UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE - CENTRO DE COMUNICAÇÃO E LETRAS
Publicação feita pelos alunos do segundo semestre de Jornalismo - Ed 152 - Ano XII - Mai 2015
Projeto TETO: estágio e solidariedade
Projeto TETO traz ao estudante universitário a oportunidade para os jovens encontrarem seu primeiro estágio e ao mesmo tempo ajudar famílias carentes, página 3
Quase dois séculos depois do embrião do movimento feminista começar a se desenvolver no mundo, as mulheres ainda lutam por direitos. Embora durante todo esse tempo muita coisa tenha sido igualada - como o direito ao voto e à educação, por exemplo -, a mulher ainda é subjugada em diversas áreas. A luta por igualdade entre homens e mulheres é um desafio gigante para uma sociedade patriarcal como a nossa. Em outubro de 2014, o Fórum Econômico Mundial apontou que o Brasil é o 71º país no ranking de seu relatório anual de igualdade entre gêneros. A pesquisa comparou gêneros nas áreas de educação, saúde, política e economia. Isso não é preocupante? Quer dizer, além de ser alvo constante de violência física e moral numa sociedade machista, a mulher brasileira deve se contentar em estar figurando no 71º lugar em um ranking que mede equidade de acordo com direitos básicos? Isso não deveria nem entrar em mérito de feminismo, e sim de bom senso coletivo. De acordo com pesquisa feita pelo IBGE, em 2013,
Universidade Presbiteriana Mackenzie Centro de Comunicação e Letras Diretor: Alexandre Huady Guimarães Coordenadora: Denise Paieiro Responsável pelas publicações: José Alves Trigo
há seis milhões de mulheres a mais que homens no Brasil. Por que, então, todos ficam cegos quando fala-se, por exemplo, em igualdade salarial? Isso é incoerente em um país no qual as mulheres representam a maioria dentre as pessoas que concluem o ensino superior, segundo o último CENSO realizado pelo MEC. Até quando a mulher será vista como menos capacitada para assumir um papel na sociedade? Estão presentes, nesta edição do Acontece, duas matérias sobre o protagonismo feminino em meios – dentre tantos outros - nos quais o homem sempre fora privilegiado: o cinema e o esporte. Depois que Patrícia Arquette discursou, no Oscar, sobre igualdade salarial, muito veio à tona sobre o sexismo que impera dentro do cinema, seja lá fora ou aqui. Tal sexismo não diz respeito apenas ao dinheiro, mas também à forma com a qual a mulher é tratada nessa indústria: quase sempre subestimada ou erotizada. A participação feminina em esportes sempre foi tratada com machismo. No rugby e no flag football (modali-
dade mais branda do futebol americano) isso é ainda pior, por serem vistos esportes mais “masculinizados”, que exigem força. Ambos deram uma alavancada nos últimos anos, colocando times femininos em evidência e enfatizando a questão de que mulher e delicadeza não são sinônimos. Além da questão dos sexos, o jornal também traz matérias sobre as atividades sociais da organização TETO - voluntariado na construção de moradias para quem vive em situações precárias -, as novidades sobre o Passe Livre para estudantes e o debate em torno do Parque Augusta. Também consta uma matéria cultural, sobre as megaexposições que têm acontecido por São Paulo. De toda forma, o assunto feminista está bem assinalado nesta edição. Ainda nos deparamos muito com a pergunta: feminismo pra quê? Enquanto a consciência comum não perceber que a sociedade só cresce com igualdade, o feminismo faz-se necessário para que as diferenças de gêneros não sejam desprezadas e os direitos sejam equiparados.
Editor de texto: Hugo Harris Editor de Arte: André N. D. Ferreira
Jornal-Laboratório dos alunos do segundo semestre do curso de Jornalismo do Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Equipe: Catullo Goes, Eloísa Lisboa, Euan Marshall, Evelyn Bianca, Frederico Guttilla, Gabriel Biagio, Gabriel Fernandes, Gisele Carvalho, Guilherme Franco, Jamyle Rkain, João Vicente, Julia Galhardo, Julia Garcia Kosior, Kaiqui Breno, Letícia Teixeira, Luan Lordello, Luiz Felipe Gaino
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Impressão: Gráfica Mackenzie Tiragem: 200 exemplares.
Teto para quem procura mais do que um simples estágio Projeto é uma excelente saída para quem busca oportunidades que vão além da experiência de crescimento profissional
Texto: Guilherme Franco e Ramon Candido Foto: Ramon Candido
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uitos jovens procuram um primeiro estágio, e o Projeto Teto pode ser uma boa opção. É um trabalho voluntário, e para muitos jovens participantes, uma mudança de vida. Perto da estação Butantã, em uma rua bem arborizada entre escolas, pode estar uma boa chance para aqueles que queiram começar a ser voluntários mas não sabem como. O TETO é uma organização presente em 19 países da América Latina e Caribe. O projeto nasceu em 1997 e tem como principal objetivo uma ação conjunta de moradores e jovens voluntários, que elabora modelos de intervenção urbana focado na construção de moradias populares e no desenvolvimento comunitário. De acordo com Bárbara Figueiredo, Diretora de comunicação do TETO, 23 anos, esse projeto é “uma vitória e um divisor de águas em sua vida”. Uma vez por mês há uma apresentação do escritório para universitários e participantes de diversas áreas. O horário de trabalho é flexível e as atividades são variadas, conforme as habilidades dos envolvidos. Há duas propostas de trabalho voluntário: as atividades pontuais em que o voluntário se compromete com uma determinada tarefa com uma duração pré-definida, por exemplo, um domingo à tarde ou um final de semana inteiro – construções, coleta de dados e entrevistas com as famílias; ou dedicar permanentemente uma quantidade de horas e seus talentos por semana nas diversas áreas: como Gestão Comunitária (análise de adaptação da comunidade); Diagnóstico (prospecção de novas comunidades); Construção e Logística (moradias de emergência e infraestrutura); Formação de Voluntariado; Administração e Finanças, entre outros. Na prática, Bárbara explica que primeiramente há um trabalho de análise do perfil socioeconômico daquela comunidade através de um questionário que é respondido por
todas as famílias do local. A prospecção e escolha estão intimamente ligadas às necessidades da região e teor emergencial dessas famílias. O trabalho de construção é feito em conjunto com essas famílias que, além de uma moradia digna, ganham um endereço fixo. O TETO pretende fechar 2015 com dois pilotos prontos: o programa de Formação de Lideranças Comunitárias e o Programa de Educação. Bárbara comenta que esses projetos são desdobramentos do que já acontece e do conceito por trás desse trabalho que é “proporcionar o direito de moradia, um direito central e fundamental para garantir os demais direitos básicos como saúde, educação e alimentação.” Segundo Ana Carolina Ariete, estudante de Gestão Ambiental e participante do TETO desde 2009, 23 anos, a maioria dos participantes do projeto TETO é de classe média, e muitos têm sua vida mudada ao conhecer novas realidades. “Julgar é muito fácil. A maioria dos professores às vezes só mostram o lado ruim das comunidades. Eu nunca achei: ‘nossa, eles são horríveis. Por que eles estão construindo ali’, temos que conhecer o outro lado, porque
lá é onde eles têm para construir. É desumano como eles vivem, você tem que ir a um projeto desses com a cabeça aberta, para sair dessa alienação que tanto eles como a gente vivem.” Para o jovem universitário é uma boa oportunidade para dar valor às coisas simples da vida. Camila Valladão, estudante de arquitetura e participante do TETO, 25 anos, conta que as experiências que teve foram fundamentais para o entendimento de qual rumo gostaria de dar a suas ambições pessoais seus estudos e sua carreira”. Já Ana Carolina Ariete conta que, uma semana antes de participar do projeto, estava reclamando com sua mãe que achava seu quarto pequeno, que podia ter um quarto maior. Foi uma grande mudança para ela quando entrou em uma casa e viu que era metade de seu quarto (que ela achava que era pequeno). Ela aprendeu a dar “valor a tudo, desde coisas materiais, família, ou a cada pessoa maravilhosa que você tem na sua vida.” Aprendeu a ficar mais crítica com a política, com a saúde, educação. É possível participar do TETO indo ao escritório ou fazendo inscrição pelo site: http://www.techo.org/paises/ brasil/participe.
Lousa com mensagens motivacionais e informações na sede do escritório TETO
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Mulheres derrubam o preconceito no esporte Atletas de time paulistas enfrentam falta de apoio, estrutura, chuva e lama para poderem competir Texto: Catullo Goes Luiz Felipe M Gaino Foto: Catullo Goes
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torm e Portuguesa já começaram seus treinos do ano e estão se preparando a todo vapor para as competições que estão por vir. Storm tem pela frente o campeonato paulista que acontecerá em São Carlos. Enquanto isso, a Portuguesa já venceu um torneio em homenagem ao Dia da Mulher, no dia 8 de março, e deve começar a se preparar para o Paulista. Para quem não entendeu nada, não se trata de futebol. Nem será falado sobre times como Palmeiras ou Corinthians. Storm é um time de Flag Football, modalidade semelhante ao futebol americano, porém com menos contato. Ao invés de se derrubar o adversário, puxa-se fitas presas na cintura. Já o time da Portuguesa joga Rugby Sevens, igual ao Rugby normal, porém ao invés de 15 jogadores, são sete em campo. Ambas são equipes femininas muito vitoriosas tanto dentro quanto fora de campo. Por serem esportes pouco difundidos no Brasil, vistos como violentos e dentro de um universo masculino, as garotas sofrem em dobro para poder praticá-los. Com pouca ou nenhuma estrutura, muitas vezes treinando em campos não adequados para prática de atividades, sem apoio ou incentivo para cubrir quaisquer custos, as mulheres bancam tudo do próprio bolso e treinam debaixo de chuva e até na lama. Além dos fatores estruturais, elas enfrentam o preconceito por jogarem esportes culturalmente tidos como masculinos. “As pessoas estranham no começo, mas veem o nosso esforço e simpatizam. O esporte está sendo visto com bons olhos e é fruto de nosso sacrifício”, contou Nathalia Chaves, jogadora e professora de Educação Física, 28 anos. Ela tem também um projeto de Rugby com crianças na escola onde
trabalha: “Em um time com cinco crianças, pelo menos duas devem ser meninas, para que não exista o preconceito desde cedo. A ideia é que as crianças não tenham apenas contato com a tradicional bola redonda do futebol”, completou. Já Beatriz “Pitbull” Alvarenga, estudante de 19 anos, conta que onde estuda é um pouco diferente: “O pessoal fala pra não mexer comigo porque eu jogo Rugby”. Além de jogar pela Lusa, já chegou a ser convocada para a seleção paulista sub-19, um grande feito para sua equipe. “Os times que não são da elite geralmente são esquecidos e não recebem reconhecimento”, disse Mineiro, treinador das garotas. “Ultimamente elas estão recebendo mais atenção que os homens. O preconceito está diminuindo e a visibilidade aumentando”, finalizou. Processo semelhante acontece no futebol americano. A audiência do esporte na televisão brasileira aumentou 800%, segundo German Von Hartenstein, diretor-geral da ESPN no Brasil. Esta audiência, no entanto, se dá para os jogos internacionais, da Liga Nacional Norte Americana. Essa popularidade ainda não se reflete nos praticantes do esporte no país, muito menos nas modalidades femininas. “Já foi pior. Hoje em dia o reconhecimento está aumentando”, conta Ligia Blat, jogadora do Storm, 22 anos. “As pessoas sempre
me perguntam por que eu jogo, se não me machuco”. Falta de resultado não pode ser o motivo da falta de apoio ao esporte. O Storm foi campeão e vice-campeão brasileiro em 2013 e 2014, respectivamente. Todos os outros times do Brasil sofrem do mesmo mal, o que acaba refletindo inclusive na seleção brasileira de Flag Football, presente nos dois últimos mundiais. Em 2012, na Suécia, as meninas tiveram que arcar com todos os custos de uma viagem internacional para jogar a Copa do Mundo. Terminaram em 12º lugar, dentre 14 times. Foi considerada uma enorme vitória para o esporte brasileiro. “Em 2014, na Itália, fomos ainda melhor. Uma pequena ajuda de custo bancou parte da viagem e nós conseguimos terminar na décima colocação, entre 16 times”, adicionou Grasiela Gonzaga, capitã do Storm, 35 anos. Não precisamos ir longe para perceber que mulheres jogando esportes dominados por homens, não recebem tanta atenção, para não dizer preconceito. O futebol, preferido do brasileiro, demonstra isso. Frases como “mulher não deveria jogar futebol” ainda são ouvidas. O objetivo das guerreiras do futebol americano e Rugby é justamente derrubar essa ideia.
As meninas da Portuguesa Rugby treinam pesado para o Campeonato Paulista
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Estudantes com tarifa zero Programa do Passe Livre deve beneficiar aproximadamente 600 mil até o final desse ano Texto: Gisele Carvalho e Victória Rodrigues Foto: Gisele Carvalho
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om forte influência da luta de uma década da classe estudantil, principalmente desde os protestos de 2013, a Prefeitura Municipal de São Paulo, em conjunto com o governo do Estado, sancionou o Passe Livre para estudantes da capital. A partir do esforço político de colocar o assunto mais uma vez em pauta, a lei entrou em vigor desde o dia dois de fevereiro. O benefício ajudará até o final do ano aproximadamente 60% dos estudantes que atendem aos requisitos necessários para obtê-lo, podendo ultrapassar 600 mil beneficiários. O programa do Passe Livre Estudantil é o acesso aos transportes públicos da cidade com tarifa zero. Destinado aos estudantes da rede pública de ensino fundamental e médio, e para universidades estaduais e federais com alunos que sejam baixa renda, esses precisam apresentar salário menor ou até 1,5 per capita. No caso das universidades privadas do ensino superior ligadas a programas governamen-
tais como o PROUNI, FIES, Bolsa Universidade ou Cotas Sociais, não é diferente. É necessário a apresentação de comprovante de renda e atender aos requisitos gerais citados no site da SPTrans. Segundo Adauto Farias, Diretor da SPTrans, uma das exigências da empresa é ter o novo cartão do estudante. Atualizado, com capacidade de adquirir cotas temporais, e não mais acumulativas como antes, tem o custo de sete tarifas no valor de 24,50. Esse novo modelo de bilhete funciona com outro método. Ao obter o Passe Livre, o estudante terá uma cota diária com limite de oito embarques em um período de 24 horas a partir do primeiro embarque. Se ultrapassarem, automaticamente dispara outra diária. Todos têm um total de 192 embarques mensais. Ao disparar esse limite, o aluno paga a tarifa regular dos transportes públicos equivalente a 3,50. As cotas gratuitas não se acumulam, e devem ser consumidas dentro do mês. Farias conclui: “Esse novo conceito de bilhete parte do princípio de que estudar vai além de frequentar a escola. Se o aluno administrar bem os seus créditos, vão restar embarques para frequentar os cinemas,
Passe Livre já ajuda mais da metade dos alunos que atendem aos requisitos
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museus e outras atividades culturais, até mesmo pra namorar nos finais de semana”. Porém, há algumas reclamações por parte dos estudantes para a obtenção do Passe Livre, principalmente dos alunos financiados pelo programa governamental FIES. A SPTrans alegou que as reclamações se dão por falta de maiores esclarecimentos por parte das instituições. Adauto afirmou: “No caso das pessoas que obtêm o FIES ou bolsa do PROUNI é a universidade que manda os dados, o estudante só faz o cadastro no site. Esse ano está tendo problema com o FIES, mas não é problema nosso”. Como a empresa não tem um controle de quem é ou não aluno cotista ou financiado, as universidades são encarregadas de mandar atualizar os dados cadastrais dos alunos, para que assim seja feita automaticamente a liberação do benefício. Henrique Domingues, 25, Diretor de Assistência Estudantil da UEE-SP (União Estadual dos Estudantes de São Paulo), afirma que com a implantação do programa, os estudantes reclamaram. Isso aconteceu devido ao limite de renda que a Prefeitura e a SPTrans exige. Além disso, há falta de informação. Muitas pessoas afirmam não ter conhecimento sobre a necessidade de atualizar o cartão de estudante para o modelo de 2015, refazer o cadastro na SPTrans e um questionário socioeconômico para adquirir o Passe Livre. Henrique ainda reconheceu: “Já conheço pessoas que conseguiram, inclusive, um estudante que estava recarregando sem problema lá no ponto certo no metrô. Então a burocracia é só no começo mesmo”. Recentemente uma ocupação em frente à Prefeitura reuniu pessoas que reivindicavam a ampliação do benefício. Em resposta a essa manifestação, no último dia 20 foi sancionada a inclusão dos alunos do curso técnico ao benefício. Os alunos do PRONATEC (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego) ainda não conseguiram. Porém, estes e os demais alunos que ainda não possuem o benefício, continuam lutando para que o Passe Livre seja universal e irrestito.
O futuro do Parque Augusta Ativistas prometem manter luta pela preservação do parque Texto: Euan Marshall, Gabriel Fernandes, Kaiqui Breno Foto: Euan Marshall
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pós a ação de reintegração de posse executada pela Polícia Militar, no dia 4 de março, o terreno do Parque Augusta, na região central da cidade, voltou a ter seus portões fechados para o público. Porém ativistas expulsos do espaço afirmam que o fato apenas fortaleceu sua causa pela proteção do parque. O coletivo de ativistas Organismo Parque Augusta (OPA) ocupava a área desde o dia 17 de janeiro e promoveu festivais dentro do local, que é alvo de especulação imobiliária. “Nossa luta é meio óbvia”, explicou Dan Scandurra, um dos membros originais do OPA. “É para não deixar que se destrua a última área verde do Centro”, completou. Após ser excluído do parque, Scandurra garante que o OPA não desistiu: “Ao invés de enfraquecer o movimento, cabe a nós trabalhar essa energia e evoluir [a causa]”, disse. O movimento tem atraído apoio popular, como o da dona Lúcia, comerciante, 51, que mora no bairro e defende a preservação do parque. “É claro que sou a favor [da criação do parque]. É a única área verde do centro de São Paulo”, afirmou. O terreno, situado entre as ruas Caio Prado e Marquês de Paranaguá, foi comprado em novembro de 2013 pelas construtoras Cyrela e Setin, que planejam construir três torres no espaço. Então, para alertar a sociedade quanto à situação do terreno, ativistas ocuparam a área e organizaram atividades culturais de dentro do parque. “Era para chamar a atenção que o terreno estaria em perigo de deixar de existir”, lembrou Scandurra. “Tivemos muito sucesso com esses festivais”, acrescentou. O principal argumento do coletivo seria a suposta ilegalidade no ato de fechar os portões. Mesmo que as construtoras sejam os proprietários da área, o lugar foi designado como de
Ativistas organizam um abaixo-assinado nos arredores do Parque Augusta utilidade pública em 2008, pelo então prefeito Gilberto Kassab. O decreto teria validade até agosto de 2013, mas advogados da organização Advogados Ativistas supunham que alterações feitas ao documento, em 2010 e 2012, fazem com que o status de utilidade pública seja vigente até 2017. Outro obstáculo causado pelas construtoras é o fato da área conter um bosque com árvores nativas da mata atlântica, assim como uma construção remanescente do antigo colégio feminino Des Oiseaux, ambos tombados pelo Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo) em 2004. Esse mesmo órgão aprovou, em janeiro deste ano, o projeto de construção de Cyrela e Setin, que prometeram não interferir nas áreas de patrimônio histórico e ambiental do parque. No entanto, a aprovação também é contestada, devido aos planos para o subterrâneo da área. “O projeto prevê cinco subsolos, que atingiria as raízes das árvores” disse Rosa Laura, outro membro do OPA. A esperança do OPA é que a Prefeitura consiga desapropriar o terreno para a criação do parque, prevista pelo prefeito Fernando Haddad em dezembro de 2013. As construtoras afirmam que não vão abrir mão do espaço por
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um preço menor que R$ 240 milhões, mesmo que tenham comprado o parque há dois anos por R$ 60 milhões. O OPA promete que manterá a pressão em cima das construtoras e da Prefeitura. No entanto, garante que sua luta não acabará com a criação do parque Augusta. “Também pretendemos influenciar na gestão do parque” assegura Scandurra. Por outro lado, a criação do parque e a luta do OPA não são unanimidades entre os moradores da região. Em carta aberta, a Amacon (Associação de Moradores da Consolação) chegou a chamar os integrantes do movimento de pseudo-ativistas. Na opinião deles, a criação de um parque gerido pelos ativistas pode atrapalhar o sossego de quem mora no entorno. É o caso da dona Maria, aposentada, 62, que não acha a gestão coletiva do parque o caminho mais viável. “Que seja algo organizado e não uma autogestão como estava acontecendo.” Além disso, para os moradores, a verba pública usada para a desapropriação poderia ser investida em outros setores, como por exemplo, saúde e moradia. “Prefiro que o dinheiro do parque seja destinado à construção de creches”, afirmou Maria. As construtoras Cyrela e Setin, procuradas pelo Acontece, se recusaram a conceder entrevista.
A representação da mulher no cinema Mulheres ainda são minoria na indústria cinematográfica, e também personagens secundárias nas tramas Texto: Mariane Ussier e Marina Prates Foto: Mariane Ussier
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último Oscar gerou polêmica, principalmente entre as mulheres. A atriz Patrícia Arquette, ganhadora do prêmio Oscar de melhor atriz coadjuvante (em ‘Boyhood’), reivindicou em seu discurso o ajuste salarial dentro da indústria cinematográfica entre homens e mulheres. As reações femininas eclodiram nas mídias. Além de campanhas, foram levantadas outras vertentes do tema como a representatividade da figura feminina no cinema. Segundo uma pesquisa sobre personagens femininos em filmes populares, desenvolvida pela ONU Mulheres e a Fundação Rockefeller, apenas 30,9% dos personagens nomeados ou falantes na ficção são do sexo feminino; 28,8% *das personagens femininas aparecem, em algum momento da trama, parcialmente ou totalmente nuas, em contrapartida somente 7% dos homens passam pelo mesmo. O jornal Acontece conversou com especialistas de cinema, feministas e também com o público a fim de saber diversos pontos de vista sobre o tema. Os papéis femininos, na maioria das vezes levando em conta a história do cinema, são colocados em segundo plano, ou seja, dificilmente uma personagem mulher é a protagonista, ou o sujeito da narrativa. Sérgio Rizzo, jornalista e professor especialista em cinema, explicou ao Acontece que o papel da mulher no cinema, geralmente, é dado por dois extremos. São eles: a “mulher rainha do lar” na qual o objetivo final é encontrar seu príncipe e constituir uma família, ou a “mulher vampira”, com presença sensual muito forte e personalidade desequilibrada, fugindo dos paradigmas impostos pela sociedade. “O cinema se constituiu com base no olhar masculino, não só porque foi criado por homens, mas também porque até hoje eles são estupidamente
Sérgio Rizzo, jornalista, professor e crítico de cinema a maioria, em todos os países. As de fragilidade e dependência do homulheres ainda entram pelas beira- mem. “Um filme que a imagem da das”, conta o jornalista. mulher diverge dos padrões é Kill A indústria cinematográfica, Bill. Afinal, ela luta sozinha pela principalmente hollywoodiana, tem vingança e seu final feliz é sozinha, relevância econômica muito gran- pois alcança sua finalidade, sem dede, vendendo seus filmes por meio pender de uma figura masculina”, da identificação coletiva dos cida- afirma Indira. Conclui ainda que dãos. Desse modo, retrata em seus ela não se sente representada pelos filmes, na maioria das vezes, o que esteriótipos usados no cinema. o público sente prazer em ver e que Bruna Florença, 25 anos, psicóse identifica. loga e simpatizante do movimento O diretores de filmes alterna- feminista, diz que “A mídia domitivos, geralmente sem muito inte- nante nos passa uma mensagem resse capital, mostram situações que deseja ser perpetuada, como a divergentes do padrão comprado submissão da mulher, ou também pela massa. Diretores como Taran- o heroísmo masculino. Nas mídias tino, Lars Von Trier e Almodóvar alternativas são apresentados há frequentemente produzem obras algum tempo uma mudança de pamais liberais quanto aos papéis péis, que fogem do sexismo.” sexistas. Nos dias atuais, a mulher O cinema, como todas as artes está começando a ser retratada de midiáticas, tem poder social indisoutras formas. Ela tem ganhado cutível, às vezes retratando a reaespaço em posições de liderança e lidade ou criticando-a. Cabe ao esindependência no cinema, resulta- pectador um olhar mais crítico para do das conquistas alcançadas pelo interpretá-lo, enxergando o cinema movimento feminista. não só como um mero entreteniIndira Gabriela, 20 anos, ofi- mento, mas também uma forma de cineira do projeto “Mulheres em analisar o mundo através das teloposições de poder e liderança”, re- nas. latou que a mulher cada vez mais luta pelo seu espaço de poder e li- * www.womenintvfilm.sdsu.edu/ derança, e no cinema ainda elas as- Center for the Study of Women in Tesumem, geralmente, uma posição levision & Film
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Megaexposições em São Paulo: uma nova epidemia O sucesso das grandes exposições causa filas, horas de espera e geram recordes de público Texto: Evelyn Bianca e Jamyle Rkain Foto: Jamyle Rkain
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s megaexposições têm atraído cada vez mais pessoas em São Paulo. Com recordes de público em várias salas de exposições espalhadas pela cidade, o grande sucesso desses eventos tem contribuído para que a cidade se torne um polo em potencial para a arte. O Museu da Imagem e do Som (MIS-SP), o Instituto Tomie Ohtake e o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) são alguns dos espaços que se destacam na realização desses eventos. Artistas de diferentes áreas da arte, internacionais e nacionais, como Salvador Dalí e David Bowie, tiveram seus trabalhos exibidos nos últimos anos, em exposições que duraram meses. Para conferir o trabalho desses artistas e de outras exposições renomadas, o público teve que enfrentar horas de fila. A de Stanley Kubrick, por exemplo, teve seis horas de espera no último dia de exibição. As exposições “Stanley Kubrick” e “Castelo Rá-tim-bum” foram – entre outras - oferecidas pelo MIS-SP, localizado na região do Jardim Europa, e tiveram um grande retorno do público. A exposição em homenagem ao cineasta nova-iorquino, realizada de outubro de 2013 a janeiro de 2014, superou as expectativas do museu. De acordo com Gabrielle Araújo, adaptadora e produtora geral da mostra, eles não esperavam tanta repercussão quanto a que foi obtida, com um público estimado em 83.000 pessoas. Mas o grande sucesso do museu foi a recente Castelo Rá-tim-bum, que atraiu mais de 410.000 pessoas. Sua exibição teve que ser prorrogada duas vezes para atender a demanda, se tornando um marco na história do MIS como a exposição que ficou maior tempo em cartaz (de julho de 2014 a janeiro de 2015) e teve o maior número de visitantes. Renan Daniel, curador da exposição “Castelo Rá-tim-bum” e parceiro de Gabrielle no núcleo de programação do MIS, ressalta que o museu não
tem a intenção de realizar apenas megaexposições: “O objetivo é trazer exposições que estejam de acordo com a curadoria e com o conceito do museu, oferecendo um produto que agrade e esteja em sintonia com o público”, Grabrielle complementa: “Não queremos trazer apenas blockbusters, e sim exposições de qualidade que venham de encontro à linguagem do museu”. Os dois atribuem o sucesso à apresentação rebuscada e recriada das exposições originais para que elas tenham as características do museu, tendo em vista que o MIS cria um novo conceito expositivo e uma cenografia para as exposições exibidas. A exposição campeã foi Salvador Dalí, no Instituto Tomie Ohtake, que recebeu mais de 535.000 pessoas, no início de 2014. Outras grandes também foram recorde de público em salas de exibição, como o australiano Ron Mueck, na Pinacoteca, e Obsessão Infinita, de Yayoi Kusama, também no Tomie Ohtake. Ambas tiveram números próximos a 402.000 e 523.000 visitantes, respectivamente. O que mais chamou atenção na mostra Obsessão Infinita foi a quantidade de fotos espalhadas pelas redes sociais. Isso deu espaço a um
questionamento nas próprias redes: as pessoas vão a exposições para apreciar a arte ou para criar uma imagem de si para os outros? Para Vitória Arruda, diretora de produção do instituto - que agora prepara Miró e Frida Khalo, ainda para 2015 - isso configurou algo muito saudável, pois era uma forma de interação do público com a exposição. “As pessoas mostravam, assim, as coisas que elas gostaram, dava pra termos uma ideia. E era bom para divulgar a exposição também. Tem umas fotos muito criativas”, contou a diretora. O professor Sérgio Wajman, do Departamento de Psicologia da PUC-SP, usa o livro “A Sociedade do Espetáculo”, escrito por Guy Debord, para demonstrar que a importância da imagem é uma questão corriqueira: “As pessoas precisam, a todo custo, ter imagens de coisas que elas consideram positivas e que tenham o reconhecimento das pessoas através dessas imagens. Elas não precisam ser alguma coisa, elas têm que parecer ser alguma coisa”, cita. Sérgio conclui que, para essas pessoas, o importante não é o que os outros pensam sobre elas, e sim que emitam uma opinião positiva, que nas redes sociais se chama “curtir”.
A exposição do Castelo Rá-Tim-Bum foi recordista de público do MIS
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