Uma história dos trabalhadores nos frigoríficos: regimes fabris e vilas operárias

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diferença à medida que em grande parte do país e dos ramos produtivos a sonegação patronal era prática corrente. No caso brasileiro, o significado atribuído pelos trabalhadores ao emprego nos frigoríficos tendia a ser formado em relação direta ao mercado de trabalho local ao invés de terem as condições de trabalho e os salários cotejados nacionalmente. Um mesmo frigorífico podia desenvolver políticas diferentes para lugares onde as condições de recrutagem e de manutenção da força de trabalho fossem distintas. Assim, o Anglo de Pelotas não dispunha de habitação para os trabalhadores, enquanto em Barretos havia moradia (embora não fosse para todos) e os salários eram ligeiramente melhores. Neste contexto, os trabalhadores geralmente codificavam as supostas vantagens e desvantagens de sua ocupação referindo-se aos empregos disponíveis na cidade e na região, ou ainda analisando negativamente o que deixaram para trás (eles próprios ou seus pais) quando migraram do Nordeste ou emigraram de países europeus. Enfim, quando os trabalhadores faziam tantas comparações, a posição conseguida nos frigoríficos não se mostrava o pior dos mundos para quem não possuía melhor qualificação para se ocupar como operário qualificado ou contramestre em indústrias mais afamadas.

5.2.2. A Vila Operária do Frigorífico Rondon (1963-1979)7 A relação entre o trabalhador e a habitação numa vila operária deve ser inicialmente pensada como ambivalente. Um conceito que tome a dominação sobre os trabalhadores como algo infalível, apaga a presença desses trabalhadores no processo histórico da luta de classes. Nesse caso, a pesquisa perderia sua função e os trabalhadores desapareceriam como sujeitos. Preciso lembrar que esse tipo de proposição não é original. Ele foi melhor organizado e disseminado em diversas publicações pelos historiadores marxistas britânicos, que ressaltaram em Marx, dentre outras noções, a de luta de classes e o protagonismo dos trabalhadores na história. Portanto, registro que me favoreço dessa tradição acadêmica para pensar a pesquisa histórica centrada nos trabalhadores, assumindo-a como uma chave analítica desse projeto. Uma perspectiva ambivalente a partir trabalhadores, patrões e vila operária permite examinar os modos de viver, de trabalhar e de lutar dos trabalhadores em frigoríficos no contexto dos pequenos e grandes enfretamentos aos patrões (gerentes e donos), aferindo sua força, seu repertório de luta e sua consciência acerca de seu mundo. Pensar este problema em pequena escala pode ajudar a esclarecer esta proposição e sondar dimensões da vida dos trabalhadores pouco ou nada percebidas noutros estudos sobre o assunto. A sugestão vem da literatura, da obra “A Cidadela”, de 1937, do reformador e escritor escocês Archibald Cronin. Na pequena aldeia no país de Gales, onde o personagem central iniciara sua carreira de médico, seus pacientes eram mineiros que habitavam casas numa vila operária. Archibald viu um mundo escuro, sem cores, sujo, de pequenas e atarracadas casas, onde a vida parecia triste e desprezível. (CRONIN, 2012) Esta visão inicial cedeu à medida que a vila foi mostrada cheia de gente, de relações de vizinhança, de pequenos eventos que enfraqueciam a importância da feiura das casas e da Parte dos argumentos apresentados nesse capítulo foram apresentados no artigo “Paternalismo e Racismo: História dos Trabalhadores da Vila Operária da Frirondon (1963-1979)”. (BOSI, 2016) 7

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