Uma história dos trabalhadores nos frigoríficos: regimes fabris e vilas operárias

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Numa síntese final, pode-se visualizar o quadro acima sobre o vaqueiro nos termos expostos da história e da literatura. Para José Alencar o sertão é um lugar acolhedor. “Ele” e o vaqueiro se complementam. Formam uma simbiose explicitada em diversas passagens no livro, como a seguinte: “Para Arnaldo todas essas meigas virgens do céu [estrelas] lhe eram irmãs; conhecia-as pela cintilação, como se conhece pelos olhos a menina faceira que se embuçou na sua mantilha azul.” Continua ele: “A cada uma saudava pelo nome, não o que inventaram os sábios, e sim o que lhe dera sua fantasia de filho do deserto.” (ALENCAR, 1982, p.131) Descontada a visão romântica que tipifica Arnaldo ao longo de todo o livro, a ideia de que o deserto foi preenchido pelo vaqueiro não destoa da avaliação historiográfica acima. Parte da riqueza produzida no passado deveu-se ao vaqueiro. Isto também é sustentado por Graciliano, mas sem qualquer concessão poética que relativizasse ou suavizasse a vida de Fabiano. Ele era um trabalhador explorado e oprimido. Na escala formada pela história e literatura abordadas aqui Arnaldo e Fabiano estão em lados opostos. De todo modo, é certo afirmar que o vaqueiro desempenhou um papel importante da história econômica e social da formação do Brasil. Nisso concordam todos, de Caio Prado Jr. A Graciliano Ramos. É certo também que o vaqueiro expressa as principais características sublinhadas pelos escritores e autores já relacionados, embora esteja mais distante do personagem de José de Alencar. O que evidencia isso? O fato de os peões e vaqueiros terem sido explorados pelas classes dominantes no processo de constituição da pecuária e da riqueza nesse segmento da economia.

3. Os primeiros Frigoríficos no Brasil4 As charqueadas foram indústrias rudimentares de carne em escala surgidas no Rio Grande do Sul a partir da década de 1870, concentradas na região de Pelotas. Elas antecederam os primeiros frigoríficos. Alguns deles se instalaram em antigas e decadentes plantas produtivas das charqueadas. Os lucros vinham basicamente da produção de carne seca e salgada, além de couro para exportação. A mão-de-obra escrava ocupada nas charqueadas movimentava essa economia que Sandra Pesavento considerou anterior às “origens da indústria” no Rio Grande. (PESAVENTO, 1985, p.20-23). Embora houvesse trabalhadores livres - nacionais e estrangeiros - ocupados nas charqueadas do Sul, os escravos predominavam. A esse respeito, Mário Maestri pondera que havia diversas opções face o trabalho considerado pesado nas charqueadas: “o contrabando, a economia de subsistência, ou até mesmo a vida de vagabundo parecer-lhes-iam [livres] muito mais promissores.” (MAESTRI, 1984, p.75) Nessa situação, o trabalho escravo foi a solução possível para que as charqueadas funcionassem. Esta parece ser uma resposta simples e convincente. Como era a planta produtiva de uma charqueada? Tomando como exemplo uma charqueada em funcionamento por volta de 1810, período em que a atividade já permitia alguma acumulação de capital para os charqueadores, iremos encontrar o seguinte. Em geral a senzala compunha o conjunto das casas e galpões destinados à produção do charque. Junto Neste item reproduzo alguns argumentos e informações do artigo “Uma História Social comparada do trabalho em frigoríficos: Estados Unidos e Brasil (1880-1970).” (BOSI, 2014) 4

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