Sobre isso, Christopher Hill registrou que durante a revolução de 1640 muitos camponeses se dividiram entre os dois blocos em luta, sob uma experiência comum de exploração e sob promessas de melhores dias. Disse ele que o mesmo vento que sacudiu aqueles trabalhadores podia ganhar o rumo da direita ou da esquerda. Ele fez referência aos monarquistas e aos parlamentaristas, respectivamente. E havia ainda os camponeses e artesãos organizados em partidos independentes face essas duas grandes forças políticas e sociais dominantes. Significa que o terreno religioso era um cativeiro para os trabalhadores, mas que servia também de espaço para a formação de uma cultura democrática. Não à toa muitas seitas e congregações de origem protestante se desfizeram das hierarquias de modo a permitir que qualquer trabalhador de baixa extração pudesse ministrar um culto. Pensava-se assim que a hierarquia episcopal era o principal obstáculo a uma reforma religiosa radical (o que representava também uma reforma social). Em suma, as instituições religiosas foram tomadas e usadas como máquinas de guerra (HILL, 1987, p.45) É uma reflexão dos anos 40 do século passado, amadurecida décadas depois noutros livros. Edward Thompson foi mais incisivo do que Hill nesse ponto quando examinou o engajamento político de artesãos e camponeses no contexto do século XVIII na Inglaterra. Ele mostrou que a divisão política de muitos trabalhadores entre a aceitação e a recusa da nova ordem se processou a partir de experiências sociais comuns e partilhadas, mas interpretadas de diferentes maneiras. Disso ele seguiu argumentando que a compreensão acerca da classe trabalhadora e de suas distintas e muitas vezes contraditórias e divergentes práticas deveria decorrer de uma leitura sobre as experiências que os trabalhadores vivem durante suas vidas e os modos com os quais eles lidam com elas. É uma proposta relativamente simples e empiricamente sólida, distante de reflexões áridas e desprovidas de pesquisa histórica. Em linguagem teórica, pode-se dizer que a heterodoxia política da classe trabalhadora tem caráter temporário e é formada em meio a combates de ideias, de práticas, de valores religiosos (ou da ausência deles), de crenças morais, enfim, de posições que se opõem num sem número de assuntos, mas que pode chegar, por seu próprio esforço (e aqui estão inclusos seus partidos, sindicatos e as tradições e cultura elaborados ao longo do tempo), a um ponto comum. É uma classe em permanente formação, e é nesses termos que ela precisa e deve ser olhada. Em específico, interessa a seguir abordar o surgimento dos frigoríficos no contexto do mundo do trabalho, as mudanças na tecnologia e nas formas de organização da produção e, fundamentalmente, a presença e a situação dos trabalhadores nesse processo.
5. Trabalhadores e regimes fabris em frigoríficos (1880-1960) No interior dos Estados Unidos, no ano de 1890, um açougueiro e seu ajudante levavam aproximadamente oito a dez horas para abater e destrinchar um boi em uma fazenda. Em Chicago, dentro de um frigorífico, um boi era abatido e processado em torno de 35 minutos. Grandes frigoríficos matavam cerca de 1.500 a 2.500 cabeças por dia. Eles abatiam em torno de 6.000 porcos diariamente. Ovelhas também eram mortas em número similar para abastecer o mercado de consumo de carne. Pode-se dizer que os frigoríficos, além de viabilizarem a produção e distribuição de carne em proporções inimagináveis, criaram um espetáculo acima da imaginação. No caso dos Estados Unidos, em muitas partes do país, a
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