Jornal mundo agosto 2016

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Nativismos ameaçam fragmentar o planeta “Os

especialistas gostam de dividir e frag-

primado da política. Se as referências à bandeira alimen-

cular não é uma exclusividade norte-americana.

negra e a

tam, ainda, um certo orgulho patriótico, a afirmação

Ao

América conservadora, e em estados vermelhos [republicanos] e estados azuis [democratas]”, afirmou o então senador Barack Obama perante a Convenção Nacional Democrata, em 2004, no discurso que lhe assegurou projeção nacional. E prosseguiu: “Vivemos numa única América, todos nós prometemos lealdade às estrelas e listras [em referência à bandeira nacional], todos nós juramos defender os Estados Unidos da América.” Ao descartar critérios raciais e religiosos como parâmetros de classificação e divisão entre norteamericanos, Obama rejeitava a construção de iden-

da unidade nacional convida a rejeitar preconceitos e a

Brexit (Reino Unido), da Frente Nacional (França), do Partido da Liberdade (Áustria, cujo líder perdeu a Presidência do país, em maio, por uma diferença de apenas 0,6% dos votos), do PiS (Polônia), do Partido Democrata (Suécia), do Fidesz e Jobbik (Hungria), do Ataka (Bulgária). O denominador comum a todos esses partidos e aos apoiadores de Donald Trump, nos Estados Unidos, é a xenofobia, o ódio aos refugiados e imigrantes pobres, o fechamento das fronteiras nacionais. É uma tendência mundial perigosa, que aponta para a exacerbação de conflitos, perseguições étnicas e punições coletivas. Adolf já mostrou até onde isso pode levar.

mentar o nosso país entre a

América

branca, a

América

América

liberal e a

tidades ancoradas em princípios transcendentais e eternos (como pureza de sangue e fé) para afirmar o

Newton Carlos Da Equipe de Colaboradores

“M

ilagre que minha Colômbia nunca imaginou que acontecesse”, disse um jornalista colombiano em meio a uma “alegria nacional”, completou o jornal britânico The Guardian. Concluídas as negociações cujo início data de 2012, o governo da Colômbia e a mais importante guerrilha do país, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), garantiram que um acordo de paz será firmado “num prazo máximo de seis meses e conterá a criação de jurisdição especial para a paz”. Assinou-se um “cessar-fogo definitivo”. Juízes colombianos e de fora terão como tarefa julgar crimes “tanto das Farc como do exército colombiano”. O arranjo da “justiça de transição” foi o que mais dificultou um acordo final, assinado tanto pelo presidente colombiano, Juan Manuel Santos, como por Timochenko, nome de guerra do mais alto comandante das Farc, que raramente aparece em público. Está em vias de conclusão a mais longa “guerra interna” do Ocidente. De acordo com o Centro Nacional de Memória Histórica, a “guerra eterna”, de 52 anos, deixou 220 mil mortos, 45 mil desaparecidos e mais de 6 milhões de deslocados. O governo da Colômbia dará “ampla anistia” por violações graves dos direitos humanos. Mas com uma condição: o beneficiário terá de assumir seus crimes. O mais encorpado oponente de um acordo, o ex-presidente Álvaro Uribe, acusa Santos de negociar com assassinos, criou um partido e continua em campo.

ria dos processos que constroem as sociedades.

Trata-se, portanto, de um discurso que, apesar de suas limitações patrióticas, acolhe as diferenças, em vez de nelas enxergar um obstáculo. Nesse sentido, opõe-se às fábulas nativistas que pretendem enxergar virtudes únicas e singulares de um determinado povo, nação ou raça, em detrimento dos outros. Na ocasião,

Obama tinha como alvo os conservadores

norte-americanos, especialmente aqueles associados ao Partido Republicano, cuja expressão mais radical daria origem ao

Mas

Tea Party, no final da década.

o recrudescimento do conservadorismo,

em geral, e do nativismo como sua expressão parti-

A guerra eterna chega ao fim © Boris Heger/Divulgação Comitê Internacional da Cruz Vermelha/Agência Brasil

colômbia

aceitar a dinâmica complexa e muitas vezes contraditó-

contrário, ele mostra suas garras entre os

apoiadores vitoriosos do

Cena comum de um passado recente: a Cruz Vermelha recebe reféns liberados pelas Farc

Trata-se de ruptura com corte profundo num bipartidarismo que contrapõe liberais e conservadores e monopoliza o poder no país desde o século XIX. Uma das guerras entre conservadores e liberais passou à História como a Guerra dos Mil Dias (1899-1902) e serviu como pano de fundo literário para o romance Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez. As raízes das Farc encontram-se no assassinato do candidato presidencial Jorge Eliécer Gaitán, um populista de esquerda, em 1948. Do evento, decorreu o Bogotazo, um levante popular nas ruas da capital, e a deflagração de La Violencia, uma década de conflitos armados entre conservadores e liberais. Em 1965, no longo rescaldo, surgiram as Farc – e, com elas, a mais longa das guerras. Em 1980, pela primeira vez, a Anistia Internacional acusou o governo colombiano de prática sistemática de tortura. As Forças Armadas promoviam execuções sumárias, AGOSTO 2016

torturaravam, davam sumiço em pessoas e bloqueavam esforços de pacificação. Em 1984, a revista americana Newsweek disse que “os militares colombianos comprimem a nuca do presidente Betancur”. Naquele ano, o conservador Belisario Betancur havia se lançado num esforço de pacificação, com a ambição de torná-lo modelo para uma América Central em chamas. Mas a tentativa fracassou, tragicamente. Em 23 de junho, em Havana, assinouse finalmente o cessar-fogo. Na cerimônia histórica, estavam presentes os presidentes latino-americanos, o secretário-geral da ONU, um representante da União Europeia e um enviado de Barack Obama, o diplomata Thomas Shannon. Nota: Shannon já acompanhava as negociações em Cuba, significando mudança radical na política americana. Desde 2000, os Estados Unidos financiam o Plano Colômbia, de combate

às drogas, caixa da guerrilha. Com isso, as Forças Armadas colombianas se tornaram as mais potentes do continente. Em maio, como parte do processo de paz, o governo e as Farc assinaram um acordo destinado a eliminar a produção de drogas ilegais no país. O Exército de Libertação Nacional (ELN), grupo guerrilheiro secundário, hesita, mas não faltam tentativas para que ele assuma feições legais. Não faltam amarguras passadas. Em 1998, o presidente conservador Andrés Pastrana ofereceu às Farc um território dito seguro, do tamanho da Suíça, enquanto se negociava a paz. Foi um desastre: a guerra recomeçou e, então, nasceu o Plano Colômbia. Álvaro Uribe assestou pesados golpes militares à guerrilha e, em 2010, elegeu Santos, seu ministro da Defesa, como sucessor. Santos prometeu a paz, rompeu com Uribe, reelegeu-se com apoio até da esquerda e lançou-se na busca de um acordo final. A popularidade de Santos roça o chão, com índices inferiores a 20%, mas a maioria apoia o acordo de paz. Santos conseguiu colocar em cena o que nenhum pacifista conseguira, nem ele próprio em seu passado. Mandou, afinal, uma equipe de militares a Cuba com a tarefa de assessorar seus negociadores. Golpe de mestre: não se conhece nenhuma reação militar ao presidente negociador. Cansada de guerras intermináveis, a Colômbia tem uma chance de ouro. Nada, porém, está garantido. No país de Macondo e dos “cem anos de solidão”, o otimismo é um luxo excessivo.

MUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDO


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