
6 minute read
3. Os três padrões de atitude diante do conflito e da violência institucional
pessoal como na esfera profissional (entre colegas; gerentes, funcionários e clientes;
pacientes e profissionais da saúde, professores e alunos, patrões e empregados).
Advertisement
Além das razões já mencionadas acima, encontramos também uma demanda
cada vez mais forte pelo respeito aos direitos individuais, à liberdade de expressão e à
crítica das figuras de autoridade tradicionais. Todo mundo quer ser ouvido, respeitado,
levado em consideração e exige a exemplaridade das elites. Cada um tem agora acesso
fácil a todas as informações (e, por vezes, a toda desinformação!) do mundo e considera
ter tanta legitimidade quanto os profissionais para expressar sua opinião sobre diferentes
assuntos da atualidade.
Outro (macro)fator importante é a aceleração social do tempo8 que gera
ansiedade e impaciência generalizadas, provocando condições adversas a uma gestão
apaziguada dos conflitos.
De certa forma, isso tudo é positivo e ao mesmo tempo, preocupante: não existe
mais verdades estabelecidas e definitivas. No entanto, esses fenômenos geram um novo
tipo de sociedade onde a angústia e o estresse afetam significativamente os sujeitos e
onde situações tensas e rivalidades surgem, que podem se tornar conflitantes. Se não
forem bem tratadas, essas situações podem enfraquecer, ou mesmo prejudicar, a
convivência e os vínculos entre as pessoas, gerando uma perda de respeito mútuo, de
comprometimento e confiança, aumentando ainda mais o desânimo e até o desespero. É preciso agir! E existem propostas para isso!
8 Estudada e teorizada pelo sociólogo alemão Hartmut Rosa (2019).
3. Os três padrões de atitudes diante do conflito e
da violência institucional
“Violência que fala é já uma violência que procura ter razão; é uma violência que se coloca na órbita da razão e que começa já a negar-se como violência.” Paul Ricœur
Embora seja importante não confundir conflito e violência, é igualmente
importante ver como um pode levar à outra. Várias culturas têm medo do conflito por
causa do seu potencial violento. Sabe-se que conflitos mal resolvidos podem se tornar
violentos. Por isso, existem culturas onde ele é camuflado, onde a paz e a harmonia são
aparentes, enquanto o fermento da violência continua aumentando até explosões
repentinas.
Existem, de fato, várias concepções filosóficas do conflito. Ele pode ser
considerado como uma patologia, uma anomalia, algo periférico ao estado normal das
coisas, como também pode ser visto como o motor das mudanças sociais e históricas (por exemplo, a visão da História na teoria marxista). Ele se encontra igualmente nos alicerces
da sociedade e da cultura, como mostra a história de Rômulo e Remo, exemplo de um
conflito fundador.
Essas concepções evocam três padrões principais de atitudes dos grupos,
instituições ou organizações em face dos conflitos.
1. Um primeiro padrão é aquele que nega, ignora ou minimiza a existência de
tensões e da violência na própria organização. Acredita-se que reconhecer esses
fenômenos iria piorar os mesmos (por medo da violência, negam-se os conflitos!) ou
danificar a imagem que a instituição quer manter aos olhos do mundo. Essa “escolha” é arriscada, pois além de gerar muito sofrimento, deixa serem instaladas situações que
podem produzir mais violência. Trata-se de um cálculo errado acarretando, portanto, o
efeito inverso.
De fato, é possível perceber hoje essa atitude de negação em grandes instituições como, por exemplo, a Igreja Católica9 (ou os Boy Scouts of America), onde condutas erradas que aconteceram no passado (por exemplo, abusos morais ou sexuais) de alguns responsáveis, estão
sendo reveladas e colocadas à luz do dia de forma muito rápida, indo além do controle da própria
instituição.
Essa violência pode ser “descendente”, ou seja, dos representantes da instituição para os usuários (alunos, pacientes, clientes) ou “ascendente”, aquela que vai dos usuários - ou cidadãos
– direcionada para os “representantes”. Mas esta última é um fenômeno novo, diante do qual as
sociedades contemporâneas encontram-se por enquanto sem resposta.
Esses dois movimentos podem entrar em uma dinâmica de violência anômica10
perigosa. Quando a violência ascendente (por exemplo, um aluno insultando um
professor) não é levada em consideração nem tratada de forma adequada pelos
representantes da instituição, pode gerar conflitos internos e alimentar o quadro geral
da violência anômica. Por isso, dizemos que esse tipo de violência gera conflitos, mas
também se alimenta deles, através de um círculo caracterizado como destrutivo.
Uma grande lição dos tempos atuais é que, cedo ou tarde, as coisas estão sendo
reveladas. Podemos criticar, com razão, a tecnologia e as redes sociais. Todavia, nesse
aspecto, percebemos que o Twitter e outras redes sociais também participam de um
movimento histórico, profundo e, com muita probabilidade, irreversível, no que diz
9 Ver também esse artigo. 10 A violência anômica é aquela onde há ausência de lei. Ela gera o caos e se alimenta dele.
respeito à revelação e à denúncia da violência institucional até então normalizada ou
velada.
2. Um segundo padrão de atitude consiste em incentivar ou fomentar os
conflitos, as tensões, competições e disputas usando estratégias, linguagem irônica,
manipulando colegas, funcionários ou membros do grupo, tendo prazer em ver as
pessoas competindo. Esse incentivo à competição pode ser de duas maneiras: com
intenções positivas a fim de aumentar a produtividade ou criatividade, acreditando que
do conflito surge a inovação; ou com intenções negativas, visando dividir para melhor
governar. Existem pessoas ou grupos que gostam de conflitos, de intrigas, e de certa
forma ficam viciados nas sensações e sentimentos gerados por essas relações. Acham a
vida sem conflitos “um tédio”. Essa atitude poderá levar às mesmas consequências da primeira atitude, ou seja,
gerar desgaste, desconfiança e eventualmente violência.
3. Enfim, um terceiro padrão, mais raro, porque mais difícil, requer um trabalho
constante de consciência e vigilância assim como de aceitação do que geralmente não
queremos ver. Essa atitude é aquela que reconhece a existência quase inevitável do
conflito e se propõe tratá-lo de forma construtiva e produtiva. Ela vai gerar menos
sofrimento, será uma fonte de aprendizagem pessoal e coletiva, acarretando uma
diminuição da violência, além de cumprir objetivos morais e estratégicos. Ela também se
revela mais eficiente: aumento da produtividade e da criatividade. Podemos aqui citar o
exemplo do “assédio moral” em uma empresa. Nesse caso, é muito importante que a
chefia não apenas aja o quanto antes para pôr fim a tais acontecimentos como também
apoie a vítima, reconhecendo seu sofrimento e evitando, assim, que além da dor oriunda da situação, adicione-se ressentimento contra a instituição como um todo11 .
11 Nossa relação com conflitos e violência é semelhante à nossa atitude em relação ao lixo. Tendemos a não querer vê-lo, jogamos fora ou o acumulamos em certas regiões da sociedade. Só que, em sociedades complexas e hiperconectadas como a nossa atual, não existe mais (se já existiu!) espaços alheios, radicalmente separados. Por isso, podemos falar de um processo de autointoxicação tanto em relação à violência quanto em relação à poluição.
A figura abaixo resume o que acabamos de expor:

Figura 1- Três padrões de atitudes diante dos conflitos (fonte: Ludovic Aubin)
Existem, então, conflitos necessários e conflitos desnecessários? Como distinguir
uns dos outros?
Eis outra pergunta que costumo fazer aos participantes dos meus cursos. Minha resposta é simples: quando “tentamos de tudo” para mudar uma situação e não conseguimos chegar a um acordo de mudança por consentimento, adesão ou
cooperação da outra parte, talvez seja preciso, sim, que haja um conflito para redefinir
as bases da relação a fim de que, por exemplo, uma situação insustentável possa ser
denunciada, exposta. A questão que decorre é: com que intenção, com que visão do
outro e que métodos utilizaremos para entrar no conflito com o intuito de tentar resolvê-
lo?
No entanto, existe uma grande quantidade de conflitos que são desnecessários,
que surgem simplesmente devido à falta de atenção, cuidado, habilidade ou escuta.
Ocorrem por negligência ou ignorância dos efeitos que nossas atitudes provocam nos
outros. Esses conflitos são desgastantes, geram grande perda de tempo e de confiança,



