo “Amém” dos quatro seres viventes.
Deus é luz. Deus é consumidor. O ponto exegético é que a existência de Deus é conhecida não por argumento, mas por experiência. Portanto, as experiências com Deus descritas na literatura bíblica apoiam e esclarecem a realidade da sua existência.
Os antigos não tinham um preconceito contra a experiência, o que é importante entender. A experiência é uma mestra legítima. A palavra “ciência” (do latim scientia) significa “conhecimento”, e pode-se adquiri-lo de várias maneiras. As Escrituras não apontam para um comitê de cientistas, filósofos e teólogos raciocinando através de deduções relacionadas à existência de Deus ou avaliando se a evidência é convincente. (Este processo é importante para os modernos, com certeza.)
Ao longo das Escrituras, a presença de Deus — tanto sua existência quanto sua benevolência para com a humanidade — é experienciada. De uma perspectiva bíblica, a experiência de Deus é a prova primordial para a sua existência, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento.
Deus é encontrado de forma inesperada; ter uma experiência com ele é assustador. Como vimos, personagens bíblicos (pessoas reais, eventos reais, com certeza) não estão necessariamente ansiosos para encontrar Deus, pois isto poderia ser mortal. Experienciar Deus mostra que ele existe e é diferente da ordem criada. Essa comparação estabelece um contraste onde o ser humano reconhece o quanto é pequeno, fraco e vulnerável em comparação a Deus. Isso leva ao estudo do que Deus fez na natureza (o que incluiria o ser humano, formado “por modo assombrosamente maravilhoso”, Sl 139.14), de maneira que deduções e inferências são feitas sobre os atributos de Deus (sua habilidade, grandeza, santidade, amor, sabedoria).
Conforme escrevi em outro lugar, o Deus de Israel — especificamente seu amor, graça e perdão — destacou-se em nítido contraste com os deuses dos pagãos, gregos e romanos. Esses deuses não sentiam
obrigação para com os humanos e eram vistos como potencialmente perigosos, ciumentos e vingativos, o que pode ter influenciado o medo que os personagens bíblicos sentiam ao entrar na presença de Deus.8
O povo hebreu deduz que os pagãos estão errados. A criação é tal, que a explicação pagã politeísta é claramente inadequada. Existe um Deus Altíssimo, onipotente e detentor de toda a sabedoria, e ele é o Criador do universo. O ponto importante é que a natureza e os atributos de Deus são inteligentemente deduzidos com base em observações, porém a sua existência é conhecida através da experiência direta, o que não é uma dedução de forma alguma.
Para estudo adicional
BRIERLEY, Justin. Unbelievable? Why after Ten Years of Talking with Atheists, I’m Still a Christian (Londres: SPCK, 2017).
CRAIG, William Lane. Does God Exist? (Pine Mountain: Impact 360, 2014).
______. “The Kalam Argument”, em: MORELAND, J. P.; MEISTER, Chad V.; SWEIS, Khaldoun A. (orgs.). Debating Christian Theism (Oxford: Oxford University, 2013, p. 7-19).
FLEW, Anthony. There Is a God: How the World’s Most Notorious Atheist Changed His Mind (Nova York: HarperOne, 2007). [Deus existe: Como o ateu mais famoso do mundo mudou de ideia (São Paulo: Edipro, 2008).]
GUINNESS, Os. God in the Dark: The Assurance of Faith Beyond a Shadow of Doubt (Wheaton: Crossway, 1996).
KELLER, Tim. The Reason for God: Belief in an Age of Skepticism (Nova York: Penguin, 2018). [A fé na era do ceticismo: Como a razão explica Deus (São Paulo: Vida Nova, 2015).]
8 Jeremiah J. Johnston, Unimaginable: What Our World Would Be Like without Christianity (Minneapolis: Bethany House Publishers, 2017), p. 169-179.
MCGRATH, Alister. A Fine-Tuned Universe: The Quest for God in Science and Theology (Louisville: WJK, 2009). [O ajuste fino do universo: Em busca de Deus na ciência e na teologia (Viçosa: Ultimato, 2017).]
REVELAÇÃO
rhyne r. Putman
A revelação é a graciosa maneira pela qual o Deus triúno se faz conhecer às suas criaturas em palavra e ação. Uma vez que Deus é infinito, transcendente e está além da compreensão das finitas mentes humanas, o conhecimento a seu respeito só é possível se ele toma a iniciativa de se revelar. Os cristãos presumem que Deus existe, é um ser pessoal que pode ser conhecido e que agiu para comunicar sua presença e vontade às suas criaturas de tal forma que possam conhecê-lo e amá-lo.
Os verbos bíblicos frequentemente associados a “revelação” (hebraico: galah; grego: apokaluptó) significam literalmente “descobrir” ou “revelar” uma pessoa ou objeto físico. Também descrevem, de maneira figurada, a revelação de informações antes desconhecidas. Autores do Novo Testamento também usam um verbo intimamente relacionado que significa “aparecer” ou “manifestar” (do grego phaneroó) para descrever a manifestação de Deus. Contudo, o vocabulário mais proeminente para a revelação na Bíblia é a “Palavra de Deus” (hebraico: də-ḇar ‘ĕ-lō-hîm; grego: logos tou theou). Essa Palavra de Deus é tríplice: a Palavra verbal expressa através da linguagem humana e preservada na Escritura, a Palavra expressa através da criação e a Palavra encarnada
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Mas por que Pro Nobis? Trata-se de uma expressão em latim que significa POR NÓS. Na tradição cristã, essa expressão se relaciona com a obra de Jesus Cristo em nosso favor. A cruz é o símbolo maior e mais sublime da fé cristã, o coração do Evangelho. O Deus Trino fez uma aliança de redenção em favor de seu povo eleito, salvo pelo sangue do Cordeiro. Nosso alvo é edificar a igreja para que ela prossiga na missão de proclamar “o evangelho das insondáveis riquezas de Cristo” (Ef 3.8).
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