Jurista NOVA EDIÇÃO JAN-FEV

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J U R I S T A J U R I S T A

SEGUNDA EDIÇÃO | Revista Jurídico-cultural

P r o d u z i d a p e l o N ú c l e o d e E s t u d a n t e s d e D i r e i t o d a A s s o c i a ç ã o A c a d é m i c a d e C o i m b r a ( N E D / A A C )A C E S S O G R A T U I T O J A N E I R O / F E V E R E I R O J A N E I R O / F E V E R E I R O 2 0 2 3 2 0 2 3
BIMENSAL

|Índice

'A História é uma velhota que se repete sem cessar ’ , pág.3

Poesia autoral nas págs. 4, 5 e 6

Centenário de Eugénio de Andrade, pág. 7

‘A renda diferencial e a produção musical – ensaio sobre um perfeito absurdo’, págs. 8, 9, 10, 11

ECI -From A to Z, pág. 12

Testemunhos ERASMUS+, págs. 13, 14, 15, 16, 17, 18

'A situação das pessoas transgénero no Sistema prisional português', HeForShe Coimbra, págs. 19, 20, 21, 22, 23

‘O Abuso do Direito na Dupla Proteção Intelectual das Tatuagens’ - Liga PIEUC, págs. 24, 25, 26.

Permitam-me citar o grande Eça, “

aHistóriaéumavelhota,queserepetesemcessar."

Mas falaremos de uma repetição abençoada, de uma arte que permeia as nossas paredes, que nos torna donos de uma mística incomparável.

Nos séculos de História que esta faculdade carrega, os nomes que por aqui passaram foram de grandes poetas, aspirantes da liberdade, sonhadores de outra realidade, apaixonados e mestres das artes. Interrogavam o infinito com os seus versos. Fizeram história por estas salas. O seu legado é incomensurável.

Por certo esta herança não será em vão. Não poderá ser. Como fogo que arde dentro de cada um de nós, há paixões que precisam de ser escritas, há revoluções que precisam de ser expressas, há vontades que merecem corpo.

Permitam-nos sonhar a vida inteira.

Permitam-nos sermos a repetição, incessante, da História, desta que é só nossa.

E toca o sino na Torre, oito horas e já é tarde.

Fecha-se a porta na faculdade, como o trancar da férrea enferrujada.

A noite corre, apressa-se cheia de vontade, para acordar o ponto alto da cidade e unir as gentes nas calçadas.

Fecham-se as sebentas, que ainda marcam a memória de outros estudantes da nossa longa história.

Dos que insistem no cheiro do papel, com menos ecrãs "leds" e mais pesquisas a granel. Juntam-se grupos, traçando as capas negras com paixão, porque o tempo já pede um aconchego.

Marcham firmes e barulhentos, determinados. Conhecem cada pedra deste chão, cada metro da calçada.

Primeiro, sussurros lentos, quase que afastando o medo Depois, gritos ao ar com coragem de invasores

A noite avança, sem perdão. Debatem-se os temas estudados e, entre uma e outra discussão, bebe-se à mágoa e à euforia. Porque nem sempre há que ter razão e vai-se enchendo o peito dessa emoção.

Canta-se o fado ao luar, enaltece-se o respeito desta Universidade amada.

São caloiros ou doutores, são da praça e da cidade, vestem preto ou outra cor, a que dá vida à sua faculdade pela qual morrem de amores.

Cada esquina tem um bar, uma república, uma tasca, um recanto Tantos nomes aqui passaram, lembro os poetas e escritores que também esta Universidade para a sua vida levaram.

Antero, considerado o génio que era um santo. Que pensando o que sentia e sentindo o que pensava, agitou estas paredes pelo bom senso e pelo bom gosto que ousava.

E mesmo em fantasia a sonharam, fazendo dos heróis estudantes de Coimbra, como Carlos da Maia, que acabou por estudar Medicina.

Por estas construções o espírito revolucionário penetrou Mas, deixando o romantismo e o realismo, os vencidos da vida e as revoluções, a verdade é que a julgam de eterna E talvez seja mesmo isso….. imortal.

Mafalda Moita, 1º Ano da Licenciatura em Direito.

Poetas,essesloucos!

Desenganem-se, Pois poetas são seres feios, Cheios de sombras e amarras. Não entendem nada da vida Nem de acordes de guitarras!

Ai os poetas, esses loucos… Que bebem lágrimas aos copos, Derramando a frieza de um ser, Recitando tudo o que não é ter.

São piores que palavras rabiscadas, Bem piores que revistas esfarrapadas. São todos os nadas a tentar ser, A maravilha que ninguém quer ver.

FlordeminhaLibertação

Flor de minha maior Liberdade Que brotou para tenra idade, Em meu nome, num só grito, A Criança sem berro aflito.

Dois orgulhos que condensam, Paixões que em si propensas, Por gotas um tanto suadas… Terão almas sido abalroadas?

É lume! Aquele que nos queima E, invisivelmente, aqui se ouve…

Flávia Freitas Lopes, 3º Ano da Licenciatura em Direito.

Mementomori

Escassa é a gente Que conscientemente É presente no presente Escassa é a gente Que consegue ver para além da tinta Da obra que cada um pinta

Escassa é a gente Que mergulha neste enredo Desprovida do velho medo

Escassa é a gente Que nesta efémera vida Não teme a hora da partida.

José Valério, 3º Ano da Licenciatura em Direito.

CentenáriodeEugéniodeAndrade

Nascido em Póvoa de Atalaia, Eugénio de Andrade, pseudónimo de José Fontinhas, é proveniente do Concelho de Fundão. Considerado por muitos um dos mais céleres poetas contemporâneos portugueses, tendo sido galardoado em vastíssimas premiações - Prémio Europeu de Poesia, Prémio Camões (2001, o mais recente), Prémio da Associação Internacional de Críticos Literários, Prémio Jean Malrieu - entre as demais, Eugénio de Andrade completaria, no passado dia dezanove de janeiro de dois mil e vinte e três, cem primaveras de Vida e, Hoje, extensa Obra.

Em homenagem ao seu legado, da aura imortal daquele que é descrito como eterno ‘poeta’ do imaginário popular, constituiu-se a Comissão promotora das comemorações do centenário de Eugénio de Andrade, composta por Carlos Mendes de Sousa, Federico Bertolazzi, Joana Matos Frias, José Tolentino Mendonça, com o intuito de organizar um congresso internacional sobre o Poeta que se realizará em Lisboa, de 11 a 13 de outubro do presente ano Também terão espaço exposições, concertos, ciclos de leituras e conferências em sua Memória. O autor faleceu a 13 de junho de 2005, naquela a que chamamos de cidade Invicta, mas o seu valor é imensurável junto da poesia nacional bem como do panorama internacional

É urgente o amor. É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras, ódio, solidão e crueldade, alguns lamentos, muitas espadas.

É urgente inventar alegria, multiplicar os beijos, as searas, é urgente descobrir rosas e rios e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz impura, até doer.

É urgente o amor, é urgente permanecer.

Flávia Freitas Lopes, 3º Ano da Licenciatura em Direito.

Arendadiferencialeaproduçãomusical –ensaiosobreumperfeitoabsurdo

À luz da matriz filosófica que Kierkgaard (1813-1855) delineou a partir de uma postura deliberadamente existencialista, podemos afirmar que, na realidade, escolher uma coisa é, obrigatoriamente, renunciar a outra. No fim de contas, para o autor, esse é, em si mesmo, um ato que exprime a liberdade de que dispomos enquanto seres humanos, atuando no quadro de um estado ético – de realização de si mesmo – que, situado a meio caminho entre dois outros – o estado estético e o estado religioso – com eles se conjuga, compondo a estrutura tripartida da existência

O paradoxo em que imerge a questão relativa à escolha coloca-nos face a uma interrogação: de que modo somos condicionados de forma a optar por algo, isto é, quais as razões que explicam que, nesse processo de afirmação da nossa existência real e concreta, consideremos que certas coisas possam ser dispensadas em favor de outras?

Por outro lado, a mesma questão lança-nos para outro debate, nomeadamente o de saber em que medida a nossa escolha interfere com as restantes opções em jogo e/ou se não está também condicionada por estas, à partida.

Ao invés de ditar uma qualquer sentença, concentremo-nos na História, a qual, como se sabe, pode ser um valioso guia para a compreensão de fenómenos de variadíssima ordem, como os económicos.

Em pleno século XIX, numa altura em que a Inglaterra vedava a importação de cereais através de um conjunto de diplomas designado por Corn Laws (em vigor entre 1815 e 1846), o economista David Ricardo (1772-1823) constatou, ao contrário dos restantes analistas da época, que eram os preços crescentes dos cereais, devido a uma procura em alta, que explicavam a subida do valor das rendas das terras. De facto, face ao aumento da população e à consequente necessidade de obter resultados produtivos mais expressivos à custa da exploração de terras menos férteis, os produtores das terras mais férteis tinham a oportunidade de valorizar as suas propriedades (dada a impossibilidade do aumento da oferta, porquanto a terra é um fator de produção tendencialmente finito), reclamando para si aquilo que Ricardo acabaria por designar na sua Teoria (1817) de renda diferencial (sendo o diferencial aquilo que era introduzido de cada vez que as necessidades da população reclamavam um aumento da produção)

Ora, suponha-se que (pela via dos resultados do processo produtivo) uma terra A produz 150 alqueires, uma terra B produz 125 alqueires e finalmente uma terra C produz 100 alqueires Podemos verificar que o proprietário de A não está em condições de receber uma renda diferencial quando não há outra terra a ser explorada. Ao ser explorada uma segunda terra, cuja produção se cifra em menos 25 alqueires do que a sua, este passa a poder pedir uma renda de 25 Já no momento em que se passe a explorar uma terceira terra, com uma produção de 100 alqueires, a renda que o proprietário de A passa a poder reclamar é de 50 – a diferença entre a capacidade produtiva da sua e da terra C Chega-se, assim, à explicação para o aumento crescente do preço das rendas.

Lembrando a questão mencionada no início do nosso texto, o facto é que a teoria exposta é igualmente pertinente quando, ao invés de se procurar apenas a razão pela qual um proprietário de uma terra fértil poderia reclamar para si um diferencial, situação analisada quer olhemos a uma explicação pela via dos custos (crescentes) ou pela via dos resultados produtivos (decrescentes), olhamos a um outro elemento que se apresenta como fundamental e assaz original. A saber, a situação de indiferença que se geraria no momento de se fazer uma escolha Assim, pensando no exemplo do dono da terra B, este poderia arrendar a terra ao proprietário de A e produzir 150 alqueires – pagando 25 de renda; ou, naturalmente, poderia explorar a sua própria terra, obtendo um resultado de 125 alqueires. Em qualquer dos casos, ser-lhe-ia indiferente optar por uma ou outra via, pois o resultado final seria idêntico. Afinal de contas, e contrariando inevitavelmente Kierkgaard, escolher não implicaria, neste caso, renunciar a uma coisa, mas confirmar que o peso que Sísifo iria transportar seria irremediavelmente idêntico quer enveredasse por uma ou outra via A visão macroeconómica que, como sabemos,encontra raízes não só no pensamento dos fisiocratas, mas também no pensamento mercantilista, na Teoria Quantitativa da Moeda, na Lei de Say, nas teorias do ciclo de negócios, no reequilíbrio automático da balança de pagamentos, e se densifica posteriormente (já em pleno século XX) com os grandes agregados Keynesianos da despesa, da produção e do rendimento, autoriza-nos a ser ainda mais holísticos, generalizando aquilo que são pontos de vista puramente económicos a outras realidades ainda mais difíceis de auscultar do que a própria economia; essa, pelo menos, terá desenvolvido os seus próprios instrumentos de medida, ainda que imperfeitos (veja-se o debate em torno do “Beyond GDP”)

As circunstâncias deste encontro músico-legal não serão relevantes para o exercício de abstração que se pretende realizar, pois trata-se de pensar até que ponto a sociedade musical europeia à época de David Ricardo [pense-se na chamada “Geração de 1810” e em autores como Mendelssohn (1809-1847), Schumann (1810-1856), Chopin (1810-1849) e Liszt (1811-1886), inseridos no movimento do Romantismo] poderia julgar da utilidade da aplicação da respetiva teoria económica a um universo tão particular.

Partindo de coordenadas distintas das que conduziram a nossa análise puramente económica, poderíamos desde logo assumir que, neste contexto, o fator de produção terra corresponde não à terra em si, mas antes à genialidade de cada compositor Tal como a terra, a genialidade é tendencialmente finita e não sem quanto concentrada no tempo e no espaço (relembrando a mencionada “Geração de 1810”). Ainda assim, consideremos para o efeito três grandes mentes musicais dessa era, classificando-as por ordem decrescente de genialidade de forma assumidamente subjetiva, mas objetivamente selecionadas em linha com a forma musical que servirá de objeto à nossa análise (certamente, seremos julgados em sede própria por tamanho atrevimento) - Chopin, Schumann e Liszt

Desconsiderando os eventuais problemas legais que pudessem advir da utilização, ainda que a título de pagamento, de material musical pertencente a outro que não o próprio compositor que assina a obra, afastaremos esse problema do horizonte da análise - uma espécie híbrida da sobejamente conhecida condição ceteris paribus.

Suponhamos que Chopin cria uma sonata para piano (a primeira de duas foi realmente composta em 1838) numa altura em que esta forma musical ainda não está suficientemente implantada no meio musical, não sendo por isso objeto de uma procura por parte dos ouvintes que justifique que haja outros compositores a introduzir-se neste domínio da composição. Neste caso, a genialidade do compositor, por um lado, assim como as necessidades existentes, por outro, não justificam que outros compositores, menos geniais, se imiscuam na produção de obras desta índole

No entanto, a verdade é que o sucesso que vai premiando as atuações de Chopin – arrecadando 150 notas por concerto – acaba por se repercutir em termos da aceitação desta forma musical; de tal forma que o público reclama por mais sonatas É, pois, chegado o momento de entrar outro protagonista em jogo – Schumann. Este, menos genial, tem a possibilidade de contar exclusivamente com a qualidade dos seus motivos composicionais e produzir uma obra que lhe dará 125 notas por concerto ou, recorrendo aos materiais composicionais de Chopin, produzir uma sonata que lhe dará seguramente direito a 150 notas, mas das quais terá de abdicar 25 por conta da renda diferencial que o primeiro está agora em condições de reclamar Aqui está a mencionada situação de indiferença que analisámos aquando de uma visão em torno do fator de produção terra.

Finalmente, os dois compositores podem levar o sucesso da forma musical a patamares que justifiquem, em função do aumento da procura, o recurso a um terceiro (menos) génio –Liszt. Nesse caso, o húngaro sabe que pela sua própria pena poderá criar uma sonata que lhe dará seguramente 100 notas por concerto Porém, a questão é saber se, face ao diferencial gerado na relação com cada um dos outros (mais) génios, está disposto a produzir com a qualidade de Chopin, entregando-lhe, todavia, 50, ou mesmo se não se importaria de pagar 25 notas a Schumann (certamente radiante com esta possibilidade de cobrar uma renda) em troca das suas ideias. Em qualquer dos casos, chegamos uma vez mais à situação de indiferença identificada por Ricardo

Findo este processo, permitimo-nos indagar acerca do facto de o próprio Ricardo, após receber a indicação de que se estaria a aplicar a Teoria por si criada sem o seu consentimento, viesse, ele próprio, reclamar uma renda (não diferencial) enquanto manager dos três geniais artistas…

Este raciocínio de especulação poderá, sem dúvida alguma, apontar para diferentes conclusões Talvez por isso, é relevante fazê-lo desde logo através desta versão iniciática, encorajando assim a possibilidade futura de o estender a domínios ainda mais inusitados. Seria a única hipótese de, também nós, termos a ténue esperança de estar em condições de reclamar uma renda diferencial

De facto, fica patente a ideia de que todas as vias são admissíveis quando nos atrevemos a problematizar determinada questão envolvendo diferentes áreas científicas. Justamente pelo facto de estas comungarem de uma matriz comum - a sua natureza social e humana, poderemos sempre envolver a pesquisa ousando um exercício de interpelação pelo qual questionamos umas e outra acerca das suas próprias atividades escolhas

Ao Direito, no âmbito de de jure condendo, caberá sempre a tarefa de enquadrar, sob um ponto de vista legal, as posições jurídicas nascidas ao abrigo desta e de outras problematizações

José Miguel Amaral, 3º Ano da Licenciatura em Direito.

|ECI – From A to Z

O “ECI – From A to Z” é um projeto que pretende contribuir para o desenvolvimento d competências no âmbito da união europeia dentro do ensino superior Para além disso, tem como objetivo primário promover o envolviment cívico e a participação voluntária de estudante do ensino superior na vida pública à escal comunitária, permitindo-lhes lançar a sua própri iniciativa de cidadania a partir de uma abordagem marcadamente colaborativa, prática e dinâmica

A candidatura é feita via email, através da entreg de currículo e carta de motivação (em inglês como resposta a email institucional da UC)

A iniciativa de cidadania europeia é um do mecanismos de participação ativa dentro da uniã europeia É uma forma única de contribuir para definição das políticas da União Europeia pedind à Comissão Europeia que proponha novas leis.

O projeto “ECI – from A to Z” conta com a participação das universidades de Coimbra, Göttingen (Alemanha), Alexandru Ioan Cuza (Roménia) e Vigo (Espanha). Um conjunto de sessenta estudantes são selecionados para participar neste projeto, que se inicia com um curso online (composto por oito módulos) e culmina com a deslocação a uma destas universidades, para que os estudantes trabalhem e apresentem as suas propostas de iniciativa de forma simulada. Desta forma, os participantes têm a oportunidade de trabalhar com alunos de outros estados-membros e aprender sobre a metodologia da iniciativa de cidadania europeia de forma prática – com o acompanhamento de um tutor.

São de destacar, na nossa faculdade, a Sra. Doutora Dulce Lopes, o Sr. Doutor Eduardo Figueiredo, a Senhora Dra Alexandra Aragão e a Sra Dra Rita Duarte, que, enquanto docentes das cadeiras de Direito da União Europeia, trabalharam com os alunos participantes de forma próxima e ativa. Destacar ainda a Sra. Dra. Sílvia Nolan, pelo seu trabalho na criação e desenvolvimento do curso online

Podes acompanhar a segunda edição do projeto através em: https://www.instagram.com/eciatoz/.

Ana Raquel Moreira, 3º Ano da Licenciatura em Direito.

Testemunhos |Programa ERASMUS+

Qual a cidade e a faculdade em que estás a fazer Erasmus?

Joana Vidal/Granada: Estou a frequentar o programa Erasmus+ na Facultad de Derecho de la Universidad de Granada, na cidade de Granada, Espanha

Leonor Lopes/Budapeste: Estou a frequentar o programa Coimbra Grupo na universidade Eötvös Loránd, em Budapest.

Qual é o custo de vida no geral, em termos de habitação, alimentação, transportes para a faculdade? Asseguraste todos esses custos sem contribuições externas?

Joana Vidal/Granada: O custo de vida é semelhante ao de Portugal O preço da renda dos quartos aqui é consideravelmente superior ao preço médio que encontramos em Coimbra, a rondar, em média, os 250 a 300€. A nível de alimentação, os preços de supermercado são bastante semelhantes e o custo da refeição na cantina é de 3,50€, mas a dose é bastante grande! São servidos sempre dois pratos, bastante cheios, para além do pão e fruta Dá perfeitamente para levar a comida de um dos pratos para casa e comê-la ao jantar. Quanto ao transporte, não gastei nada porque sempre me desloquei a pé para todo o lado, pois é tudo bastante perto; mas sei que existem vários descontos nos autocarros. A bolsa que recebemos no âmbito do programa é uma grande ajuda! Sem ela não iria conseguir suportar todos os custos por mim mesma; graças a ela, pude manter a mesma margem de gastos que tinha em Coimbra.

Leonor Lopes/Budapeste: O custo de vida é semelhante ao de Portugal, talvez um pouco mais baixo. Em termos de alimentação é praticamente igual, em termos de transporte é mais barato, uma vez que o passe para estudantes custa apenas 8€ e permite a deslocação por toda a cidade. Em termos de renda, diria que o custo médio por estudante varia entre os 300€ e 400€, sendo que a bolsa que recebi ajudou bastante a cobrir estes custos Acrescento que em termos culturais, fica muito mais barato viajar e conhecer outros países em relação a Portugal (uma vez que é um país central), de autocarro por exemplo.

Que cadeiras estás a frequentar e tiveste equivalência a quais?

Joana Vidal/Granada: Estou inscrita a Argumentación Jurídica, Derecho de Daños, Derecho Penal II, Derecho Internacional Privado e a Propiedad Intelectual, Industrial y Ordenación del Mercado, que me darão equivalência a Metodologia do Direito, Direito das Obrigações I, Direito Penal III, Direito Internacional Privado e Direito Comercial I, respetivamente Além destas, estou também inscrita a Medicina Legal e Organização Judiciária, mas, infelizmente, não consegui obter equivalências pelo que terei de realizá-las na FDUC.

Leonor Lopes/Budapeste: Eu tive equivalências a Direito Penal II, Direito Penal III, Direito Comercial I, Direito Comercial II, Metodologia, Direitos Reais, Direito Processual Civil, Direito Internacional Privado, Direito Processual Penal

Quais são os métodos de avaliação das cadeiras que estás a frequentar?

Joana Vidal/Granada: Todas as cadeiras são de avaliação contínua, no sentido em que 30% da nota final engloba presença nas aulas, participação e resolução de exercícios que são enviados para realizar em casa (como casos práticos, resumo de sentenças para determinar que tipo de argumentos foram utilizados, etc.); os outros 70% são a nota do exame final. Todavia, à cadeira de DIP o exame final poderia ser substituído por duas frequências; e à cadeira de Propiedad, o exame final poderia ser substituído por pequenos exercícios práticos realizados em aula, entre 10 a 12, mediante algumas condições, nomeadamente: comparecer a todos os exercícios práticos (o professor nunca avisava quando os faria, pelo que é necessário comparecer SEMPRE à aula) Os exercícios são os mesmos que constam do manual, pelo que era possível resolvê-los previamente em casa e posteriormente passá-los para a folha de resposta Além disso, o professor concedia acesso aos computadores para a realização dos exercícios. Como optei por este modelo, a nota máxima que o professor concedia era de 7 valores em 10 (o que equivale a 14 valores na FDUC); se quiséssemos melhorar a nota, teríamos de nos sujeitar a exame final posteriormente.

Leonor Lopes/Budapeste: O método de avaliação varia consoante a cadeira Algumas cadeiras são avaliadas através de apresentação oral e trabalho, outras apenas através de trabalho, e outras por exame final – ou seja, depende das cadeiras que escolherem. No entanto, em comparação à FDUC, não é possível fazer melhoria de nenhuma cadeira avaliada por exame final ou de qualquer outra forma. Para além disso, as aulas são obrigatórias e os professores valorizam muito a assiduidade.

Sentes que o regime jurídico do país onde estudas foge muito do regime jurídico português? Achas que essa discrepância pode prejudicar a prática de profissões jurídicas no nosso país?

Joana Vidal/Granada: Apenas senti que havia algumas divergências no regime jurídico relativamente às cadeiras de Derecho de Daños (Obrigações I) e Derecho Penal II (Penal III). Não incidem sobre a mesma matéria, pelo que não consigo dizer muito bem no que efetivamente diverge, pois ambas se focam em coisas diferentes, no sentido em que em Espanha dão maior peso a umas coisas e em Portugal dão a outras. Quanto às restantes cadeiras, é bastante parecido!

Leonor Lopes/Budapeste: No que toca às cadeiras que põe em contacto várias ordens jurídicas, como por exemplo direito internacional privado, sinto que em nada afeta a minha preparação profissional o facto de as estar a realizar num país diferente Para além disso, achei interessante o facto de que em algumas cadeiras (Direito Penal III, por exemplo), deram me a possibilidade de ser avaliada com um trabalho que versava sobre a matéria como é lecionada na FDUC, ou seja, tive igualmente que compreender o regime jurídico português.

Como descreves a vida social na cidade na cidade onde te encontras?

Joana Vidal/Granada: A cidade é bastante animada Os habitantes no geral gostam imenso de estar constantemente na rua, seja nos jardins, praças, cafés ou bares, tanto de dia como de noite. As manhãs são bastante calmas pois a cidade só “desperta” depois das 10/11 horas De tarde, todo o comércio encerra entre as 14h e as 17/18h, um hábito da zona sul de Espanha. Não obstante, Granada é uma cidade universitária à semelhança de Coimbra, pelo que todas as noites há festas e “coisas” a acontecer. Também existem algumas agências que organizam eventos especificamente para alunos de Erasmus que estejam a estudar na cidade, desde festas, viagens, convívios, etc.

Leonor Lopes/Budapeste: Diria que é consensual que Budapeste é uma das cidades europeias com mais vida! A vida noturna é muito forte, e muito mexida durante o dia, sendo que existe muita coisa para fazer a todo o tempo! Para além disso, é muito central e encontro sempre pessoas com todo o tipo de nacionalidades

Como aprendeste a língua? O programa de Erasmus ou a própria universidade deu-te a possibilidade de teres aulas?

Joana Vidal/Granada: Já possuía bases pois tive 2 anos de espanhol no ensino secundário Uma vez que a língua é parecida com o português, foi fácil desenrascar-me e perceber o que era dito. Confesso que a parte mais difícil é sempre falar pois a pronúncia nunca sai igual, mas rapidamente apanhamos hábitos e expressões. Mesmo para quem nunca teve aulas de espanhol, não é difícil perceber e falar No entanto, a UGR tem um programa de Espanhol intensivo de 2/3 meses com um custo de 450 euros.

Leonor Lopes/Budapeste: Não

tive necessidade de aprender a língua, uma vez que todas as aulas foram lecionadas em inglês, e que fui avaliada em inglês a todas as cadeiras. Isso deixou-me mais confortável, uma vez que é uma língua que domino e na qual me encontro certificada. A língua falada em Budapeste é húngaro, mas sinto que é fácil levar a vida em Budapeste com conhecimentos em inglês –apesar de nos ser dada a oportunidade de aprender húngaro.

- Parlamento de Budapeste

Como é a avaliação? Consideras que foi mais ou menos exigente do que na FDUC?

Joana Vidal/Granada: Bastante mais fácil! Tanto as aulas como os exames são bastante práticos e diretos ao assunto Os professores não querem “palha” nos exames, nem que expliquemos teoricamente os conceitos. Resume-se a ler, aplicar diretamente as normas e já está. O volume de matéria é também bastante reduzido, pelo que não é preciso fazer maratonas de estudo intensivo O facto de termos de comparecer obrigatoriamente a todas as aulas e realizarmos inúmeros exercícios práticos facilita bastante o processo de estudo durante a época de exames, além de que alguns professores costumam fazer testes de controlo, a fim de averiguar se a turma está a entender bem a matéria e trabalhar em sala de aula os pontos mais fracos

Leonor Lopes/Budapeste: Diria que é menos exigente do que na FDUC!

Não temos uma época de exames propriamente dita Como as aulas são obrigatórias e o método de avaliação é diferente, a o trabalho dispersa-se mais ao longo do semestre. É mais leve, e mais simples no geral. Como sabemos, não é de todo comum na faculdade de direito sermos avaliados através de trabalhos, no entanto em Budapeste existe muito essa vertente e sinto que expande um bocado os meus horizontes também no que toca a fazer apresentações orais, uma vez que me obriga a sair da minha zona de conforto!

Existe mais alguma coisa que queiras acrescentar ao teu testemunho?

Joana Vidal/Granada: Façam Erasmus! É sem dúvida uma experiência a não falhar. Quebrei a minha bolha de conforto e sinto que cresci muito com isso; dei mais um passo na minha independência e aprendi a lidar com várias diversidades. Conheci várias pessoas de diferentes nacionalidades e foi bastante enriquecedor conhecer outras culturas. E, como bónus, pude fazer “ uma pausa ” da FDUC para recarregar baterias – o alívio foi gigante e sinto que venho preparada para enfrentar a próxima época de exames com mais calma. Leonor Lopes/Budapeste: Recomendo que toda a gente faça Erasmus! É uma experiência incrível e uma oportunidade de conhecer o mundo que dificilmente vai ressurgir na vossa vida! É importante sairmos da nossa zona de conforto e conhecer coisas novas, e Erasmus é mesmo sobre isso!

-Granada, Espanha

Mariana Azinheiro, 3º Ano da Licenciatura em Direito.

|HeForShe Coimbra

A situação das pessoas transgénero no Sistema Prisional português

Começando por dar a conhecer o Movimento HeForShe Coimbra: O HeForShe é um movimento solidário internacional que foi criado pela ONU Mulheres em 2014, com o objetivo de incentivar aos homens e meninos a que aliancem ao movimento feminista e à emancipação das mulheres e meninas. Hoje, tem como foco a luta incessante pela igualdade de género, numa perspetiva interseccional, consciencializando a população para a sua importância, bem como relacionando-a com outros temas dos Direitos Humanos. Assim, o HeForShe Coimbra corresponde ao núcleo regional do movimento com enfoque na “Cidade dos Estudantes” e um pouco por toda a zona centro, contando já com uma série de ações de sensibilização, debates e formações

Desde já, importa desconstruir a ideia tradicional de igualdade de género. Seguindo-se por uma perspetiva interseccional e acompanhando as evoluções sociais, o HeForShe considera a igualdade de género no seu conceito amplo, ou seja, a igualdade entre todos, incluindo aqui as mulheres e homens cisgénero1, pessoas transgénero2 e não-binárias3 e não apenas considerando a perspetiva clássica de igualdade género entre mulheres e homens.

No passado dia 28 de novembro de 2022, o HeForShe Coimbra realizou um debate no sentido de compreender a situação das pessoas transgénero no sistema prisional português. Este contou com especialistas de 3 áreas: Dr. Eduardo Figueiredo, mestre em Direito Constitucional e com pós-graduação em Direitos Humanos, sendo investigador no Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra; Dra Maria Jorge Ferro, psicóloga clínica que já trabalhou junto de reclusos na Penitenciária de Coimbra; Dr. Hermínio Barradas, Presidente da Associação Sindical de Chefias do Corpo de Chefias da Guarda Prisional

Pela Coordenadora Geral do HeForShe Coimbra, Joana Claro.

Com o contributo destes especialistas, abordámos a temática em 3 perspetivas diferentes Em primeiro lugar, contámos com a intervenção do Dr. Eduardo Figueiredo que nos apresentou o atual elenco normativo que protege a autodeterminação da identidade de género4, bem como o regime jurídico aplicável às pessoas transgénero nos estabelecimentos prisionais em Portugal. Seguiu-se a Dr. Maria Jorge a explicar o estado de vulnerabilidade psicológica em que muitas pessoas transgénero se encontram e que se agrava significativamente quando não é respeitada a sua identidade de género, potenciando disforia de género5, entre outras condições Terminaram-se as intervenções iniciais com o contributo do Dr. Hermínio Barradas que, enquanto Chefia da Guarda Prisional, veio dar a conhecer a verdadeira realidade das pessoas transgénero dentro do sistema prisional, a aplicabilidade da lei que as deveria proteger e os desafios que os profissionais das forças de segurança encontram face à inclusão e tratamentos adequados destas pessoas. Aproveitando as conclusões retiradas do evento supramencionado passarei, de forma breve e expositiva, a abordar a situação das pessoas transgénero no sistema prisional português Portugal corresponde a um dos países com mais avanços legais relativamente a esta temática, mas, ainda assim, o ordenamento jurídico mostra-se ineficaz e insuficiente em algumas áreas

A 7 de agosto de 2018 (Lei n.º 38/2018) estabeleceu-se no ordenamento jurídico português o direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e à proteção das características sexuais de cada pessoa Esta lei veio agilizar o processo de alteração de género e nome próprio no registo civil, mediante requerimento, sendo que anteriormente era exigida uma avaliação por uma equipa clínica multidisciplinar (hoje, para intervenções cirúrgicas, ainda se exige o aval da Ordem dos Médicos) Este diploma inclui a proibição de discriminação e o reconhecimento jurídico da identidade de género, bem como garantias e medidas de proteção em diversos âmbitos. Previu-se o desenvolvimento de medidas de prevenção e combate à discriminação, mecanismos de deteção e intervenção em situações de risco, condições adequadas de proteção e formação para docentes de demais profissionais do sistema educativo em questões relacionadas com identidade de género, expressão de género e características sexuais. Embora nesta lei se estabeleça que cada pessoa deve ser respeitada e tratada de acordo com a sua identidade de género (independentemente das suas caraterísticas sexuais primárias ou secundárias) percebemos neste debate, através da exposição do Dr. Hermínio Barradas, que isto nem sempre acontece, havendo conhecimento de que existem pessoas transgénero que estão inseridas em estabelecimentos prisionais opostos ao género com que se identificam.

Quanto a isto, para além de não ser respeitado o direito da autodeterminação de género destas pessoas, a sua condição física e mental torna-se vulnerável, aumentando a probabilidade de estarem sujeitas a violência física, verbal e sexual. A inserção das pessoas transgénero no sistema prisional contradizendo a sua identidade de género, não só leva a que as suas vidas estejam em risco, bem como aumenta a possibilidade de que estas venham a desenvolver perturbação mentais, nomeadamente, de disforia de género, ansiedade, depressão, entre outras.

A par disto, também são vários os desafios que se colocam à plena aplicabilidade do direito à autodeterminação de género. Podemos, em primeiro lugar, identificar um obstáculo relativamente à revista pessoal por desnudamento dos reclusos, na medida em que, frequentemente os profissionais responsáveis se recusam a realizar esta função quando se trate de pessoas transgénero que não tenham realizado as cirurgias de autodeterminação de género Esta recusa da revista por desnudamento está associada à discriminação das pessoas transgénero, em especial, das que decidem não realizar as cirurgias de afirmação de género, sendo que, mais facilmente são respeitadas as pessoas que se apresentam de uma forma mais normativa (com todas as cirurgias de afirmação realizadas e expressando-se de acordo com os estereótipos de género impostos socialmente).

O desafio mais relevante identificado pelo Chefia Hermínio Barradas foi a falta de informação dos profissionais do sistema prisional sobre a temática, sendo que no momento inicial de formação à sua profissão esta perspetiva não é abordada, nem os trabalhadores recebem formações ao longo da carreira que acompanhem a evolução social. O Dr. Hermínio referiu que a maioria do corpo da guarda prisional se encontra na faixa etária dos 45-65 anos, sem nunca ter algum tipo de formação sobre temáticas de género, resultando num dos maiores entraves à inclusão das pessoas transgénero no sistema e plena aplicabilidade do regime jurídico

Uma vez que a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais apresenta os dados acerca dos reclusos descorando a sua identidade de género, o Presidente da Associação Sindical de Chefias do Corpo de Chefias da Guarda Prisional veio esclarecer que são poucas as pessoas transgénero no sistema prisional (são consideradas as pessoas que alteraram a sua identidade de género nos seus documentos legais), mas isso não significa que se deva descorar a inclusão destas numa das áreas fundamental de organização social cujo o objetivo deveria ser a reabilitação e reinserção social, a par de todas as outras esferas da sociedade

No art.12º da Lei n.º 38/2018 estabeleceu-se que o Estado deve garantir adoção de medidas no sistema educativo que promovam o exercício do direito à autodeterminação de identidade e expressão de género e à proteção das características sexuais. No entanto, não se implementou medidas educativas no sistema escolar obrigatório com o objetivo de educar os mais jovens para a temática Além disto, tanto no ensino obrigatório, como no ensino superior há a falta de formação dos docentes e não docentes, não permitindo uma verdadeira prevenção da discriminação e inclusão das pessoas transgénero como estabeleceu o texto da lei

Ademais, é de notar que o facto de os sistemas prisionais estarem estruturados com base no sexo biológico (e não na identidade de género), aumenta o índice de discriminação e violência contra as pessoas transgénero, bem como invisibiliza/descora a existência das pessoas não-binárias e pessoas intersexo6, que por falta de regulamentação legal, são incluídas em prisões conforme o seu sexo biológico definido à nascença e/ou colocadas em isolamento Além disto, apenas as pessoas com nacionalidade portuguesa são abrangidas pela Lei n.º 38/2018, pelo que as pessoas transgénero estrangeiras e residentes em Portugal não serão legalmente tratadas consoante a sua identidade de género.

O art 2º/ 1 do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade diz-nos que “A execução das penas e medidas de segurança privativas da liberdade visa a reinserção do agente na sociedade, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, a proteção de bens jurídicos e a defesa da sociedade.”; como poderá o sistema prisional promover uma verdadeira reinserção do agente quando a sua identidade de género não é respeitada?

Relembramos que o HeForShe considera a educação dos mais jovens como um dos pilares fundamentais para alcançar a igualdade de género. Deste modo, o HeForShe Coimbra vem apelar à consciencialização para as temáticas de desigualdade de género e incentivar à educação de todos, desde o ensino básico obrigatório, passando pelo ensino superior, até à formação durante a carreira. Todos os dias e em todas as profissões estão presentes as relações interpessoais, pelo que os Direitos Humanos e as problemáticas sociais devem ser transversais às diversas áreas de ensino e de atividade.

Legendas

1 - Pessoa cuja identidade de género corresponde ao sexo lhe foi atribuído à nascença;

2 - Pessoa cuja identidade de género não corresponde ao sexo que lhe foi atribuído à nascença;

3 - Pessoas cuja identidade de género não corresponde ao sexo que lhe foi atribuído à nascença, nem se identifica com nenhum dos géneros binários; não se identificam exclusivamente com um género;

4 - Profunda experiência de género interna e individual, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído à nascença e que pode ou não estar associada à expressão de género da pessoa;

5 - Sentimento de sofrimento, mal-estar e desconforto psicológico persistente que resulta da incongruência entre a identidade de género da pessoa e o seu sexo biológico, as suas características primárias e secundárias e o papel de género que lhe é socialmente expectável (a transexualidade e a disforia de género nem sempre coexistem);

6 - Pessoas que nascem com características sexuais (incluindo os órgãos e glândulas sexuais e o padrão cromossómico) que não se enquadram nas noções binárias tradicionais de corpo masculino ou feminino. Em certos casos, as características de uma pessoa intersexo são visíveis à nascença, no entanto, noutras não se manifestam até à puberdade Por vezes pode nem sequer haver aparência física, mas sim apenas hormonal

Nota de relevo acerca de uma reforma prisional, com reforço na formação contínua dos profissionais:

O relatório “Para uma reforma do sistema prisional O caso da aplicação do Estatuto do Corpo da Guarda Prisional” (2021) de um estudo realizado no âmbito do Observatório Permanente da Justiça do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, por solicitação da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais. O objeto central do estudo consistiu, na análise das condições socioprofissionais e da aplicação do Estatuto do Corpo da Guarda Prisional, considerando a conflitualidade sociolaboral subjacente às reivindicações daquele grupo profissional As problemáticas em análise incluem questões que carecem, por um lado, de uma caracterização apenas possível através das abordagens metodológicas quantitativas, por permitirem retratos mais amplos e representativos alicerçados em informações e variáveis analisadas mediante procedimentos estatísticos e, por outro lado, de abordagens qualitativas que se afiguram particularmente adequadas à compreensão da realidade sociojurídica em estudo

LIGA PIEUC

'O Abuso do Direito na Dupla Proteção Intelectual das Tatuagens'

Pela Fundadora da Liga, Alice Scalfone.

Em Portugal, as tatuagens são legalmente reconhecidas como obras passíveis de proteção intelectual, como previsto pelo artigo 2°, n ° 1 do Decreto-Lei n ° 63/85, de 14 de março (Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos) Além de ser uma forma popular de adorno ou mesmo de manifestação religiosa, existem tatuagens que são mundialmente conhecidas e, automaticamente, associadas a pessoas públicas de grande alcance midiático, como a tatuagem “Piauí” de Whindersson Nunes, comediante brasileiro, feita em seu abdômen como uma homenagem ao local onde nasceu e, também, como paródia à tatuagem “California” do cantor Adam Levine, vocalista da banda Maroon 5.

Para que tenhamos uma tatuagem devidamente protegida por direitos autorais, devemos perceber que a obra em questão deve apresentar uma série de características, dentre elas, a originalidade. No caso das tatuagens, este é um requisito particularmente difícil de ser verificado, especialmente com a disseminação de imagens em plataformas como o Instagram e o Pinterest. Contudo, esta característica, que é comum em diversos ordenamentos jurídicos, já foi confirmada como imprescindível em diversos casos internacionais. Trazemos à luz o caso da primeira arte indígena licenciada para realização de tatuagens pela The Australian Copyright Agency, de autoria de Chris Black, também conhecido como Kojak Kojak é responsável pela criação de diversas pinturas corporais indígenas chamadas jilamara, que se caracterizam por suas composições de cores e pelo importante background cultural. Com este licenciamento das tatuagens de Chris Black, o artista provou que seus desenhos não configuravam uma cópia substancial de outro trabalho artístico, sendo então uma criação intelectual protegida pela Lei de Direito de Autor australiana.

Nos últimos anos, a levantou-se muito a questão sobre o regime de proteção das tatuagens – já que não estão expressamente previstas em nossas Leis referentes às diversas modalidades de proteção intelectual – e sobre a determinação de seu autor ou titular de direitos Em 2005, na Inglaterra, David e Victoria Beckham foram alvos de um possível processo de teor intelectual após uma ação de marketing que continha a reprodução de suas tatuagens. Na época, o tatuador da família entendia ser o Autor das obras – conforme os artigos 11º e 27º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, o a autor é o “criador intelectual da obra” –, tendo em vista que não só ele foi o profissional que realizou as tatuagens, mas também foi quem criou os desenhos ou, em alguns casos, realizou importantes alterações no que foi trazido como inspiração pelo casal Beckham.

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Discutiu-se muito se este tatuador poderia ser considerado sozinho o Autor da obra ou, nos casos em que realizou alterações nos desenhos trazidos por David e Victoria Beckham, se poderia ser considerado coautor (em nossa legislação, os artigos 16º e 17º do Decreto-Lei n ° 63/85, de 14 de março sobre Obra feita em colaboração assumem especial relevo nesta temática)

Caso considerado autor ou co-autor, seu consentimento seria especialmente relevante para a publicação desta ação de marketing realizada pelo casal.

Contudo, o que queremos discutir neste artigo de opinião não é apenas o regime das tatuagens enquanto criações artísticas, consequentemente, protegidas por Direitos de Autor, mas também quando estas criações se apresentam também como marcas, sendo possível protegê-las a partir de um outro regime completamente diferente do primeiro. Faz-se necessário, portanto, esclarecer que para ser registrada enquanto marca em Portugal, o signo deve: não ser igual ou semelhante a marca anteriormente registrada; permitir distinguir, de modo claro e preciso, o produto ou serviço objeto de proteção; e não existir qualquer exceção que impeça o registro desta marca, conforme os artigos 208º e 209º o Decreto-Lei nº 110/2018, de 10 de dezembro, que transpôs as Diretivas (EU) 2015/2435 e (EU) 2016/943. Aqui, trazemos relevo para os conflitos no seio da proteção intelectual das tatuagens, mas pode acontecer no âmbito de diversas obras mencionadas no rol do art 2º, nº 1, do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos e nos artigos subsequentes

Um grande exemplo real internacionalmente reconhecido caso da tatuagem de Mike Tyson O desenho tribal de Mike Tyson foi símbolo do filme “The Hangover 2” por conta da reprodução de design e posição em um dos personagens da trama, interpretado pelo ator Ed Helms. O desenho da tatuagem havia sido registrado pelo tatuador de Tyson, Victor Whitmill, e foi utilizado pela empresa Warner Bros, sem a sua autorização. A tatuagem foi associada ao filme de tal forma que os produtos de merchandising continham tatuagens temporárias exatamente como a de Mike Tyson, que fez participação no primeiro filme da Trilogia. Mais uma vez, o desenho pessoal de uma pessoa pública foi assimilado pelo público como uma marca distintiva do produto, ou seja, da trilogia de filmes The Hangover Com o avanço nos estudos sobre propriedade intelectual e o entendimento amplo sobre as obras por ele protegidas, por vezes surgem novas discussões que atualizam o modo de tratamento de cada objeto No caso apresentado, há um conflito entre a tatuagem de pessoas públicas como obra artística protegida por direitos de autor e, também, sua proteção como marca. Ambas as modalidades possuem regimes diferentes e com aspetos as vezes incompatíveis entre si, como no caso da obrigatoriedade de registro para marcas e sua dispensa no caso dos direitos de autor.

Apesar da possibilidade de optar pela dupla proteção, a discussão doutrinal ainda não encontrou assento As doutrinas europeias encontram concordância no que se refere à cumulação de regimes (KILMAR, 2014, p. 14) e não acreditam na interferência de seu caráter como obra artística em sua esfera como aplicação industrial ou comercial. Sob outra perspetiva, há uma corrente que acredita na inconstitucionalidade da dupla tutela – seria possível o tutor beneficiar-se indevidamente dos regimes solicitados para a proteção, como o alongamento do tempo de proteção de uma obra (KILMAR, 2014, p 1516).

Sem embargo da relativamente limitada jurisprudência em relação a essa dicotomia abuso de direito e dupla proteção, é possível verificar aspetos notáveis que enquadram obras artísticas de tatuagem como, também, uma marca. A presença do seu reconhecimento social é um requisito imprescindível para que aquela obra que, a princípio, era acoberta por somente uma proteção intelectual, seja então posteriormente reconhecida por outras modalidades de proteção. Seja a tatuagem de Mike Tyson ou as tatuagens de David e Victoria Beckham, esses são trabalhos que inicialmente não tinham qualquer a intenção de popularização como marca; porém, com o recognição atribuída, preenchem todos os requisitos para essa segunda proteção.

Consoante às teorias europeias, ainda que com ressalvas para a possibilidade da máfé de certos autores, é necessário reconhecer a dupla proteção dessas obras, principalmente quando é um processo que se dá de forma natural e impulsionada pela coletividade. A intersecção entre esses tipos de tutela são cada vez mais comuns e sua recusa é infrutífera

Pelas Coordenadoras

Flávia Freitas Lopes

Ana Raquel Moreira

Estudantes participantes

Ana Raquel Moreira, terceiro ano jurídico;

Flávia Freitas Lopes, terceiro ano;

José Miguel Amaral, terceiro ano;

José Valério, terceiro ano;

Mafalda Moita, primeiro ano;

Mariana Azinheiro, terceiro ano;

Sara Silva, primeiro ano

Ilustração/Desenho

Francisco Mendes, Artista independente.

Imagem e Design

Flávia Freitas Lopes, Coordenadora Geral do Pelouro Jurista & Lúdico.

CANVA, Unsplash

Revisão de Texto

Flávia Freitas Lopes e Ana Raquel Moreira, Coordenadoras do Pelouro JL (NED/AAC)

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