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ANDREANA MARCHI

Se o teatro experimental do negro foi um marco histórico para o teatro negro em sua faceta engajada politicamente, é em 2005, com a realização do I Fórum Nacional de Performance Negra, organizado pelo Bando de Teatro Olodum e pela Cia dos Comuns, que o teatro negro no Brasil assume com maior ênfase sua cara de movimento político-artístico, e não apenas iniciativas atomizadas. A partir do I Fórum Nacional de Performance Negra, estabeleceu-se um maior contato entre grupos negros de teatro e dança das cinco regiões do Brasil. Representantes desses grupos passaram então, de modo concertado, a propor medidas para o estabelecimento de políticas públicas para as artes cênicas negras, que vinham e ainda vêm sendo invisibilizadas nos planos de cultura promovidos pelo Estado brasileiro.

Por conta do Fórum Nacional de Performance Negra, algumas conquistas aconteceram no âmbito das políticas públicas. Conjuntamente, muitas experiências e trocas artísticas foram feitas em mostras de teatro negro que foram reavivadas ou criadas, como o Encontro de arte de matriz africana, promovido pelo Grupo Caixa Preta, de Porto Alegre, e as mostras Olonadé e o A cena tá preta, realizadas respectivamente pela Cia dos Comuns, no Rio de Janeiro, e pelo Bando de Teatro Olodum, em Salvador.

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E os movimentos do teatro negro não param por aí! Desde 2020 foi criada a Pele Negra - Escola de Teatro(s) Preto(s). Podemos dizer que se está inaugurando um movimento do teatro negro em âmbito acadêmico. A Pele Negra foi se formando de modo um tanto difuso, durante a pandemia, quase sem querer. Novamente, explico: existia a ideia, por parte de diversos artistas, de se criar uma escola de teatro negro. Em diferentes partes do país, de um modo ou de outro, cursos e oficinas sempre aconteceram. O traço distintivo dessa escola de teatro negro que alguns artistas e acadêmicos negros de Salvador estavam agora pensando em formar era que ela se daria no espaço acadêmico, ou paralelamente a ele. Isso porque o perfil sócio racial das universidades brasileiras, sobretudo nas universidades públicas, sofreu sensível mudança com a adoção de políticas de ação afirmativa no ensino superior desde 2003.

Assim, a demanda por componentes negros na grade curricular se tornou uma demanda por parte do movimento estudantil universitário. Isso se deu, também, e de modo bem incisivo, na Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia/UFBA. Após algumas conquistas pontuais por parte dos estudantes, um grupo de professores e estudantes negros de pós-graduação decidiu formar uma escola. A pandemia chegou e, a principio, parecia que iria interromper o processo de formação dessa escola. Mas foi justamente o ambiente virtual que favoreceu a formação e expansão dessa iniciativa.

Quando acabar a pandemia, se você vier ao Brasil, procure assistir espetáculos de teatro negro, como os produzidos por grupos como Bando de teatro Olodum, na Bahia, e Os Crespos em São Paulo. Ou de artistas como Grace Passô, de Minas Gerais, Hilton Cobra, do Rio de Janeiro, ou Onisajé, na Bahia. Você terá uma incrível experiência de entretenimento, humor, emoção, cultura e conscientização política como em nenhum outro lugar você vai poder experimentar. E, enquanto as viagens internacionais para o Brasil estão desaconselhadas e os teatros ainda estão fechados, que tal visitar o canal do YouTube @estudosemteatronegro, onde você pode encontrar muitos dos vídeos instrutivos e provocativos produzidos pela Pele Negra – Escola de Teatro(s) Preto(s)? Vá! E vá sem medo!

Referências:

Douxami, Christine. 2001. “Teatro Negro: A Realidade de Um Sonho Sem Sono. ” AfroÁsia, no. 26: 313–63. http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=77002609.

Lima, Evani Tavares. 2010. “Um Olhar Sobre o Teatro Negro Do Teatro Experimental Do Negro e Do Bando de Teatro Olodum. ” PhD Dissertation, Campinas, SP: UNICAMP/Universidade Estadual de Campinas.

Livro Destaque 2020: Sou a mãe dela, Adriana Araújo (Globo Livros)

A jornalista e autora do livro "Sou a mãe dela" , Adriana Araújo, bate um papo com a Revista Olha Só!

Por Andreana Marchi

O ano que passou teve muitas surpresas e talvez a mais positiva foi o lançamento do livrorelato da jornalista Adriana Araújo sobre a sua jornada com a filha Giovanna. O leitor deve estar se perguntando “por que o livro Sou a mãe dela está tendo destaque aqui na Revista Olha só!?” Bem, essa resposta você vai descobrir ao ler a entrevista exclusiva que tivemos com a autora.

Olha só!: Primeiramente, é um prazer ter a oportunidade de entrevistá-la para a nossa revista. Fica aqui registrado o nosso muito obrigado! A nossa primeira pergunta é como surgiu a ideia de

escrever o livro e por que você escolheu esse título?

Adriana Araújo: Antes de ser um livro, “Sou a mãe dela” foi um diário. Minha filha, Giovanna, nasceu com uma síndrome ortopédica rara e precisou de dez cirurgias complexas para caminhar com total independência. Quando ela completou 18 anos e finalizou o tratamento, senti necessidade de escrever sobre tudo o que tínhamos vivido. Foram momentos muito intensos, de muita angústia, medos, solidão. Mas também de muita esperança e amor pleno. Digo que o livro nasceu de um choro contido, de uma necessidade de olhar pelo retrovisor e me permitir rever todas as emoções do caminho. Foi terapêutico me reencontrar aos 25 anos, uma menina que se tornou mãe de outra menina com uma diferença física. Juntas enfrentamos um mundo onde preconceitos persistem, palavras machucam, olhares condenam. Felizmente vencemos juntas! E, quando decidimos compartilhar a nossa história, o título surgiu naturalmente. Tenho muito orgulho de dizer “Sou a mãe dela” . A Giovanna me formou como pessoa, me ensinou e ensina a cada dia, fortaleceu minha resiliência e minha fé. Sou grata demais pela filha que o universo reservou pra mim. O L H A S Ó ! | 6 8

Acredito que a palavra mais importante para mudar o nosso mundo hoje seja compartilhar. E foi isso que me motivou.

Olha só!: Qual a importância do livro para a sua vida pessoal? E para outras pessoas, que tipo de relevância você acha que o seu livro pode ter?

Adriana Araújo: Acredito que a palavra mais importante para mudar o nosso mundo hoje seja compartilhar. E foi isso que me motivou. Escrevi logo no começo do livro que essa não é uma história de vítimas nem de heroínas, portanto não tenho nenhuma pretensão de dar lições, de apresentar um modelo a ser seguido.

Somos apenas mãe e filha e enfrentamos juntas uma jornada médica mas também uma jornada pela construção da autoestima. Sempre enxerguei como principal desafio ajudar minha filha a crescer se sentindo plena, inteira, ainda que o corpo dela seja diferente do que o mundo costuma chamar de “normal” ou “perfeito” .

Em todo o planeta existem 1 bilhão de pessoas com alguma deficiência. Minha filha faz parte desse grupo e eu faço parte de um grupo de 1 bilhão de mães de pessoas com diferenças. Cada história é única, mas sei o quanto experimentamos desafios semelhantes, aflições semelhantes e profundas demais.

Por muito tempo me perguntei por que a narrativa de uma mãe em 1 bilhão poderia interessar? O dia que enxerguei a nossa história como uma semente de esperança tive coragem de publicar o livro. E a cada pessoa que me escreve dizendo que se sentiu abraçada ao ler o livro, pode ter certeza que recebo um abraço bem forte de volta. É sempre muito emocionante.

Olha só!: De onde tirou tanta força para vencer todos os obstáculos que surgiram ao longo da sua jornada com a Giovanna?

Adriana Araújo: Do olhar e da calma dela. E da experiência de uma conexão muito profunda, o amor mais intenso que vivi e vivo. Descobri durante a gravidez que a Giovanna teria diferenças ortopédicas, pernas e pés tortos, ausência de ossos e apenas dois dedos na mão direita. Percebi que a caminhada seria mais árdua do que previa. Tive momentos de tristeza e de culpa mas a dor e as preocupações nunca foram maiores do que a alegria de tê-la em minha vida. E saber das diferenças físicas da minha filha precocemente me ajudou a lidar com as emoções e procurar ajuda médica ainda grávida. Ela tinha consulta com ortopedista antes mesmo de nascer. Isso ajudou muito.

Como toda gestante sonhei e pedi pra que minha filha nascesse com plena saúde, isso é absolutamente natural. Mas ao me tornar mãe da Giovanna também aprendi que o bebê ideal só existe em sonhos; precisamos de alguma forma abrir mão do filho ou da filha ideal para receber os filhos reais que a vida nos dá. Sei que me tornei verdadeiramente mãe quando decidi ser presença na vida da minha filha, quando escolhi estar de mãos dadas com ela pra enfrentar qualquer desafio. E toda mãe enfrenta desafios.

Olha só!: Como está a recepção do livro e a troca de mensagens e conversas com amigos, colegas, seguidores nas redes sociais e mães pelo Brasil (e mundo) afora?

Adriana Araújo: O livro foi muito bem recebido no Brasil, teve uma boa repercussão na imprensa com várias reportagens e resenhas nos principais jornais e sites. Agora quando soube do interesse de uma professora da Universidade do Texas em saber um pouco mais da nossa história fiquei surpresa e agradecida demais. “Olha só” onde o livro está nos levando. Devido à pandemia não foi possível fazer lançamento presencial, noite de autógrafos, nada disso. Mas busco responder o máximo de mensagens que recebo nas redes sociais. E sinto uma vontade enorme de poder conversar com cada leitora e leitor. Saber o que o leitor sente e como recebe o que escrevi é rico demais. Essa é a mágica do livro.

Olha só!: A venda do livro terá renda destinada a crianças que necessitam de uma ou mais cirurgias para poder andar. Como surgiu essa ideia? Até agora, você conseguiu ajudar alguma família?

Os royalties do livro serão doados para famílias pobres que lutam para que os filhos com a mesma síndrome da Giovanna possam se tratar. A hemimelia fibular exige muitas cirurgias de correção e alongamento ósseo, procedimentos caros que o sistema público de saúde no Brasil não consegue bancar para todos.

A renda do livro "Sou a mãe dela" vai para crianças que precisam de muita ajuda, de muitas cirurgias para caminhar.

As famílias passam a vida fazendo vaquinhas na internet, se mobilizando para vender camisetas e arrecadar dinheiro. Uma luta. O adiantamento que recebi com o livro já foi destinado a uma criança, a Alice. E toda a renda que eu receber do livro terá o mesmo destino. Venho de uma família muito simples mas felizmente quando me tornei mãe já trabalhava como jornalista da TV Globo e depois me tornei âncora da TV Record. Com o meu trabalho consegui propiciar à minha filha o melhor tratamento possível. Hoje Giovanna está no quarto ano de Medicina de uma das melhores universidades do Brasil. Ah... e o livro ainda conta a saga que enfrentamos para que ela pudesse se tornar uma médica. Mas isso fica em segredo, pra não estragar a surpresa dos leitores.

Quando você luta por quase duas décadas para que sua filha possa andar com autonomia, você enxerga o valor imenso que cada passo tem. E nossos passos agora nos levam na direção de outras crianças com hemimelia. Estamos de mãos estendidas e braços abertos.

Olha só!: Qual seria a mensagem que você deixaria para os aprendizes de língua portuguesa que têm interesse em ler o seu livro? Por que eles deveriam considerar a leitura do seu livro? (Lembrando que os alunos do Programa de Português aqui na UT Austin podem pegar o livro emprestado na Biblioteca do Portuguese Flagship. Só precisam falar com a nossa coordenadora, Lindsey Jamieson). Adriana Araújo: Costumo dizer que não escrevi esse livro; ele transbordou de mim. “Sou a mãe dela” é uma história de amor, de perseverança e coragem, escrito com as palavras mais sinceras que habitam meu coração. Será uma honra se alguns estudantes da Universidade do Texas escolherem tirar nosso livro da prateleira da biblioteca. Muito obrigada pela oportunidade dessa entrevista e um beijo muito carinhoso a todos vocês.

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