Uma história dos trabalhadores nos frigoríficos: regimes fabris e vilas operárias

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SEGUNDA PARTE O TRABALHO EM FRIGORÍFICOS: REGIMES FABRIS E VILAS OPERÁRIAS (1850-1970)

1. Inovação, logística e mercado de consumo no surgimento dos frigoríficos Neste capítulo pretendo documentar e argumentar que os grandes abatedouros surgiram no final do século XIX nos Estados Unidos e se expandiram a partir de uma extensa rede de transportes, do congelamento da carne para longos deslocamentos e de um hábito de consumo de carne relativamente consolidado no país. Excetuando a mobilização de trabalhadores e o acesso ao trabalho barato, formação de um mercado de consumo, o congelamento da carne, a constituição de numeroso estoque de bois e o transporte de carne para longas distâncias constituíram o arranjo inicial que permitiu a estruturação dos grandes frigoríficos nos Estados Unidos desde o final do século XIX. Estes fatores, reunidos sob o controle dos frigoríficos estadunidenses, possibilitaram que pequenos matadouros se transformassem em plantas produtivas capazes de mobilizarem perto de mil trabalhadores. Eles contavam com uma reserva abundante de força de trabalho que os ajudava a espremer os salários e a criar condições ímpares para extração de altos índices de mais-valia. E quando os recursos humanos pareceram escassear ou opor resistência política, os grandes frigoríficos exportavam capital para fora dos Estados Unidos, onde encontrassem, apoio estatal (na forma de isenções fiscais, doação de terras, linhas de financiamento especiais etc.) e matéria prima e trabalho baratos. Ao mesmo tempo, frigoríficos como o de Philip Armour e de Gustavus Swift se beneficiaram de uma inovação que resolveria, em parte, a logística da distribuição da carne até lugares distantes: vagões e caminhões refrigerados capazes de transportar carne para lugares distantes. Este arranjo também ajuda a compreender a produção e o consumo de carne industrializada no tempo presente, de um ponto de vista histórico e sociológico. Outro campo de reflexão sobre este assunto está na forma com que os consumidores de carne se relacionam com ela. Diria Marx que o sujeito se relaciona com a mercadoria na condição de mercadoria, de objeto. E nessa condição ele teria poucas possibilidades de pensar a mercadoria como objeto, e de fazer de si mesmo um sujeito. Este processo, inscrito em três linhas, do qual me benefício de Marx, encontra nas tiras cômicas do jornalista Joe Sacco uma tradução empírica sobre determinado sentimento de homens e de mulheres envolvidos nessa situação. A crítica foi feita nos primeiros anos do século XXI. Certamente a sociedade desencoraja assuntos do tipo entender como a carne chega do abatedouro dentro dessas embalagens de isopor, seladas com etiquetas de peso, preço e informação sobre o produto, picadinha, impossível de reconhecer ... principalmente enquanto se come carne. (SACCO, 2006, p.56)

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