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Frito

CONTOS AO ENTARDECER

Na cozinha de um apartamento pequeno, alugado no centro da cidade, dois ovos estalavam, mergulhados no óleo, que agora fervia e teimava em querer queimá-los. A não ser esses dois sofredores elementos unicelulares, não havia ninguém mais na cozinha.

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Mas, adentrando o apartamento, que vamos ocasionalmente chamar de “kitinete”, vemos uma pequena copa, onde mal cabe a mesa quadrada de quatro cadeiras (e onde só se vê duas), passamos por um corredorzinho de mais ou menos 1 metro, até chegar à única suíte – ou quarto com um banheiro minúsculo – do “ap”. Sobre a cama, esticado como uma cobra inerte sobre o asfalto quente, jaz um rapaz branco como o sal, de estatura média, cabelos avermelhados e desgrenhados, olhando fixamente para o teto e cantarolando alguma coisa dos Beatles. Conheça Fred, carinhosamente conhecido como “Fred Fritz”, pelos amigos.

Fred veio de uma cidade do interior, a fim de fazer cursinho e prestar vestibular para odontologia, como sonhava a senhora sua mãe, Dona Rosa. O pai sempre quis que o filho continuasse seu legado, cuidando da fazenda e do gado. Mas, isso, ficou para a irmã de Fred, Madalena, que mais tinha o jeitão do pai do que a graça e meiguice da mãe. Mas, isso não é e nunca foi problema para eles. Fred sempre foi muito desligado, mesmo, com as questões da fazenda e a família achava que Madalena havia feito sua escolha. Ele curtia estar lá, descansando, fumando seus baseados, mas “trabalhar de peão, de jeito nenhum!”, dizia, quando indagado. Odontologia já estaria mais ao seu alcance e gosto. E, agora, em seus 19 anos de idade, vivia a vida que sempre quis: morava sozinho em um apezinho que não dava tanto trabalho, tinha seu carrinho pra andar com a namorada, tinha sua conta bancária sempre no positivo e, ainda por cima, era descolado. Só havia um probleminha com Fred: ele era frito, tão frito quanto os ovos que agora queimavam na frigideira e espalhavam fumaça e cheiro de queimado por toda a kitinete. - Porra, os meus ovos!!! – disse, com surpresa, Fred, enquanto pu-

Ao chegar na cozinha em poucos passos, já era tarde. Os ovos estavam pretos, torrados e intragáveis. E, o pior: era a única coisa que Fred tinha para comer, naquela manhã.

Naquele domingão de pura preguiça, Fred não teve outra saída, a não ser ir à panificadora, comprar alguma coisa pra comer. Um lanche rápido, com uma coca-cola estaria ótimo. A panificadora fica a 2 quadras e meia de seu prédio, mas dá bem para ir a pé. E foi o que ele fez.

- Bom dia, seu João. Três pães, duzentos gramas de presunto e o mesmo tanto de mussarela, mais a coca-cola 600.

Após um cálculo rápido de cabeça, seu João diz o valor: - São 9 reais, Frederico.

Fred enfiou as mãos em um dos bolsos e lembrou-se de ter esquecido de pegar o dinheiro. Sem graça, confessou isso ao dono da panificadora. Como era conhecido há mais de um ano por ali, seu João não titubeou em deixá-lo pagar no dia seguinte, já que iria fechar a panificadora naquele instante. Sendo assim, Fred agradeceu e voltou para casa. Mas, para sua surpresa, ao pegar as chaves para abrir a porta... viu que havia esquecido as compras na panificadora. Até que tentou, correu, mas em vão: ao chegar na porta do estabelecimento, ele já estava fechado. “Puta que pariu! Que velho apressado, pô!”.

Um domingo sem nada pra comer... Era só o que faltava. O jeito seria pegar o carro e ir a um restaurante. A não ser que... “Claro! Vou ligar pra Amanda e pedir para que ela me traga um lanche!” Ter uma

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CONTOS AO ENTARDECER namorada sempre salva. E foi o que aconteceu, naquele dia, mesmo que Amanda estivesse estudando – e muito – para a prova que faria no meio daquela semana. A boa notícia é que ela passou.

Outro dia, Fred e Amanda estavam em um shopping, para que ela pudesse comprar um vestido novo, que havia visto antes numa das lojas e, simplesmente, se apaixonado por ele. Mas, apesar de já tê-lo em vista, e por ser natural em uma mulher, ela queria que queria ver outras novidades que haviam chegado. Fred, por mais paciência que tem, nunca curtiu muito ficar dentro de uma loja cheia de mulheres consumistas e com conversas sem qualquer interesse masculino. Sendo assim, ele disse à namorada que iria procurar algo de seu interesse no shopping. Se ela precisasse dele, que ligasse em seu celular. Combinados e beijados, Fred saiu por entre os mostruários da loja.

Ele entrou em uma loja de artigos musicais e ficou por pouco tempo, até encontrar um Box especial de sua banda predileta: Pink Floyd. Comprou-o, afinal, se as mulheres podem gastar com o que gostam, por que não os homens, também?

Cerca de quarenta minutos depois, quando já cruzava os portões de saída, o celular de Fred toca. Ele não olha no visor o número que o chama, e quando o atende, a surpresa: - Amorzinho, onde

MOZART J. FIALHO você está? Já finalizei, aqui na loja, ta bom?

Dizendo um pouco sonoro “já to indo”, ele imediatamente dá ré em seu carro, parando, por incrível que pareça, corretamente em uma vaga, mas não a anterior, onde havia estacionado quando chegaram. Por causa disso, depois, no caminho de volta, teve que ouvir Amanda perguntando, o tempo todo, “por que o carro não estava no mesmo lugar?”.

Uma baguncinha ou outra, na cozinha, é bastante normal, mas, tratando-se de Fred, a coisa passa dos limites. Num final de semana desses, juntou alguns amigos em sua pequena “toca”, como dizia, além de Amanda, a fim de apreciarem uma bela macarronada, coisa que Fred, modesta e talvez unicamente, sabia fazer com perfeição. Pelo menos, até aquele dia.

Após ferver o macarrão, já temperado ao seu modo, e finalizando o molho “de receita secreta”, Fred preparou o escorredor para despejar o macarrão e separá-lo da água. Ele não sabe, até hoje, como, mas a caçarola do macarrão esbarrou na borda da pia, escapulindo das mãos do rapaz que, desesperadamente, tentou segurá-la. Uma de suas mãos, completamente “bêbada”, bateu desajeitadamente na caçarola, fazendo ela girar de “boca” para baixo e jogando todo o macarrão, e água, no chão. Para completar, no susto, Fred escorregou e caiu de costas no chão, soltando um sonoro “ai, caralho!”. A interjeição levou todos os que estavam no cômodo ao lado para a cozinha. Logicamente, ninguém conseguiu conter as gargalhadas com a peripécia do amigo frito.

Quando alguém o pergunta se ele não está a fim de procurar um psicólogo, ele simplesmente diz: “se eu não puder controlar a mim mesmo, não ser meu próprio psicólogo, não conseguir conviver com meus erros e acertos, não é outra pessoa que conseguirá.” E pronto.

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CONTOS AO ENTARDECER Mas, apesar de todas as suas falhas e mancadas, Fred é um garoto muito simples, que adora coisas simples, e que é rodeado por amigos que gostam muito dele, mesmo sendo o frito que é.

Fred “Fritz”, o cara mais frito do planeta.

Postado em 19 de Outubro de 2011

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