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Capítulo 6. A Vida no Interior

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PELOS CAMINHOS DA VIDA

6.1. Em Conceição do Mato Dentro

Foram quatro anos indo e voltando à escola em Alvorada de Minas até que nossos pais decidiram nos internar no colégio dos jesuítas, em Conceição do Mato Dentro. Eu ainda usava calças curtas e fui fazer o 4º ano primário e, simultaneamente, a preparação para entrar no ginásio – chamava-se admissão. Era o mais novo do colégio.

Conceição do Mato Dentro é uma cidade típica do interior de Minas Gerais. É também pequena e bem próxima ao Serro, apenas 30 km. Na cidade destaca-se a igreja matriz de Nossa Senhora de Conceição do Mato Dentro e o Santuário de Bom Jesus de Matozinhos, localizado no ponto alto da cidade. Hoje é considerada a capital mineira do ecoturismo por abrigar inúmeras belezas naturais, principalmente cachoeiras. A cidade vem passando por uma grande transformação em razão da exploração de minério de ferro pela Anglo América, sendo a sua principal fonte de renda e de emprego.

O local onde fomos estudar tinha uma estrutura gigantesca, com muitas salas de aula, dormitórios, refeitórios, santuário, campos de futebol, uma cachoeira e uma represa que era utilizada como piscina. Havia ainda uma área externa muito grande com eucaliptos enormes. Tudo muito bem cuidado pelos padres. Foi aí que pela primeira vez conheci a luz elétrica, uma luz ainda fraquinha, mas muito melhor do que as lamparinas e os lampiões a gás. Esta estrutura existe até hoje, mas segundo soube foi vendida.

Foi aí que comecei a aprender a nadar e a dar os primeiros chutes na bola. Na represa havia diversos pontos de várias alturas para se pular na água. Era uma competição enorme para ver quem saltava do lugar mais alto e com acrobacias variadas. Tinha um colega que era imbatível, mas não me lembro do nome. Tinha também um bom campo de futebol e quase todas as tardes batíamos uma bolinha. Foi aí que comecei a descobrir o futebol e os times existentes no país.

Saíamos muito pouco, só aos domingos para ir ao cinema, à tardinha. Logo em seguida, retornávamos para o colégio. No ginásio, muitos alunos, entre eles eu, tínhamos o hábito de criar pequenas cobras, não venenosas, que andavam sempre dentro de caixas ou nos nossos bolsos. Coisa estranha né? Mas era a onda naquela época no colégio.

Quando internei tinha apenas nove anos e foi aí que comecei a me despertar para a vida e a conviver com uma grande quantidade de pessoas e a fazer as primeiras amizades.

CAPÍTULO 6 - A VIDA NO INTERIOR

Não fui bem nos estudos; não tinha uma boa base, mas mesmo assim os padres me passaram de ano e desta forma pude me matricular no primeiro ano ginasial.

6.2. No Serro 6.2.1. Hotel do Alcindo

Ficamos apenas um ano em Conceição, pois no ano seguinte meu pai decidiu nos transferir para o Serro, acredito que por ser mais perto da fazenda e para facilitar o contato com a gente.

Uma das mais antigas cidades de Minas Gerais, o Serro é uma pequena cidade histórica, tricentenária, localizada no vale do Jequitinhonha, distante aproximadamente 300 km de Belo Horizonte. Conhecida pelo seu rico patrimônio histórico e cultural e pelas largas tradições religiosas, com destaque para suas diversas igrejas Matriz de Nossa Senhora da Conceição, do Carmo, do Rosário, além da Capela de Santa Rita.

Depois da mineração e extração de ouro e diamantes a cidade ganhou notoriedade pela fabricação do famoso “queijo do Serro”, uma das variedades mais conhecidas do queijo mineiro. As fazendas locais, dentre elas a que meu pai viveu, tiveram uma grande contribuição para elevar a qualidade do queijo produzido em Minas Gerais.

Tradicionalmente, a cidade realiza todos os anos a festa de Nossa Senhora do Rosário, com os desfiles dos Cablocos, Marujos e Catopés. A cidade recebe a visita de muita gente e a festança é muito animada. Vale a pena conhecer. Próximo ao Serro tem o distrito de Milho Verde, local muito bonito para quem deseja tranquilidade.

No Serro, fomos morar no hotel do Seu Alcindo, bem no centro da cidade e bem próximo ao local onde estava funcionando o colégio, no prédio da prefeitura, pois o colégio Edmundo Lins encontrava-se em reforma. Seu Alcindo tinha cinco ou seis filhos, dentre eles o Pimbo, a Fafá e o Fabinho, mais próximos da nossa idade.

Ô vida boa sô! Ficávamos em um quarto na parte superior bem próximo ao banheiro. Café da manhã, almoço e jantar à vontade. Logo, passamos a conhecer muita gente, pois por ser no centrão da cidade, ao lado da Praça João Pinheiro, quase todo mundo circulava pelo local. Além do mais tínhamos nossos primos na cidade, tanto da família Horta como da Fonseca.

Havia dois bares logo em frente ao hotel onde, em um deles, havia muitas mesas de sinuca e bilhar. Aprendemos logo a jogar. E em qualquer folga lá estávamos gastando nosso dinheirinho jogando uma partida. Ficamos

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viciados. O Ivan, dificilmente perdia uma partida, pois não parava de jogar.

Além da sinuca, toda a tarde descíamos para a praça de esportes. As aulas eram pela manhã. Acabavam as aulas íamos almoçar e, logo em seguida, uma sinuca e depois bola. Ficávamos por lá até escurecer. Só voltávamos para o hotel para tomar banho e jantar. Isto acontecia todos os dias.

E os estudos? Nada de estudar. Resultado: Bomba! Lembro que tomei bomba em quase todas as matérias, pois nunca tive uma boa base. Consequência: a primeira surra para valer do meu pai, com correia e tudo. Minhas pernas ficaram todas marcadas e minha mãe teve até que fazer curativos. Como doeu! Nunca mais tomei bomba.

Outras duas surras, foram totalmente desnecessárias e por isso não esqueço. Tinha acabado de almoçar e minha mãe colocou doce de leite para mim. Disse que não queria. Meu pai mandou comer. Eu disse novamente que não queria. Ele disse: come! Eu coloquei na boca e cuspi. E aí o couro comeu. Injustamente, mas comeu. No outro caso, quando saia do colégio um primo da minha mãe começou a encher o meu “saco” e eu dei uns socos nele. Quando cheguei em casa o meu pai já sabia pois o pai dele ligou reclamando porque ele era cardíaco. De novo o pau comeu. Saco sô!!!

6.2.2. Em Casa

Com os resultados fracos nos boletins, minha mãe decidiu se mudar para o Serro para acompanhar nossos estudos mais de perto.

Primeiramente, meu pai alugou uma casa no começo do bairro chamado Gambá. Era a primeira casa do bairro; logo depois de um lote vago e um galpão. Acostumados com tudo grande, inclusive o hotel, a casa para mim era muito pequena, mas ficamos por lá entre um e dois anos. Logo à frente, havia uma praça com um cruzeiro, local onde a gente brincava bastante soltando papagaios, aqui conhecidas como pipas. Tudo era feito por nós mesmos.

Neste local, distraidamente, um dia escorreguei e caí de uma boa altura na rua de baixo que ia para o campo de futebol. Caí dentro da rede de água pluvial, feita em concreto armado, e arranhei toda a minha perna. Custou a sarar.

No Serro circulávamos a pé por toda a cidade. Não havia transporte local. Quantas vezes subi e desci as escadarias de pedra da Igreja de Santa Rita (ciquenta e sete degraus com um bom espaçamento de 2,5 a 3m entre eles), curiosamente conhecida por escadinha. Uma das paisagens coloniais mais bonitas que já vi. Numa destas subidas, logo depois da aula, vi um fio solto num poste e imediatamente fui pegá-lo. Que susto, e que choque! Fui

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jogado longe e ainda queimei minha mão.

Meu pai continuou indo e voltando para a fazenda. Algum tempo depois decidiu vender tudo que tinha lá e mudar definitivamente para o Serro. Comprou uma casa bem grande estilo colonial, como em toda a cidade, bem em frente aos correios. Local muito bom. Um primo, o Decinho, morava também logo em frente. Dos lados dois conhecidos da família e amigos do meu pai. A casa com seis janelas e uma porta era muito grande: uma sala de visitas, outra sala, cinco quartos, uma sala de jantar enorme e uma cozinha também grande, com fogão à lenha, banheiro e quarto de empregada. No porão meu pai decidiu criar umas galinhas que durante o dia ficavam no quintal, também grande e com uma boa variedade de frutas.

Logo em frente, o armazém do seu Geraldinho Mamá, onde comprávamos quase tudo, com anotações em uma caderneta pequena e tudo era pago no final do mês. Além disso, tinha o grupo escolar também próximo, em estilo totalmente moderno, contrastando com o estilo da cidade e, por isso, chamava bastante a atenção. Também tinha a cadeia, com umas grades de ferro bem grossas. Dificilmente alguém tinha condições de sair de lá. Mas tinham poucos presos. Naquela época não havia crimes nem roubos. Lembro só que um homem atirou na mulher na porta do hotel. Ela não morreu. Era muito tranquila a cidade.

Foi ali que nasceu a minha primeira irmã, Alaíde Maria, a Lalaide , branquinha e muito loura. Loiríssima e com uma diferença de idade de mais de dez anos para mim. Minha mãe sempre falou que havia perdido três filhos, depois que eu nasci. Dois nasceram prematuros e um, segundo ela, por falha médica (houve atraso para se fazer o parto e o neném nasceu morto). Por isso, foi realizar o parto dela em BH.

Cinco anos depois veio a segunda filha. Nasceu Regina, a Rê , totalmente diferente, pois era morena. Foi a Regina ainda pequena que nos apelidou de VV (Vevê) e DD (Dedê), acho que porque era mais fácil de pronunciar. A “fábrica” fechou e ficamos em quatro. A partir de então, as filhas mulheres passaram a dominar as atenções totalmente e, nós ficamos um pouco esquecidos, não totalmente, mas ficamos mais livres. Também, pela idade, já tínhamos um pouco de responsabilidade e sabíamos das nossas obrigações.

Nos estudos, nossa dedicação passou a ser maior, mas nossa mãe estava sempre atenta e todo mês pedia para ver o boletim. O Diretor do colégio era o Sr. Pedro Generoso, que se casou com uma italiana muito bonita. Ela era a nossa professora de latim. Que dificuldade! Tinha uma pronuncia misturando italiano e português. Era difícil de entender. Acho até que ela acabou

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me passando e todos os colegas de sala.

Sempre fui muito tímido; melhorei um pouco, mas até hoje continuo tímido. Acho até que pela minha origem, sempre tive um pouco de dificuldade na convivência. Nas escolas por onde passei sempre tentava esconder atrás dos colegas para não ser chamado ao quadro negro ou para responder alguma pergunta do professor. E ainda, quando era indicado para fazer qualquer apresentação não dormia. Sempre me saia muito bem, mas como sofria!

Apesar disso, quase sempre estava aprontando, uma vez decidimos quebrar as lâmpadas dos postes, e logo alguém viu, e mandou avisar em todas as casas. Felizmente, desta vez só fui repreendido, nada de surra. Felizmente.

Ficamos, ao todo, cinco anos no Serro. Além dos estudos sempre tínhamos um tempinho para jogar uma bola, ora no adro da igreja de Santa Rita, ora na praça de esportes. Foi ai que aprendemos a andar de bicicleta; tinha um senhor que alugava as “bikes”. Depois que construíram o campo de futebol passamos a jogar bola lá também. Só que o campo era todo de terra e sujávamos bastante.

O campo foi construído logo que mudamos para o Serro. Na saída para BH, pela estrada de terra, foram feitos dois cortes imensos sobre um grande barranco, para ficar em um nível melhor. De vez em quando, enquanto os mais velhos jogavam no campo, fazíamos uma pelada na parte de cima. Foi quando, fui correr atrás da bola e o barranco cedeu. Caí de uma altura de uns dez metros. Cai sentado, mas perdi até a voz de tanta dor. Mas logo depois já estava recuperado.

A praça de esportes continuava sendo a nossa predileção. Além de jogar, foi lá que aprendemos efetivamente a nadar. Quando deixávamos a praça, na época das jabuticabas, sempre íamos para a Chácara do Barão. Na época o proprietário era o Seu Stécio. E como tinha jabuticaba! Mais de mil pés. Desde o portão principal até a casa, cerca de uns mil metros de pés de jabuticabas centenárias. A chácara pertenceu a um comerciante de diamantes conhecido como Barão do Serro. Em 1975, foi adquirida pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e foi totalmente reformada. Ia me esquecendo, a casa tem dois longos túneis que sempre entravamos mas tínhamos medo de continuar, pois ficava escuro demais e tinha muita teia de aranha. Acho que foi construído pelos escravos para tentar suas fugas.

A nossa preferência era pelo futebol de salão. Formamos um time quase imbatível. O goleiro era o Toninho de Lili Sales, eu e o Geraldo da Guidinha na defesa e o Ivan e o Morcego ou Carlos Freire no ataque. No futebol de campo a concorrência também era muito acirrada.

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Além do futebol, aprendemos e sempre participamos de todas as principais brincadeiras da época, com destaque para o jogo de bola de gude, de bente altas e andar em cavalo de pau e soltar papagaio (pipa) sempre com a participação dos amigos que fizemos, dentre eles: Betinho (Carlos Alberto Ávila, já falecido), Toninho, Walmir, Luizinho do tio Maíco, Afonso e Geraldo, nossos vizinhos.

Tinha também os nossos primos, Gilberto, Juju e Celinho, filhos da tia Dasdores. Só que os dois primeiros estudavam no Caraça e só apareciam nas férias.

Outros que também tínhamos um bom relacionamento, sobretudo no colégio: Toca, Du e Dedé filhos do Oswaldo Miranda, Adelmo e Toca Tolentino, Adão Ventura, um preto inteligente e que virou poeta, Adelmo Lessa, entre outros. Lembro ainda do Zé Mateus, também muito inteligente; o pai era advogado na cidade; quando estudava direito em BH, foi presidente do DCE – Diretório Central dos Estudantes.

Depois da venda dos bens da fazenda meu pai decidiu trabalhar como motorista de taxi. Primeiro comprou um jipe Willys e como o negócio prosperou decidiu comprar mais dois e contratou os motoristas para dirigi-los. Com isso, substituiu os ganhos da fazenda pelos do transporte de passageiros. Deu certo enquanto ficamos lá. Minha mãe tinha uma empregada, a Maria, que fazia quase tudo. Quando viemos para BH ela também veio e ficou muitos anos com a gente. Hoje já falecida. Tinha problemas cardíacos.

A vida social era igual a de todas as pequenas cidades do interior. O Serro tinha um bom clube para realizar as horas dançantes e eventualmente casamentos. O clube, em estilo mais moderno era grande e bem localizado.

A Praça João Pinheiro era o local de encontro da cidade. Às noites na praça havia o “footing”, com os rapazes andando para um lado e as meninas do outro, e os bate-papos entre os amigos, para contarem as novidades do dia. Possuía diversos bancos e um jardim muito bem cuidado.

Nestas idas e vindas pela praça comecei a namorar a Maria Eleonora, irmã do Adelmo Tolentino, outro colega de ginásio. Namorar naquela época significava olhar firme, flertar, andar de mãos dadas, sentar nos bancos da praça e nada mais. E olhe lá, tudo isso só depois de muito tempo de namoro. Mas gostava de namorar e depois da Eleonora namorei a sua irmã mais nova, a Márcia. Esta já era mais para frente e foi com ela que dei o meu primeiro beijo, na porta do colégio, em uma das noites em que encontramos. Mas nunca passou disto. Acho que tinha o gene do namoro. Gostava sempre de estar namorando. Era doido com a Terezinha do Hermes, mas os pais

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dela não a deixavam ir à praça. Aliás, a casa dela era de frente para a praça. Só depois que mudei para BH que soube que ela ligou me procurando. Aí eu já tinha outra.

Foi no Serro, na casa de Cirilo e seu irmão Rui, da mesma idade nossa, que começamos a aprender a dançar. Toda semana reuníamos para dar os primeiros passos. Quem nos ensinava eram as duas irmãs mais velhas deles. Levávamos até os discos para colocar na vitrola. Era só bolero. De vez em quando um samba e uma valsa. Não passava de um passo para lá, outro para cá.

Raramente vínhamos a BH. Mas todas as vezes que meu pai decidia matar a saudade da mãe dávamos um pulo rápido na capital. Lembro-me que em todas elas a minha mãe nunca deixou de visitar a tia Lourdinha, lá no bairro Sagrada Família.

Recentemente, estive na cidade, depois de mais de 40 anos e fiquei bem impressionado. A cidade está uma beleza. As casas todas pintadas, as ruas bem limpas, dando uma aparência de cidade muito bem conservada. Algumas mudanças em relação à minha época ficaram bem visíveis. O calçamento foi trocado, tirando o tradicional pé de moleque e colocando pedras lascadas, como em Diamantina.

No adro da igreja de Santa Rita não tem mais o coreto. O colégio das meninas virou unidade da PUC-Minas. O internato antigo foi transformado em local de acolhimento de velhos e idosos. A Chácara do Barão foi reformada e hoje serve para eventos artísticos e culturais. Surgiram diversas pousadas. A nossa casa foi transformada em república de estudantes. Restaurantes novos surgiram.

A cidade cresceu muito, tendo inclusive unidades do BNH em diversos locais. Na minha avaliação a cidade além de crescer melhorou muito. Parabéns para os prefeitos (Adelmo Lessa, Geraldo Magalhães, nossos colegas da época) e outros que realizaram estas transformações.

6.3. Em Diamantina 6.3.1. No Colégio

Depois que terminamos o curso ginasial nosso pai nos internou, desta vez no Colégio Diamantinense, na época pertencente à Mitra Arquidiocesana de Diamantina, distante cerca de uns 90 km do Serro.

Diamantina é também uma das tradicionais cidades mineiras e ficou muito conhecida pela extração de ouro no vale do rio Tijuco e depois de diamantes, tudo na era colonial. A cidade sempre conservou suas referências culturais do período colonial, também com um rico acervo arquitetônico e

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urbanístico. Conhecida também por ser a terra onde morou Chica da Silva e onde nasceu o presidente Juscelino Kubistchek. Recentemente ficou ainda mais conhecida pela realização das tradicionais serenatas, com o pessoal local tocando e cantando nas janelas das casas em frente à igreja Matriz.

O colégio estava localizado em frente ao prédio da faculdade de Odontologia, na divisa com o colégio das mulheres, logo acima, na mesma Rua da Glória. Mais recentemente, depois da parceria com o Pitágoras o colégio hoje mantém parceria com o Sistema de Ensino Bernoulli.

Como meu irmão sempre esteve um ano à minha frente, foi primeiro para o internato. Tradicionalmente, no colégio todos eram apelidados. Como o Ivan é muito branco e vermelho recebeu o apelido de Peru e eu quando cheguei passei a ser o Peruzinho.

Quando cheguei, a primeira coisa que me perguntaram é se eu sabia jogar bola. Fui ao primeiro treino de futsal do colégio e nunca mais saí do time. No primeiro jogo que fizemos pelo torneio da cidade ganhamos de 4 a 1 do Peixe Vivo, um dos principais times locais. Um dos gols foi meu. Lembro que quando chegamos ao dormitório todos estavam nos esperando para saber o resultado e foi difícil acreditarem que ganhamos de goleada. No torneio ficamos com o vice-campeonato.

Depois fui convidado a treinar no time de futebol de campo do Peixe Vivo; comecei a treinar, mas o técnico só me colocava na ponta esquerda; não era a minha, mas ele me colocava um bom tempo só batendo na bola com a perna esquerda. Jogamos com o júnior ao América e perdemos de 3 x 0. Infelizmente não participei do jogo neste dia. Como não tinha condições de me dedicar à atividade, logo larguei a ideia de jogar, primeiro porque meu pai não queria que nos tornássemos jogadores. Queria somente que dedicássemos aos estudos. E assim foi feito. A vantagem de jogar é que tínhamos algumas regalias nos horários, que eram muito rigorosos no colégio.

Nos finais de semana podíamos ir ao cinema. Assistimos a tantos filmes que cheguei a fazer a anotações deles em uma caderneta. Passou de cem. Depois não sei o que fiz com ela.

Acostumado com as regalias, eu e mais uns colegas aproveitávamos o horário noturno de descanso na porta do colégio para ir para a cidade, sem comunicar aos regentes (tomadores de conta). Logo, fomos denunciados e numa destas escapadas um dos nossos colegas foi pego e todos nós tivemos que nos entregar para ele não ser penalizado. O comunicado foi feito na capela logo após a reza antes de dormir. Como consequência, ficamos quase toda à noite de pé na porta do dormitório, de castigo. Dias depois o meu

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pai apareceu no colégio dizendo que recebeu uma carta pedindo para que eu não ficasse mais internado.

Achei que ele fosse dar a maior bronca, mas não. Saímos para procurar um local para ficar e fomos para uma pensão na Rua do Amparo. Lá já havia uns cinco colegas nossos, o que facilitou bastante para a gente. Lembro que o Itamar cedeu o quarto onde estava e passou a ficar junto com outro colega. O lado ruim é que ficamos no porão, mas, na verdade, muito melhor do que ficar internado. Era um pouco longe do colégio e tínhamos que acordar cedo e ir a pé.

O estudo no colégio era muito puxado. Os professores exigiam mesmo. Tinha que estudar ou então colar como fazia o Ivan, um dos que mais colava, segundo seus colegas. Só tirava notas boas. Tudo muito difícil, sobretudo física, e também química e matemática.

No colégio tinha gente de todo o interior de Minas Gerais. Gente de norte a sul. Conheci e fiz amizade com muitos. Ainda mais porque jogava bola e jogava relativamente bem. Numa destas peladas, mais um acidente. O Betona foi dar uma bicicleta e eu fui cabecear. Tirei a bola e o tênis dele pegou o meu olho. Resultado: um grande derrame no olho. Ficou totalmente inchado por muitos dias. Nada de médico e, no final, tudo voltou ao normal.

Quanto às “minas”, posso dizer que namorei pouco, pois no começo ficava muito preso; só podíamos sair uma ou duas vezes para ir ao cinema e logo depois retornar. Mesmo assim, namorei a Mércia, irmã do Tuíca, colega na escola.

Depois engatei um namoro de mais de um ano com a Eliana, uma loura muito bonita, mas só encontrávamos durante as aulas. Ela estudava em outro colégio, mas depois que nos conhecemos ela fez a transferência para o colégio Diamantinense. Morava na fábrica de tecidos do pai, em Beribéri. Só saía de lá para ir à aula e depois retornar. Tinha motorista à disposição. Cheguei a gostar dela, mas ficou nisso, pois o nosso diferencial ($$) era muito grande. Depois que vim para BH, estive na casa dela na Rua Paracatu, mas depois disso não a vi mais.

Só depois de muito tempo de casado a encontrei em uma missa de 7º dia e depois, em Lagoa Santa, com a irmã (Maria Tereza), que se casou com o cunhado do Zé Luiz, meu amigo de banco.

6.3.2. Servindo o Exercito

Quando fiz dezoito anos, além de estudar tive que servir o exército, o Tiro de Guerra. Foi um período difícil, pois eles exigiam demais. Tinha

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muito exercício físico e exercício com as armas. Tinha que ser ágil para montar e desmontar um fuzil.

Segundo nossos superiores nós éramos superiores ao tempo; com chuva ou com sol forte tínhamos que dar sequência às atividades. Nada de parar. Acampamentos noturnos, uns descansando e outros vigiando. Ficávamos de pé em sentinela e só fazia o revezamento de hora em hora. Nada de dormir.

Havia também simulação em campo, no meio do mato, de ataque e defesa, de dia e de noite, com armamento leve e pesado. E um canhão que tínhamos que saber atirar. Revezamento, com uns atirando e outros colocando os projéteis. Foi um período duro, mas valeu! Não tinha como fugir.

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