HEMETÉRIO, O PROFESSOR ABOLICIONISTA DE CODÓ
ANTONIO CARLOS LIMA Depois de Maria Firmina dos Reis (1822-1917), reconhecida e celebrada como primeira escritora a tratar, na literatura brasileira, do tema da escravidão, chegou a vez de outro maranhense, o professor Hemetério José dos Santos (1858-1939), nascido em Codó, subir ao pódio das personalidades emblemáticas dos movimentos negros no Brasil. Assim como Maria Firmina (1822-1917), que ganhou notoriedade nos meios acadêmicos e estudantis depois de sua redescoberta nos anos 70 do século passado pelo poeta Nascimento Morais Filho, Hemetério dos Santos virou, repentinamente, tema de estudos em diversas universidades por sua contribuição, como professor e escritor, na luta pela inclusão do negro na sociedade e pelo fim do preconceito racial. O curioso é que nenhum dos dois esteve na linha de frente do movimento abolicionista, liderado por José do Patrocínio, Luís Gama, André Rebouças (negros, como Hemetério), Joaquim Nabuco e o maranhense Joaquim Serra, entre outros. Hemetério e Maria Firmina, que à época da Abolição tinham 30 e 66 anos de idade, respectivamente, atuaram como entusiastas, mas praticamente à margem desse que foi o primeiro movimento social brasileiro de abrangência nacional. A medida da curiosidade que hoje desperta esse maranhense quase ignorado no Maranhão desde sua morte há 81 anos foi dada há duas semanas pela Folha de S. Paulo. O jornal de maior circulação e influência no Brasil dedicou um podcast (reportagem em áudio, acessível pela Internet), de cerca de uma hora de duração, para contar, em tom quase épico, “a história do professor negro e antirracista que ensinou durante a escravidão”. Artigos e teses de mestrado, como a de Aderaldo Pereira dos Santos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sobre a trajetória do professor negro, multiplicam-se nos centros acadêmicos. Lembrou-se que, desde 1944, o professor codoense é patrono da cadeira número 25 da Academia Brasileira de Filologia. No bairro Jacarepaguá, na zona norte do Rio de Janeiro, uma escola pública o homenageia: a Escola Municipal Hemetério dos Santos. É quase a glória, para quem, não obstante os méritos intelectuais demonstrados como professor, filólogo, poeta e conferencista, foi vítima de preconceito racial no meio culto em que viveu e A língua como libertação Hemetério José dos Santos nasceu a 13 de março de 1858 em Codó, à época uma pequena povoação à margem do rio Itapecuru, formada por lavradores, a maioria escravos, e comerciantes. Filho da escrava Maria e do comerciante Theóphilo José dos Santos, antes dos dez anos foi levado para São Luís. Na capital, estudou no prestigioso Colégio Imaculada Conceição, dos padres Raymundo da Purificação Lemos, Theodoro de Castro e Raymundo Fonseca, instalado à rua São Pantaleão (depois, à rua do Sol), onde teve como colega, dentre outros filhos da aristocracia de seu tempo, o futuro governador Benedito Leite. Em São Luís provavelmente também conviveu com os irmãos Aluísio e Artur Azevedo, os quais, adolescentes como ele, já se aventuravam no mundo do teatro e da literatura. Foi no Colégio Imaculada Conceição que Hemetério passou a cultivar o gosto pela gramática. Ali foi educado segundo os métodos do professor Francisco Sotero dos Reis (1800-1871), para quem o ensino da língua,“como