Ao final destes longos dias
Apesar de meu pouco tempo de Conselho de Administração, já tenho um razoável tempo de Celesc. Completo 17 anos de empresa em maio e posso dizer que já vi bastante coisa. A história é tão fascinante que ela se desenrola e você não se dá conta que fez parte dela. Eu jamais imaginei que um dia qualquer em que fui a Florianópolis com o sindicato, em 2009, entraria para a história como o dia em que a privatização da Celesc foi impedida com a ocupação de uma reunião do Conselho. A vida tem dessas coisas: ela acontece sem que a gente consiga entender, de antemão, a importância dos fatos que vivemos.

Por isso, relatar a história é tão importante. Eduardo Galeano, um de meus escritores favoritos ("As veias abertas da América Latina" permanece o livro mais importante que já li), falava da importância do escrever. “A gente escreve a partir de uma necessidade de comunicação e de comunhão com os demais, para denunciar o que dói e compartilhar o que dá alegria. A gente escreve contra a própria solidão e a dos outros. A gente supõe que a literatura transmite conhecimento e atua so-
bre a linguagem e a conduta de quem a recebe; que ajuda a nos conhecermos para nos salvarmos juntos”, registrou. A escrita é uma serva da memória. E a memória é uma arma da luta coletiva. “Um povo sem memória é um povo sem futuro”, diz o ditado chileno. Sendo assim, aquilo que não vivi e, consequentemente, não escrevi, eu sei pelo registro de outros que, assim como nós, lutaram pela Celesc e nos deixaram de presente seus relatos. Nestes relatos de
tempos duros, diversos inimigos dos trabalhadores deixaram sua marca na história da Celesc. Muitos deles sentaram à cadeira de Presidente. De Nogert Wiest, Paulo Tatim e tantos outros, ficou o relato de enfrentamentos e de violência contra os trabalhadores e a Celesc Publica. Relatos de união dos celesquianos e de grandes greves, que nos levaram a realidade de ser uma das poucas distribuidoras de energia elétrica ainda pública no país.

VERGONHOSOS ÚLTIMOS ATOS
Meu relato, no entanto, é um relato de vergonha. Definir algo em uma palavra é uma tortura para quem tem, por ofício, escrever. Mas, se é necessário, as últimas ações da gestão indicada pelo ex-governador Carlos Moisés serão definidos como os atos da vergonha. Há meses o Presidente da Celesc, Cleicio Poleto Martins, encaminhou ao Presidente do Conselho de Administração, João Eduardo Noal Berbigier, uma carta renúncia, afirmando que permaneceria no cargo até o fim de dezembro, ou seja, partiria junto com o derrotado governo que o nomeou. Depois, enviou nova correspondência, dizendo que ficaria até que o novo governador o destituísse. O Novo Governo assumiu e a destituição veio. Entretanto, aquilo que deveria ser simples e lógico foi substituído por uma vergonhosa articulação para manter Cleicio no cargo, sustentada em ilusões, no choro dos derrotados e na conivente atuação dos conselheiros indicados por Moisés. Para o lugar de Cleicio, o Governo do Estado indicou o Diretor Comercial, Vitor Lopes Guimarães, para acumular, interinamente, a Presidência. A lógica é simples: eleito pelos trabalhadores, Vitor não é ligado nem ao antigo governo, nem aos minoritários. Além disso, o diretor já cumpre os requisitos da Lei das Estatais, tendo sido aprovado pelo Comitê de Elegibilidade, quando assumiu a Diretoria. Assim, o Governo ganha tempo para debater uma indicação permanente, sem que a Presidência da maior estatal fique nas mãos de alguém que não tem a confiança da nova administração.
Dentro do rito da Governança, cabe ao Presidente do Conselho convocar imediatamente a reunião e pautar a destituição, conforme prerrogativa do acionista majoritário de indicação do Presidente e dos Diretores. Acontece que, leal ao Presidente da Celesc, o Presidente do Conselho se recusou a convocar a reunião.
Agindo contra todos os ritos da Governança, Berbigier respondeu oficialmente a correspondência do Governo do Estado, questionando a documentação comprobatória de que Vitor cumpriria com os requisitos legais para assumir o cargo, além de levantar suspeitas sobre a possibilidade do acúmulo de Diretorias, manifestando posição pessoal sem que o tema fosse sequer pautado no Conselho.
Diante da divulgação dos atos do Presidente do Conselho a seus membros, manifestei indignação com o processo e com a postura do Presidente, afinal de contas, nenhum dos problemas por ele levantados tem fundamento. Tendo sido eleito pelos trabalhadores Diretor Comercial e empossado pelo Conselho de Administração em fevereiro de 2022, após análise do Comitê de Elegibilidade, Vitor cumpre automaticamente os requisitos legais para assumir a presidência e toda a documentação necessária já está na Celesc. O segundo ponto ultrapassa qualquer limite de Governança. É inadmissível que o Presidente do Conselho manifeste, diretamente ao Acionista Majoritário, e sem o debate no Conselho, uma interpretação própria (e totalmente deturpada) do Estatuto Social da Celesc para questionar uma indicação. Assim, registrei que o Presidente deveria convocar, imediatamente, reunião do Conselho de Administração. Não convocou. Enquanto isso, a notícia dos questionamentos feitos pelo Presidente do Conselho ao Governo do Estado correram a mídia, com divulgação, na íntegra, da carta enviada por Berbigier e de trechos da minha manifestação aos membros do Conselho de Administração, trazendo mais instabilidade a um processo que deveria ser simples, mas foi conturbado por ações insensatas.
ELEGIBILIDADE, ACORDO DE ACIONISTAS E CONFUSÃO
A convocação da reunião extraordinária do Conselho de Administração ocorreu somente na segunda-feira. Ato contínuo, foi marcada reunião do Comitê de Elegibilidade,
órgão estatutário que avalia os requisitos e vedações para a assunção de cargos na Administração. Por conta da manifestação do Presidente do Conselho, que reafirmo
ser uma leitura deturpada do Estatuto, foi solicitado um parecer jurídico acerca da acumulação da Presidência e Diretoria Comercial pelo indicado do Governo. O parecer demonstra que não há vedação alguma, confirmando que a questão era protelatória e sem mérito. Sendo assim, o Comitê de Elegibilidade manifestou que o Sr. Vitor Lopes Guimarães cumpre todos os dispositivos legais e estatutários, estando apto à eleição para ocupar interinamente a Presidência da Celesc mesmo acumulando Diretoria Comercial. O representante do acionista preferencialista (leia-se Lírio Parisotto) chegou a levantar questionamentos, mas como eles diziam respeito a uma possível indicação posterior ao Conselho de Administração, esses não foram verificados, uma vez que essa questão não fazia parte da ordem do dia, que era a indicação à Presidência. Em um debate mais direto, chegou a manifestar que eu não poderia fazer parte dessa discussão, por conflito de interesse, citando dispositivo legal que não se aplica às estatais estaduais. Ao longo da história muitas tentativas de ameaça e censura foram feitas pelos representantes de Parisotto e elas só tem um objetivo: inviabilizar a participação da representação dos empregados nos espaços de governança da empresa com a clara intenção de privatizar a Celesc.
Nesta quarta-feira, dia 11, o Conselho de Administração se reuniu para deliberar sobre o assunto. A coordenadora do Comitê de Elegibilidade, Conselheira Vanessa Evangelista Ramos Rothermel, Presidenta da Celos, informou aos Conselheiros que o Comitê avaliou todos os requisitos e as vedações legais e estatutárias, deliberando por unanimidade que o indicado
poderia ser eleito para a Presidência. A Conselheira também informou que, diante das dúvidas levantadas pelo Presidente do Conselho e pelo representante dos preferencialistas, foi elaborado parecer jurídico que garantia a possibilidade de cumulação dos cargos. A Conselheira antecipou seu voto, afirmando que, tendo conforto jurídico, tendo sido cumpridos todos os requisitos e existindo um Acordo de Acionistas firmado pelo Estado de Santa Catarina com a Celos, ela votaria favoravelmente à indicação. O Acordo de Acionistas citado é muito importante para entendermos o tamanho do vexame que ocorreu na sequência. Mantendo as posições anteriores, mas sem fundamentação minimamente clara, o representante dos preferencialistas votou contra. Os representantes do acionista minoritário (EDP) foram bastante objetivos. Havendo parecer conferindo segurança jurídica, existindo aprovação do Comitê de Elegibilidade e tendo sido manifestada a intenção do acionista majoritário, não haveria nenhum motivo para reprovação e, desta forma, votaram favoravelmente à substituição da Presidência.
Os demais membros do Conselho de Administração que representam o acionista majoritário votaram contra a indicação do próprio acionista. Incompreensivelmente, mesmo havendo um parecer jurídico favorável e com a indicação tendo passado pelo crivo do Comitê de Elegibilidade, todos se disseram desconfortáveis com a indicação, criticando a Governança e a forma como foi proposta a substituição. As críticas à cumulatividade são pura hipocrisia. Ao longo da gestão Cleicio, houve cumulatividade de cargos de Diretoria e nunca houve preocupação com os “prin -
"Ao longo da história muitas tentativas de ameaça e censura foram feitas pelos representantes de Parisotto e elas só tem um objetivo: inviabilizar a participação da representação dos empregados nos espaços de governança da empresa com a clara intenção de privatizar a Celesc"
cípios da boa governança corporativa, que recomendam que haja a segregação de funções na estrutura organizacional”, conforme registraram em ATA. Do mesmo modo, o registro sobre a vacância do cargo é um engodo. Apesar de não haver uma renúncia expressa do Presidente da Celesc, Cleicio Poleto Martins, o Estatuto Social da empresa preconiza que a vacância se dará por renúncia ou por destituição. Além disso, a recorrente fala sobre “destruição de valor da companhia” sempre presente nas discussões de direitos dos trabalhadores, conflita com a desnecessáriaexposição da Celesc ao desgaste midiático e político, sendo de profunda irresponsabilidade. O popular choro do perdedor.
As interpretações criativas, no entanto, chegaram ao absurdo quando os conselheiros expressaram que a condição de “Conselheiros Independentes” os desobrigaria de cumprir o Acordo de Acionistas. No site da Celesc, está caracterizado o Conselheiro independente por: "não ter qualquer vínculo com a Companhia, exceto participação de capital; não ser Acionista Controlador, cônjuge ou parente até segundo grau daquele, ou não ser ou não ter sido, nos últimos 3 (três) anos, vinculado a sociedade ou entidade relacionada ao Acionista Controlador (pessoas vinculadas a instituições públicas de ensino e/ ou pesquisa estão excluídas desta restrição); iii. não ter sido, nos últimos 3 (três) anos, empregado ou diretor da Companhia, do Acionista Controlador ou de sociedade controlada pela Companhia; não ser fornecedor ou comprador, direto ou indireto, de serviços e/ou produtos da Companhia, em magnitude que implique perda
de independência; não ser funcionário ou administrador de sociedade ou entidade que esteja oferecendo ou demandando serviços e/ou produtos à Companhia, em magnitude que implique perda de independência; não ser cônjuge ou parente até segundo grau de algum administrador da Companhia; e vii. não receber outra remuneração da Companhia além daquela relativa ao cargo de conselheiro (proventos em dinheiro oriundos de participação no capital estão excluídos desta restrição)".
O código de melhores práticas de Governança Corporativa do IBGC traz um ponto que não está na relação do site da Celesc: não estar vinculado por Acordo de Acionistas. E todos os indicados pelo acionista majoritário estão vinculados ao Acordo de Acionistas firmado entre o Estado e a Celos. O item II desse Acordo (que pode ser conferido na íntegra no site da Celesc) trata do “exercício de direito de voto em relação à condução da gestão da companhia” e prevê que nas reuniões do Conselho de Administração, os indicados pelo Estado e pela Celos votarão em conjunto em diversas matérias, entre elas a eleição dos membros da Diretoria. Ou seja, mesmo que tenham independência em vários pontos, o Acordo de Acionistas os vincula à representação dos sócios e os impõe cumprimento. Pode parecer estranho toda essa explicação sobre um Acordo entre Acionistas, mas o firmado entre Estado e Celos traz questões importantes para os trabalhadores, como o direito à eleição do Diretor Comercial, a vaga da Celos no Conselho de Administração e, principalmente, a garantia de emprego dos Celesquianos (item III, letra g).
REJEIÇÃO NO VOTO, RENÚNCIA NO CONSELHO E APEGO IRRACIONAL À PRESIDÊNCIA
Com os votos contrários dos Conselheiros indicados pelo acionista majoritário, a votação terminou em 5 a 5, considerando a abstenção do Conselheiro Cleicio por conflito de interesse. A matéria é, por força de Estatuto, deliberação de quórum qualificado, sendo necessários 8 votos para
aprovação e, desta forma, a indicação do Acionista Majoritário não foi aceita. Ato contínuo ao resultado, Cleicio, mantido na Presidência, renunciou ao mandato no Conselho de Administração. No início da reunião os Conselheiros haviam consensado que a mesma só terminaria após o
fechamento da ATA e, considerando a necessidade de escrita dos votos, a reunião foi suspensa com previsão de retorno para as 15 horas. No intervalo entre a suspensão da reunião e sua retomada, mais uma notícia vazou à imprensa, com o colunista Moacir Pereira divulgando o resultado (com erro na contagem de votos).
deverá indicar nos próximos
novos
Retomada a reunião, os Conselheiros registraram seus votos, que foram transcritos na ATA. Foi registrada, também a renúncia de Cleicio ao Conselho de Administração e, em um ato inesperado, o Presidente do Conselho e os demais Conselheiros indicados pelo Acionista Majoritário também renunciaram. De resultado, temos agora a bizarra renúncia ao Conselho do bloco do Acionista Majoritário, incluindo Cleicio que, pela votação e ação direta destes que renunciaram, permanecerá na Presidência da Celesc até ser exonerado. Com as renúncias, o Estado de Santa Catarina deverá indicar nos próximos dias novos Conselheiros, que deverão ser avaliados pelo Comitê de Elegibilidade e eleitos pelo próprio Conselho para continuidade do mandato, conforme determina
ser avaliados pelo Comitê de Elegibilidade e eleitos pelo próprio Conselho para continuidade do mandato, conforme determina o Estatuto da Celesc. Da mesma forma, a substituição do Presidente Cleicio deverá ser feita com brevidade, consolidando o processo que deveria ter sido concluído de forma tranquila nesta reunião"
o Estatuto da Celesc. Da mesma forma, a substituição do Presidente Cleicio deverá ser feita com brevidade, consolidando o processo que deveria ter sido concluído de forma tranquila nesta reunião. No fundo, não dá para entender essa desesperada tentativa de barrar a indicação para substituição de Clecio, passando pela afronta ao Acordo de Acionistas e às manchas à imagem da Celesc para, no fim, renunciar e abrir caminho, enfim, para a nova Administração. Esse vexatório processo que começou com um apego irracional à cadeira da Presidência finda, agora, de forma completamente atabalhoada. Ao término destes longos dias, lembro do poema de Nicolás Guillén: “Não me dão pena os burgueses / vencidos. E quando penso que vão a dar-me pena, / aperto bem os dentes e fecho bem os olhos. // Penso em meus longos dias sem sapatos nem rosas. / Penso em meus longos dias sem abrigos nem nuvens. / Penso em meus longos dias sem camisas nem sonhos. / Penso em meus longos dias com minha pele proibida. / Penso em meus longos dias”.
EXPEDIENTE