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O CANTINHO DO JOÃO João Correia Juiz de Direito

DO ENDEUSAMENTO DA ACADEMIA AO ELOGIO DA MEDIOCRIDADE Poderia começar de imediato a discorrer sobre este tema porém, sinto-me na necessidade de justificar a razão de ser do mesmo. Quanto mais não seja para que não se crie a ideia de que aproveito as férias para filosofar sobre questões como esta. Assim, o tema em questão assenta num episódio que vivenciei quando me cruzei com um tipo que conheço há muitos anos e o qual julgo não ter a escolaridade mínima obrigatória (digo isto sem desprimor nenhum, as coisas são como são). O tipo é bruto, explora um bar de vinhos e petiscos (muito bom por sinal). É uma versão moderna de um tasqueiro ou taberneiro. Mais sofisticado do que dos de antigamente, mas mesmo assim sem saber ler convenientemente ou quanto muito, extrair significado sobre aquilo que lê. Porém, quando o interpelei sobre como é que o negócio corria em tempos de Covid o mesmo apresentou a sua tese. A mesma tinha todas as razões que, no seu entender, estão na sua génese, culpando os chineses e temperando a sua teoria com muita conspiração, sobretudo com um profundo descrédito sobre todas as teses ditas oficiais. Posto isto, Questiono-me sobre porque é que todos, hoje em dia, têm uma opinião sobre assuntos

complexos assumindo ou, que os mesmos não o são ou, que a sua opinião sobre temas como a medicina, a física, sociologia, psicologia, justiça, entre muitos outros, é merecedora de tanto crédito como aquela que é manifestada por um especialista na matéria. A situação assume tal dimensão que qualquer analfabeto, actualmente, opina sobre a génese do vírus e da pandemia, entre outros temas, mas sempre com aquela postura de quem, após ouvir a versão dos especialistas, entende que estes não percebem nada do assunto e que, ele sim (o analfabeto entenda-se), é que sabe quais as causas que estão na origem deste problema. Aliás, não são poucas as vezes em que basta que uma opinião seja emitida por um especialista para que de imediato (e apenas devido a isso), seja desvalorizada. A isso chamase o elogio da mediocridade a qual surge como reação ao endeusamento da academia. Ou melhor, como reação à crise do mesmo. Passando a explicar, se nos remetermos aos anos cinquenta e sessenta assumimos que, naquela época, uma certa esquerda pugnava por um ensino tendencialmente universal e gratuito apregoando ideias que sustentavam que se o povo não pode chegar à universidade então a universidade deverá chegar até ao povo da mesma forma que, uma certa direita


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