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5.1. Trabalhadores e Organização Sindical: a experiência americana (1880-1960

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REFERÊNCIAS

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consumo da carne podem ser definidas pelo (i) o barateamento do preço da carne de boi, de suíno e de frango; (ii) novas necessidades e noções de higiene que modificaram a compreensão popular sobre o preconceito contra o consumo de carne abatida por outros; (iii) o desenvolvimento de uma logística que permitiu uma distribuição mais adequada (isto é, lucrativa); (iv) e o emprego de tecnologias que possibilitaram o congelamento da carne sem efeitos colaterais visíveis. A este processo de industrialização correspondeu o desenvolvimento de uma cadeia produtiva, monopolizada por poucas empresas e basicamente dividida em etapas justapostas, especializadas (i) no melhoramento genético dos animais, (ii) na produção dos insumos, (iii) na produção da carne viva e (iv) no seu processamento. Com isso combinou-se o emprego de trabalhadores baratos com investimentos em ciência e tecnologia, algo que permitiu a redução do prazo de engorda dos animais e o melhor aproveitamento das rações. Para exemplificar, o caso do frango é representativo desta evolução tecnológica. Atualmente o peso do frango para abate é de 2,44 Kgs, mas já foi de 2,25 Kgs em 2000, 1,9 em 1990, 1,8 em 1980, 1,7 em 1970, 1,6 em 1960 e 1,5 em 1930. Na década de 1940 um frango ou uma galinha viviam 3,5 meses até a degola. Vinte anos depois este tempo foi reduzido para dois meses até encolher à casa dos 41 dias em 2009. Finalmente, no que se refere à etapa de processamento da carne realizada nos frigoríficos, pode-se dizer que a tecnologia não modificou o trabalho desde a inauguração da indústria da carne. Em síntese, esfolar e retalhar bois, porcos e aves ainda requerem um tipo de trabalho considerado difícil e intensificado. De um lado estão os animais a serem desmontados. De outro estão os trabalhadores, manejando serras e facas. Sobre isso, têm razão o antropólogo Michael Broadway e o geógrafo Donald Stull quando argumentam que a mudança no trabalho executado nos frigoríficos deu-se por sua crescente intensificação, a despeito de todo incremento tecnológico existente (STULL & BROADWAY, 1995). Em qualquer caso que se busque observar, o que se vê desde os tempos de Upton Sinclair são trabalhadores tão completamente expropriados que se sentem pressionados a aceitar condições de trabalho cada vez mais precárias. Certamente este é um importante problema para a pesquisa histórica que aqui tentei sublinhar. Além disso, o que se pode dizer sobre a resistência dos trabalhadores nesse período?

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No plano da organização política dos trabalhadores o sindicato não foi o recurso imediato para lidar com uma indústria que já se mostrava oligopolizada e cujos regimes de trabalho eram despóticos. Novamente a leitura desse tempo feita por Upton Sinclair, embora bastante estetizada, dramatizada, é o retrato mais inteiro que se tem acerca da realidade vivida nos frigoríficos em Chicago. A historiografia confirma isso, mesmo que apresente nuances diferentes.6 Os contratos de trabalho, muitas vezes informais, geralmente eram negociados pelos próprios trabalhadores

5 Neste capítulo reproduzo e amplio argumentação expostos no artigo “Uma História Social comparada do trabalho em frigoríficos: Estados Unidos e Brasil (1880-1970).” (BOSI, 2014)

mobilizados por local de trabalho. De modo geral, as negociações entabuladas entre empregados e empregadores definiam as relações de trabalho mais do que as regras gerais na forma da lei. (GUÉRIN, 1974). Questões como o salário, a jornada, horas extras, ritmo de produção, pensão, férias, estabilidade no emprego e demais direitos ligados ao trabalho eram (e continuam sendo) estabelecidas em acordos coletivos cuja efetivação deveria ser fiscalizada pelo Estado. Foi em 1935, na trilha do colapso de 1929, que o Congresso Nacional aprovou o National Labour Relations Act (NLRA), cujo objetivo buscava garantir negociações coletivas, arbítrio legal sobre conflitos trabalhistas e a existência de sindicatos independentes. (USA, 2009; DANNIN, 2006). Este último pilar do NLRA mostrou-se útil para o fortalecimento das lutas nos frigoríficos que haviam pontuado os anos 1910 e 1920 e ajudou na criação e atuação de sindicatos específicos da categoria com alguma projeção nacional, como a United Packinghouse Workers (UPWA) e a Amalgamated Meat Cutters (AMC), os dois principais sindicatos do ramo. Conforme recordou Herbert March, um trabalhador comunista, o NLRA não eliminou as práticas anti-sindicais do patronato, mas teve “o efeito de estimular a organização dos trabalhadores”. (BALANOFF, 2011, p.36). A principal dificuldade enfrentada pelos sindicatos foi a organização de trabalhadores com tantas diferenças culturais e temor de perderem o emprego. Isto mudou nos anos 1930. Primeiramente, pode-se inferir que o crescimento da indústria da carne (salientado anteriormente) se fez apoiado em numerosa força de trabalho com pouca ou nenhuma qualificação, unida ao longo do tempo por uma experiência comum de exploração e de subalternização nos matadouros. Pensada como uma pirâmide, a base desta força de trabalho (especialmente estrangeiros e negros) forjou laços de identificação e de solidariedade suficientemente sólidos para nutrir ações políticas em torno da valorização de seu trabalho. Numa passagem emblemática foi o que esclareceu um dos entrevistados do “United Packinghouse Workers of America Oral History Project” que trabalhou numa planta da Swift até 1926:

Íamos para processar a carne de manhã e abater no período da tarde, cortando a carne, transformando-a em lombos e costeletas de porco, e tudo assim, na parte da manhã. E na parte da tarde era o abate. Havia muitos trabalhadores poloneses e trabalhadores negros. Tivemos uma estreita relação de trabalho - por mais estranho que possa parecer - uma união. Negros e brancos eram explorados na indústria de processamento por muitos, muitos anos, mas havia uma sensação inata de que um era o suporte do outro. Trabalhadores poloneses naquele tempo não tinham ressentimentos dos negros. (HALPERN & HOROWITZ, 1999, p.33)

O trecho gravado na década de 1980 certamente carrega a intencionalidade de um trabalhador negro militante que apostou parte considerável de sua vida na estruturação de um sindicato interracial. Por este motivo, sua visão pode ter minimizado a discriminação racial presente também nos frigoríficos. (TUTTLE, 1996). Além disso, é de se esperar que a

6 A argumentação aqui apresentada sobre este assunto se restringe às experiências dos trabalhadores nos frigoríficos e, portanto, à organização política e sindical neste segmento. Não se tem a pretensão de avaliar o estado da arte da historiografia do trabalho e das relações sindicais nos Estados Unidos.

memória de um sindicalista destacasse o protagonismo do sindicato na mobilização dos trabalhadores (o que ele fez no restante da entrevista). Contudo, feitas essas ressalvas, o que sobressai em seu discurso é o peso conferido às condições de exploração do trabalho partilhadas entre brancos estrangeiros e negros, e que parecem ter fermentado uma atmosfera favorável ao enfrentamento das políticas dos frigoríficos e à recepção dos sindicatos. A política das empresas voltada para conseguir a lealdade de seus empregados pode ser interpretada como um sinal consistente de que os trabalhadores estavam se juntando e se ligando aos sindicatos ao longo dos anos 1930 e 1940. Tal política envolvia férias, proteção parcial contra o desemprego, um plano de pensão no caso da Swift, programas sociais, recreação e outras medidas dirigidas para reduzir a rotatividade e reforçar a confiança dos trabalhadores nos frigoríficos. (HOROWITZ, 1997, p.26)

Desde cedo, a numerosa força de trabalho ocupada nos frigoríficos chamou a atenção de grupos militantes de esquerda. A Trotskyst Communist League, dissidência do Partido Comunista, cuja atuação foi intensa nos anos 30, esteve presente na organização de greves, na criação de sindicatos e nas tentativas de superar as divisões entre os trabalhadores dos frigoríficos, particularmente na planta da Hormel, em Austin, onde havia uma intervenção mais sistemática. O mesmo aconteceu com os demais comunistas. O repertório político contrário ao imperialismo era hábil em relacionar e esclarecer a responsabilidade do capitalismo sobre a exploração do trabalho e a condição operária miserável, elaborando explicações coerentes e bastante fundamentadas política e economicamente. De algum modo, esta militância internacionalista ajudou a mitigar as distâncias forjadas pelas diferenças étnicas, mas não era suficientemente efetiva numa via sindical menos revolucionária que pusesse dinheiro nos bolsos dos operários e arrancasse direitos ligados ao trabalho (mesmo que em caráter provisório). Em grande medida isto esclarece porque tais organizações de esquerda não chegaram a ser uma força dominante. A solidariedade entre os trabalhadores formou-se também, em grande medida, fora dos matadouros, nos bairros onde conviviam as comunidades estrangeiras, a negra e a branca, ao fundo dos currais que abasteciam os frigoríficos de Chicago. Como avalia James Barret, tais divisões étnicas eram reais, mas os trabalhadores encontraram um “chão comum” (em duplo sentido) onde desenvolveram laços de sociabilidade e processaram as experiências (geralmente ruins) do trabalho nos frigoríficos. (BARRETT, 1990, p.65) Juntar-se também passou a ser visto como o derradeiro recurso para lidar com as condições de trabalho insalubres e o ritmo veloz da produção. Não encontrei registros suficientemente sistemáticos a respeito da organização sindical referente aos trabalhadores dos frigoríficos. A literatura clássica do início do século XX geralmente escolhe os mineiros, os trabalhadores têxteis e os ferroviários para falar sobre esse assunto. Do ponto de vista da formação da consciência de classe é comum encontrar visões que ligam a organização sindical americana, na virada do XIX para o XX, em experiências e tradições políticas europeias como o Cartismo, o Anarquismo e o Socialismo. Em alguma medida, os Industrial Workers of the World (IWW), entidade de ideologia revolucionária originada nos Estados Unidos, também ajudou na construção do ideário político dos trabalhadores estadunidenses até ter sido duramente reprimido pelo Departamento de Justiça Norte-

americano. Em especial, os estudos acerca desse tema examinam detidamente que impacto as etnias e nacionalidades causaram nesse processo. A principal e mais importante conclusão encontrada parece óbvia. A luta dos trabalhadores por melhores condições de vida e para construir seus sindicatos constituiu uma consciência de classe razoavelmente forte. Mesmo considerando trabalhadores que antipatizavam ou tinham aversão a sindicatos e a políticas de enfretamento, nas primeiras décadas do século XX os trabalhadores começaram a ter muitas de suas exigências aceitas pelos patrões e pelo Estado. Mas antes disso já havia, durante a segunda metade do XIX, ideias em alguma medida radicais de organização dos trabalhadores urbanos. Os Knights of Labor, entidade criada em 1869, foi recebida com entusiasmo pelos trabalhadores se levarmos em conta o crescimento do número de filiados. Em 1880 ela reunia 28 mil filiados. Quatro anos depois saltou para 100 mil, e em 1887 atingiu 1 milhão de trabalhadores. Durante sua existência ajudou greves, piquetes e defendeu e estimulou a criação de cooperativas. (BRISSENDEN, 1920, p.30-33) Sua pauta tinha relação direta com as condições de trabalho vividas nos diversos ramos da produção, como a jornada de 8 horas semanais num contexto em que havia categorias que se ocupavam os sete dias da semana durante 10 horas diárias. Era o caso de famílias inteiras que fabricavam roupas em ambiente doméstico, habitando “apartamentos” de três ou dois cômodos nas conhecidas tenements, cortiços planejados para famílias pobres, principalmente imigrantes. Geralmente havia um quarto de 92 metros onde o trabalho era realizado, muitas vezes sob a luz de velas. O outro cômodo era a cozinha. O banheiro era coletivo, localizado no corredor. Não havia água, nem gás. Nessas condições toda a família se envolvia na confecção de roupas, integrando o put-out-system. Não faziam parte da fábrica. Dela recebiam a matéria prima e os moldes. Entregavam a encomenda pronta e o pagamento era feito. (BIAL, 2002; RIIS, 2017) Além disso, seu caráter podia ser resumido por um slogan: “o prejuízo de um é a preocupação de todos”. Enfatizava o princípio da cooperação, admitia negros e mulheres como filiados. O funcionamento da entidade definiu a assembleia geral como lugar onde a pauta era construída e votada e onde se escolhia os filiados que representariam todos os demais. Além disso, os Knights of Labor defendiam a inclusão de todos os trabalhadores produtivos, assalariados ou não. (BRISSENDEN, 1919, p.30-37) Quando os Knights of Labor começaram a perder força para a I.W.W. significou uma mudança na concepção de representação sindical. Progressivamente a estrutura sindical, e suas diretorias, teriam autonomia para negociar com o capital e com o Estado. Noutra direção, parte da historiografia americana concluiu que os trabalhadores não eram radicais, ou que não teriam se convencido de que a revolução proletária terminaria com a pobreza e o trabalho precário. A certeza disso decorria da preferência por solucionar a luta de classes por meio de negociação, inclusive para evitar greves e expedientes dos trabalhadores que interrompessem a produção de mercadorias. Essa leitura toma como referência a greve realizada em Pittsburg, em agosto de 1890, quando e onde patrões e o sindicato dos trabalhadores assinaram um acordo. A partir dali lançou-se a ideia de que capital e trabalho poderiam elaborar e selar um acordo coletivo nacional a respeito de questões geralmente tratadas em greves. Se constituía progressivamente a ideia de que seria possível afastar-se da luta de classe: “Sem os acordos o movimento trabalhista dificilmente poderia evitar ‘panaceias’

e reconstituir-se com base no oportunismo [as correntes de esquerda]”. (PERLMAN, 1922, p.145) A presença de ideias e de práticas caracteristicamente revolucionárias entre os trabalhadores da cidade perdeu espeço e peso a partir dos anos 20. Em grande medida, isso aconteceu porque a política policial do Estado pressionou os trabalhadores e criminalizou condutas, valores e manifestações ligadas ou identificadas ao ideário revolucionário. O caso emblemático foi o julgamento e a execução, sem provas definitivas, dos anarquistas Sacco e Vanzetti. (SHACHTMAN, 1927) É importante pensar que nesse período Frederick Taylor já tinha publicado artigos e monografias que anteciparam os argumentos expostos em seu livro Princípios da Administração Científica, de 1911. Sua ideia de mensurar o tempo das tarefas que compunham a produção e de reorganizá-las de modo a torna-las mais rápidas e eficientes ganhava terreno nas grandes indústrias. Reprogramar processos de trabalho significava encurtar o tempo de cada tarefa realizada para produzir as mercadorias. Ao mesmo tempo mudanças tecnológicas realizadas na produção pressionou os postos de trabalho dos artífices cujas habilidades lhes garantiam estabilidade no emprego e melhores salários. Nesse contexto, “Os trabalhadores especializados, que frequentemente empregavam crianças como ajudantes, foram substituídos por uma massa de imigrantes adultos recém chegados aos portos das cidades.” (FORNER, 1973, 11-31) A nova maquinaria permitiu que os imigrantes pudessem executar atividades que antes requeriam habilidades específicas. Muitas empresas se beneficiaram disso e de uma dinâmica internacional que favorecia os capitais que se acumulavam nas grandes companhias. No período de 1898 a 1903, surgiram mais de 250 grandes empresas resultantes de fusões ou de acordos entre elas. Em 1901, a maior delas, a U.S. Steel, reuniu 1 bilhão de dólar, uma cifra quase impossível de se imaginar naquela época. Formaram-se trustes do açúcar, do fumo, do petróleo, do aço e de outras mercadorias. Três dos principais trustes estavam sob o domínio da Standard Oil (de propriedade dos Rockefellers), dois deles pertenciam a J.P. Morgan & Co. (de John Pierpont Morgan), a família Vanderbilts dominava o truste do transporte e da ferrovia, e o truste do aço era comandado por Andrew Carnegie. De 1890 a 1910, grande parte da riqueza produzida nos Estados Unidos foi capitalizada pelos Rockfellers, Morgans, Vanderbilts, Carnegies e outros magnatas dos trustes. (FORNER, 1973, 11-31) Tal prosperidade econômica não chegou aos trabalhadores. Em 1914, o custo de vida era 39% mais alto do que tinha sido em 1890. Ao mesmo tempo o valor real dos salários não havia aumentado em relação aos valores praticados na década de 1890. A utilização de trabalho feminino e infantil aumentou e barateou o custo da produção uma vez que se pagava menos por ele. Em 1900 havia 284 mil crianças entre 10 e 15 anos trabalhando em fábricas, fiações, minas e lojas. Três anos depois, as crianças da Fiação Têxtil Philadelphia fizeram greve para diminuição das 60 horas de trabalho semanais e para que pudessem frequentar escola. Exibiam consigo tabuletas com os dizeres: “Nós queremos ir a escola! Mais escolas e menos hospitais! Prosperidade! Onde está nossa parte? 55 horas ou nada!” (FORNER, 1973, p.15-16) Um registro importante sobre s situação da classe trabalhadora nos Estados Unidos naquele período diz respeito ao trabalho infantil em frigoríficos. Upton Sinclair traduziu as precárias condições de vida e de trabalho de quem se empregava nos matadouros. Em Chicago, onde se concentrava a indústria da carne, muitas crianças substituíam adultos no

trabalho. Inspetores de fábricas relataram que alguns dos garotos “atuavam como açougueiros, sangrando ovelhas, carneiros e porcos; outros cortavam a carne do boi recém abatido separando o couro da carne fresca; outros classificavam miúdos, empacotavam ou preparavam as latas onde as mercadorias eram transportadas.” Em diversos lugares “se podia encontrar um garoto no trabalho em máquinas perigosas. Nesse caso, seu pai estava incapacitado para trabalhar na máquina, e manter seu lugar no frigorífico dependia do trabalho feito pelo filho durante sua ausência.” (FORNER, 1973, p.16) Sob jornadas de 10 horas dentro dos abatedouros os acidentes eram constantes. À medida que elas perdiam o vigor ao longo do dia, o cansaço provocava desatenção no manuseio das facas e de máquinas. É um quadro que, em muitos aspectos, repete as descrições dos fiscais de fábrica sumariadas por Marx na Inglaterra dos séculos XVIII e XIX, e por Engels na década de 1840. A repressão às greves e demais movimentos dos trabalhadores era tão violenta quanto bizarra, e esta última característica a tornou intolerável naquele momento. Em 1912, na cidade industrial de Lawrence, Massachusetts, a polícia foi chamada imediatamente a intervir durante uma greve de trabalhadores têxteis contra a demissão e redução de salários provocadas por uma mecanização que intensificou o trabalho. Diversas entidades políticas organizadas em torno de grupos étnicos e nacionais como italianos, espanhóis, russos etc., participaram da construção e sustentação da greve. Mas o fato que condenou a repressão a greve deveu-se à prisão de crianças filhos dos grevistas. Por costume vivido na Europa, os trabalhadores enviavam seus filhos menores para casas de parentes tão logo começassem uma greve. Era uma medida de proteção às crianças para evitar, por exemplo, a fome decorrente da interrupção dos salários. Isso foi feito em Lawrence. As crianças eram levadas em grupos para New York e outras cidades. Com aproximadamente 30 dias em greve sete crianças foram presas na estação de trem, na companhia de seus pais que as conduziam para tomar o vagão até New York. Outras 200 crianças foram detidas na estação, juntos com seus pais, e impedidas de embarcarem rumo a Filadélfia. Trinta policiais espancaram, sufocaram e agrediram de muitas formas todos ali. Uma mãe grávida perdeu o filho. Quinze crianças e oito adultos foram presos e arrastados para o carro da polícia até a delegacia. Seguiu-se a isso uma onda de solidariedade que forçou a polícia a libertar os presos. Os trabalhadores que, antes recusavam a arbitragem da greve porque avaliavam que os patrões seriam favorecidos, concordaram em função do apoio popular alcançado pelo movimento. Nesse contexto, a Mesa de Arbitragem de Massachusetts foi constituída. Historiadores informam que a nação inteira pesava em favor dos grevistas e exigia que as fábricas negociassem. O governador de Massachusetts interveio. O governo federal interveio por meio da Secretaria do Trabalho. A greve de 1912 chegou ao fim com o atendimento da pauta, uma vitória conseguida principalmente devido à repulsão dos métodos da polícia. (FONER, 1965, p.306-328) Não tenho como decidir sobre qual visão historiográfica está apoiada em evidências históricas mais sólidas e numerosas. Por vezes ambas tendem a interpretações positivistas, que reproduzem a lógica da documentação selecionada para pesquisa. De qualquer modo, elas são unânimes em afirmarem a força e a determinação do movimento sindical americano na virada do século XIX para o XX. De tudo isso, como disse, não houve igual interesse de pesquisa entre os trabalhadores de frigoríficos e os demais. Mesmo as categorias ligadas aos serviços,

tais como garçons, cozinheiros e ajudantes, tiveram suas participações em greves sumariadas. (KIMELDORF, 1999) No contexto dos anos 1930, em plena depressão econômica, a ação coletiva mostrouse uma forma eficiente para enfrentar e sobreviver àqueles problemas, embora as empresas avançassem contra todos os limites dos trabalhadores. Entre 1928 e 1933, por exemplo, os salários semanais pagos às mulheres caíram de 33 para 20 dólares de modo geral. O ritmo do trabalho e a má ventilação nos abatedouros causaram a morte de muitos trabalhadores, e quando alguém reclamava era ameaçado de demissão. Herbert March lembrou que durante a depressão o domínio dos encarregados pela produção incluía abusos e maus tratos de todo tipo que tendiam a ser tolerados mediante o medo de perder o emprego. Ele contou que às vezes, quando as pessoas se feriam, tinham medo de denunciar a lesão se fosse algo que não impedisse completamente o trabalho. Tinham medo de que o encarregado as demitisse e fizesse algum registro em sua ficha. Então permaneciam trabalhando, mesmo com pequenos cortes e lesões. (BALANOFF, 2011, p.53) Esta conjuntura motivou Bertolt Brecht a escrever uma peça entre 1929 e 1931 sobre os magarefes de Chicago e a crise do capitalismo vista por uma ótica marxista. Informado sobre o oligopólio da carne nos Estados Unidos, Brecht dramatizou a vida dos trabalhadores em meio à exploração do trabalho e à superprodução que causara a desmobilização de braços. Em passagem ambientada entre um grupo de desempregados a servirem-se de sopa caritativa, um trabalhador chega esbaforido e anuncia: “Vagou um emprego! Um emprego com salário. Na fábrica número cinco! É um emprego de merda. Corram!”. (BRECHT, 1996, p.32) A consciência expressada pela personagem exprime a tragédia da crise: emprego ruim, escasso, indiferente quanto à empresa, e mesmo assim uma opção considerada imperdível (e única) para quem não compreendia a natureza daquela crise. Premidos pelo desespero, ainda tinham que lidar com explicações conformistas e espetaculares: “Eu vou explicar [disse Joana, a líder dos ‘Boinas Pretas’]. A sua pobreza não reside na falta de bens terrenos – estes não dão mesmo para todos -, mas na sua falta de espiritualidade. É por isto que vocês são pobres”. (BRECHT, 1996, p.31) Embora a solução de Brecht para este drama previsse que os trabalhadores se organizassem contra o capitalismo, a resposta real parecia menos ousada, mensurando a pressão que a própria crise exercia sobre eles. Um emprego, mesmo ruim, era precioso para cruzar uma tormenta que não se sabia ser definitiva ou passageira. No contexto dos 40 anos seguintes o mercado para carne expandiu-se dentro e fora dos Estados Unidos. O faturamento dos frigoríficos permitiu ao patronato aplicar uma política de empregos e de salários considerada razoável pelos sindicatos, o que contribuiu para estabilizar o mercado de trabalho. Foi um período em que proliferaram acordos de envergadura progressivamente nacional, com cláusulas sociais inéditas que estabeleciam aposentadoria, estabilidade no emprego e algum controle sobre o processo de produção especialmente sobre a velocidade do trabalho. Quanto à força dos trabalhadores, pode-se medi-la especialmente pelas taxas de sindicalização que cresceram no período de 1930 a 1960, atingindo seu auge no início dos anos 1960, quando cerca de 90% dos trabalhadores do ramo eram sindicalizados, situação que lhes possibilitava negociações razoáveis em relação aos salários e às condições de trabalho. (FITZGERALD, 2010, p.60-61) Sobre a mudança na condição operária norte-americana em geral, Michael Burawoy observou que

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