36 minute read

NAÇÃO MERCADO DO TRIGO

O Grão na Engrenagem da Economia

O mundo vive em choque entre a escassa oferta de trigo. Em Moçambique, com a pressão adicional sobre o custo do cabaz alimentar já onerado pelo aumento dos combustíveis perguntamo-nos porque não se produz trigo no País. As respostas estão há muito estudadas, mas nunca houve capacidade para as pôr em prática, da produção do cereal à sua gradual substituição por outras matérias-primas, como a mandioca. Como retirar o grão da engrenagem?

Advertisement

Arússia é o maior exportador mundial de trigo, enquanto a Ucrânia ocupa a quarta posição. Juntos, os dois países são responsáveis pelas exportações de pouco menos de um terço (30%) do trigo global.

O que, por si só, é suficiente para pensamos que a guerra está, e neste caso literalmente, a ameaçar ‘o pão nosso de cada dia.’

Lei da oferta e da procura: Trigo aumentou 56% num ano

Por isso mesmo, quando o conflito começou, em Fevereiro passado, eclodiu uma das maiores crises globais das últimas décadas, porque, na prática, ameaça a base alimentar de boa parte da população mundial, juntando a isso, claro, a questão dos combustíveis, na qual a Rússia tem um papel crucial, uma vez que é uma das principais exportadoras a nível mundial, e fez o barril de crude ultrapassar largamente a barreira dos 100 dólares durante meses, o que fez aumentar a pressão sobre outros mercados fornecedores, levando à inflação galopante dos últimos meses.

Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), o trigo ficou 5,6% mais caro em Maio passado face ao mês anterior... e 56,2% mais caro face ao período homólogo de 2021.

Indústria nacional procura alternativas

Em Moçambique, a Merec Industries SA – uma das mais importantes indústrias da cadeia de valor do pão e de outros alimentos que têm a farinha de trigo como principal matéria-prima – já sem poder importar a partir da Ucrânia, virou as atenções para outros fornecedores, entre os quais a Argentina e o México.

“No fundo, estes mercados já estavam na lista de fornecedores, mas a Ucrânia era preferencial devido, provavelmente, ao factor custo”, disse à E&M a economista e uma das assessoras do ministro da Indústria e Comércio, Eduarda Mungoi, que visitou a Merec em finais de Junho.

A responsável também visitou a Companhia Industrial da Matola (CIM) e revelou as marcas de instabilidade. É que, antes da crise, aquela unidade “esteve decadente e ainda hoje se queixa da concorrência desleal por parte de operadores informais”.

A CIM também passou a importar o trigo a partir de mercados alternativos à Ucrânia e clama pelo apoio do Governo no sentido de aliviar os elevados custos de produção. A E&M ouviu, igualmente, o sector da panificação. De acordo com o presidente da Associação Moçambicana dos Panificadores (AMOPÃO), Victor Miguel, a crise do trigo está a reflectir-se na subida contínua dos custos de produção.

“São transtornos uns atrás dos outros e temos de fazer uma ginástica constante para manter os preços do pão. Não está a ser nada fácil”, desabafou o também empresário, fazendo menção aos vários agravamentos de preço da matéria-prima em pouco tempo.

Só no presente ano, o preço da farinha de trigo já observou três subidas. Começou nos 1800 meticais o saco de 50 kg e, actualmente, custa 2500 meticais. Quase 50% a mais desde o início do ano.

Paz precisa-se, como de ‘pão para a boca’

Ainda assim, os preços do pão aumentaram apenas uma vez este ano e, por isso mesmo, é de se esperar que a pressão para novos ajustes continue, enquanto a guerra na Ucrânia não cessar.

“Estamos a pensar em soluções internas. Isto é, em cada unidade de produção, encontrarmos formas de fazer a contenção dos custos. Já interagimos com o Governo no sentido de este reduzir os elementos que elevam os pre-

Em Moçambique, as grandes indústrias de transformação de trigo abastecem-se de importações e hoje enfrentam custos muito altos

ços da farinha de trigo. Quem tem o poder de fazer isso é mesmo só o Governo. Nós estamos sem acção”, afirmou o presidente da AMOPÃO.

Mas a esperança de que tal possa vir a acontecer cai por terra quando visitamos as recentes declarações do ministro da Indústria e Comércio, Silvino Moreno, ao assumir que “as margens para evitar o custo do trigo são poucas, uma vez que os importadores relatam variações de preços e sempre com tendência de subida”.

Entretanto, não parece haver a mesma sensibilidade quanto à gravidade e urgência de medidas para conter a subida dos preços do pão. Há, pelo contrário, ideias desencontradas. O que não deixa de ser preocupante. O exemplo mais flagrante foi o facto de, em Maio, o ministro da Indústria e Comércio ter estimado que Moçambique poderá ressentir-se da falta de trigo, já que as reservas existentes asseguravam o fornecimento durante pouco mais de um mês.

Mas, dias antes, o PCA da “STEMA – Silos e Terminal Graneleiro da Matola”, Arlindo Chilundo, havia garantido que as reservas de trigo no País seriam suficientes para cobrir o consumo de todo o ano, uma vez que a empresa havia recebido um navio carregado de cereais, entre os quais o trigo, para fazer face à procura.

Há, ou não, razões para alarme?

A E&M não obteve resposta por parte dos responsáveis dos industriais da área, nomeadamente a MEREC e a CIM, para conhecer os detalhes das mudanças impostas pelo mercado internacional, mas, pela voz da assessora do ministro da Indústria e Comércio, soube que a situação naquelas unidades ainda não é preocupante.

“Ambas vão sobrevivendo e continuam a produzir”. Este sinal é tranquilizador, se considerar a dimensão conjunta da CIM e da Merec no mercado. Só esta última é, de há uns anos a esta parte, a maior moageira do País, processando 1540 toneladas de trigo por dia, sendo detentora de entre 45% a 50% da quota de mercado da farinha de trigo destinada à panificação, e gastando anualmente cerca de 65 milhões de dólares na importação de trigo.

Porque Moçambique não produz trigo?

A questão é antiga e tem alguns nós por desatar: se, para o Estado, transparece a ideia de ser o sector privado quem deve assumir as rédeas da mudança, para os privados é ao contrário.

“O Estado cria políticas que encorajam a produção, não são os governos que produzem, mas o sector privado e, provavelmente, a crise actual deva servir como oportunidade para dar um salto na concepção de ideias novas a este nível”, considera a coordenadora do comité responsável pela estratégia de fortificação de alimentos.

Eduarda Mungoi lembra que já existem várias iniciativas criadas para fomentar a produção e a comercialização de culturas agrícolas e que deviam servir de guião para o sector privado.

“Precisamos de um sector privado mais comprometido”, insistiu. E para argumentar recorreu a um exemplo: a empresa Farinhas de Moçambique, Lda. (FAMOL) foi contactada, recentemente, por fornecedores de trigo da provín-

Só no presente ano, o preço da farinha de trigo já observou três subidas. Começou nos 1800 meticais o saco de 50 kg e, actualmente custa 2500 meticais

COMO FOMENTAR A PRODUÇÃO?

Tinha sido tudo pensado há 14 anos, mas nada avançou. Ao ouvir os problemas que limitam a produção do trigo hoje, fica-se com a ideia de que bastarápôr em prática o que consta das prioridades deste plano para resolvê-los

Pesquisa

Consistia em desenvolver variedades de alto rendimento adaptadas às zonas de produção, através de teste de variedades de várias origens, pelo Instituto de Investigação Agrária de Moçambique em parceria com o sector privado.

Áreas de produção

Distrito de Tsangano (Província de Tete); distritos de Manica e Sussundenga (Província de Manica); distritos Lichinga, Lago, Sanga e Muembe (Província do Niassa); Xai-xai (Província de Gaza); e Manhiça (Província de Maputo).

Comercialização

Havia que estabelecer o preço de referência em concertação com os produtores e a agroindústria; implementar o programa de silos nos distritos de maior produção; massificar a divulgação de preços de compra; garantir a compra da totalidade da produção.

Produção

Consistia em mobilizar produtores a aderirem à produção de trigo; assegurar assistência técnica aos produtores, através da rede de extensão; adquirir, treinar e repassar juntas de tracção animal; controlar as pragas, etc.

Sementes

O acesso exigia o estabelecimento de contratosprograma com empresas especializadas para assegurar a importação de semente certificada das variedades mais produtivas, bem como da sua produção local.

Financiamento

Orçamento do Estado (em 2008, avaliado em 16,5 milhões de meticais), crédito bonificado para a importação da semente do trigo e crédito bonificado para a campanha agrícola.

FONTE Plano de Acção para a Produção de Alimentos 2008 - 2011

cia de Manica e pediu para avaliar a produção manifestando interesse em adquiri-la, mas a transacção não aconteceu “porque o fornecedor desapareceu”, exemplifica.

Do lado dos produtores e empresários (ver Nação II), a vontade política não tem sido suficiente para criar, de facto, uma tendência de aumento da produção de trigo em Moçambique que apenas produz, actualmente, 5% do que consome.

O que os investidores pensam… e querem?

Sempre que se verifica um choque de oferta de trigo, o mercado entra em pânico. O Governo e as panificadoras buscam concertações para evitar que falte pão na mesa das famílias. E todos se mobilizam em busca de saídas, reconhecendo que a mais eficaz é, igualmente, a mais desafiante: aumentar a produção do trigo. Mas será sempre uma saída a médio e longo prazos, nunca para o imediato.

A necessidade de entender porque é que uma cultura com cadeia de valor ampla e, provavelmente, rentável, como o trigo, passa ao lado do sector privado nacional, levou a E&M ao diálogo com o pelouro do agro-negócio da Confederação das Associações de Moçambique (CTA). Pilona Chongo, que lidera este pelouro, começa por explicar que uma das razões por que o País não produz trigo “prende-se com o facto de se praticar muito pouco a monocultura”.

Isto é, a tendência é de misturar culturas no mesmo espaço de cultivo que, por norma, são exíguos em termos de dimensão, sendo o trigo uma cultura que exige extensão territorial. E acredita que o caminho a seguir será lutar por estabelecer a monocultura do trigo, tal como acontece com outras de rendimento, nomeadamente o algodão e o tabaco.

Mas para isso, prosseguiu, “os produtores têm de ser incentivados para migrarem para esse tipo de culturas porque elas requerem grandes investimentos. Só o privado, sozinho, não é capaz de fazer a monocultura nas extensões que são exigidas para satisfazer a demanda no País”, defende a empresária.

Incentivos precisam-se

É aqui, mais uma vez, chamado o papel do Estado. Pilona Chongo toma, de novo, a cultura do tabaco como experiência bem-sucedida e replicável no caso do trigo, em termos de incentivos públicos. Refere que o Executivo deveria atribuir insumos aos produtores para que estes se concentrem apenas com a tarefa de produzir e vender. Por isso, defende ser “urgente que o Governo e o sector privado

5%

Peso da produção interna de trigo em relação às necessidades de consumo em Moçambique, correspondente a cerca de 20 mil toneladas por ano.

caminhem de mãos dadas para a monocultura da cadeia de valor do trigo”. E recorre a um outro exemplo bem-sucedido, que foi feito em relação ao frango, em que foram adoptadas medidas de fomento à produção e protecção aos produtores nacionais através de mecanismos fiscais que desencorajaram a importação.

“Os resultados, em pouco tempo, são visíveis: estamos muito próximos de assegurar a auto-suficiência”. A nível fiscal, e relativamente ao trigo, o sector privado considera que o IRPC (32%) é muito elevado, dados os altos riscos que a actividade acarreta.

“Já pedimos ao Governo para reduzir o IRPC e acreditamos que já se estará a trabalhar nisso. É que, nos últimos anos, estamos a enfrentar o agravamento das consequências dos ciclones e dos seus abalos sobre a agricultura”, referiu. A par da redução do IRPC, os empresários pedem um sistema de seguros contra perdas. “Deveria trabalhar-se para que haja uma entidade que assume riscos contra catástrofes climáticas, secas, cheias, e assim teríamos a cadeia da cultura de trigo devidamente salvaguardada”, acrescentou a empresária. Outro problema apresentado pelo sector privado é a descontinuidade das políticas da agricultura. “Cada Governo que entra traz um programa diferente e não dá seguimento ao do mandato anterior. Em 2008, lançou-se a ideia de apostar na produção de trigo em diferentes pontos do País onde as condições climáticas fossem favoráveis. Mas, no mandato seguinte, esta iniciativa morreu”, recorda a responsável, sugerindo a criação de programas contínuos.

Sem alternativas para contornar a alta do preço do trigo, as famílias estarão sujeitas a uma cada vez maior pressão sobre o preço do pão

A história que se repete

Victor Miguel, presidente da AMOPÃO, à semelhança de todos os intervenientes nesta matéria, recorda precisamente esse momento quando, há 14 anos, se registou uma crise semelhante a esta que desencadeou o aumento dos preços do trigo tendo, à época, havido um envolvimento de vários sectores, nomeadamente o Ministério da Agricultura, a Universidade Eduardo Mondlane (UEM), o Ministério da Indústria e Comércio, entre outros, para encontrar alternativas.

E uma delas apontava para que, por forma a aliviar o custo do pão, se começasse a incluir na mistura da farinha de trigo a da mandioca, para reduzir a importação. O estudo feito pela UEM, na ocasião, concluiu que a mistura seria possível em até cerca de 30% da farinha da mandioca, sendo os restantes 70% de trigo. E, de facto, no mesmo ano, chegou a ser inaugurada uma panificadora na província de Nampula, que passou a comercializar pão feito com base na simbiose dos derivados da mandioca e do trigo, tendo os resultados, na altura, sido classificados como positivos.

No entanto, hoje pouco se fala no assunto. Victor Miguel esclarece que tal se deveu à dificuldade no fornecimento regular da farinha de mandioca. “A iniciativa chegou a ser materializada. Recebíamos a farinha com regularidade quando era a UEM a fornecer, mas esta deixou de o fazer e indicou outra empresa que passou a produzir a farinha. Essa forneceu por um tempo e passou a direccionar o produto para a fábrica de cervejas 2M. De lá a esta parte foram apenas promessas e nunca mais recebemos.

O processo parecia estar a ganhar um certo espaço, mas recuámos pela falta de matéria-prima”, lamenta. Assim, por agora, “não estamos a pensar em retomar essa alternativa por ser de longo prazo. Não é viável para resolver assuntos tão pontuais quanto este. Seria preciso que se garantisse o sector familiar e a indústria transformadora para fornecer essa farinha, mas que fosse a preços mais baixos que a farinha de trigo, porque o que se passa agora é que a farinha de mandioca é ainda mais cara que a de trigo, o que não faz muito sentido. Sendo assim, essa não é uma solução para considerar com as condições actuais”, sublinha.

Que alternativas ao trigo?

A mesma percepção tem o economista e docente da UEM Constantino Marrengula, que se refere ao pão de mistura de trigo e mandioca como “pão de elite”. Porquê? “Enquanto a mandioca continuar a ser cara, a solução definitiva para este problema seria o aumento da produção de trigo ou o fomento da produção da mandioca para baixar o preço”.

Para o responsável, no lugar da mandioca, o mais correcto seria equacionar a batata-doce de polpa alaranjada, para a qual Moçambique tem grande potencial, com 16 variedades fomentadas pelo Instituto de Investigação Agrária de Moçambique e que pode ser mais rentável na mistura com o trigo e adaptável para o consumo.

“A ciência já provou que faz sentido misturar farinha de trigo à de batata doce de polpa alaranjada. Mas é preciso aumentar a produção desta cultura para resolver o problema”, sugere o economista. Alternativa semelhante está a ser seguida nos Camarões para lidar com a actual crise do preço alto do trigo.

Conhecimento para travar esta crise alimentar não falta, mas fica a ideia de que falha a aliança entre os diversos actores da sociedade, nomeadamente entre Governo e sector privado, academia e produtores, que escolha um caminho e que este seja seguido rumo à soberania alimentar.

Que seja uma decisão estratégica e não meramente pontual, potencialmente ameaçada por conjunturas como aquela que se avizinha com o anunciado acordo entre a Rússia e a Ucrânia para restabelecer a exportação de cereais. Que esta visão de solução não ‘adormeça’ o esforço de busca da auto-suficiência. Até porque futuras crises virão e é altura de pôr as ‘mãos na massa’.

Wilson Tomás • Research, Banco BIG Moçambique

Os principais mercados accionistas mundiais já se encontram em terreno de bear market este ano, que ocorre quando estes índices perdem mais de 20% do seu valor

A Iminência de Uma Recessão Global

Aeconomia mundial atravessa actualmente um ambiente de elevada e crescente inflação, resultante de um conjunto de factores como os elevados estímulos financeiros criados pelos Bancos Centrais em resposta à pandemia, a subsequente abertura das economias com o levantamento das restrições de mobilidade que motivou um crescimento expressivo da procura, e uma oferta que não conseguiu acompanhar esse aumento da procura originando graves disrupções nas cadeias de distribuição.

Mais recentemente, os impactos do conflito entre a Rússia e Ucrânia motivaram desequilíbrios no mercado energético e no mercado de commodities alimentares, elevando o preço de vários bens de exportação destes países, como o petróleo, gás natural e o trigo.

Recentemente, o Banco Mundial reduziu a sua previsão de crescimento global em 2022 de 4,1% para 2,9% e alertou que vários países poderão entrar em recessão, ou mesmo estagflação, como aconteceu na década de 1970, em que se assistiu a uma conjuntura de inflação elevada combinada com crescimento económico baixo ou negativo.

Uma recessão é um período de declínio económico, oficialmente caracterizado por uma queda do Produto Interno Bruto (PIB) em dois trimestres sucessivos. Diversos factores podem motivar o surgimento de recessões, sendo o sobreaquecimento económico, as bolhas especulativas de activos – “Asset Bubbles” e os eventos imprevisíveis alguns desses exemplos.

Quando os economistas se referem a sobreaquecimento da economia, estes pretendem dizer que a procura está a crescer a um ritmo mais rápido do que a capacidade do lado da oferta, seja por restrições de capacidade instalada, laboral, entre outros. Os picos de inflação acompanhados de queda na taxa de desemprego são também indícios de um aquecimento na economia, causado por uma espiral de crescimento do rendimento disponível e dos preços de bens e serviços.

Os Bancos Centrais, na tentativa de conter esta situação, aplicam políticas monetárias restritivas, com subidas das taxas de juros de referência, que quando aplicadas em excesso podem levar a uma recessão. A taxa de inflação anual nos EUA acelerou inesperadamente para 9,1% em Junho, estando acima de máximos de 40 anos, enquanto que o nível de emprego aumentou (+372 mil postos de trabalho) também nesse mês, baixando a taxa de desemprego para 3,6% em Junho de 2022, mostrando claramente um cenário de sobreaquecimento da economia norte americana.

Em relação às bolhas nas classes de activos como acções, commodities, imobiliário, ou em cripto activos, vários analistas consideram que, nos últimos anos, estas classes de activos valorizaram-se muito para além do seu valor fundamental. No entanto, nesta conjuntura e quando a inflação aumenta de forma acelerada, podemos assistir a uma destruição abrupta de valor dos activos, resultando numa espiral negativa para a economia, principalmente se estes investimentos tiverem sido feitos com recurso a crédito.

A título de exemplo, os principais mercados accionistas mundiais já se encontram em terreno de bear market este ano, que ocorre quando estes índices perdem mais de 20% do seu valor. Por outro lado, investimentos mais especulativos como, por exemplo, a criptomoeda Bitcoin já perdeu mais de 60% do seu valor desde o início do ano, tendo existido uma destruição de mais de USD 2 Triliões em todas as cripto moedas mundiais.

A elevada e crescente inflação que o mundo vive pode desencadear uma recessão económica global

Quanto aos eventos imprevisíveis que podem levar a graves interrupções e que, infelizmente, na grande maioria não se conseguem gerir logo que acontecem, estes também podem motivar períodos recessivos.

São mais difíceis de controlo os eventos geopolíticos, e os seus impactos, como é o caso da guerra na Europa ou das pandemias, que são geralmente imediatos. Um exemplo de eventos destes é a pandemia covid-19, que motivou a entrada rápida num período de recessão logo após o início da propagação do vírus. A guerra na Ucrânia também está a ter impactos imediatos na economia mundial, com o alargamento das sanções dos principais países Ocidentais impostas à Rússia. Estas sanções estão também a afectar o abastecimento e os preços de energia, o que poderá motivar a curto prazo efeitos recessivos nas economias de vários países europeus.

Estes e outros acontecimentos causam reações nos mercados financeiros. Uma destas reações pode ser observada através das curvas de taxa de juro (yield curve) que tende a inverter-se em resposta às decisões de Política Monetária, no curto prazo, e às expectativas sobre a inflação, no longo prazo. A preocupação com a recessão coloca pressão sobre os Bancos Centrais e Governos, que nos últimos anos conseguiram orientar as suas economias num modelo de Goldilocks Economy - uma economia que não aqueça a ponto de causar inflação elevada e que não arrefeça a ponto de causar uma recessão.

A economia ideal é aquela que apresenta baixas taxas de desemprego e inflação, valorização dos preços de activos, baixas taxas de juros, rápido e constante crescimento do PIB.

Em Moçambique, após diversos choques consecutivos nos últimos anos, incluindo a pandemia, que levou em 2020 à primeira recessão no País em quase 30 anos, a economia recuperou em 2021, mas sob considerável incerteza.

Estas incertezas tendem a aumentar com a evolução da conjuntura global, assistindo-se a aumentos contínuos da inflação no País. Uma recessão global, ou pelo menos nos principais mercados, pode fazer cair os preços das commodities exportadas, e afectar de forma negativa as receitas actuais do Estado moçambicano.

Falta Investimento, Know-How, Estratégia e Objectivos. Só Não Falta Vontade de Conquistar “Soberania Alimentar”

O País produz apenas 5% do trigo que consome, em parte porque os produtores não conhecem as especificidades desta cultura nem as técnicas para o fazer, embora este seja apenas um dos problemas apontados pela União Nacional dos Camponeses, através do secretário-executivo, Luís Muchanga

Texto Celso Chambisso • Fotografia Mariano Silva

Fundada em 1987 e registada em 1994 com o objectivo geral de representar os camponeses e as suas organizações para assegurar os seus direitos sociais, económicas e culturais através do fortalecimento das organizações camponesas, a União Nacional dos Camponeses (UNAC) congrega cerca de 150 mil famílias camponesas à escala nacional.

De todos, reconhece que os produtores de trigo são residuais, e quase inexistentes. E, à semelhança do sector privado, aponta os nós críticos que minam a produção deste cereal e o caminho que pode libertar o País da dependência de importações. Luís Muchanga, secretário-executivo da UNAC, explica à E&M porque não se produz trigo em Moçambique, o que falta e o que deveria ser feito para tornar o País auto-suficiente.

Quais são os factores que levam à baixa, ou quase inexistente, produção de trigo em Moçambique?

É o facto o País, embora com boas condições ecológicas para a produção do trigo, não estar a capitalizar essa vantagem.

Não reconhecemos efectivamente o quanto este cereal é importante e o quanto precisamos de aumentar a sua produção. Isso não é compreensível se tomarmos em consideração que não se pode falar da dieta alimentar de um moçambicano, particularmente na zona urbana, sem o trigo. Actualmente, a oferta interna cobre apenas 5% da demanda, muito longe de poder sequer pensar em cobrir a necessidade interna.

E como se altera este paradigma?

Em 2008, quando tivemos os primeiros sinais da crise mundial de alimentos, houve uma mobilização e intervenção que tinha como meta reduzir o défice de produção para menos de metade da procura interna em muito pouco tempo (cerca de três anos).

Isto é, numa altura em que o País precisava de 370 mil toneladas de trigo, nós afirmámos que conseguiríamos cerca de 190 mil toneladas em pouco tempo.

Em que consistia esse programa e o que levou a que essa meta não se concretizasse?

Era um programa ambicioso. Um plano alargado de produção alimentar – O Plano de Acção para a Produção de Alimentos 2008-2011 – que ficou activo durante uma crise que se caracterizou pelo aumento acentuado dos preços do trigo, mas que, quando estes começaram a descer, as autoridades relaxaram do ponto de vista de intenção política e intenção prática no investimento para a produção. Ou seja, não conseguimos colocar em prática a nossa perspectiva que era, na altura, a de lidar com os desafios que existiam.

Não reconhecemos, como País, o quanto o trigo é importante e o quanto precisamos de aumentar a produção. Isso não é compreensível, não se pode falar da dieta alimentar sem se pensar em trigo

A que desafios se refere? Muitos deles são ainda actuais, ou não?

Um deles está na área da pesquisa. Sendo esta uma cultura que não é muito praticada no nosso País, precisamos de nos orientar com base em dados e indicadores, pelo que o primeiro passo passará por investir na investigação para que possamos produzir à escala necessária. Mas, além disso, há toda uma cadeia para ser repensada, do processamento ao armazenamento, passando pela formação técnica dos pequenos produtores, a abordagem às questões climáticas, etc.

Na altura, foram arroladas as províncias de Manica, Sofala e Tete, que nos davam maior possibilidade de incrementar a produção do trigo. Mas passado todo este tempo não conseguimos fazer nenhum investimento, voltámos ao relaxamento e olhamos para a importação como se fosse o principal desafio.

O que parece ser claramente o caminho errado, concorda?

Primeiro, não vemos a oportunidade que temos de entrar no mercado e apoiar a produção deste cereal. Também não estamos a apostar na pesquisa necessária nem na capacitação técnica dos produtores para que eles possam ‘pôr a mão na massa’.

E, depois, não estamos a preparar o conjunto de processos que dinamiza a própria cadeia. Nada está a ser pensado numa corrente única para que possamos dar passos significativos.

Quer dizer que as fragilidades recaem todas sobre os fazedores de política? Qual é o papel dos produtores neste processo?

Os produtores, como disse, precisam de ser estimulados e formados. Não são

capazes de dar passos consistentes sozinhos se a ideia for a produção do trigo em larga escala. Essas questões já foram identificadas há muito tempo. Houve essa intenção, mas não foram dados os passos concretos no sentido de nos capacitarmos e fortalecermos internamente para partirmos, de forma agressiva, rumo à produção deste cereal.

É difícil esboçar o tempo exacto durante o qual é possível ter resultados visíveis de uma intervenção desta dimensão, porque as campanhas agrícolas estão ligadas a outros factores externos, como os choques climáticos que temos vindo a sofrer nos últimos tempos, mas tenho a certeza de que, não podendo eliminar a dependência das importações em tão pouco tempo, podemos reduzi-la significativamente.

As alternativas ao pão, muitas vezes apontadas pelos governantes, também passam pela intervenção dos agricultores. A mandioca e o milho são parte dessa matriz. Haverá, também aqui, alguma responsabilidade do lado dos produtores, concorda com isso?

É verdade. É preciso ver outras alternativas para reduzir a demanda do trigo na produção alimentar. Aqui em Moçambique, em 2008, houve um trabalho muito interessante, no qual participou a Universidade Eduardo Mondlane (UEM), e que consistiu em ver que tipo de dinâmicas podiam ser pensadas na produção do pão para que o País pudesse reduzir o volume necessário do trigo para satisfazer as necessidades internas.

Nessa altura, a solução encontrada foi a mistura de uma pequena percentagem da farinha de milho e de mandioca na farinha de trigo. Essa experiência deu certo e foi possível reduzir a necessidade do trigo em 30%. O ponto essencial é que essas questões foram consideradas apenas no momento da crise que se vivia, e depois foram esquecidas, mesmo sendo importantes. Imagine se em 2008 tivesse sido levada a cabo, de forma contínua, a iniciativa de misturar 30% da farinha de mandioca em 70% da farinha de trigo. Hoje, provavelmente, estaríamos a usar 30% do trigo e 70% da farinha de mandioca.

Mas o Governo já reagiu sobre as alternativas que tinham sido consideradas naquele âmbito, e diz que concluiu que o pão produzido, envolvendo a produção da mandioca, sai ainda mais caro…

Essa percepção tem que ver com a forma como queremos promover e incentivar a cultura da mandioca. Por exemplo, a mandioca hoje está a alimentar uma fábrica de cervejas (da CDM, produzindo uma gama de produtos da cervejeira).

As províncias de Nampula e Inhambane são grandes produtoras da mandioca.

Se acreditamos que esta cultura pode ser uma solução, considerando que o País é o quarto maior produtor mundial deste tubérculo, significa que temos potencial e condições climáticas para produzi-lo em massa.

Acredita que se produzirmos massivamente a mandioca sairá cara? É que, quando se diz que estamos à procura de soluções, não podemos olhar para a mandioca de forma isolada. É preciso olhar a sua massificação e produção, trazer a capacidade de processamento.

É tudo uma questão de garantir a soberania alimentar, que é uma forma de também garantir o bem-estar dos moçambicanos. O problema da mandioca é a produção e o processamento. Não apenas a produção. E há exemplos. Em Nampula processa-se mandioca até nos bairros. Porque não podemos alargar esta prática?

Outra alternativa é a chamada “broa de milho”, que é um pão muito caro, mas que, quando produzido de forma massificada e por pessoas formadas para o efeito, é possível fazê-lo em larga escala. Não devemos pensar em investir hoje para ganhar logo a seguir. Precisamos de políticas públicas coerentes e não te-

Não devemos pensar em investir hoje para ganhar hoje. Precisamos de políticas públicas coerentes. Não temos políticas que garantam a segurança alimentar, e é preciso pensarmos na segurança e na soberania alimentar

mos políticas públicas que garantam a segurança alimentar. Mas é preciso pensarmos seriamente nesta ideia de soberania alimentar.

E de que forma podemos estimular o produtor nacional, na sua pequena dimensão, a produzir o trigo sem contar com o apoio do Estado? Seria isso possível?

Precisamos de ambas as coisas, e é necessária a intervenção do Estado. Primeiro, porque este precisa de perceber que há que dinamizar a produção desta cultura e de toda a sua cadeia de valor.

Para isso, são indispensáveis políticas públicas, incluindo as proteccionistas, tal como aconteceu com a produção do frango, que tem dado bons resultados ao nível da redução da importação. Tenhamos essa mesma visão na produção do trigo. Depois, precisamos de um investimento público sério que passe por conceder assistência técnica. Por exemplo, porque é que o trigo não faz parte das culturas que foram seleccionadas como emblema do País, sabendo-se da importância que tem?

Precisamos também de garantir que os agricultores saibam trabalhar com esta cultura, garantir que o mercado absorve a produção feita pelos camponeses e com preços que estimulem a produção.

Nós temos uma riqueza que não estamos a tomar em consideração, somos um país que tem 70% da população a viver no meio rural, desse universo, 80% está dedicado exclusivamente à produção agrícola, mas não estamos a capitalizar esta vantagem.

Fome de Combate à… Fome

Quatro meses de crise alimentar podem estar a ser tão ou mais severos para África do que dois anos e meio de covid-19. Ameaças de fome extrema empurram os países a improvisarem à procura de manter o pão à mesa das famílias. Os próximos tempos encarregar-se-ão de revelar o resultado dos esforços feitos

Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R

Especialistas de todo o mundo estão a divulgar uma série de estudos que revelam um ambiente desolador para o continente africano, chegando a inspirar artigos informativos com títulos como “África é a grande derrotada na batalha do trigo ucraniano”.

E não é para menos. Afinal, o aumento dos preços do sector agro-alimentar atingiu o continente já fustigado pela crise induzida pela pandemia à qual se soma a actual seca. As perspectivas apontam para a possibilidade de um aumento de até 30% no preço do pão em vários países do continente, provocando instabilidade política e crises violentas.

Isto acontecerá, segundo as previsões, num cenário em que quase nenhum país africano tem condições para sustentar um programa de subsídios similar ao que está a ser levado cabo pelo Egipto, que permite que 70% da população compre pão a preço subsidiado. No Cairo, a capital daquele país, o preço do pão não subsidiado já subiu 50%.

Luta pela sobrevivência

A Tunísia, país do Norte do continente, era considerado o celeiro de trigo do Império Romano, mas, com o tempo, foi perdendo essa posição. Entre 2012 e 2016, a Tunísia importou cerca de 33% do trigo duro e 85% do trigo mole, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

Com a mais recente subida do preço deste cereal, a estratégia passa por continuar a importar trigo mole para o pão e fomentar a produção do trigo duro, um ingrediente fundamental na dieta dos países da África do Norte. Assim, desde Abril, o Governo anunciou medidas que buscam alcançar a autosuficiência em trigo duro até 2023. O objectivo é aumentar de 560 mil para 800 mil hectares cultivados. E, para incentivar os agricultores a produzir mais, as autoridades aumentaram o preço que se paga por tonelada, e prevêem ajudar as cooperativas agrícolas a comprarem novos equipamentos de colheitas. O Ministério da Agricultura da Tunísia espera também aumentar em 30% a superfície de terra agrícola dedicada ao trigo mole para a próxima época, além de ter anunciado que os investidores estrangeiros terão a possibilidade de se tornarem plenos proprietários de empresas agrícolas sem serem obrigados a ter um parceiro tunisino, como acontece actualmente.

A Costa do Marfim, na África Ocidental, também importa a maior parte do trigo, principalmente da França. No ano passado, 10% do orçamento nacional destinou-se à importação de alimentos, apesar da fertilidade dos seus solos. A secretária-executiva do Conselho Nacional de Luta contra os Preços Altos, Ranie-Didi-

COMO OS PAÍSES ESTÃO A LIDAR COM A CRISE DO TRIGO

Em várias partes de África já há iniciativas de sobrevivência à crise actual. Diferentes, mas com um propósito único: resistir à fome

TUNÍSIA

Aumentar a área de cultivo de trigo de 560 mil para 800 mil hectares. Aumentar o preço pago aos produtores.

COSTA DO MARFIM

Limitar os preços do pão, oferecer mais ajuda às padarias e adicionar a mandioca nos ingredientes para o fabrico do pão.

QUÉNIA

Está a assistir-se a uma mudança por parte da indústria alimentar, que consiste em substituir o trigo por arroz e leguminosas.

NIGÉRIA

Está a introduzir mais culturas produzidas localmente na sua linhagem, nomeadamente o sorgo e os grãos de soja.

EGIPTO

Realiza experiências de receitas de massas que, descartando a farinha de trigo, utilizam o arroz, milho e farinha de lentilhas.

CAMARÕES

O país a suspendeu as exportações de farinha de trigo, arroz e cereais e começou a apostar fortemente na produção de batatas.

ce Bah Koné, acredita que chegou o momento de explorar o potencial da Costa do Marfim. Recentemente, o Governo decidiu limitar os preços do pão e oferecer mais ajuda às padarias.

Mas tanto os padeiros quanto o Governo defendem outra solução que consideram mais sustentável: introduzir a farinha de mandioca nos ingredientes para a produção do pão, aproveitando os 6,4 milhões de toneladas de mandioca produzidas anualmente.

No entanto, será necessário convencer o consumidor de que vale a pena apostar nesta solução, num país onde o pão de mandioca se associa a um pão de má qualidade. Ainda assim, o presidente da Confederação de Consumidores da Costa do Marfim, Jean Baptiste Koffi, acredita que a medida permitirá “relançar a produção de mandioca e manter o nível de preço do pão”. Por isso, está agendada para breve uma viagem de padeiros marfinenses ao Senegal para tentar criar um grupo que promova o uso de alimentos locais no fabrico do pão. Este movimento está a ter lugar em vários pontos do continente. Os produtores de alimentos no Quénia, Egipto, República Democrática do Congo, Nigéria e Camarões dizem estar a misturar alternativas mais baratas nos seus pães, pastelaria e massas. O arroz local, farinha de mandioca e sorgo estão a substituir o trigo.

Produção local é a aposta pontual

O Quénia importa cerca de 44% do trigo a partir da região do Mar Negro, e o aumento dos preços influenciou o aumento da inflação para 6,5% em Abril. A Unga Group Plc, fabricante de farinha de trigo da marca Exe e de farinha de milho da marca Jogoo, com sede em Nairóbi, está a assistir a uma mudança nas vendas para a sua linha de arroz e leguminosas, tudo para substituir o trigo, segundo o director-geral da Joseph Choge. “As vendas de leguminosas e arroz estão a crescer, enquanto o trigo está a descer”, afirmou.

O Egipto é o maior comprador de trigo, com mais de 80% das importações provenientes da Ucrânia e da Rússia. As compras governamentais estão 13% atrasadas em relação ao ano passado. Face a esta pressão, um grupo suíço-egípcio, fabricante de massas, está a experimentar novas receitas utilizando arroz, milho e farinha de lentilhas. Na Nigéria, a Nestlé Nigeria Plc, fabricante dos cereais Golden Morn, está a introduzir mais culturas produzidas localmente na sua linhagem, de acordo com o relatório anual da empresa para 2021. Estas incluem o sorgo e os grãos de soja. No Congo, o governo aprovou um programa de apoio à produção de farinha de mandioca para o fabrico de pão e pastelaria para ajudar a reduzir a dependência do trigo importado, que custa cerca de

Uma pesquisa revela que a especulação no mercado dos cereais está a concorrer para a alta do preço, já que, actualmente, há 30% mais cereais nas reservas mundiais

87 milhões de dólares por ano, segundo o respectivo ministro da Indústria, Julien Paluku. Para o vice-chefe do gabinete do presidente para as questões económicas do Congo, Andre Wameso, “se a maioria destes produtos fosse feita localmente sofreríamos menos com a crise ucraniana”.

Os Camarões importam cerca de um milhão de toneladas de trigo por ano, classificando-se entre os dez maiores compradores da África Subsaariana, de acordo com dados do Departamento de Agricultura dos EUA. A diminuição da produção interna levou o país a suspender as exportações de farinha de trigo, arroz e cereais para os países vizinhos. A mudança ocorreu após o Governo ter aumentado os preços do pão em 20% em Março. Em resposta, algumas empresas de alimentos estão a fazer um pivot para as batatas.

“A procura de batatas irlandesas pelos produtores de pão aumentou tremendamente”, disse Sylvanus Nsaichia Kiyung, um agricultor da cidade noroeste de Santa. “Estou a planear adquirir mais terras agrícolas e plantar mais batatas, a fim de recuperar o atraso em relação à procura. Todas as sete toneladas de batatas que produzi este ano foram desalfandegadas”, acrescentou.

Escassez de alimentos… um falso problema?

A guerra entre a Rússia e a Ucrânia é real. São reais também os seus efeitos. Mas a alta de preço dos alimentos pode ser a ponta do iceberg de um fenómeno muito mais profundo – o excesso de especulação –, segundo uma pesquisa divulgada na revista sul-africana “The Continent”, que cruzou pesquisas jornalísticas e dados apresentados pelas organizações multilaterais do sector da agricultura.

A publicação, datada de Julho do presente ano, refere que a alta de preços de alimentos foge dos pressupostos da procura e da oferta, já que a produção global tem estado a aumentar. “Actualmente, há 30% mais cereais nas reservas mundiais do que aquilo que é necessário para alimentar todas as populações… apesar da instabilidade política e das alterações climáticas”, argumenta.

A seguir explica o que considera estar a contribuir para a escalada do preço dos alimentos, no caso particular o trigo: habitualmente, um agricultor estima o tamanho da sua colheita no final da época e um comerciante concorda em comprá-la a um determinado preço. O agricultor é então pago para comprar fertilizantes e tudo o resto de que necessita para produzir essa cultura.

Depois, entrega o trigo. No entanto, esta série de passos apresenta riscos: as colheitas podem ser más, podem rebentar guerras e uma colheita excepcional pode levar a uma queda dos preços. Entretanto, para gerir este risco, o negociante pode fazer um contrato para o mesmo volume de cereais, o chamado contrato de futuros (um contrato negociável em que a entrega ocorre no futuro, numa data e a um preço acordados). É aqui onde entra o especulador: um investidor pode apostar numa subida do preço até à colheita (devido ao tempo ou a uma escassez, por exemplo) e comprar o contrato proposto. Se o preço subir, o investidor cobrará a diferença.

Uma especulação controlada permite aos agricultores e aos seus compradores limitar os seus riscos e proteger os seus rendimentos de acontecimentos imprevistos e de instabilidades. Mas se a especulação é excessiva a procura artificial dos especuladores pode levar à subida dos preços dos contratos a prazo, independentemente da oferta e da procura reais.

Será isto o que está a acontecer?

A publicação explica também que, desde o início do século XXI, os investidores institucionais, como os fundos de pensões, têm-se envolvido em mercados a prazo de matérias-primas, que são vistos como uma protecção contra a inflação. Os preços futuros são ditados pelas arbitragens destes organismos em matéria de investimentos, que não têm nada que ver com os fundamentos do mercado.

Normalmente, os alimentos são comprados no pressuposto de que podem ser revendidos com uma margem. Quanto mais comida houver, mais barata é e menos lucro há a tirar. Como resultado, os preços dos alimentos mudam de um ano para o outro, pois as secas e inundações alternam com as colheitas abundantes em diferentes partes do mundo. No entanto, uma especulação excessiva por parte dos investidores, que vêem os alimentos como qualquer outra mercadoria, muda tudo. A oferta e a procura já não são os principais árbitros dos preços. Durante os últimos 15 anos, este fenómeno tem criado fortes flutuações, apesar de as reservas mundiais serem estáveis.

This article is from: