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ROBSON DE TAL: SUBJETIVIDADES E FRAGMENTAÇÕES DA MEMÓRIA NEGRA NO BRASIL, LUCAS SCARAVELLI
ROBSON DE TAL: SUBJETIVIDADES E FRAGMENTAÇÕES DA MEMÓRIA NEGRA NO BRASIL Por Lucas Scaravelli
Memória e Esquecimento: Dentro da memória sobre Robson há a sombra do esquecimento. Porque não há aprofundamento sobre quem é Robson, como foi morto? Sobre o caso e o julgamento? Há uma política para o esquecimento, que afeta inclusive diversos setores dos movimentos sociais, inclusive o movimento negro? Pretendemos analisar os torvelinhos da oralidade e da memória coletiva na reconstrução de um determinado fato histórico. A morte violenta e truculenta de um jovem negro no final da década de 70, associada a outros acontecimentos de enfoque racial, tornou-se o ponto fator para a reorganização dos movimentos negros e a reconstrução intelectual e militante, que se conecta com o período histórico da Anistia e da redemocratização do Brasil. A questão é compreender o quanto o registro histórico depende da documentação estrita, e entendemos que a possibilidade da confiança rígida no que está registrado, talvez uma herança positivista de analisar os fatos através dos arquivos e todas as formas de tornar a história “guardada” em formas confiáveis. Há em Wally Salomão, poeta baiano de Jequié, uma sentença poética que nos promove interesse particular no que pretendemos alcançar neste ensaio, ele diz que: “A memória é uma ilha de edição... ” , e nesse movimento poderoso de reter, conter, aumentar, diminuir, destacar, é que nos faz colocar em análise a forma que o ato fundacional dos movimentos negros em 1978 nas escadarias do Theatro Municipal em São Paulo, trouxe a retórica empenhada em denunciar a morte violenta do jovem Robson Silveira da Luz, discurso que ficou desencontrado de informações, erros na idade, motivo do crime, e quem seria realmente Robson. Perde a subjetividade, o sujeito Robson? A oralidade não é uma fonte fidedigna de reconstrução de memória ou de afirmação existencial? Há injustiça nessa fragmentação de dados? Ao que nos parece, Robson ficou sendo um sujeito fraturado, carente de uma responsabilidade memorial e de uma organização oral, teria sido diferente se ele tivesse os mesmos signos e símbolos sociais que Marielle Franco? Assim pretendemos seguir na análise das efetividades e afetividades dos processos de fazer e ser memória. Esse traçado entre Antropologia e História, é o nosso desafio justaposto para compreender como narrar a memória do nosso sujeito pesquisado, que reflete não somente como sujeito ensimesmado, mas lança evidência á todos sujeitos e sujeitas pretos e pretas que precisam ser (re) lembrados sob o peso de suas vidas que foram ceifadas por serem quem eram, e como eram, pretos de tão pretos, ou quase todos pretos:
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O fato é que, em tempos mais recentes, a relação entre biografia e história acabou por inserir-se em um conjunto mais vasto de contraposições que opõe indivíduo a sociedade; individual a coletivo; social a particular; estrutura a contexto; ação individual a ação coletiva. Nessa rede de dualidades tensas, oscilamos entre ver o personagem como apenas a reiteração de impasses sociais e ligados a seu grupo, ou, ao contrário, em buscar nele um caso único, particular e afeito a uma memória de si. (SCHWARCZ, 2013. Pg, 54.)
São Paulo talvez pudesse ser considerada a capital do protesto negro moderno. A cidade paulistana tornou-se palco de diversas expressões de negritude desde as primeiras décadas do século XX, com o crescimento e a difusão da imprensa negra – veículo de comunicação e articulação política dos filhos e netos de escravizados e libertos que migraram de diferentes partes do país e do interior do estado para a cidade – até a constituição de uma organização forte e expressiva, a Frente Negra Brasileira (FNB) que, nos anos 1930, promoveu e canalizou as reivindicações das camadas negras em processo de diferenciação nas urbes que sediaram a modernização do país (FERNANDES, 1964; DOMINGUES, 2007). Os avanços do debate público sobre relações raciais legados do ativismo negro organizado no pós-guerra sofreram fortes abalos durante o regime militar, na medida em que o Estado se tornou mais repressor, período também em que uma das lideranças negras, Abdias do Nascimento, deixou o Brasil rumo aos Estados Unidos da América. Era 18 de junho de 1978 quando Robson Silveira da Luz, um comerciante negro de 21 anos, foi acusado de roubar frutas de uma camionete de um feirante. Levado para o 44º Departamento de Polícia de Guaianazes, na zona leste de São Paulo, foi torturado e morto por policiais militares sob a chefia do delegado Luiz Alberto Abdalla. Semanas depois, um grupo de 4 jovens foi impedido de jogar vôlei no hoje extinto Clube de Regatas Tietê. Faziam-se 90 anos da abolição da escravatura. Em resposta a esses fatos, um grupo de militantes negros se reuniu em um casarão no início da rua da Consolação, em São Paulo, para discutir a construção de um movimento que pudesse mobilizar o Brasil contra a discriminação racial. Na lembrança de Hélio Santos, doutor em economia, administração e finanças e militante do movimento negro brasileiro, a manhã daquela reunião, que geraria muita repercussão nos anos vindouros, foi gasta discutindo o nome que o movimento teria. “Éramos eu, Abdias do Nascimento, Lélia Gonzalez, os irmãos Celso e Wilson Prudente e muito mais gente” (BRASIL, 2018). A primeira decisão tomada pelo grupo recém-formado foi ir às ruas protestar. Na fria manhã do dia 7 de julho, posteriormente transformado em data comemorativa do Dia Nacional de Luta Contra o Racismo, mais de três mil pessoas se reuniram em frente ao Theatro Municipal de São Paulo. A manifestação de então, intitulada Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial (MUCDR) - o nome que prevaleceu foi Movimento Negro Unificado – nascia assim o MNU - não era, obviamente, bem-vista pelo governo vigente: era a época da ditadura presidida pelo general Geisel, e a política estatal se esforçava em ignorar a questão racial e em mostrar o país como uma democracia das raças. Em um ambiente de muito medo, os manifestantes agitavam cartazes e
clamavam palavras de ordem em meio a agentes infiltrados do Serviço Nacional de Informação (SNI) e da Polícia Federal. “Eu lembro de vários policiais federais infiltrados, inclusive negros, se passando por jornalistas e entrevistando Lélia, Abdias e os outros dirigentes do movimento” , rememorou o professor Hélio Santos (BRASIL, 2018). Uma das singularidades do ciclo de mobilização dos negros que emergiu nos finais dos anos setenta foi a presença marcante das esquerdas políticas (HANCHARD, 2001). Nesse sentido, não seria de todo incorreto afirmar que o surgimento do movimento negro contemporâneo recebeu fortes influências das esquerdas, gestadas durante o período do regime militar brasileiro. A bem dizer, foi dentro do movimento da Convergência Socialista que surgiu um fio condutor da luta contra o racismo, que mais tarde veio a constituir um dos segmentos mais influentes do MNU, marco fundamental para a luta política contra as discriminações e desigualdades raciais. Assim é vista e revista a necessidade de contar como sujeitos pretos e pretas sobre nós, nós mesmos, e nos alicerçamos sobre os princípios da escrita de si, para falarmos de todos e todas, nós, sempre!
Uma nota breve: Antes de mais nada, é preciso dizer que a grafia da palavra "Theatro", é na realidade " Teatro ", sem "H". Porém, como a criação do Theatro Municipal foi concluída antes da reforma ortográfica de 1911, que coincidentemente foi o mesmo ano de inauguração do Municipal, a grafia manteve-se como era antes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ATLAS DA VIOLÊNCIA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Brasília: Rio de Janeiro: São Paulo, 2019. BRASIL, Mariana. Acervo Agência Globo. Ed. Globo. Rio de Janeiro, 2018 BORGES, Juliana. Encarceramento em massa. Pólen Livros. São Paulo, 2019. CPDOC, FGV. Arquivo Ernesto Geisel. Arquivo. São Paulo, 2016. DOMINGUES, Petronio. Uma História Não Contada: Negro, racismo, e branqueamento em São Paulo no pós-abolição. SENEC, São Paulo, 2003. __________________. Movimento Negro Brasileiro: alguns apontamentos históricos. Scielo v.12, n23. 2007. FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. Universidade de São Paulo. Editora Anhembi. Vol.I e II. 1964. ______________________. Significado do Protesto Negro. Fundação Perseu Abramo. São Paulo, 2017. HANCHARD, M. G. Orfeu e o poder. EDUERJ. Rio de Janeiro: 2001. OLIVEIRA, Dennis de. Dilemas da luta contra o racismo no Brasil In: RACISMO. Revista Margem Esquerda. Editora Boitempo, São Paulo. 2016 SCHWARCZ, Lilia. Biografia como gênero e problema. Rev.História Social, n. 24, primeiro semestre de 2013.Campinas.