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ESCREVER ESTÁ NA MODA

Escrever está na moda. Definitivamente na moda! Já ler, é algo que está a cair em desuso. Perdoem-me a analogia mas é um pouco como os políticos de bancada que resolvem todos os problemas do país e, quase de certeza, em dia de eleições vão para a praia porque está um “um calor de ananazes”, deixando a urna para os mortos... Ou para aqueles que ainda lhe conferem alguma importância.

Enfim...É a realidade que temos à nossa volta.

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E porquê? O fenómeno da escrita compulsiva, quero dizer, criativa, é algo que se expandiu graças às redes sociais. Basta ler os comentários a uma qualquer polémica notícia para perceber o quanto as pessoas gostam de escrever. E com criatividade, se tivermos em conta os neologismos - vulgo, erros - usados por estes autores de pena sem tinteiro. A culpa é sempre do corrector ortográfico, da falta de óculos, do empurrão que levaram enquanto escreviam ou até de digitar enquanto conduzem – provavelmente isto não era para dizer. E logo aqui se percebe que a leitura não é o forte desta onda de novos-escritores, pois o que escrevem é fruto da leitura das gordas e não se darem ao trabalho de passar os olhos, sequer, pelo lead da notícia que comentam. Um bom escritor, a meu ver, passa, em primeiro lugar por um bom leitor. É aí que vai beber as palavras, o conhecimento, os recursos expressivos - que depois se explicam numa gramática (já agora, e para quem quiser, recomendo a Nova Gramática do Português Contemporâneo de Celso Cunha e Lindley Cintra). É aí que se inspira e até copia até criar um estilo próprio, seja ele qual for. O estilo é uma marca. É o que leva o leitor a querer repetir, ou não. Pessoalmente não gosto de ler mais do que dois livros de seguida do mesmo autor – às tantas parece-me tudo igual, embora saiba que é diferente. Faço intervalos espaçados, talvez porque – por defeito de formação – faça uma leitura analítica da obra: o tipo de volcabulário, os nomes dos personagens, os espaços, as fontes de inspiração. Já tentei não levar a leitura por este caminho, mas é-me impossível. Acabo sempre no drama do professor de literatura que procura mais do que aquilo que está escrito – e por vezes é apenas aquilo. Nada mais! O certo é que escrever está na moda! As prateleiras e os tops de vendas enchemse – salvo raras excepções – de escritores mediocres e capas lamentavelmente feias, que recorrem a lugares comuns para vender. E vendem! Oh, se vendem! Multiplicam-se os maneirismos, as citações, o parafrasear de outros autores ou a si mesmos. E notase a ausência de revisão, de edição ou até de correcção. Há pouco tempo lia que “ Luís Sepúlveda (...) disse um dia que, depois de acabar um romance, o lia para um gravador, depois ouvia a gravação e, quando uma

MARGARIDA VARGUES

Professora

palavra ou frase fazia «ruído», destoava, não tinha o mesmo ritmo, a corrigia” (NORTON, Cristina, Os Mecanismos da Escrita Criativa, Temas e Debates, Setembro de 2001). Dá trabalho? Oh se dá! Até reler um texto para o rever é trabalhoso...

Também nas redes sociais se multiplicam os cursos de Escrita Criativa, com programas mais ou menos complexos, dados por anónimos ou conhecidos. Tenho curiosidade em saber o que é escrito nessas aulas, porque há pessoas a escrever muito bem e, das que conheço, as que melhor escrevem são as que melhor lêem.

Escrever está na moda, repito. Ler melhor também deveria estar.

E como criar um bom leitor? Como cativar uma criança, um jovem ou um adulto para a leitura? É mais fácil desmotivá-lo do que o contrário.

Infelizmente sei do que falo, apesar da pequena amostra com que trabalho, para chegar a esta conclusão. A partir do momento em que os professores entregam aos alunos as listas do PNL o ar de enfado ao percorrer os títulos dá dó. Até para os adultos são poucos os livros que despertam o verdadeiro interesse.

As obras de leitura obrigatória são, praticamente, as mesmas de há trinta anos, os textos que enchem os manuais são deveras aborrecidos e desajustados a uma realidade cada vez mais veloz. Se a isto somarmos factos como: pais que não lêem, pais que não contam histórias, pais que passam demasiado tempo agarrados aos smartphones – porque assim a vida os obriga –, professores que têm um programa mais burocrático que didáctico para cumprir e que, como se soube há pouco, também não lêem, o cocktail é perfeito.

Dificilmente se formam leitores... porém os escritores estão lá: com “há”, sem “à”, com “haviam” e, das profundezas do inferno, os “há-des” ou “hádes”, conforme o teclado, a condução ou a falta de visão.

Antes de terminar e já que a escrita está na moda, gostaria de propor um exercício a todos

os leitores e respectivas famílias.

É um exercício para ser feito dos 8 aos 80!

Em 84 palavras – nem mais, nem menos, escrever um pequeno texto, com sentido, em que todas as palavras – todas mesmo! – comecem por uma vogal (não são admitidos “de”, “com” ou afins) e cada frase deverá ter,

no máximo cinco palavras.

Boa sorte!

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