Uma história dos trabalhadores nos frigoríficos: regimes fabris e vilas operárias

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segredos. Tornam-se públicos e alvo de futricas, rápida e costumeiramente. Embora sejam dimensões sensíveis das vidas daquelas famílias, o mundo contado por Madalena chama a atenção para uma zona de autonomia definida pelos trabalhadores onde poderiam se proteger socialmente. Naquele mundo, acessado por meio das memórias de Madalena e de seus pares, encontramos sinais legíveis de uma cultura de classe construída sob as pressões do paternalismo e do racismo. Não se tratou de uma cultura radical, alinhada ideologicamente ao amplo espectro da esquerda. Foi bem menos do que isso, mas o suficiente para que os trabalhadores suportassem – rejeitando ou neutralizando – os estigmas e o controle impingidos sobre eles. Uma das dimensões mais importantes das memórias dos entrevistados sobre a vila e o frigorífico é essa tentativa de prolongar conflitos não resolvidos como uma solução de continuidade em suas narrativas. No plano político parece ser muito pouco. Não se equipara as greves, manifestações, criação de sindicatos, participação em partidos operários etc., mas não deve ser descartado como um recalque coletivo ou uma alucinação. Digo isso porque esta articulação que alinhavou trabalho e moradia possibilitou – não solitariamente – a sobrevivência desse grupo social durante duas décadas. E depois de seu desmantelamento ainda abasteceu os remanescentes da vila na luta pela moradia, fato que se estendeu até o presente (SEIBERT, 2008). Nos últimos vinte anos, parte de suas vidas girou em torno da afirmação da vila como seu lugar, e esse é um fato histórico importante que atesta alguma disposição de resistir organizadamente contra a expulsão de um lugar que reivindicavam como seu. Nenhum outro grupo tem tantas memórias ligadas àquele lugar, e há nisso um valor irreparável. Por fim, embora este evento histórico tenha nítidas especificidades, deve-se vê-lo como parte de uma constante estrutural e funcional do processo de valorização do capital, da extração de mais-valia, pois este é um dos aspectos mais importantes da experiência dos trabalhadores na formação da vila operária da Frirondon sob o fogo cruzado do paternalismo e do racismo.

5.3. Recrutamento de trabalhadores no Frigorífico da SADIA em ToledoPR (1959-1979) A constituição do Frigorífico SADIA no município de Toledo-PR, no período de 1959 a 1979, dependeu fundamentalmente de força de trabalho disponível, de matéria prima e de acolhimento por parte da população uma vez que um setor das classes dominantes se mostrou resistente e agiu contra sua instalação. Os dois primeiros pontos interessam mais de perto, especialmente o recrutamento de trabalhadores. A SADIA escolheu Toledo para construir uma planta produtiva porque lá havia matéria prima suficiente para iniciar o abate de porcos, criadores com potencial para aumentar sua produção e um matadouro em operação. Tais fatores encontram explicação em conjuntura econômica e social específica, estruturada desde a década de 1940, quando na região Oeste do Paraná teve início uma economia organizada pelo capital. Uma empresa privada, a Colonizadora Rio Paraná, realizou o loteamento das terras para a constituição de minifúndios.

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