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Mensagem Incomum
Olá.
Meu nome é Anderson e estou no ano de 2114. Pode parecer-lhe estranho, mas sim, você está testemunhando uma mensagem que veio do futuro.
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Não sei nas mãos de quem o meu gadget1 vai cair, mas aos poucos você verá que a tecnologia da minha era é muito diferente e muito além do ano que você está, provavelmente, 2021. Assim como a sua tecnologia estava muito além dos primeiros anos de 1900. Interesso-me muito pela História de Gaia, ou Terra, como vocês ainda a chamam, por isso, conheço tanto sobre a humanidade antiga.
Mas, vamos lá. Sei o porque escrevo estas palavras, e no final da carta você também entenderá o significado dela estar em suas mãos. Mas, antes de continuar, obrigado por estar lendo e por fazer o que irá fazer.
Posso começar falando a respeito de como lemos livros, na nossa realidade. Não, não existem mais papeis, objeto banido por volta de 2086, pela extinção da matéria prima, ou seja, as árvores. Hoje, o “papel”, propriamente dito, é uma lâmina finíssima, obtida por meio de nanotecnologia – que avançou muito, aliás, a partir dos anos 2030 –, a qual transmite qualquer tipo de informação ou ilustração, imagens ou vídeo que você imaginar. No caso dos livros, as cenas são projetadas em torno do leitor em forma de hologramas, fazendo com que ele assista o desenrolar da trama, e não só as imagina. A coisa se torna ainda mais interessante quando o modelo de lâmin (assim chamamos a lâmina, nosso papel) permite que você selecione entre os modos padrão e pessoal de leitura: no primeiro, os personagens, carros, enfim, tudo no livro, vai de acordo com o pensamento do autor/autora. No 1 Em português, gadget significa “aparelho”. Um MP3 Player, por exemplo, é um gadget. No caso deste conto, trata-se da lâmina encontrada pelo personagem, com a mesma textura de uma chapa de raio-X, pela qual pode-se ler textos, ver as imagens e ouvir os áudios pré-gravados.
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MOZART J. FIALHO segundo modo, as imagens que aparecem vão de acordo com o que você imagina serem os cenários e personagens. Interessante, não é? Espere, que vem mais.
E por falar no fim do papel, em decorrência da drástica redução de árvores no decorrer dos anos, e piorado a partir de 2050, o que dizer do petróleo, não é? Ambas as reduções trouxeram problemas irreparáveis para a humanidade, mas, especialmente para a fauna e a flora do planeta. E também para a própria geologia. Aliás, o nome Terra foi alterado para Gaia como uma espécie de homenagem à ideia de que o planeta tem vida própria, nunca dependeu do ser humano, quando a verdade é o contrário, e uma tentativa de, d’agora para frente, tentar fazer deste planeta um lugar como antes. Mas, isso é outra história.
Com a redução das árvores, a fauna diminuiu praticamente cem porcento. Ver um animal, hoje em dia, só se forem baratas e algumas espécies de moscas. Aliás, há variantes de ambas que podem causar a morte de um ser humano, devido à quantidade de vírus que carregam. Mesmo existindo vacinas próprias e gratuitas, ainda há pessoas que são vítimas desses insetos inquietantes. Outra forma de se ver um animal é frequentando um museum, que hoje são as salas de cinema do passado, mas sem comparações. Há uma espécie de salão, gigantesco, no qual podem entrar até 250 pessoas, as quais irão ver os mesmos animais em hologramas. Animais-robôs não deram certo, nos anos de 2070, pois começaram a se rebelar contra alguns visitantes. Estranho, talvez ficção científica, mas verdade. Em dois ataques em dois dias seguidos, foram mortos 12 visitantes, então, passaram a desmontar os animais-robôs.
Robôs, aliás, são uma realidade em 2114. Os robotics, vulgarmente chamados de humanóides, trabalham e servem bem à comunidade. Até mesmo aos menos afortunados. Claro, foram anos e anos de aperfeiçoamento, até que se chegassem aos modelos de hoje. Seguros, confiáveis, mas limitados na tecnologia de I.A., justamente para evitar os problemas havidos no passado. Em 2096, um cientista
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CONTOS AO ENTARDECER renomado de Gaia desenvolvera um microchip que aumentou a I.A. em 96%, dando aos robôs praticamente mais inteligência e independência que a grande maioria dos seres humanos. Dois políticos foram assassinados por seus seguranças robotics; uma indústria teve todo o seu sistema de dados modificado; uma pequena cidade de 800 mil habitantes teve sua administração tomada por um humanoide que se autoproclamou “O Salvador”... Enfim, fora outros agravantes, o dr. Mack (esse era o nome do cientista) teve muito trabalho para reverter toda a programação. Não queriam desperdiçar o dinheiro investido nos robôs e nos chips, por isso, ao invés de destruí-los, preferiram atualizá-los. O bom é que deu certo. Mas, com os animais, partiram para outra tecnologia, a de holograma, que vem sendo usada e aperfeiçoada desde os anos de 2040, quando ainda se usavam smartphones. Os antigos e há muito defasados smartphones.
Hoje, não usamos mais smartphones. Será difícil entender, aí em 2021, como nos comunicamos hoje em dia. Mas, vamos lá: há uma tecnologia já de cinquenta e poucos anos, onde uma espécie de tela é posicionada à sua frente, e na qual você pode ler, ver e conversar com outras pessoas. Essa tela, chamada micronium, é acionada por meio de objetos como o seu anel (qualquer anel de hoje possui o recurso), de um relógio, de uma luva específica, óculos, enfim, vários tipos de objetos dotados de um pequeno dispositivo, como uma microcâmera, que projeta a imagem capturada do dispositivo interlocutor bem à sua frente. Tecnologia barata e acessível a todo ser vivo de Gaia. Inclusive, possui versões com sensores para surdos e mudos. Só não a usa quem não quer.
Televisões. Ah, os velhos e obsoletíssimos aparelhos de TV. Não existem mais. Assim como os livros, os programas, noticiários e filmes são assistidos em hologramas. Conforme a aparelhagem que possuir em casa – na verdade, somente um pequeno dispositivo do tamanho de uma caixa de 5 litros – o vivenciador (e não mais telespectador) pode ter sensações da programação, como cheiro, temperatura e pressão atmosférica no momento e local da gravação. Ah, a maioria
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MOZART J. FIALHO delas hoje é feita ao vivo. Gravações em estúdios, como antes, são raríssimas. Mas, ainda existem filmes antigos que podem ser assistidos com essa tecnologia. Até mesmo alguns de sua era foram convertidos para o nosso sistema.
O outro motivo de conhecermos tanto o nosso passado e antepassados irá deixa-lo perplexo com certeza, mas irei dizer e, creio, será um dos motivos de esta carta começar a mudar algumas coisas para que o futuro seja como eu vivo o meu hoje.
Em todas as épocas, algumas pessoas eram “agraciadas” com avistamentos de naves extraterrestres. Aliás, pela sua época, o certo é dizer que “até hoje são”. O fato é que estas naves não são, exatamente, extraterrestres. De certa forma, sim, na verdade, pois conseguiram colonizar Marte. Sim, colonizaram Marte! Ainda não é lá essas coisas, mas há muita gente se mudando para lá, apesar de algumas restrições.
Bom, irei por etapas: a humanidade conseguiu colocar os primeiros suprimentos, acessórios e construir bases em Marte por volta de 2075. Cerca de 15 anos antes, já possuíamos uma base lunar, a partir da qual foi possível alcançarmos o antigo “planeta vermelho” com mais rapidez. Isso, sem contar na tecnologia que tem sido empregada, e a empresa responsável por isso é de um homem muito conhecido em seu tempo, proprietário e criador também de uma empresa de carros elétricos. Aliás, a empresa dele colaborou muito, junto a outros órgãos espaciais de sua era, para o avanço de tudo o que conheço hoje.
Graças aisso, em 2080 já existiam humanos morando em Marte e, deles, nascendo os primeiros marcianos.
Alguns pesquisadores da colônia UM, a pioneira em Marte, encontraram uma pedra, diferente de todas já conhecidas na Terra/ Gaia, a partir da qual conseguiram obter energia para, acredite, viajar no tempo e no espaço. Em poucos anos, construíram um protótipo que fez as primeiras viagens. É estranho eu dizer isso com tanta naturalidade, mas para mim é natural demais esse tipo de viagem.
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CONTOS AO ENTARDECER Eu mesmo já estive na Terra em duas ocasiões e épocas diferentes. Existem empresas que fazem turismo, e o passado de Gaia, a Terra, traz muito interesse à maioria das pessoas. É muito curioso ver as diferentes épocas, as diferentes civilizações e costumes dos humanos. Disputas por tanta coisa, desde coisas grandes a coisas pequenas, banais, mas que acabaram por constituir o que hoje, na minha época, é o ser humano. Você não faz ideia de como é viver hoje. E graças a vocês, num contexto geral.
Então, as naves, os UFOs que vocês avistam, na verdade, são os wide transports que o mundo hoje tem disponível. Vão para qualquer lugar e qualquer época, depende da programação que você escolher. Como vocês, em sua época, escolhem fazer um cruzeiro de navio, mas respeitando-se as proporções, claro. Por que nunca pousamos? Imagine se fizéssemos isso? Imagine, você, termos que explicar tudo e acabarmos desacreditados e colocados num reformatório... “E a nave...”, você perguntaria, “não serviria como prova?”. Vou tentar explicar: em sua época, e em épocas anteriores à sua, os governos são muito autoritários e controladores. A política é uma fonte de dinheiro e poder, e o poder nunca foi bom ao homem. O corrompe, destrói círculos de amizades, o coloca em um patamar onde ele acha ser o dono do mundo, quando na realidade, o mundo é de todos. A igreja é outro problema. Ela não aceita, e jamais aceitará, o fato de que o homem não vive sem Deus ou, mais ainda, não pode viver fora das palavras de Jesus Cristo e do que está nas bíblias. Seriam duas instituições que, para cobrir os fatos, fariam de tudo para esconder a nave – e se fosse vista, teria sido classificada como “invenção de doidos” – e os seus ocupantes, normalmente 6 a 8, seriam enviados para uma instituição para loucos. Voltando à nave, seria estudada e, não obtendo lá tanto sucesso, pois a tecnologia de vocês ainda não consegue dar respostas, seria destruída e o pouco metal que nela há, seria jogado fora. É complicado, eu sei, mas hoje é possível sabermos com certeza tudo o que nos aconteceria por aí. E não, vocês não veriam homenzinhos verdes e carequinhas descendo da nave.
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Aliás, falando em fisionomia, a Natureza resolveu trabalhar um pouco mais e modificar nossos corpos. Temos estaturas mais altas, quero dizer, a pessoa mais baixa que você encontrar na rua terá, pelo menos, 1.85 mt. Devido ao tipo de alimentação e às vitaminas que comemos há mais de 5 décadas tem modificado nossa estrutura. Assim como, a ação da Natureza, que por algum motivo tem “recusado” alguns fetos. Isso, a ciência não soube explicar o porque de estar acontecendo, mas foi uma das causas da diminuição da população mundial. Isso, devido ao baixo nascimento de crianças. Os outros dois motivos foram uma guerra de proporções gigantescas e, antes dela, uma espécie de vírus altamente mortal.
Em 2020, o planeta foi assolado por um vírus denominado Covid-19. Acompanhamos tudo o que ocorria, as guerras políticas para dominar as patentes, as indústrias farmacêuticas correndo contra o tempo para, do dia para a noite, apresentarem o “milagre” para a população, milagre este que ainda demorou bastante tempo para se concretizar. Milhares foram as mortes. Mas, em 2031, um novo vírus surge. Não há como conter algo que jamais se imaginou que poderia existir, não é? Esse vírus fez do Covid um brinquedo chinês. Não se descobre sua origem, muito menos, como combatê-lo. São 8 meses de infestação, e do mesmo jeito que ele surge, ele some do mapa. Mas, deixa para trás milhões e milhões de mortos. A coisa é tão devastadora que até Gaia, ainda Terra, sente a falta de humanos e a Natureza tem uma reação positiva. É quando a humanidade fica consciente, realmente, que ela tem feito muito mal ao planeta. Muita coisa passa a acontecer, a partir daí.
Mas, como tudo não são flores, por embates políticos e pelo poder do comércio, em 2038 começa a temível e devastadora guerra, a guerra das guerras, a 3ª e última guerra mundial. Duas grandes potências resolvem entrar no embate. A partir de então, formam-se aliados em todo o planeta, dando início a uma luta que dura 4 anos. O que diferenciou nesta guerra foi a tecnologia utilizada. Veja que falo muito sobre tecnologia nessa carta. É ela a responsável por diferen-
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CONTOS AO ENTARDECER ciar e distanciar ainda mais as pessoas. E pensar que tudo começa na primeira pandemia do século XXI... Armas e equipamentos dos mais diversos tipos foram utilizados. Até armas químicas foram usadas, matando milhões de civis e militares. Resultado da falta de senso dos governantes da época: mais de 1 bilhão de mortos!
Mas, como a humanidade aprende mesmo é com seus erros, a partir de então tudo começou a mudar. E mudar para muito melhor, acredite. As igrejas começaram a ser banidas, não por atos governamentais, mas porque as pessoas daqueles anos 2050, pós guerra, já um tanto distantes de seus avós do século XX e do início do XXI, ou melhor, da ideia que tinham a respeito de vida e de Deus, passaram a perceber que aquilo não era necessário para se aproximar do Criador. Afinal, aquelas instituições não ajudaram em nada durante e nem após a guerra e foram se mostrando cada vez mais interessadas no poder e no dinheiro, com uma política interna cada vez mais desorganizada, que os fiéis perceberam a realidade e foram se afastando aos poucos.
É, meu amigo ou amiga, o mundo mudou muito. E graças ao que vocês, aí, no seu tempo, estão fazendo ou como estão se comportando. Espero que não mudem isso, pois vocês mesmos, com seus erros, farão os acertos sob os quais hoje vivemos.
Vou parar por aqui. Talvez, uma outra hora, em outro lugar, surja alguma outra carta. Obrigado por ter lido e também obrigado pelo que vai dizer às pessoas e ao mundo, pois seus erros foram os responsáveis pela melhora e renascimento do planeta. Mesmo que tão diferente seja do que vocês estão habituados.
Ah, e você deve estar se perguntando como é que este gadget veio parar em suas mãos, não é? Tecnologia, meu caro. Tecnologia.
Anderson B.
Extern, 28 de março de 2114. Conto não postado. Finalizado hoje, dia 26/12/20.









