Uma história dos trabalhadores nos frigoríficos: regimes fabris e vilas operárias

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INTRODUÇÃO Nesses últimos nove anos tenho estudado trabalhadores empregados em frigoríficos. Eles têm chamado atenção pela forte e continuada presença no cenário econômico e social do país, particularmente na região Oeste do Paraná. Aqui é difícil encontrar uma família de trabalhadores que não tenha algum parente ou amigo que trabalha ou que trabalhou na cadeia de produção avícola estruturada em torno dos frigoríficos. Ao meu lado, colegas de profissão e alunos também investiram tempo para compreender esse universo. Embora longa, esta não foi uma investigação solitária. Quando senti segurança para publicar resultados da pesquisa, o ponto que ganhou mais espaço foi a degradação da saúde dos trabalhadores causada pelas condições e relações de trabalho existentes na linha de produção nos frigoríficos. Enquanto o setor do agronegócio olhava para os sucessivos recordes do processamento da carne de frango, gente como eu via milhares de trabalhadores pressionados no mercado de trabalho a aceitarem intensa jornada de trabalho em ocupações precárias e insalubres nos frigoríficos. Tentei explicar a lógica deste quadro em detalhes nesse livro. O material de pesquisa se tornou mais complexo à medida que o interesse de investigar também se voltou para dimensões mais difíceis de sondar do no trabalho e da na vida dos empregados nos frigoríficos. Incorporei estatísticas do mercado de capital e do consumo de carne, informações pormenorizadas da constituição da cadeia avícola em monopólios e oligopólios, conhecimento da frágil resistência coletiva e difusa dos trabalhadores nos frigoríficos e, principalmente, o modo com que homens e mulheres ocupados na linha de produção lidam com suas experiências na dimensão do trabalho e da vida. Procurei discutir a realidade nos frigoríficos a partir de três chaves analíticas: quem são os trabalhadores (principalmente nos aspectos social e econômico), quem eles pensam que são e quem eles gostariam de ser. Hoje não sei dizer exatamente quais foram todas as referências que compuseram esse conjunto de perguntas, mas certamente Marx é a principal delas emprestando vigor ao distinguir duas lentes na realidade, aparência e essência. É uma antiga discussão geralmente estigmatizada porque consumida por uma interpretação que atribui a aparência apanhada imediatamente na experiência dos trabalhadores pura e exclusivamente como alienação. Apesar disso, pensei em utilizá-las metodologicamente como duas categorias da realidade com diferentes características cuja interação ofereceria quadros provisórios da consciência de classe desses trabalhadores. Um exemplo nos deixa mais próximos do que foi feito. Tais dimensões da realidade na experiência dos trabalhadores, durante e a partir das entrevistas, nas demais fontes judiciais e de imprensa, o entendimento de cada um deles sobre o seu trabalho e a cadeia avícola internacionalizada (melhoramentos genéticos, insumos, maquinário, dinâmica do mercado interno e de exportação, doenças causadas pelo trabalho, direitos sociais trabalhistas etc.), tudo isso foi confrontado de modo a compreender o mundo desses trabalhadores e a construção dos domínios do capital. Abordei a questão das vilas operárias na região, assunto com relativo lastro na historiografia, embora pouco explorado nos domínios dos frigoríficos. Antecipo o resultado

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