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11. A respiração consciente na gestão de conflitos
A partir da teoria mimética é possível mostrar o caráter tragicamente infantil das
brigas adultas.
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Desenvolver uma inteligência relacional, é perceber e sentir que o “eu” (cada um de nós) não é uma entidade separada. Enquanto seres sociais, miméticos, cada
movimento ou atitude dos outros (verbal ou não-verbal) percebidos por nós, nos afeta.
Sabemos desde Aristóteles31 que o pequeno anthropos é o mais imitativo (mimético) dos animais. Em 1961, no seu primeiro livro, René Girard defende a ideia de que o que define o ser humano, o desejo32 , é imitativo (mimético). Longe de ser algo
inato, íntimo e único (meramente biológico ou psicológico), ou então, longe de se
enraizar no objeto em si, o desejo é essencialmente relacional, social e mimético,
acontecendo principalmente entre os sujeitos. Essas são as conclusões da psicologia
interdividual forjada por René Girard e o psiquiatra Jean-Michel Oughourlian (Girard,
1978, 307-369). Não existe, nessa abordagem, entidade indivisa e homogênea chamada self: o “eu” é integralmente constituído pelo(s) outro(s), cujos comportamentos, atitudes,
aspirações, sugestões, desejos imitados acabam sendo incorporados e esquecidos como
tais (imitados) pelo sujeito dando a este a impressão de agir espontaneamente,
livremente. A teoria mimética afirma que como cada um é um nó único de configurações
miméticas, não existem dois nós exatamente iguais. No entanto, o mecanismo mimético
é o mesmo para todos.
Em 1995, a descoberta dos neurônios espelho por G. Rizzolatti e V. Gallese, veio
comprovar a natureza estruturalmente social do ser humano intuída pelos maiores
pensadores (Aristóteles, na antiguidade; e R. Girard, na contemporaneidade). Essa
descoberta mostrou que as células cerebrais, chamadas de neurônios-espelho, refletem
o mundo social exterior: elas se ativam quando você realiza uma ação e quando você só
faz observar alguém realizá-la. Vittorio Gallese (2003) específica:
31 Capítulo IV, Origem da poesia. Seus diferentes gêneros. Aristóteles, Poética IV, 2 tome III p.31, tradução de Marcel Jousse, citado par Jean-Michel Oughourlian na Genèse du désir, Carnets Nord, Paris, 2007, p. 79. 32 Condizendo, nesse sentido, com a visão espinoziana do ser humano.
Nós descobrimos no cérebro de macacos uma classe de neurônios pré-motores que disparam não apenas quando o macaco realiza ações com a mão estendida em direção a um objetivo, como, por exemplo, para agarrar objetos, mas disparam também ao observar outros indivíduos (macacos ou humanos), realizando ações semelhantes. Nós os chamamos de neurônios-espelho. A observação da ação faz com que o observador ative automaticamente o mesmo mecanismo neural disparado pela execução da ação.
A inteligência relacional proposta aqui consiste, portanto, em aceitar a imitação
como parte constitutiva da condição humana. Isso significa aceitar que é normal ver no
outro um modelo (um espelho) e perceber que também podemos ser modelos para ele. É aceitar também sentir a inveja e o ciúme (e deixar de se sentir culpado por isso) como
sentimentos decorrentes da condição humana, que se encontra constantemente em
situação de imitação dos desejos uns dos outros. Como consequência, se o outro é nosso
modelo e se tanto o desejo dele como o nosso convergirem para o mesmo objeto,
automaticamente nós nos transformaremos em obstáculos um para o outro. Viraremos modelo/obstáculo um para o outro.
Nossa liberdade não consiste, portanto, em deixar de desejar ou de imitar. Isso
seria amputar o ser humano de uma dimensão essencial dele (o desejo) e de uma aptidão
natural e indispensável (inclusive automática!) para todas as aprendizagens das quais ele
é capaz : a imitação. No entanto, a liberdade consiste em ter cuidado na hora de escolher
nossos modelos. Imitar os desejos dos nossos amigos e desejar possuir os objetos deles
(ou até o ser deles, nas formas ontológicas da inveja), seria extremamente perigoso e
levaria a conflitos sem fim transformando nossos irmãos humanos em
modelos/obstáculos (rivais e/ou inimigos). Na contramão desse perigo, existem modelos
cuja imitação só traz frutos positivos, doces, e não amargos, pois só querem nosso bem.
O Buda para os budistas; o Cristo para os cristãos; uma avó bondosa que só quer nosso
bem; pais, amigos e professores “bem resolvidos” , são modelos que podem nos inspirar
no caminho rumo à assertividade pois o olhar que põem nos outros irmãos humanos é
um olhar de compaixão, compreensão, amor, perdão...
Momento para refletir
a) Você percebe a importância da imitação na sua vida?
b) Quais as reflexões, ou insights, que isso lhe traz? c) Você percebe as vantagens em analisar as situações na perspectiva da “teoria
mimética”?
d) A distinção modelo / rival / obstáculo, ficou clara?
Recomendamos
1) Segue um vídeo que uso muito nos cursos a fim de ilustrar o desejo mimético e a rivalidade mimética entre duas crianças. Basta escanear esse QR Code:
ou clicar nesse link: https://youtu.be/vB36k0hGxDM?t=5
2) Uma cena do filme “O Grande Ditador”, de Charles Chaplin.
https://www.youtube.com/watch?v=dLyd7v0RwNI



