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9. A assertividade

Em termos comportamentais, a fuga não tem conotação positiva, negativa ou

moral. Por exemplo, a fuga do animal certamente não terá impacto em sua autoestima!

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Ele não será apontado como “covarde” pela sua espécie, mas no caso do ser humano pode ter essas consequências. No entanto, no Elogio da Fuga, Laborit25 defende a ideia

de que existem certas situações pelas quais não valem à pena sofrer ou adoecer. O autor

promove a ideia que, em certos casos, é melhor se afastar do que persistir em querer mudar determinada situação, ou pessoas que não desejam mudar26 .

Resumindo: segundo as pesquisas de Laborit, quando um animal se encontra em

uma situação de estresse, ele pode atacar (agressão) ou fugir. Porém, quando por algum

motivo, ele não pode nem fugir nem atacar, ele se encontra em uma situação de inibição

da ação.

3. Na inibição, toda a energia que podia ir para a fuga ou a agressividade, volta-se

para o próprio organismo. Esse comportamento, que Laborit estudou em detalhes com

animais, assume, conforme já disse, formas específicas quando se trata do ser humano. No caso dos seres humanos, ele pode gerar as condições para o surgimento e/ou

desenvolvimento de doenças psicossomáticas, autoimunes, com pensamentos

associados (geralmente negativos) e um estado geral de desânimo, depressão e baixa

autoestima; tendo o inibido a impressão de estar em um impasse. Quando esse

comportamento se torna um hábito comportamental, ou seja, uma característica da

pessoa, pode então se tornar perigoso.

Diante de uma situação de conflito ou de tensão com o outro, existe uma

dimensão moral associada à inibição e que é especificamente humana: um sentimento

de culpa ou de vergonha: “Não posso falar, não posso ser sincero, vou magoar, machucá-

25 Ver o artigo Henri Laborit and the inhibition of action: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3984888/ 26 Na segunda sessão do curso “Prevenção e gestão de conflitos”, uma aluna vem me ver e diz: “Ludovic, depois da primeira sessão, resolvi sair do meu trabalho” Fiquei preocupado e me sentindo culpado. “Não se preocupe. Foi a melhor coisa que fiz. Há anos que estou aguentando e tentando mudar o comportamento de meu patrão, mas ele não vai mudar! Ele sempre foi assim. Estou exausta. Agora ingressei num curso que sempre quis fazer e estou me realizando.”

lo.” Logo, a inibição está relacionada com a (auto)censura, a omissão, e provoca

frustração, impressão de “ser covarde”, com consequências prejudiciais na autoimagem

e na saúde (por exemplo, baixa qualidade do sono).

A inibição é geralmente uma característica das personalidades observadoras.

Estas podem tender a valorizar demasiadamente a observação do mundo, dos outros, a

empatia, a compreensão dos outros, a forma como funcionam, omitindo a auto-

observação ou, ao menos, a observação dos próprios sentimentos, necessidades e

demandas.

Nas formas extremas, ou quando essa postura observadora se estende demais, o

inibido pode entrar em um túnel, um impasse, um labirinto que vai afunilando, trazendo

a sensação de não poder mais sair. Essa situação gera angústia, dificultando ao inibido a

visão de possíveis soluções, ou a possibilidade de pedir ajuda. Esse pode ser um momento

perigoso, pois a raiva guardada pode se voltar contra si mesmo sob a forma de pensamentos e de comportamentos hostis (autoagressão).

O paradoxo da inibição (ou passividade) é que, pelo medo da violência, esta pode

favorecer a violência.

4. As estratégias podem ser negativas; inadequadas ou arriscadas; ou positivas.

Elas podem ser, portanto, destrutivas, desagregadoras ou, ao contrário, agregadoras,

resolutivas. Entre as estratégias negativas, encontra-se a manipulação. A manipulação

envolve uma série de atitudes e comportamentos, determinados pela intenção de

beneficiar a si mesmo, inclusive prejudicando o outro ou tirando proveito dele se for

necessário. Alguns exemplos de comportamentos manipuladores podem ser a mentira,

a vingança e a chantagem. O manipulador acaba usando esses comportamentos de forma

comum e frequente, recorrendo a todos os meios possíveis (gentileza, doçura, pressão,

cobrança, assédio, pedido de desculpas, boatos, mentiras, violência psicológica, sedução,

falsos elogios etc.) para alcançar seus fins. O lema “o fim justifica os meios” é a sua ética. E é ele quem define esse fim.

Sobre esse assunto, gostaria de inserir um pequeno comentário:

Para se proteger de um manipulador, é de suma importância registrar os eventos,

anotar, ficar com provas físicas, conversar com terceiros competentes (“bem resolvidos”)

para sondar se estamos “inventando” ou se realmente a pessoa está tendo conosco um

comportamento estranho, manipulador ou até mesmo perverso.

Entre as estratégias inadequadas ou arriscadas em situação de tensão,

encontramos ainda a ironia, o humor, o resguardo (ou evitamento). Estas podem ser mal

interpretadas pelo outro, interpretadas como agressivas ou podem só protelar os

problemas que vão, portanto, engrossando.

Entre as estratégias positivas encontramos a mediação, a escuta atenta, a CNV e

a assertividade. Esta é, de fato, outra forma de comportamento possível diante de um

conflito. Podemos considerá-la como uma estratégia positiva pois acreditamos que seja

o caminho mais adequado e construtivo, aquele que menos provoca danos. Por essas

razões, dedicaremos um capítulo exclusivo à “assertividade”, a fim de refletir sobre seu papel positivo nas relações conflituosas.

Momentos para refletir

a. Você consegue identificar em que comportamento você se enquadra com mais frequência?

b. Você consegue identificar com mais clareza o padrão de pensamentos / emoções/ comportamentos.

c. Você percebe como seria proveitoso encontrar alternativas para evitar a repetição de padrões?

9. A assertividade

“Os estudos mostram que a assertividade melhora a autoestima, reduz a ansiedade, vence a depressão e aumenta a capacidade de realização, o nível de aceitação pessoal e a habilidade de se comunicar com os outros.” Alberti R. e Emmons M. (2008)

A assertividade é deixar de nos sentirmos culpados por nossos

sentimentos, mas nos sentirmos responsáveis por nossos comportamentos e

corresponsáveis pelas situações nas quais estamos envolvidos. Segundo os

autores clássicos dessa noção, ela é a atitude “que promove igualdade nas

relações humanas, permitindo que possamos agir de acordo com nossos

interesses, defender nossas posições sem ansiedade, expressar nossos

sentimentos de maneira honesta e tranquila, além de exercer nossos direitos pessoais sem negar os dos outros” (Alberti e Emmons, 2008, 14).

Apresentaremos, agora, a origem da assertividade, as qualidades de uma pessoa

assertiva, os propósitos e princípios desse comportamento estratégico, no

sentido nobre da palavra “estratégia”, ou seja, um comportamento elaborado em

função de uma adequação entre o fim e os meios usados para alcançá-lo.

De onde vem a assertividade?

A assertividade, como conjunto de técnicas e métodos de comunicação, nasce

principalmente na segunda metade do século XX, sistematizada por vários psicólogos

americanos e caracterizada como sendo o comportamento que mais atende às exigências

éticas, sociais e psicológicas das sociedades democráticas contemporâneas. Nestas

sociedades, por serem igualitárias em direitos, cada um precisa: 1) manter sua

autoestima sem afetar a dos outros; 2) aceitar a competição social e as regras da

meritocracia sem cair nos comportamentos-armadilhas que identificamos no capítulo

anterior.

Além dessas figuras inspiradoras da assertividade, existem algumas obras que

considero como fundadoras desse conceito: o livro de Alberti e Emmons (2008) pode ser

visto como um clássico; o de Marshall Rosenberg (2006), fundador do conceito de CNV,

e o de William Ury (2018), sobre os Métodos de Negociação, são obras complementares

da assertividade.

No curso, apresento a assertividade num aspecto um pouco diferente dessa

abordagem psicológica, embora complementar. Para mim, a assertividade vai além da

visão ocidental contemporânea citada acima. Ela pertence a uma tradição ética muito

mais vasta.

Assim, gosto de ver a assertividade como a aplicação, na vida cotidiana, de

princípios profundos que se forjaram nas lutas não violentas pelos direitos civis. Aqui

estão alguns exemplos de figuras que inspiraram a assertividade: 1) Gandhi, que lutou de forma não violenta contra a dominação do império britânico, na Índia; 2) Rosa Parks e

Martin Luther King, que lutaram contra a segregação racial nos Estados Unidos nos anos 1950-60; 3) ou ainda Thich Nhat Hanh, que lutou em prol da paz e da reconciliação

durante as guerras do Vietnam (primeiro com a França e, em seguida, com os EUA).

Todas essas pessoas e obras (e várias outras) formam uma matriz metodológica

assertiva. Há muitas outras pessoas, mais ou menos conhecidas, que nunca deixaram de

acreditar no ser humano, na luta incansável pela dignidade sem cair no ódio contra o

opressor, ou seja, sem reduzir a pessoa aos seus atos opressores e repetir, assim, a eterna

roda do sofrimento e da violência.

Quais são as qualidades de uma pessoa assertiva?

Sendo as relações humanas, às vezes, explosivas, as qualidades a serem

desenvolvidas para se tornar uma pessoa assertiva são comparáveis às qualidades de um desarmador de mina: intenção positiva, coragem, precisão /tato, determinação,

paciência, controle emocional, vigilância, interesse pela tarefa.

Podemos também nos inspirar das qualidades de um equilibrista focado em um

objetivo, concentrado e relaxado, muito atento a cada passo, estando aqui e lá, tentando

não cair para um lado (inibição), para o outro (agressividade) ou para trás (manipulação).

Fugir? Fica difícil!

A assertividade pode ainda ser caracterizada como sendo um “egoísmo altruísta” pois, de certa forma, o “inibido” não está sendo egoísta o suficiente, no sentido nobre da

palavra (cuidar de si, não omitir seus sentimentos e necessidades; ter autoempatia). Ele

precisa pensar mais no seu bem-estar. Em muitas ocasiões, ele se omite, encontrando

desculpas para o comportamento do outro. O agressivo, por sua vez, precisa ser mais

altruísta, pensar mais nas consequências do seu comportamento no outro.

O propósito da assertividade

Os limites (as regras) têm como função facilitar a convivência, ou seja, evitar

conflitos. Assim, um dos objetivos da assertividade é estabelecer regras, minimizando o

risco que possa se tornar uma ocasião de conflito.

O comportamento assertivo é, portanto, aquele que alcança uma dupla meta:

1- Libertar o sujeito, permitindo a expressão de seus sentimentos

2- Sem ofender o outro

Em outras palavras, trata-se de evitar as armadilhas: sem censura, sem agressão.

Essa dimensão ética também tem um aspecto pragmático e estratégico, no

sentido nobre da palavra. Uma pessoa que não se sentiu ofendida por nossas palavras ou

atitudes, é uma pessoa que tem menos probabilidade de se tornar nosso rival ou nosso

inimigo. Trata-se de uma maneira de reconciliar ética e eficiência, diminuindo a

ocorrência de atritos e conflitos.

Uma boa maneira de fazer isso é cuidar do outro (uma atitude respeitosa faz com

que ele não se torne um rival ou um inimigo) pois, por estarmos interconectados a um

nível que talvez não consigamos imaginar, o bem-estar do outro determina direta ou

indiretamente o nosso.

Podemos concluir que cada comportamento em situação tensa tem suas

vantagens, desvantagens e seus riscos. O agressivo precisa observar mais! O inibido

precisa agir mais! Enfim, existe uma responsabilidade ética ao tomar conhecimento dos

princípios da assertividade: temos que ter cuidado para não os utilizar na intenção de

manipular as pessoas. São ferramentas poderosas!

Princípios da assertividade

“O fim não justifica os meios!” A noção de pessoa é central na assertividade. É

possível criticar (e discordar de) opiniões, ideias e valores. Porém, distinguimos esses

aspectos da pessoa em si, que não se reduz a nenhuma deles.

A atitude assertiva é comparável à do médico que cuida de seus pacientes,

independentemente da sua condição socioeconômica ou do seu passado. Segundo Illich

(2006) e Girard (1999), encontramos raízes dessa ética na concepção que se tem de Deus nos Evangelhos, onde Ele “faz raiar o seu sol sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos.” (Mateus 5:45)27 . Essa ética parece chocante! Como tratar de forma

igualmente respeitosa os maus e os bons? Para compreender melhor, precisamos

resgatar a noção de pessoa. A pessoa é a dimensão divina, não condicionada, imaculada

do indivíduo. A dimensão de Luz que nós, sujeitos comuns, não conseguimos enxergar.

Talvez precisemos treinar, educar nosso olhar sobre os outros e sobre nós mesmos como,

por exemplo, com a ajuda de grandes mestres realizados, que conseguem enxergar essa

27 Percebemos igualmente essa ética na Parábola do Bom Samaritano, ou na epístola aos Gálatas: “Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gálatas 3:28).

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