Publicado originalmente por Zondervan Academic, um selo HarperCollins Christian Publishing, Inc.
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Rua Professor Saldanha 110, Lagoa, Rio de Janeiro-RJ, 22.461-220
1ª edição: 2025
ISBN: 978-65-81489-72-4
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Proibida a reprodução por quaisquer meios, salvo citações breves, com indicação da fonte.
Direção executiva
Judiclay Silva Santos
Conselho editorial
Judiclay Santos
David Bledsoe
Paulo Valle
Gilson Santos
Leandro Peixoto
Coordenação e direção editorial: Cesare Turazzi
Tradução: Maiza Ritomy Ide
Tradução e revisão técnica do hebraico e do grego: Wilson Porte Jr.
Preparação de texto: Gabriel Lago
Revisão de provas: Thalles de Araujo
Índices remissivos: Gabriel Lago, Thalles de Araujo
Capa: Luis de Paula
Diagramação: Marcos Jundurian
Nesta obra, as abreviaturas das versões bíblicas utilizadas em citações são referenciadas entre parênteses.
As opiniões representadas nesta obra são de inteira responsabilidade do autor e não necessariamente representam as opiniões e os posicionamentos da Pro Nobis Editora ou de sua equipe editorial.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Hamilton Jr., James M.
Tipologia: padrões do Antigo Testamento e promessas cumpridas em Jesus Cristo/James M. Hamilton Jr ; [tradução Maiza Ritomy Ide]. – Rio de Janeiro: Pro Nobis Editora, 2025.
Título original: Typology.
ISBN 978-65-81489-72-4
1. Bíblia. A. T. - Crítica e interpretação 2. Bíblia. Antigo Testamento - Relação com o Novo Testamento 3. Deus - Promessas 4. Exegese bíblica 5. Hermenêutica 6. Tipologia (Teologia) I. Título.
25-261698
Índices para catálogo sistemático: 1. Tipologia: Teologia 220.64
Eliete Marques da Silva – Bibliotecária – CRB-8/9380
Este livro é uma exploração surpreendentemente rica dos contornos e das estruturas da mensagem abrangente de toda a Bíblia. De maneira bem meticulosa, Jim Hamilton reúne uma verdadeira montanha de evidências para provar o argumento de que os escritores bíblicos, sob o comando de Deus, sabiam exatamente o que estavam fazendo e, desde o início, estavam conscientemente preparando o caminho para a vinda de Cristo. Cada página merece um estudo cuidadoso, pois há muito terreno coberto com detalhes profundamente estimulantes (e brilhantes). Mesmo quando alguém discorda de conclusões específicas (e o escopo deste livro é tal que isso é quase inevitável), a profundidade de suas observações e as nuances do argumento tornam a leitura deste livro um deleite.
Gary Millar
Em seu trabalho anterior, Jim Hamilton me convenceu de que precisamos da teologia bíblica para ajudar os discípulos a aprender a pensar e a viver, nos termos do universo simbólico da Bíblia. Em Tipologia, Hamilton continua ajudando os leitores a se tornarem biblicamente literatos, sensibilizando-os às pistas de nível micro sobre a natureza do que a Bíblia trata. Assim como as declarações de Deus (“haja”) moldam a ordem criada, suas promessas moldam a história redentora. Discernir as conexões tipológicas entre essas promessas e seu cumprimento em Cristo, e o padrão significativo que elas criam, é parte integrante de chegar a uma cosmovisão bíblica — ver Deus, o mundo de Deus e o povo de Deus a partir da perspectiva dos autores bíblicos. Se a teologia busca a compreensão pela fé, uma tarefa teológica essencial é envolver-se com o imaginário bíblico único que a tipologia cria e no qual consiste.
K evin J. vanhoozer
Jim Hamilton escreveu um trabalho claro e teologicamente rico sobre tipologia, demonstrando como a história bíblica da redenção está ancorada nas promessas de Deus sobre o Messias. Tipologia mostra tanto a unidade das Escrituras quanto as belas camadas de suas verdades e, o melhor de tudo, fornece novas lentes através das quais podemos contemplar as glórias de nosso Salvador. Aqui os leitores podem deleitar-se com os ensinamentos da Bíblia sobre aquele que é o Último Adão, o Profeta como Moisés, o Sumo Sacerdote Fiel cujo trabalho cumpre o Culto Levítico, o Filho Real de Davi, o Justo Servo Sofredor e Deus Conosco — leia e alegre-se!
l. Michael Morales
Para Isaías John Hamilton,
Que você siga os passos dos homens cujos nomes carrega, crescendo a fim de ser grandioso nas Escrituras, conhecendo Yahweh como o Deus Salvador e doador de toda boa dádiva em Cristo, pelo Espírito.
§3.2 Nos escritos: o Cântico dos Cânticos ....................... 435
§4 O noivo vindouro ................................................................ 438
§4.1 O noivo ...................................................................... 439
§4.2 Eu me refiro a Cristo e à igreja .................................. 441
§4.3 A prostituta da Babilônia .......................................... 442
Tabela 10.1: A prostituta e a noiva .................................... 443
§5 A consumação do casamento nas bodas do Cordeiro ......... 445
11. Conclusão da tipologia no formato de promessa: Indicadores de nível macro para determinar a intenção do autor .................................................................... 447
§1 O que são e fazem os quiasmas ............................................ 448
§1.1 Uma extensão do paralelismo.................................... 449
§1.2 Fornecer estrutura e limites....................................... 450
§1.3 Um auxílio à memória............................................... 451
Como professor de hermenêutica e de teologia bíblica, percebo que existem assuntos de maior complexidade e dificuldade de entendimento por parte dos alunos dessas disciplinas. Dentre alguns desses temas, talvez a tipologia bíblica seja um dos mais desconhecidos e inexplorados em nossos seminários e púlpitos.
Às vezes, o assunto é tão difícil de explicar quanto de entender, tornando-o um bom desafio àqueles que estudam a Bíblia. Além disso, não são poucos os casos de alegorização dos tipos veterotestamentários em nossos púlpitos e salas de aula que acabam por desrespeitar a historicidade do texto bíblico e distorcer seu propósito autoral.
Tendo isso em vista, a Pro Nobis Editora preenche uma lacuna literária nos estudos bíblico-teológicos ao trazer aos estudiosos de fala portuguesa esta obra do Dr. James Hamilton Jr., reconhecido teólogo bíblico e intérprete das Escrituras.
Neste livro, de suma importância para estudantes de teologia, pastores e acadêmicos, o autor integra uma análise rigorosa da tipologia bíblica com uma abordagem sistemática dos padrões de promessa que permeiam toda a narrativa bíblica, propondo uma leitura aprofundada dos textos, identificando e elucidando as conexões que se estendem desde as promessas do Antigo Testamento até a sua realização em Cristo.
Ao fazê-lo, o autor oferece aos estudiosos e leitores um método de interpretação que não só esclarece o significado histórico e literário
à edição em português
das Escrituras em seu contexto original, mas também ressalta a coesão intrínseca do cânon bíblico.
Dividido em três seções temáticas (Pessoas, Eventos, Instituições), o livro explora, minuciosamente, de que maneiras figuras centrais — como Adão, os patriarcas, os sacerdotes, os profetas e os reis — representam os primeiros traços do padrão tipológico que culmina na figura de Cristo (sua pessoa e obra).
Essa estrutura permite uma compreensão mais clara e organizada dos elementos que compõem o “universo tipológico” das Escrituras.
Com base em evidências textuais e históricas, Hamilton demonstra que o padrão de promessa se manifesta tanto em detalhes micro quanto em macro escalas, reforçando a ideia de que a revelação divina é progressiva e interconectada.
Quanto aos eventos de natureza tipológica, o autor analisa momentos como a criação, o êxodo e a instituição do sacerdócio, demonstrando como esses episódios configuram um cenário de expectativas que se encontram integralmente cumpridas na pessoa e na obra redentora de Cristo. A abordagem metodológica do livro destaca a importância da correspondência literária e histórica, evidenciando a forma como o Antigo Testamento prepara o ambiente para a vinda do Messias.
Nesta linha de raciocínio, o autor argumenta que a tipologia não é meramente um recurso exegético, mas também um instrumento essencial à compreensão da narrativa bíblica como um todo, proporcionando uma visão global e coerente da história da redenção.
Além disso, a análise do Dr. Hamilton transcende a mera identificação de paralelos e prefigurações. Ele propõe uma reflexão profunda sobre a intencionalidade autoral divina, enfatizando que as Escrituras, ao utilizarem padrões e estruturas literárias sofisticadas, como as tipologias, demonstram uma dimensão estética e teológica que enriquece a interpretação dos textos bíblicos.
Esta obra, portanto, não só reafirma a unidade da revelação bíblica, como também convida e desafia o leitor a considerar a inter-relação
TIPOLOGIA
entre forma e conteúdo, ressaltando de que modo a construção literária das narrativas serve de veículo para a comunicação de verdades espirituais profundas.
Conscientizo-o, leitor, de que, nestas páginas, você encontrará não apenas uma exposição acadêmica dos padrões tipológicos, como também terá a experiência de uma renovada percepção da grandiosidade da revelação divina — uma jornada que, de forma eloquente e fundamentada, aponta para a centralidade de Cristo nesta grande e dramática história da redenção.
Desfrute desta boa e indispensável leitura.
Em Cristo e por Cristo,
Helder Cardin, apaixonado pela centralidade de Cristo na história bíblica, mas chanceler das escolas teológicas da Palavra da Vida Brasil e pastor na Primeira Igreja Batista em Araras (SP)
Agradecimentos
Escrever um livro é uma tarefa tanto estimulante quanto frustrante (Ec 1.18, 12.12). A verdade é tão bela e majestosa, e meras palavras são tão escassas e frágeis! A Bíblia transborda vida e poder, mas tentar comunicar essa experiência de examinar as Escrituras e ver sua interconexão é correr atrás do vento (Ec 2.11), o qual sopra onde quer (Jo 3.8). Mas que alegria e privilégio abençoado é tentar fazê-lo.
As limitações deste livro me incomodaram até que descobri um modo de estruturar seu conteúdo, uma estrutura que serve como veículo para a mensagem do livro e é, ao mesmo tempo, um componente-chave dessa mensagem. O que me incomodava era a maneira como a natureza atual da discussão da tipologia — lidar primeiro com pessoas, depois com eventos e, enfim, com instituições — me impedia de ser capaz de expor tudo de uma vez. Minha preferência teria sido levar os leitores a um passeio tranquilo percorrendo versículo por versículo, capítulo por capítulo, livro por livro, por toda a Bíblia, de Gênesis a Apocalipse. Sendo isso impraticável e impossível (imagine o que teria acontecido com o limite de palavras e o prazo!), resignei-me ao arranjo em tópicos. Mas então, durante o feriado de Ação de Graças de 2020, enquanto olhava para o sumário, uma solução inovadora veio até mim na forma de uma pergunta simples: por que não estruturar meu livro de acordo com o modo como os autores bíblicos tantas vezes fizeram nos deles?
Falarei mais sobre isso, algo que achei imensamente satisfatório, na Introdução e na Conclusão deste volume.
Os leitores que desejam fazer esse passeio versículo por versículo e capítulo por capítulo pela Bíblia comigo podem aproveitar o podcast BibleTalk da 9Marks; ali me uno a meus amigos Alex Duke e Sam Emadi numa exposição coloquial das Escrituras, com muita atenção à tipologia e teologia bíblica. Além disso, tenho o privilégio de pastorear a Kenwood Baptist Church no Victory Memorial e de lecionar no Southern Baptist Theological Seminary em Louisville, KY. Os sermões expositivos que preguei em Kenwood estão disponíveis gratuitamente em nosso site e no podcast da igreja, e o seminário aceita inscrições. A melhor maneira de explorarmos as Escrituras juntos é pela interação ao vivo, pessoalmente e face a face; assim, eu convidaria aqueles que desejam mais a se mudarem para Louisville, a se juntarem a nós em Kenwood e/ou se matricularem no seminário, de modo que poderemos explorar a Bíblia juntos na igreja e/ou em sala de aula.
Como eu poderia agradecer ao Senhor por toda a sua bondade para comigo (cf. Sl 116.12)? Pelo evangelho, pela minha família, pelos meus professores, pelas Escrituras e por tantas outras coisas que nunca serei capaz de enumerar (Sl 40.5).
Dedico este livro ao meu amado filho mais novo, que leva o nome de dois dos meus professores favoritos, orando para que seus olhos vejam o Mestre, e que seus ouvidos ouçam uma palavra atrás deles: “Este é o caminho, andai por ele” (Is 30.20-21).
Que este livro aumente seu amor por Deus e pelo próximo à medida que você cresce no zelo e na compreensão das Escrituras.
Jim Hamilton
Abreviaturas
Ao citar as traduções gregas da Bíblia Hebraica, prefaciarei a referência do versículo com LXX, como por exemplo: LXX Ml 3.1.
Ao me referir aos cabeçalhos dos Salmos, que são o versículo 1 no Texto Massorético (TM), mas não são numerados nas traduções modernas, citarei o número do salmo com “ss” para “cabeçalho” (superscription), de modo que o cabeçalho do Salmo 18 seria apresentado como 18.ss.
Nas notas de rodapé do livro, escrevi por extenso os nomes dos periódicos e das séries de monografias, em vez de abreviá-los.
A21
ACF
ARA
Almeida Século 21
Almeida Corrigida Fiel
Almeida Revista e Atualizada
ARC Almeida Revista e Corrigida
AT Antigo Testamento
BHS Biblia Hebraica Stuttgartensia
CSB Christian Standard Bible
ESV English Standard Version
ET
Tradução inglesa (English Translation)
Gen. Rab.
Abreviaturas
Gênesis Rabba
JPS Jewish Publication Society Tanakh Translation
KJV
King James Version
LXX Septuaginta
NA28
Novo Testamento em Grego, Nestle-Aland, 28. ed.
NAA Nova Almeida Atualizada
NASB
New American Standard Bible
NET New English Translation
NIV
New International Version
NT Novo Testamento
NTLH
NVI
Nova Tradução na Linguagem de Hoje
Nova Versão Internacional
TM Texto Massorético
Introdução à tipologia no formato de promessa
Indicadores de nível micro para determinar a intenção do autor
Tipologia é o método usado para interpretar as Escrituras preponderante no NT e característico deste.
— Leonhard Goppelt1
O pai idoso cuja esposa faleceu (Gn 23.1-20) ordena ao seu servo (דֶבֶֶעֶ) “põe a mão por baixo da minha coxa” (24.2) e o faz “jurar pelo Senhor, Deus do céu e da terra” para não “tomar esposa para seu filho das filhas dos cananeus” (24.3), mas sim retornar aos seus parentes em busca de uma esposa para seu filho Isaque, seu único filho, a quem ele ama (24.4; cf. 22.2).2 Quando o servo pergunta se deve levar Isaque de
1 Leonhard Goppelt, Typos: The Typological Interpretation of the Old Testament in the New (Grand Rapids: Eerdmans, 1982), p. 198. [Tipologia: A interpretação do Antigo Testamento no Novo Testamento (São Paulo: Fonte Editorial, 2020).]
2 Salvo indicação em contrário, as traduções do texto bíblico deste livro serão de minha autoria. Normalmente, serão tão literais quanto possível, numa tentativa de preservar a interconexão dos textos e de comunicar em inglês a maneira como os autores bíblicos conceituam e descrevem o mundo, mesmo que isso torne o inglês estranho. Nessas interpretações muito literais, não estou tentando produzir um inglês leve (cuja principal preocupação seria o público-alvo). Minha principal preocupação nessas traduções excessivamente literais é possibilitar que os falantes contemporâneos do inglês vislumbrem a maneira como os autores bíblicos colocam
Introdução à tipologia no formato de promessa
volta àquela terra se a mulher não quiser segui-lo até a terra da promessa (24.5), Abraão responde que ele certamente não deve levar Isaque de volta para lá (24.6); Abraão então faz referência à maneira como Deus o chamou a deixar seu país, sua parentela e a casa de seu pai e ir para a terra que lhe seria mostrada (12.1), terra que Deus prometeu dar à semente de Abraão (12.7), antes de prometer ao servo: “ele enviará o seu anjo, que te há de preceder” (24.7, ARA).
Observe a semelhança entre as frases que Moisés usou para contar a história:
Gênesis 12.1: “Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra”
Gênesis 24.7: “me tirou da casa de meu pai e de minha terra natal”.
Gênesis 12.7: “Darei à tua descendência esta terra”
Gênesis 24.7: “À tua descendência darei esta terra”
Avançamos na narrativa para um tempo em que aquele cujos anos não têm fim (Sl 102.27) ordena ao seu servo: “Não te chegues para cá; tira as sandálias dos pés, porque o lugar em que estás é terra santa” (Êx 3.5, ARA). Ele então se identifica: “Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó” (3.6), e comissiona Moisés, seu servo (דֶבֶֶעֶ),3 a retornar ao Egito. Abraão enviou seu servo para encontrar uma esposa para Isaque, e Yahweh envia Moisés para trazer do Egito aquela com quem ele próprio fará uma aliança conjugal, a fim de poderem habitar a terra prometida a Abraão. Yahweh as coisas. Se todos que leem este livro acessassem a Bíblia principalmente por meio de textos no idioma original, isso não seria necessário. Como espero que as pessoas que ainda não estudaram grego, hebraico e aramaico leiam este livro, às vezes serão apresentadas traduções muito literais.
3 Stephen G. Dempster observa: “A expressão precisa [‘servo de Yahweh’] é usada principalmente para designar Moisés (18 vezes). Também é usada para descrever o sucessor de Moisés, Josué (Js 24.29; Jz 2.8), Davi (Sl 18.1, 36.1) e Israel (Is 42.19).
Stephen G. Dempster, Dominion and Dynasty: A Biblical Theology of the Hebrew Bible, New Studies in Biblical Theology 15 (Downers Grove, IL: InterVarsity, 2003), p. 123 n. 25.
TIPOLOGIA
pretende ser um marido para este povo (Jr 31.32). Por fim, ele faz uma declaração a Moisés que lembra aquela feita por Abraão ao seu servo em Gênesis 24.7 (“ele enviará o seu anjo, que te há de preceder”, ARA): em Êxodo 23.20, o Senhor diz a Moisés: “Eis que eu envio um Anjo adiante de ti” (ARA).
Gênesis 24.7: (ךָיֶנֶָפְָלְ
Êxodo 23.20: (
)
)
Ao reutilizar esta declaração, parece que Moisés pretende levar o leitor a associar a missão a que Abraão enviou seu servo (conseguir uma noiva para Isaque) à missão à qual Yahweh enviou Moisés, seu servo (conseguir um parceiro de aliança para si). Esta compreensão da intenção de Moisés parece ser confirmada pelo modo como o profeta
Malaquias usa a fraseologia. Em Malaquias 3.1 o Senhor promete outra parte neste padrão, outra ocasião em que o servo será enviado em busca de uma noiva, e Malaquias faz ajustes relevantes à situação:
Malaquias 3.1: (
)
“Eis que eu envio o meu mensageiro, que preparará o caminho diante de mim […]” (ARA)
O Senhor novamente promete enviar seu “mensageiro”; a palavra traduzida como “mensageiro” vem do mesmo termo hebraico traduzido como “anjo” em Gênesis 24.7 e Êxodo 23.20 na ARA, mas desta vez o próprio Senhor promete vir: “que preparará o caminho diante de mim” (Ml 3.1, ARA). A sequência de eventos então é repetida e alcança um clímax: quando o Pai envia seu servo em uma missão para arranjar uma noiva para o próprio servo, o qual também é seu Filho amado, em preparação ele declara: “Eis aí envio diante da tua face o meu mensageiro, o qual preparará o teu caminho” (Mc 1.2, ARA).
Como devemos explicar e compreender estes padrões de acontecimentos, e qual é a relação entre as promessas de Deus e tais padrões?
O restante deste capítulo introdutório explorará a relação entre as
Introdução à tipologia no formato de promessa
promessas de Deus e os padrões que encontramos nas Escrituras, junto com aquilo a que me refiro no título deste capítulo, “indicadores de nível micro para determinar a intenção do autor”. Tenho em vista itens como o que acabamos de ver: a citação de linhas, a reutilização de termos-chave, as repetições em sequências de eventos e as semelhanças na importância histórico-salvífica e pactual que encontramos quando focamos textos específicos. Estes indicadores de “nível micro” contrastam com os indicadores de “nível macro” que serão discutidos no capítulo final deste livro; por “nível macro”, refiro-me a estruturas literárias de perspectiva ampla. No fim da Conclusão deste livro, na seção final do último capítulo, retornamos a Gênesis 24, de modo que as discussões do episódio central na estrutura literária de Gênesis formam um inclusio em torno deste tratado.4
A frase “tipologia no formato de promessa” tenta captar o que acontece quando Deus faz uma promessa que resulta na interpretação do mundo por aqueles que o conhecem nos termos e nas categorias comunicados na promessa ou presumidos por ela. As palavras de Deus moldam o mundo em Gênesis 1 e, conforme a Bíblia se desenrola, suas promessas moldam as expectativas e percepções do seu povo. Isso é especialmente o que ocorre no caso dos autores bíblicos, os quais atuam sob a inspiração do Espírito Santo.
Argumentarei neste livro que as promessas de Deus moldaram a maneira como os autores bíblicos perceberam, compreenderam e escreveram. Conforme isso acontece repetidamente nas Escrituras, de relato em relato, de livro em livro, de autor em autor, padrões começam a ser discernidos, padrões moldados pelas promessas: padrões no formato de promessa. A fim de demonstrar compreensão, mostramos que discernimos o que um autor pretendia comunicar.5 Estou afirmando que os autores
4 Os leitores que recorrerem ao §5 do Capítulo 11 neste momento não me ofenderão. Vocês têm minha permissão para ler este livro começando pelo final até o início, já que isso pode informar tudo o que está entre as duas partes.
5 Veja E. D. Hirsch, Validity in Interpretation (New Haven: Yale University Press, 1967) [Validade na interpretação: Uma defesa da intenção autoral (Bíblica Publicações)]; e Kevin
TIPOLOGIA
bíblicos pretendiam comunicar os tipos que serão discutidos neste livro. Isto contrasta com a abordagem de Richard B. Hays, que escreve: “A leitura figurativa da Bíblia não exige presumir que os autores do Antigo Testamento — ou os personagens que eles narram — estavam conscientes de predizer ou prenunciar Cristo”.6 Aqui tento apresentar brevemente um processo passo a passo pelo qual isso parece ter funcionado, desde a criação até a composição dos textos bíblicos, reconhecendo que para os autores bíblicos a progressão lógica dessas etapas poderia ter sido simultânea, intuitiva e instintiva. Isto é, não estou afirmando que os autores bíblicos em si tenham delineado este processo, mas sim que este processo pode explicar o que encontramos em seus escritos.7
Primeiro, Deus criou o mundo por meio de sua palavra, a qual molda tudo em relação à experiência e percepção humana, e então proferiu promessas que moldam as expectativas e a percepção. Minha opinião é que a palavra criadora e promissora de Deus fez com que os primeiros autores bíblicos (começando com Moisés) discernissem certos padrões em seu conteúdo. As promessas e os padrões começaram então a atuar juntos, e os autores bíblicos posteriores tiveram não apenas as promessas influenciando a sua percepção, mas os padrões produzidos por essas promessas. Os autores posteriores, então, tendo discernido o padrão pretendido pelo autor e o padrão no formato de promessa
J. Vanhoozer, Is There a Meaning in This Text? The Bible, the Reader, and the Morality of Literary Knowledge (Grand Rapids: Zondervan, 1998) [Há um significado neste texto?: Interpretação bíblica, os enfoques contemporâneos (São José dos Campos: Fiel, 1998)].
6 Richard B. Hays, Echoes of Scripture in the Gospels (Waco, TX: Baylor University Press, 2018), p. 2. Para uma forte crítica à interpretação figural, veja Aubrey Sequeira e Samuel C. Emadi, “Biblical-Theological Exegesis and the Nature of Typology”, Southern Baptist Journal of Theology, v. 21, n. 1, 2017, p. 25-28.
7 Meu objetivo é semelhante ao que Emadi e Sequeira se propuseram a alcançar (eu incluiria autores do AT) quando escreveram: “Estamos nos esforçando para descobrir a lógica exegética que sustenta a interpretação dos autores do NT e os leva a interpretar a tipologia como uma característica da revelação divina. A compreensão dessa lógica revelará muito sobre como os autores do NT concebiam a natureza dos tipos. Simplificando, estamos tentando descrever como a tipologia ‘funciona’ no NT.” Sequeira e Emadi, “Nature of Typology”, p. 11-12.
Introdução à tipologia no formato de promessa
nas partes mais antigas das Escrituras, viram padrões semelhantes, que então incluíram em seus próprios escritos.
Quando os autores bíblicos redigiram seus escritos, pretendiam sinalizar ao leitor a presença dos padrões no formato de promessa. Assim, conquanto não entendessem completamente a importância do padrão e/ou como a promessa seria cumprida (cf. Ef 3.5 e 1Pe 1.1012), os autores do Antigo Testamento pretendiam chamar a atenção para as recorrentes sequências de eventos, e o fizeram tendo em vista o futuro.8 Como essas sequências de eventos foram elas próprias moldadas pelas promessas, estas foram reforçadas por cada novo uso do padrão de eventos e por um crescente senso de significado tanto da promessa quanto do padrão desenvolvido.
Nas primeiras páginas da Bíblia, Moisés estabelece essa característica da literatura bíblica. Os autores bíblicos que o seguiram aprendem isso com ele e imitam seu uso da convenção: a cosmovisão dos autores posteriores foi moldada pelas palavras de Moisés.9 O próprio Moisés teve a palavra de Deus — as promessas — moldando sua cosmovisão (seus pressupostos e pressuposições, percepções e interpretações), resultando nos padrões no formato de promessa que ele introduziu nos relatos. Talvez alguns desses padrões tenham chegado a Moisés em tradições orais que ele aprendeu com seus pais ou com Arão e Miriã. Ele então teria sido conduzido pelo Espírito Santo (2Pe 1.20-21) ao interpretar o conteúdo que lhe foi transmitido e tomar decisões sobre o que incluir
8 Veja a definição de tipologia de Basílio de Cesareia (330-ca. 379 d.C.): “A tipologia aponta o que é esperado, indicando por meio da imitação o que vai acontecer antes que isso aconteça”. São Basílio, On the Holy Spirit, trad. David Anderson (Crestwood, N.Y: St Vladimir’s Seminary Press, 1980), p. 53.
9 Tenho em mente o tipo de coisa que Gibson propõe quando escreve sobre Malaquias: “O núcleo da imaginação do profeta é moldado pela sua reflexão sobre uma coleção confiável de textos”. Jonathan Gibson, Covenant Continuity and Fidelity: A Study of Inner-Biblical Allusion and Exegesis in Malachi, Library of Hebrew Bible/Old Testament Studies 625 (Edimburgo: T&T Clark, 2019), p. xiii. Veja também seu primeiro capítulo, com o subtítulo “The Core of Malachi’s Imagination”, p. 1-23.
TIPOLOGIA
e como organizar o que ele apresentou na Torá (a Torá, ou Pentateuco, sempre e totalmente atribuída nas Escrituras a Moisés).10
A formação de padrões pelas promessas pode ser vista nos capítulos iniciais de Gênesis, um livro profundamente autorreferencial. Para ilustrar o que quero dizer com a frase “padrões no formato de promessa”, começamos considerando a influência de Gênesis 3.15. O impacto do que Deus diz neste versículo pode ser visto na maneira como Moisés relata o que aconteceu entre Caim e Abel, depois na maldição de Canaã e novamente na bênção de Abraão. As três seções deste capítulo virão do seguinte modo:
§1 Gênesis 3.15, uma promessa que estabelece um padrão
§2 Tipologia pretendida pelo autor
§3 Uma prévia do que se segue
§1 Gênesis 3.15, uma promessa que estabelece um padrão
Quando o Senhor pronuncia palavras de julgamento à serpente em Gênesis 3.14-15, lemos:
Então, o Senhor Deus disse à serpente:
Porquanto fizeste isso, maldita serás mais que toda [ou seja, mais do que toda, comparativo ןמַ] besta e mais que todos [comparativo ןמַ novamente] os animais do campo;
10 Veja Dt 31.9, 24, 33.4; Js 8.31-32, 22.5, 23.6; 1Rs 2.3; 2Rs 14.6, 21.8, 23.25; 2Cr 23.18, 25.4, 30.16, 33.8, 34.14; Ed 3.2, 7.6; Ne 8.1, 14, 10.29; Dn 9.11, 13; Ml 4.4. Estas referências, e o fato de Jesus atribuir a Torá a Moisés (p. ex., Mc 12.26; Lc 24.44; Jo 5.45-47), levam-me à posição de que Moisés escreveu a Torá. Aqueles com opiniões diferentes sobre a autoria do Pentateuco podem atribuir as correspondências ao responsável pelo texto em sua forma canônica final. Estou convencido de que a Torá de Moisés é uma obra-prima literária, uma obra de gênio, e que esse tipo de literatura não é produzido por um comitê, mas por indivíduos, gênios literários. Isto não nega a atualização por parte daqueles reconhecidos como qualificados para o fazer, mas as evidências indicam que esta atualização editorial não foi nem generalizada nem estrutural, mas sim menor e restrita.
Introdução à tipologia no formato de promessa
sobre o teu ventre andarás e pó comerás todos os dias da tua vida.
E porei inimizade entre ti e a mulher e entre a tua semente e a semente dela.
A mulher te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.
O caráter modelador da promessa contida nestas palavras de julgamento torna-se aparente quando consideramos a autorreferencialidade generalizada da exposição de Moisés em Gênesis. Para explorar a importância de Gênesis 3.15, começaremos e terminaremos esta subseção considerando a natureza do livro de Gênesis, iniciando com sua autorreferencialidade e terminando com seu caráter fundacional. Na organização em espelho desta seção, de um lado ficam as consequências do pecado de Adão na vida de seus filhos, e de outro as consequências do pecado de Noé na vida de seus filhos e na deles. Consideramos então a maneira como Moisés pretendia que Gênesis 4 fosse lido à luz de Gênesis 3, justapondo isso com a consideração do modo como os tipos se imprimem em nosso pensamento. No centro desta discussão, consideraremos a semente amaldiçoada da serpente. A representação esquemática em espelho desta subseção inclui:
§1.1 A natureza autorreferencial de Gênesis
§1.1.1 Lavrar e guardar, morto e amaldiçoado
§1.1.2 Gênesis 4 à luz de Gênesis 3
§1.1.3 A semente amaldiçoada da serpente
§1.1.4 A impressão do tipo
§1.1.5 A maldição de Canaã e daqueles que desonram Abraão
§1.2 A natureza fundacional de Gênesis
TIPOLOGIA
§1.1 A natureza autorreferencial de Gênesis
Em Gênesis 3.14-15, Moisés remete o leitor ao conteúdo que ele introduziu nos dois capítulos anteriores de Gênesis: em 3.14, lemos sobre “toda besta” (הָמַהְבְַּה־לְָכָּ) e “todos os animais do campo” (
הֶדָשַָּׂה). Estes são conhecidos pelos leitores desde sua introdução no sexto dia da criação em 1.24-25 (“besta”, הָמַהְבְּ) e a descrição ampliada de sua origem em 2.18-20 (“todo animal do campo”, 2.19, תיַַּח־לְָכָּ
הֶדָשַָּׂה). Semelhantemente, a afirmação de que a serpente comerá pó em 3.14 refere-se à concessão que tinha sido feita em 1.30 (“toda erva verde lhes será para mantimento”) e que o Senhor tira dela em 3.14. Uma referência ainda mais próxima pode ser vista na maneira como a serpente tentou a mulher e o homem a comerem alimentos proibidos (3.1-5), de modo que o castigo infligido a ela afeta o que ela própria tem permissão para comer (3.14) — uma punição diretamente relacionada com o seu crime.11
Ver padrões tipológicos requer pensar sobre um relato à luz daqueles que vieram antes e depois; à medida que lemos narrativas, aplicamos instintivamente este tipo de reflexão a contextos próximos: declarações anteriores na narrativa orientam declarações feitas posteriormente, e declarações posteriores esclarecem e desenvolvem as anteriores.12
Procurar compreender tipologias e padrões estende-se, então, a contextos mais amplos, algo que fazemos intuitivamente com contextos imediatos. O estudo da tipologia equivale a uma reflexão ativa sobre uma passagem à luz de outras.13
11 Gage vê isto como o primeiro exemplo de um padrão de punições que aplica ironia retributiva ao igualar o crime. Veja Warren Austin Gage, The Gospel of Genesis: Studies in Protology and Eschatology (Winona Lake, IN: Eisenbrauns, 1984), p. 46.
12 Veja a discussão sobre como a informação é codificada pelos autores e interpretada pelos leitores em Elizabeth Robar, The Verb and the Paragraph in Biblical Hebrew: A Cognitive-Linguistic Approach, Studies in Semitic Languages and Linguistics (Boston: Brill, 2015), p. 1-18.
13 Concordo com David L. Baker que isto envolve “reflexão teológica sobre as relações entre eventos, pessoas e instituições [sic] registrados nos textos bíblicos”, mas discordo