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OPINIÃO
João Gomes • Partner @ JASON Moçambique
São tarefas-chave do GI: definir objectivos claros; tomar decisões; motivar e ajudar os “artífices” a desenvolverem as suas competências; fornecer feedback; eliminar obstáculos e assegurar a ligação entre o dono do negócio e a força de trabalho
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Gestor Intermédio, “Espécie” em Vias de Extinção?
Vem este artigo a propósito do resultado de um estudo1 no qual 63% dos ges-
tores afirma não querer continuar na função
e 37% acredita que o seu
nível de gestão desaparecerá nos próxi-
mos cinco anos. E, mais espantoso ainda, apenas 9% dos não gestores aspira
a ser gestor.
Surpreendid@? Neste artigo convido o meu leitor@ a responder à pergunta: estará a função
de gestor intermédio condenada à extinção?
Vejamos sucessivamente: - O que é o gestor intermédio (adiante “GI”), e qual o seu papel nas organizações? - Que ameaças pairam sobre as suas cabeças? - Que alternativas de futuro para os GI? Usaremos, de forma intermutável, as categorias “gestor/gestora”, “gestor intermédio”, “chefia intermédia”, “quadro intermédio”.
1. O que é o gestor intermédio e qual o seu papel nas organizações?
Na minha opinião estaremos perante um gestor intermédio quando: - nas organizações, e qualquer que seja a sua natureza (i.e., pública, privada), - que tenham alguma dimensão (i.e. nas pequenas start-ups não existem
GI), - e que, por consequência dessa dimensão, ocorra complexidade na organização do trabalho (v.g. com o surgimento da máquina a vapor e a revolução industrial, em Inglaterra, o modo de organização “artesanal” foi substituído pelo modo de organização “industrial”), - e da qual [complexidade] resulte a necessidade da divisão e especialização do trabalho, - requerendo estas maior e mais eficiente coordenação (i.e. a função de dispor, segundo uma certa ordem, e visando atingir, progressivamente e com o decurso do tempo, melhores resultados), - dos meios de produção (i.e. capital humano, capital tecnológico), - e quando tal coordenação já não for humanamente possível ser feita, por via da supervisão directa, pelo dono do negócio (i.e. o “mestre artesão” deixa de poder andar no
“chão da oficina” e, no contacto directo, poder orientar pessoalmente todos os seus “aprendizes”), - é escolhido, de entre os melhores
“aprendizes do ofício”, aquele que também melhor conhece “a maneira como fazemos as coisas por cá!”, - e a quem caberá a tarefa de assegurar que as equipas atinjam os re-
sultados.
- Neste contexto, são tarefas-chave do GI: definir objectivos claros; tomar decisões; motivar e ajudar os
“artífices” a desenvolverem as suas competências; fornecer feedback; eliminar obstáculos e assegurar a ligação entre o dono do negócio e
a força de trabalho.
…só então, e na minha opinião, terá nascido o gestor intermédio.
2. Que ameaças pairam sobre as cabeças dos gestores intermédios?
Permite-nos a escrita, qual máquina do tempo, passar rapidamente da certidão de nascimento, para a certidão de óbito dos GI. Mais estatísticas2 elucidam-nos do verdadeiro inferno em que se tornou o dia-a-dia do GI nas organizações, apanhado e preso no meio - a chamada função sanduíche - na qual, de cima, recebe as inúmeras pressões dos “donos do negócio” para a obtenção de maiores e melhores resultados; e de baixo, as pres-

Num mundo de negócios cada vez mais complexo, o papel do gestor intermédio é ainda mais necessário
sões, queixas e lamentos dos “artífices” por melhores condições de trabalho e mais justa repartição da riqueza: - Sete é o número médio de aprovações que os GI precisam para tomar cada decisão; - 40% é a percentagem de tempo que os GI gastam na preparação de relatórios; - 30% a 60% é a percentagem de tempo que os GI gastam em reuniões com outros GI; - 40% a 80% é a percentagem de
tempo que os GI consideram estar a ser gasta em actividades que não geram qualquer valor.
Atalhando, as ameaças resultam da tempestade perfeita e fatal entre a globalização, a revolução digital (i.e., Inteligência Artificial, big data, robots & cobots3 ), a pandemia COVID19 e a demografia - gerações Y e Z - as quais, em combinação, vieram gerar enorme complexidade nas organizações. As organizações, em resposta à complexidade, ligaram “o nível máximo de complicação - o complicómetro” - criando as condições ideais para o que já se apelida de “organizações monstro-Frankenstein”4 : i.e. arranjos organizacionais emcima de arranjos, uma manta de retalhos feita de processos mal desenhados, tecnologias desadaptadas, força de trabalho sem as qualificações necessárias. Entre o aumento da complexidade e o aumento do complicómetro - v.g. entre 1955 e 2010, enquanto o nível de complexidade nas organizações aumentou x6, o nível de complicação cresceu x355 - , a combinação destes factores tem vindo a tornar redundantes as seguintes actividades centrais do GI: i) A redução do contacto directo com
“o dono do negócio” (fruto da globalização, algures sentado no outro lado do mundo) e, bem assim, a redução do contacto directo com os “artífices” (obrigados pela pandemia a trabalharem remotamente): é a morte anunciada da função
“sanduíche” de ligação do topo, à base da organização.
ii) Sem palco físico, agora substituído pela infra-estrutura digital, o GI vê desaparecer aquela que é considerada uma das suas fontes de poder e de capital relacional, uma assinatura maior da sua função, qual seja, a de serem a cola da organização, e os “mestres do ofício”: é a
morte anunciada da “gestão an-
dando pela fábrica6”. iii) E o golpe potencialmente fatal para o GI é um presente da demografia: a entrada das gerações Y e Z, estas mais orientadas para a busca do propósito do que para o salário e a tarefa, nativos digitais que cuidam da medição da sua performance com recurso a algoritmos e aplicações de gestão da eficiência do trabalho, que agora é feito em equipas semi ou totalmente autónomas, organizadas em matrizes de dupla dependência: é a morte anunciada
do papel de “comando e controlo” do GI.
Em conclusão (Que alternativas de futuro para os gestores intermédios?) - O GI, tal como o conhecemos desde a revolução industrial, essencialmente configurado como um instrumento de resolução da complexidade, de coordenação indirecta e de ligação entre o dono do negócio e os “artífices” é, como nos mostram as estatísticas, uma espécie em vias de extinção: apenas 9% dos não
gestores aspira a ser gestor.
- Hoje, contudo, à complexidade dos negócios, e como reacção, as organizações ligaram o complicómetro (i.e. burocratizaram-se) tornando o papel do gestor intermédio ainda mais necessário. - Mas hoje procura-se um gestor intermédio com uma configuração diversa: não mais um instrumento de
“comando e controlo”, mas um líder operacional (i.e. Agilidade), que se inspire na prontidão digital das gerações Y e Z (i.e. Juniorização); que traga a sua larga experiência e conhecimento a 360º da organização (i.e. Lateralização); que com maior foco nas preocupações dos “artífices” (i.e. Orientação para as Pessoas) assegure, a todo o momento, que a voz dos clientes (i.e. Orientação para o Cliente) esteja presente, de modo a assegurar que as peças do edifício, que são as organizações modernas, se mantenham unidas. - Mas fundamentalmente, os GI são a antecâmara do futuro, o banco de ensaio e teste dos líderes ágeis das organizações de amanhã.
1BEAUCHENE, Vinciane et all “The end of management as we know it”, Maio 2020. 2 BEAUCHENE, Vinciane et all “The end of management as we know it”, May 2020 - BCG. 3Cobots: robots colaborativos (https:// en.wikipedia.org/wiki/Cobot). 4HANCOCK, Bryan et all, “The Vanishing Middle Manager”, February 2021 – McKinsey & Company. 5BEAUCHENE, Vinciane et all “The end of management as we know it”, May 2020 - BCG. 6Na tradução inglesa da expressão “Managing by walking around”.