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10. Elementos de inteligência relacional: ampliar nosso horizonte de observação
dimensão no outro. Gandhi, por exemplo, falava de lutar contra as ideias imperialistas, mas não alimentava ódio contra seus “irmãos britânicos” 28 . Já que o acesso a esses
mestres é difícil, temos a possibilidade de desenvolver esse olhar através da leitura,
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meditação, oração, pedindo ajuda para desenvolver a paciência, a bondade, a lucidez etc.
Assim, a assertividade procura desenvolver o respeito comum. Por exemplo,
quando se tem dificuldade de relacionamento com alguém, não é preciso amar a pessoa (ou gostar dela29), mas é possível, sim, respeitá-la. Respeitar tem a ver com o
comportamento; amar envolve sentimento e, portanto, emoção. Assim, podemos
afirmar que não se pode forçar uma emoção, mas é possível “modelar e moderar” um
comportamento. Pode-se também criar as condições para que uma “emoção positiva” surja, assim como lapidar um comportamento para que ele não seja hipócrita, pois é possível ser sincero e respeitoso30 .
Ser assertivo envolve, então, ter um mínimo de humildade. Trata-se de um
processo de acertos e erros. A assertividade é um ideal. Não significa ter sucesso toda vez
que surge uma situação tensa ou conflitante. Significa reconhecer quando nós erramos e
saber pedir desculpas (em relação ao nosso comportamento, não em relação a nosso
sentimento). Por outro lado, é saber apontar o comportamento problemático do outro,
não seu sentimento. Ou seja, trata-se de não reduzir a totalidade da pessoa aos seus comportamentos. Ela é muito mais do que isso! É difícil, pois ficamos presos, apegados à
28 No ocidente, a corrente filosófica chamada “personalismo”, de Emmanuel Mounier, Denis de Rougemont e Jean-Marie Domenach, pode ajudar a fundamentar a assertividade. Ela foi muito ativa durante os anos 30, foi uma tentativa notável de escapar às diversas tiranias e alienações da época: o nazismo, o fascismo, o stalinismo e o capitalismo, resgatando a noção de pessoa como sendo irredutível a qualquer definição ou uso instrumental dos sujeitos em prol de um ideal maior. 29 Aliás, podemos nos perguntar: o que significa gostar/não gostar de alguém? Quais os sentimentos associados a essas expressões? 30 A assertividade pode ser vista como a versão moderna e metódica da busca da palavra justa considerada fundamental em várias tradições. No evangelho de Mateus (15:11), lemos: “O que contamina o homem não é o que entra na boca, mas o que sai da boca, isso é o que contamina o homem.” No Budismo, a Palavra Correta pertence ao Caminho Óctuplo da Liberação que leva do samsara ao Nirvana (extinção do sofrimento): “Abster-se de mentir, de falar em vão, de usar palavras ásperas ou caluniosas. Ao invés disso, falar a verdade, ter uma fala construtiva, harmoniosa e conciliadora.”
forma. Por isso, é sempre bom nos questionar e duvidar das nossas certezas: uma dúvida
serena.
A assertividade permite também lidar com pessoas manipuladoras, que criticam,
chantageiam, julgam e argumentam. Essas atitudes fazem com que a pessoa se sinta
culpada. No entanto, existem várias ferramentas e “dicas ” para lidar com esse tipo de
comportamento. Vejamos algumas:
Primeiro: deixar claro que, quando tomamos todo o cuidado para não prejudicar o outro,
quando não cometemos uma falta intencional, não há objetivamente culpa. Pode haver
sentimento de culpa, mas é exatamente isso que precisamos trabalhar.
Segundo: deixar a pessoa falar e focar na respiração consciente (ver capítulo 11).
Terceiro: deixar a liberdade para que a outra pessoa pense como desejar: "Você pode pensar assim / você tem todo o direito de pensar assim / respeito sua visão / entendo
que possa não gostar da minha decisão."
Quarto: reafirmar com tranquilidade nossa posição: "Mas já tomei minha decisão / Mas
pensei muito e sinto que é o melhor caminho para mim e, a médio e longo prazo, para
nossa relação..."
Quinto: se a pessoa voltar a criticar: "Entendo que não esteja gostando", "como já falei, pode discordar, mas já tomei minha decisão”. Deixar a pessoa discordar, “resmungar” etc.
Não esquecer a necessidade de se afastar, de cortar as relações com a pessoa que
manifesta um comportamento tóxico (neutralidade bem-intencionada).
Dessa forma, os estudos mostram que a assertividade é o conjunto de
comportamentos (respeito, sinceridade, autenticidade etc.) que traz mais bem-estar às
pessoas (Alberti e Emmons, 2008), em comparação com outros comportamentos que
foram citados (fuga, agressividade, inibição ou estratégias negativas ou inapropriadas).
Para podermos compreender melhor a essência da assertividade, é importante
apresentar alguns elementos de inteligência relacional, para que possamos ampliar nosso
horizonte de observação.
Momento para refletir
a. Você pode nomear alguns princípios da assertividade?
b. Você percebe o benefício e o bem-estar que se pode obter ao aplicar os
princípios e métodos da assertividade?
Recomendamos...
• O filme Mon oncle d´Amérique (Meu tio da América), de Alain Resnais, que
apresenta as pesquisas do biólogo Henri Laborit sobre a inibição e seus efeitos. Recomendo um trecho no Youtube (em espanhol): https://tinyurl.com/yz5uxy3j
• Filme Gandhi, de Sir Richard Attenborough.
10- Elementos de inteligência relacional:
imitação
“A tendência para a imitação é instintiva no homem, desde a infância. Neste ponto distinguem-se os humanos de todos os outros seres vivos: por sua aptidão muito desenvolvida para a imitação. Pela imitação adquirimos nossos primeiros conhecimentos, e nela todos experimentamos prazer.” Aristóteles, Poética IV.
“Em geral, podemos observar que os espíritos humanos são espelhos uns dos outros, não só porque refletem as emoções uns dos outros, mas também porque estes raios de paixões, sentimentos e opiniões podem refletir-se muitas vezes. ” David Hume Tratado da Natureza Humana (1739)
A fim de ampliar nosso horizonte de observação, gostaria de retomar e ampliar a
noção de imitação e mostrar como ela é crucial para um maior entendimento dos
conflitos.
Gostaria de ilustrar a importância da imitação com um experimento de
pensamento: uma briga infantil. Vamos imaginar uma cena que cada um possa ter
presenciado: duas crianças de mesma idade, rodeadas por vários brinquedos, porém
brigando por um brinquedo específico. Um adulto chega e faz as seguintes perguntas:
- “Quem viu primeiro o brinquedo?”
Essa pergunta tem relação com a anterioridade do desejo. Os dois respondem
simultaneamente:
“Eu!” Cada um apontando para si mesmo. O adulto continua:
“Quem começou a briga?”
“Ele!” - Respondem ao mesmo tempo as crianças, apontando agora na direção
do outro.
Na perspectiva da teoria mimética, do início do ciclo até o fim, encontramos a
imitação. No início do ciclo, temos a escolha de um brinquedo interessante. Sabemos por
experiência que o brinquedo facilmente acessível não desperta muito tempo a
curiosidade de uma criança. Por vezes, na hora de receber um presente, a embalagem é
mais interessante que o presente em si! A embalagem é o obstáculo. O que dá valor a um
objeto, nós sabemos, é a dificuldade que se tem para acessá-lo e o adquirir. Entre
crianças, muitas vezes, o brinquedo digno de interesse encontra-se na mão do outro.
Azar? Acaso? Não! diria Girard. Um objeto se torna desejável quando o outro o possui,
poderia possui-lo ou parece estar interessado por ele.
Embora esse outro possa ter um interesse moderado para com o objeto, quando
a “primeira criança” quer colocar a mão no brinquedo, este último se torna interessante. Temos, neste caso, uma mediação dupla. Cada criança é modelo (mediador) do desejo
do outro e, portanto, se transforma simultanea e automaticamente em obstáculo. Aquele
que despertou ou reforçou nosso desejo também é o principal obstáculo impedindo o
acesso ao objeto e, de fato, fazendo com que ele tenha ainda mais valor. Mas, e se ele se desinteressasse do objeto? É provável que nós também nos desinteressássemos...
Tragédia do desejo mimético quando o outro se transforma em modelo-
obstáculo! Modelo porque obstáculo. Obstáculo porque modelo...
Nesta fase, o objeto passa em segundo plano. Cada sujeito foca sua atenção no obstáculo fascinante que o outro representa. É a fase da acusação mútua. Cada um acusa
o outro com sinceridade e na mesma intensidade da resistência, força e indignação
demonstradas pelo outro (ou que este parece demonstrar), acusando o rival de ter se
interposto entre ele e o objeto.



