Calorimetria indireta em Uti: comparação com fórmula
preditiva e proposta de protocolo para prescrição nutricional em pacientes críticos
Indirect calorimetry in the Icu: comparison with a predictive formula and proposal of a protocol for nutritional prescription in critically ill patients
RESUMO
A calorimetria indireta (CI) é o método mais preciso para medir o gasto energético em pacientes críticos na UTI, permitindo a personalização da terapia nutricional. Na ausência de CI, fórmulas preditivas são usadas, mas apresentam limitações. Este estudo avaliou a precisão dessas fórmulas em comparação com a CI, analisando uma coorte de 23 pacientes críticos. A fórmula de bolso subestimou o gasto energético em comparação à CI, com uma adequação de 84,9% e ainda menor em pacientes com desnutrição moderada (81,9%). O estudo propõe um protocolo para uso da CI, quando disponível, para ajustar a oferta calórica, priorizando pacientes desnutridos. A CI na rotina da UTI pode melhorar o suporte nutricional, minimizando subalimentação e superalimentação.
APLICABILIDADE
Palavras-chave: calorimetria indireta, fórmulas preditivas, gasto energético, paciente crítico
O estudo reforça a importância da calorimetria indireta em pacientes críticos e propõe um protocolo prático para sua utilização. A aplicação do material contribui para a personalização da terapia nutricional, melhora a acurácia da prescrição calórica e orienta a priorização de casos. Sua adoção pode qualificar a prática clínica e impactar positivamente nos desfechos hospitalares.
RESUMO GRÁFICO
[1] Introdução
Ometabolismo de pacientes críticos passa por alterações fisiológicas e bioquímicas desencadeadas por estresse, trauma ou infecção. Essas mudanças ocorrem em duas fases principais: aguda e crônica. Na fase aguda, há aumento da resposta inflamatória e catabólica, com mobilização de reservas endógenas por glicogenólise, lipólise e proteólise. A produção endógena de energia é acentuada, enquanto a exógena é limitada para evitar sobrecarga metabólica. Com a progressão para a fase crônica, há estabilização das demandas e maior participação da nutrição exógena, essencial para preservar a massa corporal e reduzir o catabolismo (SINGER et al., 2019; SINGER et al., 2017). Estudos destacam a importância de uma terapia nutricional personalizada, com ajustes conforme a fase clínica (WISCHMEYER, 2023; WHITTLE et al., 2020).
A avaliação do metabolismo é desafiadora diante da complexidade e variabilidade da resposta metabólica. A calorimetria indireta (CI) é o método padrão-ouro, medindo o consumo de oxigênio (O₂) e a produção de dióxido de carbono (CO₂), enquanto fórmulas como Harris-Benedict e Penn State são alternativas em sua ausência. Embora úteis, essas fórmulas não consideram as variações metabólicas individuais, o que limita sua precisão em contextos críticos (REINTAM et al., 2019).
Apesar de sua acurácia, a CI enfrenta barreiras lo-
gísticas e operacionais, como custo, necessidade de capacitação profissional e infraestrutura específica (SINGER, 2015). As fórmulas preditivas, por sua vez, oferecem praticidade, mas frequentemente resultam em sub ou superalimentação (MCCLAVE et al., 2016; REINTAM et al., 2019).
A CI estima o gasto energético a partir de VO₂ e VCO₂, utilizando a equação modificada de Weir (Weir, 1949) e possibilita o cálculo do quociente respiratório (QR), útil para identificar o substrato energético predominante (HAUGEN et al., 2007; GUPTA et al., 2017; OSHIMA et al., 2017; DELSOGLIO et al., 2019; MTAWEH et al., 2018). Em condições normais, o QR varia entre 0,7 e 1, refletindo a predominância na oxidação de lipídios, proteínas ou carboidratos (FEURER e MULLEN, 1986; DIENER, 1997; AVESANI et al., 2014; RODRIGUES et al., 2008).
Reconhecida como método não invasivo e confiável, a CI supera limitações de equações preditivas e é amplamente usada em pesquisas e prática clínica (VOLP et al., 2011; RATTANACHAIWONG e SINGER, 2019; SAN MARTIN et al., 2020). Além de mensurar o gasto energético, fornece dados clínicos úteis ao ajuste de dietas e monitoramento da evolução (ACHAMRAH et al., 2021; DIAS et al., 2009; KRAVCHYCHYN et al., 2011; BYERLY e YEH, 2022).
Diante disso, o presente estudo compara os valores da CI com os obtidos pela fórmula de bolso em pacientes críticos e propõe um protocolo institucional viável para uso da CI em UTIs, com base em diretrizes atualizadas e evidências práticas.
[2] Metodologia
[2.1]
Estudo de coorte
Realizou-se um estudo de coorte retrospectivo por meio da análise de prontuários eletrônicos de pacientes adultos (>18 anos) internados em uma UTI do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre, que realizaram calorimetria indireta entre setembro de 2023 e junho de 2024. O cálculo amostral indicou a necessidade de 60 pacientes, considerando nível de significância de 5% e poder de 90%, com base nas variáveis: tempo de UTI, tempo em VM e aporte calórico na primeira semana (CASTRO et al., 2013). Foram coletadas as seguintes variáveis: idade, sexo, comorbidades, motivo da internação, presença de risco nutricional e desnutrição, valor calórico estimado pela CI e pela fórmula de bolso. O percentual de adequação foi calculado conforme: % = (valor da fórmula de bolso × 100) / valor da CI. A mensuração do gasto energético foi realizada conforme rotina da instituição, utilizando o aparelho Datex-Ohmeda S/5-Compact Airway Module (modelo MCAIVX, Finlândia). Para garantir a precisão dos dados, foram adotados critérios de estabilidade: ausência de vazamentos no circuito, ausência de febre, FiO₂ ≤ 0,6, ausência de diálise e calibragem adequada. Aguardou-se 120 minutos para estabilização antes da leitura. Foram excluídos prontuários com dados incompletos. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética do hospital (CAAE 79230724.2.0000.5335).
[2.2] Elaboração do Protocolo
Com base na literatura científica (ESPEN, ASPEN e BRASPEN) e nos dados da coorte analisada, foi proposto um protocolo prático institucional para orientar o uso da calorimetria indireta na UTI. O protocolo contempla critérios de inclusão e exclusão, frequência de mensuração e diretrizes para prescrição calórica faseada, considerando a fase clínica do paciente.
[2.3]
Análise estatística
As variáveis quantitativas foram descritas por média e desvio padrão; as qualitativas, por frequências absoluta e relativa. As comparações entre calorias estimadas pela fórmula de bolso e pela CI foram feitas pelo teste t de Student pareado. O percentual de adequação foi comparado entre os grupos por teste t independente ou ANOVA. A associação entre variáveis categóricas foi avaliada pelo teste qui-quadrado de Pearson. Adotou-se nível de significância de 5% (p < 0,05). As análises foram
realizadas com o software SPSS v.27.0.
[3] Resultados e interpretações
[3.1] Estudo de coorte
Foram incluídos 23 pacientes. A amostra prevista não foi atingida no período devido à limitação operacional, com apenas um equipamento disponível para realização da calorimetria indireta no hospital. As características da amostra estão descritas na Tabela 1. A média de idade foi de 55,1 anos (±7,3), com predomínio de adultos não idosos (69,6%) e do sexo feminino (52,2%). A maioria encontrava-se na fase crônica da doença (73,9%) e apresentava algum grau de desnutrição (82,6%). As comorbidades mais frequentes foram hipertensão arterial sistêmica (52,2%) e diabetes mellitus (17,4%). Em relação ao QR, 65,2% apresentaram valores abaixo de 0,85. A fórmula de bolso subestimou significativamente as calorias em ambos os sexos, faixas etárias, fases da doença (aguda e crônica), em pacientes com desnutrição moderada e com QR < 0,85. No entanto, os percentuais de adequação foram semelhantes entre os grupos analisados, não havendo um perfil que demonstre maior subestimação (Tabela 2). Destaca-se que os pacientes com desnutrição moderada e aqueles com QR < 0,85 apresentaram as maiores diferenças entre as médias calóricas estimadas pela fórmula de bolso e pela calorimetria. Ainda assim, de forma geral, os percentuais de adequação foram comparáveis entre os grupos, sugerindo que a subestimação não se restringe a um perfil clínico específico.
A Tabela 3 apresenta a associação entre diagnóstico nutricional e QR. Observou-se alta prevalência de desnutrição (moderada e grave) nos pacientes com QR < 0,85 (82,6%). Entre os com QR > 0,85, a prevalência foi menor (75%). Não houve associação estatisticamente significativa entre essas variáveis.
[3.2] Quanto ao desenvolvimento do Protocolo:
Com o objetivo de padronizar a prática clínica e qualificar o uso da calorimetria indireta em pacientes críticos, foi desenvolvido um protocolo baseado nas diretrizes das sociedades BRASPEN, ASPEN e ESPEN (CASTRO et al., 2023; MCCLAVE et al., 2016; SINGER et al., 2023). O protocolo contempla critérios de elegibilidade para a realização da calorimetria indireta, orientações para o cálculo das necessidades calóricas e proteicas além de interpretação e aplicação dos dados obtidos pela calorimetria. A proposta visa garantir que
TABELA 1
Tabela 1 Caracterização da amostra 5 6
Caracterização da amostra
Variáveis
Idade (anos) – Média ± DP
Faixa etária – n(%)
<60 anos
≥ 60 anos
Sexo – n(%)
Feminino
n=23
55,1 ± 7,3
16 (69,6)
7 (30,4)
12 (52,2)
Masculino 11 (47,8)
Tipo – n(%)
Agudo
6 (26,1)
Crônico 17 (73,9)
Diagnóstico nutricional – n(%)
Bem nutrido 4 (17,4)
Desnutrição moderada 17 (73,9)
Desnutrição grave 2 (8,7)
Comorbidades – n(%)
DM 4 (17,4)
HAS 12 (52,2)
QR – Média ± DP
Classificação QR – n(%)
7 8
(34,8)
TABELA 2
Tabela 2 Comparação da Fórmula de bolso com a calorimetria 9 10
Comparação da Fórmula de bolso com a calorimetria
Variáveis Fórmula de bolso Calorimetria % de adequação Pdiferença intragrupo Pdiferença intergrupos
TABELA 3
Tabela 3. Associação entre diagnóstico nutricional e QR
Associação entre diagnóstico nutricional e QR
Diagnóstico nutricional QR < 0,85 QR > 0,85 p n (%) n (%)
Bem nutrido 2 (13,3) 2 (25,0)
Desnutrição moderada
11 (73,3) 6 (75,0) 0,478
Desnutrição grave 2 (13,3) 0 (0,0) 15 16
a oferta energética seja ajustada à real necessidade dos pacientes, promovendo maior segurança e efetividade na terapia nutricional.
As sociedades nacionais (CASTRO et al., 2023) e internacionais (SINGER et al., 2023; MCCLAVE et al., 2016) possuem um consenso quanto à utilização da CI como método padrão para definir o gasto energético de pacientes críticos. A ESPEN (SINGER et al., 2023) enfatiza que pacientes criticamente enfermos sob ventilação mecânica, o gasto energético deve ser determinado por meio de CI. Na ausência de CI, embora o documento não as nomeie, as equações preditivas são indicadas. Deve ser considerado uma nutrição hipocalórica (inferior a 70% das necessidades estimadas) na 1ª semana de internação na UTI, e, em seguida, após o 3º dia, aumentar este valor em até 80-100% das necessidades. A diretriz da BRASPEN (CASTRO et al., 2023) para o suporte nutricional em pacientes críticos é semelhante as internacionais, destacando a importância de uma abordagem individualizada para a estimativa das necessidades energéticas. Segundo os especialis-
tas, a CI é o método padrão-ouro para a avaliação do gasto energético dos pacientes críticos, devendo ser empregada sempre que disponível, e, na sua ausência, a fórmula de bolso parece ser superior ao uso de equações preditivas.
A Tabela 4 resume e compara as principais recomendações das diretrizes da BRASPEN, ASPEN e ESPEN para a terapia nutricional em pacientes críticos. Estão descritos os critérios de elegibilidade, a progressão da oferta energética, o tempo para início da nutrição parenteral, as metas calóricas para pacientes obesos e as necessidades proteicas conforme diferentes perfis clínicos. Essa comparação permite observar semelhanças e diferenças entre as sociedades quanto à conduta nutricional, auxiliando na escolha de estratégias baseadas em evidências e adaptadas ao contexto assistencial. Ressalta-se que as sociedades compreendem a dificuldade da disponibilidade do aparelho nas Instituições, e assim definem alguns critérios de elegibilidade para priorização de grupos específicos que mais se beneficiariam da avaliação.
QUADRO 1
Quadro 1. Recomendações das sociedades quanto ao uso da CI 17 18
Recomendações das sociedades quanto ao uso da CI.
Critério/ Recomendações BRASPEN ASPEN ESPEN
Grupos com prioridades
- Pacientes críticos em UTI
- Pacientes com IMC>30 kg/m²
- Pacientes em condições crônicas graves
- Pacientes em ventilação mecânica
Progressão da oferta energética
- Iniciar com 50-70% do gasto energético
- Atingir 100% em 5 -7 dias
- Ajustes conforme
- Pacientes em estados metabólicos alterados
- Pacientes obesos
- Pacientes com doenças crônicas
- Pacientes em ventilação mecânica
- Pacientes com risco nutricional elevado
- Pacientes com sepse, trauma e queimaduras
- Pacientes muito obesos
- Pacientes desnutridos
- Paciente gravemente enfermos em ventilação mecânica
- Iniciar com 50-70% do gasto energético
- Atingir 100% entre o 4º e 7º dia
- Refazer calorimetria
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- 1ª semana: hipocalórica: < 70% do gasto energético
- Após 3º dia: aumentar em até 80-100% do gasto
- Pacientes em condições crônicas graves
- Pacientes em ventilação mecânica
Progressão da oferta energética
- Iniciar com 50-70% do gasto energético
- Atingir 100% em 5 -7 dias
- Ajustes conforme tolerância e complicações
Tempo para início da
Nutrição
Parenteral
Após 5 a 7 dias em pacientes que não conseguiram atingir aporte calórico proteico > 60% por via digestiva.
- Pacientes de alto risco nutricional ou com desnutrição grave e que não possam utilizar a NE: NP precoce.
crônicas
- Pacientes em ventilação mecânica
Necessidade de Proteína Geral: 1,5-2,5g/kg/dia
PACIENTE NÃO
OBESO: 1.2-2.0 g/kg/dia, com aumento para pacientes em alto catabolismo e redução para pacientes renais.
PACIENTE OBESO: 2g/PTN/Kg de peso ideal/dia, caso IMC entre 30-40 kg/m2, e até 2,5g/PTN/Kg de peso
- Iniciar com 50-70% do gasto energético
- Atingir 100% entre o 4º e 7º dia
- Refazer calorimetria indireta após 3-4 dias para ajuste da oferta
- Pacientes com baixo risco nutricional que não toleram a NE: após 7 dias de internação.
- Pacientes desnutridos ou em risco de desnutrição: entre 3-5 dias, se a NE não for viável.
- Pacientes gravemente enfermos: Não iniciar suplementação parenteral suplementar antes do 7º dia da admissão na UTI.
- Pacientes muito obesos
- Pacientes desnutridos
- Paciente gravemente enfermos em ventilação mecânica
- 1ª semana: hipocalórica: < 70% do gasto energético
- Após 3º dia: aumentar em até 80-100% do gasto
- Atingir meta completa em até 4-5 dias
- Pacientes bem nutridos: após 7 dias de internação sem sucesso na NE - Pacientes com desnutrição ou risco nutricional elevado: entre 3-5 dias, se não for possível administrar a NE.
Se a NE for temporariamente impossível: iniciada precocemente(<48h), especialmente em pacientes com desnutrição.
Pacientes com baixo ou alto risco nutricional: após 7-10 dias se não conseguirem atingir >60% das necessidades energéticas e proteicas apenas pela via enteral.
Geral: 1,2-2g/kg/dia Geral: 1,3-1,5g/kg/dia
PACIENTE OBESO: 1,3g/kg de peso ajustado/dia
PACIENTE COM TRAUMA : 1,52g/kg/dia
PACIENTE SÉPTICO: 1,2g/kg/dia:
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Necessidade de Proteína Geral: 1,5-2,5g/kg/dia
PACIENTE NÃO
OBESO: 1.2-2.0 g/kg/dia, com aumento para pacientes em alto catabolismo e redução para pacientes renais.
PACIENTE OBESO:
2g/PTN/Kg de peso ideal/dia, caso IMC entre 30-40 kg/m2, e até
2,5g/PTN/Kg de peso ideal/dia a, se IMC> 40 kg/m2
PACIENTES EM HEMODIÁLISE: 2,5g/kg/dia
após 7-10 dias se não conseguirem atingir >60% das necessidades energéticas e proteicas apenas pela via enteral.
Geral: 1,2-2g/kg/dia Geral: 1,3-1,5g/kg/dia
PACIENTE OBESO: 1,3g/kg de peso ajustado/dia
PACIENTE COM TRAUMA : 1,52g/kg/dia
PACIENTE SÉPTICO: 1,2g/kg/dia: 19 20
Com base nos achados, propõe-se um protocolo prático com critérios de elegibilidade, inclusão e exclusão, bem como direcionamento da terapia nutricional em pacientes críticos internados em uma unidade de terapia intensiva a qual dispõe do aparelho para avaliação.
[3.3] Sugestão de Protocolo
Assistencial para uso da calorimetria indireta em pacientes críticos:
[3.3.1] Objetivo
Estabelecer critérios e condutas padronizadas para a utilização da calorimetria indireta em pacientes críticos, a fim de orientar a prescrição nutricional baseada em dados metabólicos reais e individualizados.
[3.3.2.] Critérios de Inclusão
dos seguintes critérios:
• Politrauma ou queimaduras graves;
• Pós-operatório de cirurgia de grande porte;
• Obesidade com IMC > 30 kg/m²;
• Desnutrição grave;
• Dificuldade na aferição de peso corporal;
• Uso de nutrição parenteral;
• Idosos.
Pacientes críticos adultos com idade ≥ 18 anos, sob ventilação mecânica, que atendam a pelo menos um 5
[3.3.3] Critérios de Exclusão
A realização do exame de CI deverá ser contraindicada nas seguintes situações:
• Fração inspirada de oxigênio (FiO₂) superior a 0,6;
• Vazamentos em sistema de ventilação ou drenos torácicos;
• Uso de dispositivos de oxigenação extracorpórea (ECMO);
• Gestantes e nutrizes;
• Terapia renal substitutiva em curso;
• Alterações em parâmetros ventilatórios até 1 hora antes ou durante o exame;
• Pressão positiva expiratória final (PEEP) > 10 cmH₂O;
• Alterações de 20% ou mais em infusão de vasopressores, sedativos ou analgésicos até 1 hora antes ou durante o exame.
[3.3.4] Conduta Nutricional com Base na CI
[3.3.4.1] Calorias
• Dias 1 a 4: ofertar entre 50 a 70% do valor calórico obtido pela CI.
• A partir do 5º dia: progredir até 100% do valor da CI, conforme tolerância e evolução clínica.
[3.3.42] Proteínas
• Não obesos: 1,2 a 2,0 g/kg/dia;
• Obesos com IMC entre 30–40 kg/m²: 2,0 g/kg de peso ideal/dia;
• Obesos com IMC > 40 kg/m²: 2,5 g/kg de peso ideal/dia;
• Pacientes em hemodiálise: 2,5 g/kg/dia.
[3.3.5] Reavaliação
A calorimetria indireta deverá ser repetida de 2 a 3 vezes por semana. Recomenda-se nova medição nas seguintes situações:
• Alteração clínica relevante;
• Mudança na via de administração da terapia nutricional;
• Instabilidade metabólica significativa.
[4] Discussão
Este estudo demonstrou que a utilização de fórmulas preditivas, como a fórmula de bolso, subestima o gasto energético em pacientes críticos, especialmente em subgrupos como pacientes desnutridos e com QR < 0,85. Esses achados reforçam a necessidade do uso de métodos mais precisos para a determinação do gasto energético, como a calorimetria indireta (CI), conforme recomendado por diversas diretrizes internacionais.
De Waele et al. (2021) destacam que as equações preditivas apresentam baixa correlação com os valores obtidos por CI, reforçando a necessidade de sua incorporação como padrão de cuidado em terapia nutricional na UTI. Os autores também enfatizam que a variabilidade
do metabolismo durante a internação exige medidas repetidas para adequação da oferta calórica ao longo do tempo. Esses dados vão ao encontro dos nossos achados, que demonstram inadequação importante entre o valor estimado e o medido, com subestimação média de 15,1%. Wischmeyer et al. (2021) também defendem que a ausência de dados objetivos dificulta a individualização da terapia nutricional e contribui para a perpetuação da desnutrição iatrogênica nas UTIs. Segundo os autores, a utilização rotineira da CI permite ofertar a nutrição na dose certa, para o paciente certo, no momento certo, promovendo desfechos clínicos mais favoráveis.
Moonen et al. (2021) reforçam que o gasto energético varia significativamente ao longo da internação, sendo mais baixo na fase aguda e aumentando nas fases posteriores. A CI, portanto, é essencial para ajustar a terapia nutricional às mudanças fisiometabólicas progressivas, sobretudo em pacientes com risco de superalimentação precoce ou em catabolismo severo. Esse aspecto é especialmente relevante para o nosso achado de subestimação maior em pacientes com QR < 0,85, sugerindo que a produção energética endógena ainda predominava nessa fase.
O estudo de Van Zanten et al. (2019) traz uma visão ampla sobre o papel da terapia nutricional ao longo de toda a trajetória do paciente crítico — da UTI até a convalescença. Os autores afirmam que a CI é a ferramenta ideal para definir metas calóricas a partir da fase pós-aguda, devendo ser usada rotineiramente quando disponível. Essa recomendação se alinha ao nosso protocolo proposto, que sugere o uso sistemático da CI a partir da estabilização hemodinâmica.
Berger et al. (2024) oferecem um tutorial prático sobre a interpretação de resultados da CI e ressaltam a importância do QR na tomada de decisão clínica. Os autores enfatizam que o QR pode indicar sobrealimentação ou subalimentação e deve ser considerado na individualização da prescrição nutricional. Isso reforça a relevância de termos incluído o QR como critério de inclusão no protocolo institucional.
Wischmeyer et al. (2023), em uma revisão com recomendações práticas, reforçam que a oferta calórica deve iniciar com cerca de 70% da taxa metabólica medida na fase aguda, avançando para 100% conforme a estabilidade clínica. Tal recomendação foi integralmente incorporada ao nosso protocolo, alinhando a prática local às diretrizes internacionais.
Por outro lado, Gunst et al. (2023) lançam um olhar crítico sobre a aplicação da CI na fase aguda. Os autores argumentam que a utilização de 100% da taxa metabólica medida por CI na fase inicial pode não trazer benefício clínico e que mais estudos são necessários para elucidar o impacto real da CI sobre desfechos, especialmente nos primeiros dias de internação. Esses dados nos reforçam a cautela em iniciar com 50-70% do valor medido — estratégia também adotada em nosso protocolo.
O estudo de Tah et al. (2022) questiona a necessidade de diferentes equações preditivas para as fases aguda e tardia, concluindo que uma única equação bem ajustada pode ser suficiente. No entanto, mesmo com essa abordagem, a acurácia máxima foi de 85%, inferior ao que pode ser alcançado com a CI. Isso corrobora com nosso achado de que a fórmula de bolso apresenta inadequações relevantes, especialmente em perfis metabólicos extremos, como obesidade e desnutrição grave.
Estudos baseados em CI dentro da UTI demonstram que o gasto energético do doente grave aumenta ao longo da primeira semana de internação. Um estudo, realizado com CI, demonstrou que pacientes que receberam por volta de 70% dos valores obtidos na CI tiveram melhor desfecho em termos de sobrevida (ZUSMAN et al., 2016). Assim, parece evidente que há relação entre o cálculo real de necessidades nutricionais realizado pela CI e pelas equações preditivas. Desse modo, o déficit nutricional e complicações como perda de força muscular, comprometimento da função imunológica, úlceras por pressão, entre outros, estão relacionados à desnutrição e a piores desfechos clínicos.
Por outro lado, a superalimentação também apresenta altos riscos nutricionais, e tem sido ligada a problemas como aumento das demandas ventilatórias, infecções, hiperglicemia, etc. A superalimentação ou subalimentação pode ser tolerada por curtos períodos, mas, em casos de internações prolongadas, pode prejudicar os desfechos de pacientes em estado crítico, conforme o estudo realizado por Pierre Singer e Joelle Singer (2015). Pierre Singer e Joelle Singer (2015) definem que a CI deve ser utilizada para medir o gasto energético em pacientes ventilados em pacientes que permanecerão na UTI por mais de 5 dias e que necessitam de suporte nutricional. Isso ajudará a evitar desnutrição ou superalimentação.
A CI à beira do leito é cada vez mais valorizada como o método mais preciso para avaliar as necessidades energéticas na maioria das condições clínicas. Esse recurso evita tanto a subnutrição quanto a supernutrição. A importância desse método tem crescido, pois, estudos que utilizam a calorimetria indireta para ajustar metas energéticas mostram uma melhoria nos resultados clínicos. Grandes sociedades como ASPEN, ESPEN E BRASPEN e diversos outros estudos recomendam a utilização da CI sempre que possível. Quando aplicada de forma adequada, essa prática oferece uma avaliação mais precisa das necessidades energéticas dos pacientes críticos, sendo uma ferramenta importante para otimizar a terapia nutricional em UTIs e melhorar os desfechos clínicos.
[5] Considerações finais
A calorimetria indireta reafirma-se como o método mais preciso e recomendado para a estimativa das necessidades energéticas em pacientes críticos internados
em unidade de terapia intensiva. Este estudo demonstrou que, mesmo fórmulas práticas como a fórmula de bolso, frequentemente utilizadas na ausência de equipamentos, subestimam de forma significativa o gasto energético, sobretudo em subgrupos mais vulneráveis como pacientes desnutridos e com metabolismo predominantemente lipídico (QR < 0,85). Os achados sustentam a adoção de um protocolo clínico institucional baseado em critérios de elegibilidade e exclusão, orientando o uso da CI de forma segura e embasada nas principais diretrizes internacionais. A implementação desse protocolo representa um avanço na personalização da terapia nutricional, reduzindo riscos de subalimentação ou superalimentação e favorecendo melhores desfechos clínicos.
Dessa forma, recomenda-se que instituições que disponham do recurso incorporem a CI de forma sistemática e, quando indisponível, priorizem seu uso em populações de maior risco nutricional. Estudos futuros, com maior número de pacientes e avaliação de desfechos clínicos, podem fortalecer ainda mais as evidências para adoção plena deste método como ferramenta padrão de cuidado nutricional em UTIs
[6] Conflito de interesse
Não existem conflitos de interesse.
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