Uma história dos trabalhadores nos frigoríficos: regimes fabris e vilas operárias

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algo em torno de 27,5%, a Alemanha chegou a 16%, os Estados Unidos com 13,5% e a França com 9%. (VALLA, 1971, p.160-166) As empresas estrangeiras aqui instaladas enviavam charque, enlatados e carne congelada do Rio Grande Sul para a Europa e os Estados Unidos, principalmente enquanto durou a 2ª Guerra. Apenas a Swift no Brasil exportou mais de 9 toneladas de carne processada no ano de 1939. (BEZZI e RODRIGUES, 2005) Nesta rápida escalada, demonstrando superioridade tecnológica e financeira, os frigoríficos vindos dos Estados Unidos suplantaram as charqueadas oferecendo melhor pagamento pelos rebanhos e arregimentando trabalhadores com o apelo de melhor remuneração e emprego durante todo o ano. (PESAVENTO, 1980, p.149) Exemplificando com o caso da cidade de Pelotas/RS, escolhida pelo Anglo que lá se instalou nos anos 1920, Neuza Janke da Silva ressalta que “o que atraía a companhia [naquela] cidade era o enorme suprimento de carne disponível e a mão-de-obra oriunda das charqueadas”. (SILVA, 1999, p.54). Cabe destacar ainda o aumento do consumo de carne durante as duas guerras mundiais, que serviu de alavanca para os frigoríficos, uma vez que a necessidade de alimentar as tropas em combate elevou as exportações saídas dos frigoríficos norte-americanos instalados no cone sul. (ALBORNOZ, 2000) Em resumo, diferentemente dos EUA, no Brasil (e no restante do cone sul) os frigoríficos surgiram interiorizados e próximos aos rebanhos, investidos de capital, de técnicas e de tecnologias formadas na experiência norte-americana da segunda metade do século XIX. O desenho imperialista que explica o surgimento dos frigoríficos na região do Rio da Prata tem evidência forte com o registro da primeira planta produtiva, chamada de “River Plate Fresh Meat Company”, propriedade do inglês George W. Drabble, instalada em 1882, na Argentina. Além do frigorífico, Drabble era diretor de ferrovias organizadas em seis empresas na Argentina e no Uruguai. Para tudo isso, ele presidia um banco, o “London and River Plate Bank”, a partir do qual o capital desse estruturado universo era movimentado. (CASSIS, 1994, p.169) Em seguida, também vieram do capital britânico investimentos para outros frigoríficos da região do Rio da Prata nos na primeira década do século XX, como o de “Las Palmas Produce Company”, “La Plata Cold Storage Company”, “Smithfield and Argentine Meat Company” e “La Blanca”. (GEBHARDT, 2000, p.101) Tal esforço esperava ser recompensado pela existência de rebanhos próximos das plantas produtivas e por numerosa força de trabalho educada no trabalho fabril devido às experiências de trabalho nas charqueadas e dos matadouros. Esta logística barateou os custos de produção, em especial no que se refere à força de trabalho. Nesse ponto, abriu-se um novo capítulo da história do trabalho e dos trabalhadores nos frigoríficos.

4. O caráter alienado do trabalho e a mercantilização da carne Guardei este lugar para discutir o caráter alienado do trabalho. Assim como os demais trabalhadores, homens e mulheres que se ocupam nos frigoríficos vivem uma relação cotidiana com seu próprio trabalho produzindo, repetidamente, a mesma mercadoria o tempo todo. O que isto pode significar para eles? Uma forma de abordar este problema é começar esclarecendo o lugar da carne no processo de constituição do capitalismo, ou a incidência da dinâmica do capitalismo nas

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