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SOPHIA

JOSÉ LUÍS OUTONO

Escritor, por vezes fotógrafo ou pintor

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SOPHIA

Na minha agenda cerebral, este descobrir belezas do planeta Terra, não é fácil. Nos meros acasos de passagens apelativas, entro num parque verdejante e convidativo onde passeiam figuras interessantes. Olhamse, dialogam sumariamente, e continuam no circuito de um espaço confinado pelo verde e florido cenário de um parque … que descubro quase no final da visita, estar homologado - Parque dos Poetas. Num recanto bafejado pela Estrela Sol, cruzome com uma senhora sorridente, que me cumprimenta num tom amigo, apesar do ar altivo num relance inicial.

- Bom dia, como está ? - Estou num relance de descoberta destes espaços da Terra, e confesso-me surpreendido com belezas inéditas e difíceis de imaginar, como este parque. - Queira-me desculpar, noto nos seus olhos e contornos da face, algo diferente … gosto muito de ser frontal – nunca tinha visto! - É natural, apesar de já ter nascido neste Planeta, tenho origens de Marte. Os meus avós decidiram analisar o Planeta Terra em pormenor, por cá ficaram e fizeram brotar os meus pais, infelizmente já desaparecidos face a uma gripe viral que torturou todo o vosso Planeta. Eu, doutorado em Ciências Planetárias, nunca tinha imaginado horrores desta grandeza. Aliás, a vossa história é complexa de guerras de várias estirpes, num esgrimir complexo. Peço desculpa, o meu nome é Gualter, e tenho o prazer de falar com??? - Sophia. Curioso, fala tão bem o Português … - Sabe … falo o idioma, do país onde esteja. No meu cérebro está implantado um sistema identificador de culturas, que traduz … permita-me, poeticamente o sentir do local onde estou. Escreve poesia? - Sim. Tenho livros editados, e com orgulho sinto-me lida pela maioria cultural deste país. - Pode dizer-me um poema, caso não incomode.

- “Quando eu morrer voltarei para buscar os instantes que não vivi junto do mar.”

- Fabuloso, sou um apaixonado pelo mar, ouso mesmo dizer que é a mais bela força da vossa natureza, mesmo quando está zangado. Lembro-me vagamente de ter lido num livro esta citação. Sem dúvida, e das imagens que vejo na vossa televisão há dimensões marítimas belas, necessárias e … fará o favor de me perdoar, tão poluídas de formas selvagens onde o teor ambiente parece ser um vírus a combater. Aliás, se me alongar, mandeme calar, por favor … não entendo como são eleitos governantes acéfalos, onde a equação cerebral é um zero, logo demolidora de índices culturais, operacionais e vivenciais. Nesse aspecto, a cultura de Marte é soberba. Mesmo que o cérebro falhe, podemos adaptá-lo sem cirurgias perigosas e desnecessárias. - Meu caro, falou em Comunicação Social, e entrou nos horrores da minha mente, perante um desprezo absoluto, a nível profissional e informativo. Agora sou eu que lhe digo, desculpe alongar-me nas minhas reflexões, mas quando vejo jornalistas a questionarem em modos irracionais figuras públicas ou não … é o desconexo total. Imagine … portanto o senhor afirmou … não, eu não afirmei … mas irá fazê-lo de acordo com o que pressuponho dever ser dito … mas quem é o entrevistado… portanto está apenas a demorar um pouco na resposta … desculpe nem comento … caríssimos espectadores fica a prova de que os factos aconteceram, como as palavras que supomos deveriam ter acontecido … Olhe, vou mais longe. Lembrei-me de repente. É muito frequente os rodapés conterem erros inadmissíveis da nossa ortografia. Curioso, foi lançado o primeiro voo espacial tripulado e com visitantes, de iniciativa privada. No rodapé apareceu escrito – MISÃO ESPACIAL COMPROMETIDA PELO MAU TEMPO. De repente pensei … queriam dizer MESÃO, depois dei uma palmada na testa e culpei-me – Sophia … MISSÃO !!! Há pouco pediu-me para lhe dizer um poema. Foi uma honra, acredite. Mas, nem vai acreditar no que sucedeu, já lá vai uma década ou um pouco mais, e passei a ser a autora de um poema, muito bem gizado e tocante, escrito por uma senhora, se a memória não me falha de nome Adelina, e magistrada. Se não se importa, vou socorrer-me de uma cábula e vou lê-lo.

“Há mulheres que trazem o mar nos olhos Não pela cor Mas pela vastidão da alma E trazem a poesia nos dedos e nos sorrisos Ficam para além do tempo Como se a maré nunca as levasse Da praia onde foram felizes Há mulheres que trazem o mar nos olhos pela grandeza da imensidão da alma pelo infinito modo como abarcam as coisas e os Homens... Há mulheres que são maré em noites de tardes...e calma.”

Confesso, que adoraria ter escrito algo tão criativo e apelativo, como esta senhora teve a ousadia intelectual de o fazer. Mas o seu a seu dono. Foram escritos livros, feitas teses, análises temáticas, durante dez anos … ou mais, e só agora a situação foi descoberta de que eu era uma falsa autora desta “obra” de boa envergadura. A Comunicação Social foi estrondosamente incorrecta no esclarecimento do erro. Repare … enquanto eu fui a falsa autora, o escrito em causa era um poema gigante de energia apelativa e sedutora. Depois da descoberta, passou a ser um “poemazito” de uma magistrada, que de vez quando atirase ao papel, e escreve umas coisas, a que chama poemas. Doentio, e ainda mais porque grandes nomes da literatura ainda continuam a errar na verdade autoral deste poema. Sabe o que lhe digo?

“Porque os outros se mascaram mas tu não Porque os outros usam a virtude Para comprar o que não tem perdão. Porque os outros têm medo mas tu não. Porque os outros são os túmulos caiados Onde germina calada a podridão. Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem E os seus gestos dão sempre dividendo. Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos E tu vais de mãos dadas com os perigos. Porque os outros calculam mas tu não.”

Meu caro Gualter, desculpe-me. Abusei da sua paciência. Aceite as minhas desculpas! - Não tem que pedir desculpa. Hoje senti essa flor chamada cultura invadir o meu cérebro especial e pode crer, que irei escrever algo alusivo a este nosso encontro, se não for contra a sua vontade. Como é conhecida no mundo literário? - Sophia de Mello Breyner Andresen - Aconselha-me um livro para eu comprar? - Tenho ali um velho exemplar que terei todo o gosto em lhe oferecer. Já agora faça-me um pequeno favor. Face à minha idade, e estar confinada a este espaço verdejante … é difícil contactar o mundo, onde gostaria muito de conhecer em pormenor Marte. Mas isso é apenas um sonho. Se encontrar a genial autora daquele poema, convide-a a vir tomar um chá comigo … e consigo, neste Parque dos Poetas. Adoraria conhecê-la e dizer à Comunicação Social …

“Mesmo que eu morra o poema encontrará Uma praia onde quebrar as suas ondas

E entre quatro paredes densas De funda e devorada solidão Alguém seu próprio ser confundirá com o poema do tempo.”

- Posso fazer uma fotografia sua, ilustre poeta? - Deixe-me sorrir e agradecer este momento ímpar. Primeiro não disse poetisa, que detesto. Logo aí revelou uma estrutura cultural digna de um Planeta que gostava de conhecer … o seu Marte. Segundo, a conjugação correcta de fazer uma fotografia e nunca “tirar uma fotografia”. Odores e manchas poluidoras de mares, que nunca gostaria de navegar. Parabéns! Estou bem assim???

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