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MERCADO DE CAPITAIS
Salim Cripton Valá • PCA da Bolsa de Valores de Moçambique
1. Forte Arranque da BODIVA e as OPV´s Executadas pela BVM No passado dia 09 de Junho de 2022, a Bolsa de Dívida e Valores de Angola (BODIVA) teve todos os motivos para festejar: tratou-se da primeira sessão de bolsa aberta à negociação de acções do maior banco de Angola, e da primeira sociedade a ser cotada na BODIVA, o Banco Angolano de Investimentos, SA (BAI), que, recentemente, havia realizado uma Oferta Pública Inicial (IPO) de 1 945 000 acções, representativas de 10% do seu capital social, tendo essa operação sido um sucesso ao ultrapassar 58% da oferta inicial de acções.
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Na primeira sessão em mercado secundário de bolsa foram apresentadas 20 ordens de bolsa ao preço de 21 655 kwanzas (46,55 Euros), um preço 5% acima do preço final de subscrição na IPO do BAI. Esta foi a primeira empresa a ser cotada no mercado bolsista de Angola e, segundo Walter Pacheco, CEO da BODIVA, outras poderão seguir o exemplo do BAI ainda durante o presente ano, tendo ainda referido que, com a cotação das primeiras cinco empresas, irá ser lançado o índice accionista, que irá designar-se por Luanda Stock Index (LSI).
Iniciar com um banco da dimensão e envergadura do BAI foi uma aposta acertada, pois as empresas do sector financeiro têm sido, em muitos países, praticamente obrigadas a serem cotadas em bolsa, contribuindo para incrementar a capitalização bolsista, a liquidez do mercado e o volume de negócios.
A Bolsa de Valores de Moçambique (BVM) compreende perfeitamente a satisfação da sua congénere, porque, há 21 anos, o mercado accionista foi iniciado de igual modo em Moçambique, através da cotação de 98 milhões de acções da Sociedade de Cervejas de Moçambique, SA (CDM), em resultado de uma IPO de 28 milhões de acções, ao preço de 15,00 MT por acção (preço de 1,03 MT para os Gestores, Técnicos e Trabalhadores da CDM), representativa de 28% do seu capital social, com uma procura de 51,83% acima da oferta de acções inicial, tendo, desta operação, resultado a entrada de 1971 novos accionistas na estrutura societária da CDM.
Após essa primeira operação bolsista, a CDM realizou mais três sessões especiais de bolsa depois de 2001. Em Dezembro de 2003, decorreu uma sessão especial de bolsa referente à transacção de 10 614 744 acções (9,47% da CDM); em Janeiro de 2012, a Oferta Pública de Subscrição de 9 681 244 novas acções (8,637% do capital social da CDM) ao
Bodiva Arranca Mercado Accionista Com BAI: Considerações Sobre Duas Bolsas Com Percursos Distintos
preço de 113,62 MT (antes desta operação o preço era de 42,00 MT por acção), representando um valor global de emissão de 1100 milhões de MT e, em Agosto de 2019, realizou-se mais uma Oferta Pública de Subscrição reservada a accionistas, naquela que foi a maior operação de financiamento alguma vez realizada em Moçambique através da Bolsa de Valores, no montante de 124,5 milhões USD. Outras sessões especiais de bolsa se seguiram: em 2008, a Oferta Pública de Venda (OPV) de 10% da Companhia Moçambicana de Hidrocarbonetos, SA (CMH); em 2013, a OPV de 25% da CETA, Construção e Engenharia, SA; e, em 2014, a OPV de 10% da Empresa Moçambicana de Seguros, SA (EMOSE). Este ciclo de sessões especiais de bolsa, tiveram o seu ponto alto em 2019 com a OPV de 4,0% da Hidroeléctrica de Cahora Bassa, SA (HCB), onde foram vendidas cerca de 1100 milhões de acções, ao preço de 3,00 MT por acção, a um total de mais de 15 000 novos accionistas. Com a realização da OPV da HCB, foram admitidas à cotação mais de 2060 milhões de acções, representativas de 7,5% da HCB.
Depois da OPV da HCB, realizada em meados de 2019, estavam em perspectiva mais algumas operações de igual natureza, mas que ficaram adiadas devido ao impacto negativo da pandemia do covid-19 ao nível global e, particularmente, em Moçambique. A retoma económica lenta a que assistimos desde 2021 é um sinal positivo para o mercado de capitais, pois se as empresas estão deprimidas elas normalmente viram-se para dentro, para manter o seu funcionamento em contexto adverso.
Desde Fevereiro de 2022, com a eclosão do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, esse evento está a afectar as cadeias de produção e distribuição ao nível global, sobretudo incidindo na estabilidade dos mercados financeiros e provocando crises ao nível energético e na disponibilidade de cereais, abalando também a situação económica e o desempenho das empresas moçambicanas.
2. A Paradigmática OPV da HCB
Mas, afinal, o que se entende por uma OPV, também denominada uma IPO, ou mesmo Privatização Via Bolsa? Quando uma empresa lança uma operação sobre valores mobiliários, estamos a falar de uma Oferta. Uma oferta pode ser: (1) privada ou pública; (2) de venda, subscrição, troca ou aquisição; (3) de acções, obrigações ou outros valores mobiliários, sendo que o caso mais comum é serem de acções. Uma oferta é públi-
1Presidente do Conselho de Administração da Bolsa de Valores de Moçambique.

A Bolsa de Valores de Angola apresenta fortes perspectivas de crescimento
ca quando o universo dos investidores destinatários não é previamente determinável (se o universo dos investidores destinatários é previamente conhecido, finito e determinável, então a oferta é privada). Diz-se que a Oferta é de venda quando as acções objecto de alienação já existem, podendo ser acções próprias da empresa ou acções de accionistas da empresa.
No caso particular de um desses accionistas ser o Estado, estamos a passar essas acções do domínio público para o domínio privado e, nesse caso, essa OPV é uma Privatização. Se é a primeira vez que uma empresa realiza uma Oferta Pública chama-se de IPO (“Initial Public Offering”) por ser a primeira vez que essa empresa abre o seu capital ao público. Uma empresa que realize uma OPV pode ser ou não admitida à cotação na Bolsa de Valores.
No entanto, normalmente quando uma empresa abre o seu capital ao público, fá-lo com a intenção de se admitir à cotação na Bolsa de Valores. A realização de uma oferta pública é regulamentada pela Autoridade de Supervisão de Valores Mobiliários, função que, no nosso País, é exercida pelo Banco de Moçambique.
A OPV da HCB foi, por excelência, o corolário da linha estratégica da BVM de atrair empresas de grande dimensão, detendo robustez económico-financeira, ter impacto indisfarçável no desenvolvimento sócio-económico do País e com elevada reputação, tendo sido uma opção estratégica da própria empresa e do Governo moçambicano. A HCB é uma empresa estratégica na economia do País e, por isso, algumas características peculiares destacaram-se, como a abrangência e profundidade do plano de comunicação aos investidores e aos cidadãos, a elegibilidade exclusiva aos investidores nacionais, a inovação dos mecanismos de subscrição de acções (telemóveis e apps), a utilização de novas plataformas tecnológicas de pagamento de “mobile money”, os critérios de atribuição preferencial de acções aos pequenos investidores, a observância das políticas e directrizes de inclusão financeira e o facto de ter incorporado investidores residentes em 92% dos distritos do País.
A operação de OPV de Acções da HCB tornou-se numa OPV que extravasou, em muito, o conceito tradicional de Oferta Pública, particularmente pelo foco na abrangência e inclusão, tendo sido uma iniciativa concreta visando o empoderamento económico dos moçambicanos e a popularização do capital.
A OPV da HCB foi antecedida por uma pujante campanha de educação financeira, em todo o território nacional, através dos diversos meios de comunicação (jornais, televisão, rádio, revistas e redes sociais), incluindo o uso das línguas locais para veicular informação relevante.
Foram disseminadas informações em todas as províncias do País, aos mais diversos universos de investidores (trabalhadores da HCB, líderes comunitários e religiosos, agentes económicos e sociedade civil, funcionários públicos, membros das Assembleias Provinciais, Chefes de Localidade, entre outros grupos).
Para além da tradicional subscrição de acções através dos bancos comerciais, o recurso às novas tecnologias móveis, às operadoras de telefonia móvel e às plataformas tecnológicas de “mobile money” (m-Pesa e e-Mola), permitiram o desenvolvimento de soluções tecnológicas únicas no País, que tornaram possível a subscrição de acções através de telemóveis (smartphones via internet ou telemóveis mais básicos via tecnologia USSD), com o pagamento a ser feito através de várias alternativas (ATM, transferência bancária, “mobile money”). Esta nova solução tecnológica tornou possível a participação dos cidadãos, bancarizados ou não, em qualquer ponto do território nacional, mesmo naqueles locais onde não existiam infra-estruturas bancárias, ou onde o respectivo acesso fosse demasiado longínquo. Foi desta forma que 36% das ordens de compra foram transmitidas através de telemóveis, apesar de ter sido a primeira vez que se utilizou esta solução em Moçambique.
Na OPV da HCB foi ainda criado um segmento de investidores, destinado aos moçambicanos de mais baixo rendimento, denominado “Pequenos Investidores Nacionais”, onde os cidadãos moçambicanos que participavam nesta operação ficaram isentos do pagamento de quaisquer taxas para além do valor da compra de acções (o mesmo já não acontecendo com os investidores de maior rendimento). Por outro lado, as condições definidas para estes investidores de menor rendimento asseguravam que a compra de acções seria integralmente satisfeita, o que veio efectivamente a acontecer.
O contributo da OPV da HCB para a inclusão financeira dos cidadãos foi evidenciado – baixo preço das acções, cidadãos de menor rendimento, isenção de taxas, cidadãos sem conta bancária, regiões sem infra-estruturas bancárias –, pelo que mais de 99% das ordens de subscrição foram entregues por investidores singulares, de todas as províncias do País (100%) e de 92% dos distritos.
Para esta operação, foi desenvolvido um sistema de informação para a OPV da HCB que, em tempo real, mostrava o número de ordens de subscrição e a respectiva quantidade subscrita por cada um dos universos de investidores, e também a sua distribuição geográfica (por província e por distrito), permitindo à HCB o conhecimento sobre o nível de subscrição da operação.

Por todas essas razões, a OPV da HCB teve o reconhecimento internacional pela atribuição de dois importantes prémios, em momentos distintos e por entidades diferentes (“Prémio Especial de Reconhecimento” pela “DealMakers Africa” e o “Deal of the Year 2020 – Equity Winner Africa” pela revista “The Banker”), quer pelo modelo operacional, quer pelo seu contributo para a inclusão financeira dos cidadãos.
3. Índices de Bolsa e Cotação de Empresas na BODIVA e BVM
Segundo Walter Pacheco, CEO da BODIVA, Angola irá ter o seu índice de acções, o Luanda Stock Exchange (LSI), assim que, pelo menos, mais quatro empresas, para além do BAI, sejam cotadas no mercado accionista, o que se espera que possa ocorrer num futuro próximo.
A existência de um ou mais índices de bolsa constitui um importante instrumento através do qual os investidores podem analisar o comportamento do mercado bolsista, sendo um factor fundamental para o reconhecimento público de uma Bolsa de Valores, seja a nível nacional, seja a nível de outras praças financeiras. Consciente da sua importância, a BVM lançou, em 2019, três índices bolsistas: BVM Global, BVM Obrigações e BVM Acções, cujo escopo é identificado pela sua designação.
Na óptica do CEO da BODIVA, espera-se que num horizonte de cinco a dez anos, cerca de 20 empresas estarão a negociar no mercado accionista de Angola, e que o mercado de acções venha a ser dominado por empresas financeiras e petrolíferas, o que, face às dimensões deste tipo de empresas, é expectável que a capitalização bolsista de Angola venha a ser catapultada para níveis elevados, o que levou o CEO da BODIVA a afirmar “Não poderemos competir com a África do Sul nos próximos cinco anos, mas seremos maiores do que a maioria das bolsas de valores do continente [africano]”.
Em Moçambique, a situação actual é de 11 empresas cotadas em cerca de 23 anos de bolsa (eram 13 empresas, mas duas foram excluídas por incumprimento dos deveres de informação ao mercado e aos investidores). A actual capitalização bolsista da BVM, na primeira metade de Junho de 2022, atingiu os 128 838 milhões MT (USD 1998 milhões), correspondente a 19,3% do PIB nacional. Em Angola, a capitalização bolsista do BAI, o maior banco angolano e a primeira empresa a ser cotada na BODIVA com acções, ultrapassou os USD 900 milhões (representando 45% da capitalização bolsista de Moçambique). BODIVA e BVM, operando em diferentes realidades, com diferentes resultados, mas possuindo o mesmo objectivo, que é o crescimento do mercado de capitais e da Bolsa de Valores, procuram ambas insuflar uma nova adrenalina no mercado accionista. A BVM tem todas as razões para estar confiante no futuro, mas nem todos os objectivos a alcançar dependem exclusivamente da BVM, estando condicionados pelo contexto, pelas acções e vontades de entidades terceiras.
É o caso do cumprimento pleno da Lei das Parcerias Público-Privadas, Projectos de Grande Dimensão e Concessões Empresariais (Lei n.º 15/2011, de 23 de Agos-
to, que estabelece que entre 5% a 20% do capital social das empresas abrangidas por esta lei deve ser objecto de alienação preferencial a cidadãos nacionais, através do mercado bolsista, até cinco anos após o arranque da sua exploração. Antes de 2016, a valorização de uma das empresas mineiras a operar no país, a Vale Moçambique, estava avaliada em USD 4000 milhões (o dobro da actual capitalização bolsista da BVM) e, caso fosse cotada, o rácio da capitalização bolsista passaria de 19,3% para quase 60% do PIB.
A alienação das participações sociais detidas pelas sociedades que constituem o Sector Empresarial do Estado (SEE), e a sua posterior cotação na BVM, iria concorrer para crescer a dimensão do mercado bolsista. De igual modo, a obriga-


A OPV da HCB foi a maior operação da história da BVM
toriedade de cotar em bolsa uma percentagem mínima de capital social dos bancos comerciais e de investimento, das seguradoras, das empresas de telefonia móvel, de empresas de exploração dos recursos minerais e da indústria extractiva, das concessões empresariais e outras grandes empresas constantes na lista das 100 maiores empresas do País, iria catapultar a BVM para patamares até hoje nunca alcançados.
A BVM pode não ter ainda a dimensão que ambiciona, mas cumpre integralmente com a principal razão pela qual foi criada pelo Governo em 1998: a de ser uma alternativa de financiamento à economia e, por isso, ao longo dos seus 23 anos de existência, o financiamento à economia até ao final da primeira quinzena de Junho ascendia a 234 767 milhões MT (USD 3641 milhões), dos quais 80,7% ao Estado (MT 189 450 milhões, USD 2938 milhões) e 19,3% ao sector privado (MT 45 317 milhões, USD 703 milhões), havendo, assim, uma elevada margem de manobra para as empresas do sector privado usarem o mercado de capitais como fonte de financiamento, da mesma forma que o Estado o faz.
Pela sua relevância na economia, a BVM tem dado especial atenção às Pequenas e Médias Empresas (PME), cujo número em Moçambique ultrapassa as 60 000, que representam 97,6% do total das empresas, 49,6% dos empregos e 24,6% do volume de negócios do País, constituindo-se, assim, com um alvo prioritário da BVM. Embora a BVM tenha iniciado as suas actividades em 1999 com o Mercado de Cotações Oficiais (vocacionado para as Grandes Empresas), criámos, em 2009, um mercado bolsista para as PME (o Segundo Mercado), em 2015 reduzimos as exigências quantitativas sem afectar os requisitos qualitativos, e em Novembro de 2019 criámos um mercado de incubação, de preparação ou de transição (o Terceiro Mercado). Como se pode verificar no diagrama acima, as últimas empresas admitidas à cotação estão a utilizar o Terceiro Mercado como a “Porta de Entrada” para a Bolsa de Valores.
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