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CRÍTICA LITERÁRIA

ANTÓNIO GANHÃO

Critico Literário

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SOBRE...

A ÚLTIMA PORTA ANTES DA NOITE ANTÓNIO LOBO ANTUNES

A conversa de velhos tem um nexo especial, feita de memórias breves, tremidas e por momentos de insana lucidez ou de pura inspiração. São elucubrações circulares, batendo sempre no mesmo ponto, sem nunca, verdadeiramente, regressar a ele. António Lobo Antunes capta isso com sensibilidade, sentido de humor e a maldade de quem já não se ilude com as qualidades da espécie humana. Na monotonia da vida só a maldade nos torna humanos. Um livro que nos agarra logo nas primeiras linhas, numa escrita límpida, empolgante, sem que o leitor se aperceba que cada capítulo cabe numa única frase, num único pensamento que desliza por nós sem que disso nos demos conta. Uma constante ruminação, agitando o leitor num metro à hora de ponta, não lhe permitindo que se aperceba da pontuação esquiva que vai juntando ideias sem nunca terminar uma frase ou concluir um pensamento. A permanente evocação do passado porque não se consegue ficar a sós, entregue aos nossos pensamentos, mesmo quando acompanhados, em silêncio, com a cabeça “noutro sítio”, onde não existe um ponto final.

Uma trupe de extorsionistas, na sua própria voz, vai divagando ao longo do livro, esvaziando o “baú cheio de tralha antiga” que cada um traz na cabeça, a soma dos

medos e as aberrações que os acalmam. A trama forma-se entre as inquietações do passado e os receios do presente, os lobisomens da infância que nunca deixam de nos perseguir, o medo do escuro, “e o musgo do ódio começa a crescer nos intervalos de pedra dos dias”. A suprema mestria das metáforas que dispensam apêndices justificativos ou de ligação – em todo o livro apenas encontrei seis construídas a seguir a um “como”. A

narrativa adensa-se em torno de um perigo invisível, o receio da polícia, das escutas, de alguém que chibe, o dinheiro que tarda em ser distribuído a cortar o sonho de uma vida nova, sem receios antigos. Toda a fragilidade que nos dá a força de sermos humanos e, nessa condição, celebrar a grande literatura.

“… o problema não é descobrir a resposta, é escutar a pergunta…”

“GOSTO DE MORAR AO PÉ DE UMA ESCOLA DO ENSINO SECUNDÁRIO PORQUE AO CONTRÁRIO DE MIM, QUE ENVELHEÇO, AS RAPARIGAS MANTÊM SEMPRE A MESMA IDADE O QUE ME DÁ GANAS DE MATRICULAR ALI A MINHA MULHER...”

A ÚLTIMA PORTA ANTES DA NOITE, DE ANTÓNIO LOBO ANTUNES, DOM QUIXOTE, 2018.

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