Jornal Resistência - Dezembro 2021

Publicação da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) Ano 44. Belém, Pará, Brasil. Dezembro 2021.

Navalha na Carne

A morte seletiva e em larga escala no Brasil, aprofundada com a pandemia da Covid-19, tem sido, em alguma medida, monitorada e computada por diversos organismos locais, nacionais e internacionais. Mas há outro aspecto da morte que a sociedade brasileira precisa encarar com firmeza: o que toca à falência

múltipla e paulatina de instituições da República, que deveriam zelar pelo regime democrático e frear o avanço do ultraconservadorismo. É preciso apostar na vida. Você lê sobre isso nas páginas 6 e 7, e muitos de seus desdobramentos estão expressos nos demais conteúdos desta edição.

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Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos. Ano 44 DEZEMBRO/2021

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Editorial

Aprovada nova Coordenação Executiva

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por Viviane Brigida

esta edição, aos 44 anos da SPDDH, comemoramos a resistência radical de comunicação político-social crítica na luta por direitos humanos frente ao poder do capitalismo. Diante da grave crise sanitária desfechada pelo sistema capitalista sobre a humanidade, coube-nos a socialização de várias campanhas de solidariedade em conjunto com os nossos parceiros em favor de centenas de moradores do campo e da cidade.

O mundo capitalista (dos donos dos meios de produção, dos ricos, dos donos do dinheiro e dos donos do mundo) oprime seus habitantes (trabalhadoras e trabalhadores) empobrecidos, vítimas desumanas desse sistema cruel e injusto, e é o maior responsável por tudo que a humanidade padece hoje frente à pandemia.

Pesquisas da imprensa e de outros órgãos da mídia dão conta que a crise sanitária da Covid-19 é obra prática do capitalismo e, até agora, já matou no mundo 5,02 milhões de pessoas e, no Brasil, 608 mil; encareceu a carne em mais de 50%; o gás chega a custar R$120 e a gasolina, R$7; o desemprego alcança o índice de 14% etc.

O conjunto de assuntos trazidos por esta edição do Resistência reflete desde os 44 anos da organização a questões indígenas, expressões de masculinidade, democracia, crise hídrica, pandemia, Lei Maria da Penha, Memorial a Pe. Bruno, Gira de Cultura e história do bairro do Guamá.

Esse quadro de mortes e de carestia afronta os direitos humanos defendidos e praticados como bandeira social, política, racial, cultural e econômica em todo o mundo e por nossa Sociedade Paraense, que vê o capitalismo e os capitalistas estadunidenses imporem ao governante brasileiro o sacrifício de seus habitantes, conforme observado acima.

A SPDDH se colocou em defesa dos ameaçados de prisão pela ditadura militar, dos presos, dos movimentos sociais urbanos e camponeses em todo o nosso Estado e encampou as diversas lutas, visto que seus integrantes eram as próprias vítimas desse processo.

Para tanto, esta edição está atravessada por temas diversos que vão prestar contas desse longo período em que muitas vidas humanas foram perdidas no mundo, no Brasil e, em particular, na Amazônia, mas, ao mesmo tempo, vão apontar para o combate ao capital e aos capitalistas, como sendo os principais responsáveis pela banalização, marginalização e vulgarização dos direitos humanos.

Os direitos humanos, como um tipo de direito subjetivo, estão perpassados pelo núcleo da estrutura da própria reprodução do capitalismo (Mascaro, 2013, p.123).

A

Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) realizou, no dia 12 de agosto, a assembleia dos conselheiros e das conselheiras.

Na ocasião, os coordenadores divulgaram a prestação de contas e apresentaram o relatório parcial das atividades dos projetos e programas.

os projetos que iniciaram em 2021 são desafiadores. Ações de atuação junto aos casos de defesa do/as defensores/as que são perseguidos e são retirados de suas terras são dados como exemplo, além das inúmeras denúncias de violência urbana que são retratos cotidianamente que ocorrem no Pará.

O evento ocorreu na sede da instituição, no bairro do Guamá, em Belém, quando foi aprovada a eleição da nova Coordenação Executiva. A nova gerência segue com os desafios de garantir os direitos humanos na região e manter a unidade através dos seus parceiros e financiadores, que são organizações, coletivos e movimentos sociais que executam atividades junto à SDDH nos projetos.

Outros fatores são as garantias democráticas, os direitos conquistados no país. Fonseca destacou as ameaças que estamos vivenciando com o atual governo de Jair Bolsonaro (sem partido) e que defender a vida e a democracia estão na pauta diária do/as trabalhadores/as no Brasil.

Para a Coordenação Executiva, dar continuidade aos projetos iniciados em 2021 é primordial, pois, como foi avaliado, a última gestão da instituição realizou ações em prol dos direitos humanos que fortaleceram a entidade. Exemplo está no Departamento Jurídico, que, do ponto de vista da organização interna, será consolidado com uma representação na Coordenação Executiva e atuará junto à equipe de advogado/as.

Para Eliana Fonseca, defensora eleita como coordenadora Geral,

por Vinícius da Silva Machado

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O Jornal Resistência é uma publicação da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH).

SDDH Coordenação Executiva: Eliana Fonseca – Coordenação Geral Marco Apolo Santana Leão – Coordenação de Administração e Finanças Antônia Salgado – Coordenação de Comunicação Fátima Matos – Coordenação de Formação Domingos Conceição – Coordenação de Secretaria Jornal Resistência Direção Geral: Marco Apolo Santana Leão Jornalistas responsáveis: Viviane Brigida (DRT-PA 2661) e Cristivan Alves (DRT – 20.0082) Edição e revisão: Erika Morhy (DRT-PA 1325), Viviane Brigida e Cristivan Alves Edição de fotos e diagramação: José Viana Arte da Capa: Delen de Castro (Coletivo #Ilustrapreticepa) Gráfica Formato&Cores

Povos da região da Bacia do Tapajós, na Amazônia brasileira, são protagonistas de relatório e documentário sobre projetos de infraestrutura nocivos a seus direitos fundamentais.

O evento, realizado de forma presencial, foi aberto com a participação da equipe técnica e representações das organizações parceiras da SDDH e seguiu todos os protocolos e cuidados sanitários neste período de pandemia da Covid-19.

Expediente

Realização

foto Cristivan Alves

Mídias E-mail: resistenciajornal@gmail.com Site: http://sddh.org.br/ Blog: https://jornalresistenciaonline.blogspot.com/ Facebook: https://www.facebook.com/resistenciaonline Twitter: https://twitter.com/ResistenciaSDDH Instagram: https://instagram.com/jornalresistencia Endereço: Rua 25 de Junho, no 2015-A. CEP: 66.075-513 Telefone: (91) 3241-1518 Guamá- Belém – Pará- Amazônia- Brasil Apoio institucional

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Indígenas denunciam ataques à sua sobrevivência

“O povo brasileiro não pode abdicar dos direitos, da garantia de ter um país reconhecido com sua ação democrática conquistada a duras penas ao longo de 40 anos de existência da SDDH. Temos que tirar esse governo que aí está, a nossa fatia de garantir a vida e as liberdades políticas e sociais são as nossas bandeiras”, declara a defensora.

Domingos Conceição Campo Verde, 03 de novembro de 2021.

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o último dia 29 de setembro, ocorreu o lançamento do documentário “Tapajós ameaçado” e do relatório “Vozes do Tapajós: perspectivas indígenas sobre projetos de infraestrutura planejados”, resultado de uma pesquisa que faz parte da campanha intitulada “Tire as mãos da Amazônia”, da Associação para os Povos Ameaçados (APA). O lançamento ocorre no Brasil, na Suíça, na Alemanha, dentre outros países. O documentário está disponível on-line e gratuitamente no canal da Mídia Ninja. E o relatório, no site da APA. Na Suíça, a APA organizou uma conferência de imprensa, na qual duas lideranças indígenas, nomeadamente Alessandra Munduruku e o Cacique Juarez Munduruku, estiveram presentes para denunciar, uma vez mais, a política anti-indígena do presidente Jair Bolsonaro.

Também realizaram várias visitas a bancos e órgãos governamentais para conscientizá-los e alertálos acerca das consequências desastrosas que estes projetos terão na vida dos povos indígenas.

Em Belém, ocorreu a exibição do documentário no Cine Líbero Luxardo. O evento contou com participação de Auricelia Arapiuns, coordenadora do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (Cita); Abimael Munduruku, residente da Clínica Jurídica para Advogados/as Indígenas e Quilombolas; professor Emmanuel Tourinho, reitor da UFPA; professor Edison Moura, vice-prefeito da cidade de Belém; e Jomara Tembé, gestora adjunta da Coordenadoria Antirracista de Belém. A pesquisa foi realizada e produzida pelo antropólogo, advogado e conselheiro da SDDH, Vinícius da Silva Machado, em parceria com a APA. Proteção A APA é uma voz independente para a causa das minorias e dos povos indígenas. Apoia iniciativas locais para fortalecer os direitos humanos de grupos vulneráveis e dos povos indígenas e trabalha tanto nacionalmente quanto internacionalmente com organizações e indivíduos que perseguem objetivos semelhantes.

Tanto o documentário como

o relatório são frutos de uma investigação profunda sobre os projetos de infraestrutura planejados para a Amazônia, nomeadamente a Ferrogrão (EF170), as usinas hidrelétricas e a hidrovia. O objetivo do relatório é chamar atenção para a exploração sistemática da Amazónia e conscientizar o público nacional e internacional sobre os efeitos adversos que os projetos de infraestrutura podem ter sobre os povos indígenas do Brasil.

Para além de apresentar uma análise histórica e contextual, bem como um estudo financeiro, no qual foram identificados os potenciais interessados e os seus respectivos credores e investidores, o relatório também enfatiza as opiniões dos representantes das comunidades indígenas que seriam diretamente afetadas pelos projetos de infraestrutura. Visto que as comunidades indígenas não se sentem suficientemente consultadas sobre estes projetos, o relatório divulga em um amplo espaço as suas preocupações. Esta parte do relatório se baseia no relato de 25 lideranças indígenas do baixo e médio rio Tapajós.

Consulte o relatório

https://www.gfbv.ch/pt/campanhas/amazonia/

Para assistir o documentário

https://www.youtube.com/watch?v=Ob5ViCtkHl0

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Transamazônica: os impactos e a organização comunitária dos colonos

Campanha contra grilagem defende povos do campo e das florestas Iniciativa da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos articula parceiros em todo Brasil para enfrentar a apropriação ilegal de terras.

por Paulo Roberto Ferreira fotografia Rodrigo José Correia

por Luis Antonio Câmara Pedrosa

Advogado e assessor jurídico da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos.

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a titulação dos quilombos e a reforma agrária. Em seguida, promoveram a alteração da lei trabalhista no campo, mudanças na legislação do uso de agrotóxico, no licenciamento ambiental, nas leis que tratam das terras devolutas e, por último, querem levar adiante a proposta de marco temporal para impedir o avanço das demarcações dos territórios indígenas.

este ano, no dia 12 de fevereiro, a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos lançou a “Campanha contra grilagem”, contando com adesão importante de muitos parceiros, espalhados ao redor do país inteiro.

A apropriação dos territórios dos povos originários marcou o modelo de colonização brasileiro.

A usurpação da propriedade, pela imposição forçada do ordenamento jurídico europeu também foi uma forma de grilagem, legitimada pela lei do vencedor.

Sob essa ótica, a grilagem, historicamente, sempre atuou segundo a vertente da violência legitimada, eliminando as razões do outro, desconhecendo outras formas não atropocêntricas de vivência com a natureza, estigmatizadas como demoníacas ou primitivas.

Diante da conjuntura agrária atual, são inúmeros os casos onde técnicas refinadas de apropriação de propriedade públicas e privadas estão sendo utilizadas, em prejuízo de povos, comunidades tradicionais, sem terras e do próprio meio ambiente. A grilagem atual é mais sofisticada e se utiliza dos modernos instrumentos de legitimação da propriedade.

Por outro lado, os governos, por intermédio de programas de desenvolvimento, como o Matopiba, por exemplo, preparam leis, regulamentos e infraestrutura necessária para a implantação de grandes empreendimentos ou para a expansão de monoculturas com o apoio de modernas tecnologias de produção.

Em cada região, existem propostas de desenvolvimento parecidas, mas com as mesmas estratégias e impactos sobre as populações do campo e sobre os ecossistemas.

fotografia Rodrigo José Correia

Precisamos nos preparar para um cenário adverso, debatendo estratégias de resistências, compreendendo o fenômeno da grilagem na sua versão mais atual, sob a roupagem de um neoliberalismo mais agressivo, impulsionado pela onda mundial conservadora.

Para levar adiante a campanha, pensamos em construir um espaço de reflexão e de animação do debate, a partir das possibilidades de contribuição das mais diversas entidades, movimentos e organizações.

despejos, ameaças e intrusão de territórios pelos mesmos agentes sociais históricos da violência.

De outro lado, não se fala mais em reforma agrária, em assistência técnica, muito menos em titulação de quilombos e demarcação de terras indígenas.

As políticas públicas voltadas para a população camponesa e povos tradicionais estão sendo extintas, rapidamente, ao mesmo tempo em que as estratégias do agronegócio avançam.

A plataforma política do agronegócio está profundamente enraizada no negacionismo climático e no racismo cultural que almeja impor o assimilacionismo das identidades divergentes. Por isso, as florestas e os territórios são considerados obstáculos ao modelo de desenvolvimento proposto, responsável pela crise hídrica e pelo aquecimento global.

Diante desse quadro, esperamos que a “Campanha contra grilagem” possa ser um espaço de trocas, de intercâmbio, de reflexões e, sobretudo, de montagem de estratégias para um contraponto possível e necessário à barbárie que vai se instalando.

A campanha refletirá as

A “Campanha contra grilagem” pretende refletir um conjunto amplo e diversificado de experiências de resistências, de pessoas, organizações e entidades dos movimentos sociais. Portanto, será um espaço aberto e plural de produção de ferramentas para intervenção na realidade adversa que estamos atravessando.

Sabemos que a conjuntura da pandemia não fez diminuir os ataques contra as florestas e populações do campo, até pelo contrário. Está em curso uma sanha legislativa de retrocessos ambientais e fundiários, assim como também estão presentes

Manifestação contra MATOPIBA no Tocantins. Foto: Helen Lopes

Tramas Dentro dessas estratégias, existe a visível intenção de revisar os marcos legais ambiental e agrário.

Um dos pontos fundamentais dessa estratégia começa com a aprovação do novo Código Florestal, aprovado em 2012, que inaugurou esse longo período de retrocesso, reduzindo o alcance dos instrumentos de preservação florestal e anistiando os produtores que desmataram ilegalmente.

A estratégia incluiu, posteriormente, a paralisação da demarcação de terras indígenas,

demandas dos parceiros, buscando contemplar a dinâmica da conjuntura das violações de direitos humanos no campo, elaborando sugestões de incidência, denúncias, alternativas jurídicas e acúmulo teórico e político. Acreditamos que seja mais um instrumento de reflexão capaz de acionar muitas outras estratégias de resistência dos povos do campo e das florestas.

Para saber mais sobre a campanha, acesse: www.smdh.org.br

“A

gente era acostumada a comprar o grão, levar no moinho e trazer pra casa a farinha de trigo em grande quantidade.

Dava pra fazer muita coisa para a nossa alimentação: macarrão, pão, etc. Mas não existia isso em Itaituba e a gente ficou meio doida porque não achava trigo pra comprar”. O relato de Neli Maria Benedetti Ganzer, 67 anos, paranaense de Cruzeiro do Oeste, assentada na região sudoeste do Pará, em setembro de 1972, revela o mesmo choque que imigrantes espanhóis sofreram, oitenta anos atrás, no final do século 19, quando chegaram na Colônia Agrícola Benjamin Constant, em Bragança, região nordeste do Pará, e não encontraram trigo.

A necessidade de braços para a produção de alimentos, destinados aos seringais, coluna vertebral da economia da borracha, levou o governo a estimular a imigração europeia para assentamento nas colônias agrícolas ao longo da Estrada de Ferro de Bragança.

Com a justificativa de uma falsa integração nacional, a ditadura militar de 1964 assentou agricultores do Sul e do Nordeste brasileiro nas margens da Rodovia Transamazônica (BR-320), no início da década de 1970 do século passado.

Os choques culturais foram inevitáveis para os imigrantes; ninguém era preparado para enfrentar as diferenças climáticas, hábitos alimentares e até mesmo o equipamento para dormir. Semelhante mesmo era o instrumento de convencimento: a propaganda. Os espanhóis foram atraídos com o argumento de que “a Amazônia era um paraíso de riquezas naturais, especialmente o látex”, como explica Francisco Pereira Smith Júnior em sua tese de doutorado - “Imigração Espanhola na Amazônia: as colônias agrícolas e o desenvolvimento socioeconômico do nordeste paraense (18901920)” - apresentada em 2012 no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da Universidade Federal do Pará. O Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Manoel de Lima Luz e Walcir Ortiz trata também do mesmo tema: “Colônia Agrícola Benjamin Constant: uma história sobre a imigração espanhola no

Pará (1892-1964), apresentado em 2013 nas Faculdades Integradas Ipiranga.

“A propaganda do governo militar dizia que o migrante iria receber 100 hectares de terra, uma casa mobilhada, cinco cabeças de gado, assistência técnica, escola para os filhos, financiamento bancário para a produção, assistência à saúde e mais seis meses de salário”. Foi isso que motivou as pessoas a deixarem seus locais de origem e aceitar a viver na Amazônia, como nos conta José Ferreira Araújo (Dudu), 68 anos, de Presidente Dutra (MA), assentado numa vicinal que hoje pertence ao município de Rurópolis.

Os colonos da Transamazônica desembarcavam num avião da FAB, passavam uns dias num barracão de madeira e depois o Incra pegava as famílias, no final da tarde ou início da noite, deixava em frente ao lote. O pessoal passava a noite ao relento. Não havia casa, só a selva. Alguns não tinham nem água para lavar o rosto. Muita gente ficava desesperada e tinha que improvisar uma barraca para se abrigar. Neli e os demais integrantes da família Benedetti levantaram um tapiri, com palha de babaçu, material que não conheciam. Quando começou o período de chuva, molhou tudo que tinha dentro da habitação.

“Estragou tudo quanto era coisa que a gente tinha lá”.

A ajuda veio de um caçador, que ensinou que é preciso unir as folhas da palmeira para reforçar o telhado. Para quem estava acostumado com telha de madeira (cavaco) ou de cerâmica demorou um pouco para assimilar aquele jeito de cobrir a casa. Avelino Ganzer, 73 anos, nascido em Iraí (RS), chegou à Transamazônica com o pai, a mãe e nove irmãos.

Ele teve o seu primeiro choque cultural ainda em Santa Izabel do Pará, 30 quilômetros de Belém.

Sua família passou uns dias na vila Tacajós, onde o Incra os alojou, improvisadamente, num barracão que abrigava cabras e bodes.

Foi ali que eles viram a água do rio sumir. Assustados, perguntaram aos vizinhos e ficaram sabendo que a água iria voltar. Era o fenômeno das marés.

“Aquilo foi assustador. O igarapé completamente seco, sujo. Daí a pouco começou encher. A gente se perguntava: de onde vem essa água? Não tinha chovido. Em pouco tempo a água tomava conta de tudo, saia fora do leito do rio.

Foi duro compreender. Aquilo tirava a gente do sério. A gente levava horas conversando sobre esse fenômeno”.

Neli, Avelino e Dudu, hoje, dão risadas quando lembram da dificuldade dos colonos do Sul e do Sudeste para descobrir como usar a rede de dormir.

Acostumados com cama, eles não sabiam como armar aquela peça, comum aos nortistas.

Estendiam no chão e deitavam em cima. Quando aprenderam que precisavam suspender, com auxílio de cordas ou ganchos, ainda assim levaram muitos tombos.

“Eles esticavam demais e quando deitavam a rede derramava eles para o lado. Levantavam e caiam para o outro lado”, conta Dudu, que como bom nordestino sabia usar a rede. Mas queimou a língua quando comeu polenta pela primeira vez, num encontro de lideranças sindicais.

Aliás, os jogos de futebol e a organização política dos agricultores da Transamazônica foi o que promoveu a verdadeira integração entre pessoas de variados sotaques e costumes diferentes. Foi uma maneira de enfrentar o preconceito, repassado e estimulado pelos técnicos do governo que classificavam o povo do Norte como “preguiçoso e vagabundo”.

E por isso mesmo assentavam separadamente os colonos do Nordeste e do Sul. Dudu, que é negro, enfrentou muito preconceito de gente que se sentia superior por terem a pele clara. Com os ensinamentos da Teologia da Libertação e a organização sindical, as diferenças foram desaparecendo e assim surgiu um sentimento fundamental: a solidariedade.

“O movimento sindical foi um negócio fantástico. Foi como o ‘Iluminismo’, que tirou a venda dos olhos e nos permitiu entender o processo de dominação do homem sobre o homem”, conta Dudu.

Muita gente pensou em desistir, sentindo-se enganada pela propaganda do governo militar, principalmente quando contraíram malária, hepatite e outras doenças da região. Mas graças ao amparo dos companheiros, resistiram e permaneceram na terra.

A cultura do individualismo foi sendo gradativamente rompida.

A falta de assistência técnica adequada e o transporte para escoar a produção foram dificuldades que provocaram o surgimento das cantinas comunitárias, o trabalho em mutirão, o caminhão comunitário, a formação das delegacias sindicais e o casamento entre pessoas do Norte/Nordeste com gente do Sul/Sudeste - foi o caso de Dudu, que casou com a capixaba Isaura do Carmo Wandenkolk, cujo pai era descendente de alemão e a família da mãe, originária da Itália.

ilustração Norberto Ferreira

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Brasil: a falência do país diante de um movimento antidemocrático e ultraconservador

A eleição de Jair Messias Bolsonaro é fruto do movimento iniciado com as mobilizações de 2013. O presidente do Brasil conta com o apoio de parte do poder judiciário e continua sendo ameaça à própria República. por Alberto Pimentel intervenções fotográficas José Viana ilustração Delen de Castro

A

s grandes mobilizações ocorridas em 2013 são um marco importante do atual cenário político brasileiro. Seu conteúdo e sua forma, já naquele momento, continham uma forte contestação ao nosso modelo e regime democrático, que expressava a crise de legitimidade em nosso sistema de representação política.

De certa forma, considero legítimas estas contestações, visto que necessitamos de uma profunda reforma política, que passe, inclusive, pelas bases estruturais de uma democracia, como democratização da terra, da moradia, do sistema financeiro, dos meios de comunicação, e pela ampliação da participação popular nas decisões políticas.

Ultraconservador sem rédeas

Entretanto, hoje compreendo que aquelas manifestações, por um lado, foram a base para a criação de forças sociais conservadoras, como o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem pra Rua, que dariam a legitimidade ao golpe de 2016, contra a expresidente Dilma Rousseff, e que já traziam embriões fascistas, de recrudescimento do sistema punitivo como solução, diminuição da maioridade penal, ataques a direitos dos grupos identitários.

Mas, por outro, contribuíram também para forjar uma força popular de resistência, como a Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo.

Com isso, a chegada de Bolsonaro na Esplanada dos Ministérios, como presidente da República, significa o fortalecimento de um movimento ultraconservador, motivado por um pensamento antidemocrático, que defende a violência aberta contra setores excluídos, como sem terra, sem teto e os sem comida; intervenção militar e fechamento do congresso e do Supremo Tribunal Federal. Interessante, neste contexto, é que mesmo o presidente da República participando abertamente destes movimentos, com estas bandeiras antidemocráticas, atentando contra os pilares da República, até o presente momento as instituições não tomaram nenhuma medida enérgica.

Este cenário, então, nos aponta que estamos passando por um

No geral, avalio que aquele movimento cumpriu um papel fundamental para iniciar um processo de desestabilização e crise política, que levou a uma ruptura, pela direita, da coalisão dos governos petistas, com uma perspectiva de ações antidemocráticas. Estas, por sua vez, foram legitimadas pelo movimento político da direita conservadora e ultraconservadora por dentro do poder judiciário, através da Operação Lava Jato, que teve início justamente neste contexto, em 17 de março de 2014. A operação construiu uma narrativa de ataque aos governos do PT, associando-os com corrupção e “roubalheiras”.

Tudo isso construiu o discurso ideológico favorável ao impeachment de Dilma Rousseff e às acusações e prisão infundadas contra Lula, retirando-o da disputa das eleições de 2018.

Crise de representação A narrativa da Operação Lava Jato aprofundou na sociedade a crise de representação, resultado da crescente desconfiança dos cidadãos comuns em relação à “política tradicional”. Marcelo Sevaybricker Moreira - em seu artigo intitulado “Democracias no século XXI: causas, sintomas e estratégias para superar”, em que avalia alguns autores que escrevem sobre a crise atual por que têm passado os regimes democráticos no mundo - expõe que o uso de denúncias envolvendo políticos e partidos que organizam a disputa eleitoral tem sido visto como uma causa importante do declínio das democracias liberais e a consequente ascensão dos chamados outsiders. Seriam estes figuras políticas, como Jair Messias Bolsonaro, que

emergem com um discurso aparentemente antissistema, de punição à elite política imersa em escândalos de corrupção e a forma da política tradicional.

Sendo que, no caso brasileiro, Jair Bolsonaro soube capitanear muito bem o movimento associando os escândalos de corrupção a um forte discurso ideológico antipetista e anticomunista, buscando atacar todo o movimento popular e a esquerda de modo geral, passando a ideia de que os comunistas, os socialistas e os militantes de esquerda são um bando de “bandidos” e “vagabundos”, objetivando alimentar, com isso, um forte sentimento de intolerância ultraconservadora na sociedade contra estes grupos da sociedade.

momento de uma forte inflexão ou declínio democrático e forte crise em nossas instituições, o que possibilita o fortalecimento de figuras políticas como Jair Bolsonaro.

No entanto, sua força eleitoral caiu muito, razão pela qual ele buscou criar uma nova forma de manter ávida a desconfiança nas instituições e tentar criar as bases para um possível questionamento do resultado das eleições de 2022, já que uma possível derrota é o que apresentam várias pesquisas de intenção de voto. Com isso, ele pautou o voto impresso, que, a meu ver, ainda representa risco.

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A farsa da crise hídrica e a destruição da Amazônia os brasileiros vão pagar R$ 2,5 bilhões por mês para os mesmos agentes empresariais que esvaziaram as barragens.

por Robert Damasceno Monteiro Rodrigues

Coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)

O

Governo Bolsonaro, empresários do setor elétrico e a imprensa burguesa vêm propagando que o Brasil passa por uma grave crise hídrica.

Eles alegam uma grande seca como o principal motivo para o esvaziamento dos reservatórios das usinas hidrelétricas, o que tem penalizado o povo com sucessivos aumentos na conta de luz. É reconhecida, também, a importância da região amazônica para a produção de chuvas no sudeste do país, que tem ficado comprometida devido às queimadas e ao desmatamento crescentes na floresta. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), apenas no primeiro semestre de 2021 foram mais de 3.325 km² de área desmatada e, até agosto, 39.427 focos de incêndio.

Deste modo, é incorreto afirmar que estamos pagando mais caro pela energia devido às queimadas e ao desmatamento na floresta amazônica. É verdade que a devastação na Amazônia produz consequências em outras regiões do Brasil e em todo o mundo, mas o tarifaço nas contas de luz e o risco real da volta dos apagões são consequências da irresponsabilidade do governo e da ganância do setor privado de energia.

fotografia RaioVerde (Camila Fialho e José Viana com Edilson Gondim)

Entretanto, é na verdade da destruição da Amazônia que tentam esconder uma grande mentira: a crise hídrica não existe, ela foi criada para enganar

o povo e aumentar o lucro das empresas de energia. Como?

Além das hidrelétricas terem produzido energia abaixo da capacidade média gerada pela água represada nas barragens, no primeiro semestre de 2020 elas abriram as comportas e esvaziaram propositalmente seus reservatórios.

O motivo? Forçar o governo a autorizar o funcionamento das termelétricas, que geram energia extremamente mais cara. Como consequência, a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) autorizou um aumento de R$ 6,24 para R$ 9,49 a cada 100 kWh na conta dos consumidores residenciais. Isto significa que

Tanto a destruição da Amazônia quanto a farsa da crise hídrica fazem parte do mesmo projeto, voltado à geração de lucros extraordinários aos agentes financeiros internacionais à custa da superexploração dos trabalhadores e do saque de recursos naturais. É necessário denunciar este processo, explicálo para o povo e acumular forças, em defesa da Amazônia e por água e energia com soberania, distribuição da riqueza e controle popular.

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Estado precisa garantir direitos sexuais e reprodutivos por Crissia Cruz

Psicóloga e professora, mestra e doutoranda em Psicologia (UFPA).

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tema saúde reprodutiva, geralmente, nos remete aos cuidados diante da concepção. Entretanto, é urgente compreender que o tema não se limita a isto. Saúde reprodutiva é também sobre planejamento, é poder decidir se quer ou não ter filhos, ou quando tê-los. Trata-se de garantir acesso a serviços e informações que auxiliem nessas decisões. Não é apenas entregar um preservativo (camisinha) no posto, mas, sim, investir em processos de educação sexual e reprodutiva, de modo a favorecer a compreensão de que é possível manter uma vida sexual saudável e escolher quando se quer ter filhos, ou escolher não tê-los. Para tanto, é preciso, além de garantir

o acesso aos serviços de saúde, que estes sejam fortalecidos, para, assim, atuar com esta demanda construindo espaços de diálogo com a população, com informação e garantia de acesso a métodos contraceptivos para homens e mulheres e ainda – dentro do que é previsto em nossa legislação e nas normas técnicas do Ministério da Saúde – o acesso ao abortamento previsto em lei: em casos de violência sexual, feto com diagnóstico de anencefalia e risco de morte para a mulher.

Com a pandemia de Covid-19, os serviços de saúde, de modo geral, precisaram se reorganizar para atender a demanda urgente que se impunha. Isto afetou também

os serviços e ações no campo da saúde reprodutiva.

Nesse contexto, tem sido percebido o aumento de gestações indesejadas ou não planejadas.

Isto tem um impacto na saúde em nível individual, familiar e social. Vale lembrar ainda que os índices de violência contra a mulher também têm apresentado aumento no contexto da pandemia e que o serviço de abortamento previsto em lei, ao menos no Pará, seguiu sem interrupção. Porém, se o acesso para quem não é da Região Metropolitana de Belém (onde está localizado o hospital que presta essa assistência) já não era fácil, com a pandemia isso ficou ainda mais dificultoso.

Esse cenário tem um impacto social significativo e precisamos dar conta disso, tanto a nível da garantia de assistência quanto na evidente necessidade de fortalecer esses serviços e ações de saúde reprodutiva, sempre tão ameaçados pelo avanço do conservadorismo no nosso país, que dificulta o acesso, de fato, a informação de qualidade e construção de serviços fortalecidos. Não é leviano reforçar que saúde sexual e reprodutiva é tema de saúde pública e deve ser tratado neste campo e não no dos moralismos e conservadorismos, que podem dificultar o acesso a uma saúde de qualidade, que é dever do Estado prover.

ilustração Ciynthia Cárdenas

Expressões de masculinidade e cultura negra ual o lugar de fala dos homens negros? Os debates acadêmicos sobre masculinidades negras não são recentes no Brasil, existe uma gama de autores negros que debatem o tema nesses espaços, porém, não por acaso, o tema não possui tanta popularidade, considerando que os homens negros lideram os piores rankings nos marcadores sociais, dentre eles, índices como os de vítimas de homicídio, de desemprego, de violência policial, de adoecimento mental e, neste caso, a invisibilização de suas produções intelectuais em espaços acadêmicos. Estes, entre outros índices negativos, são fruto do processo de colonização e escravização que, historicamente, relegaram a população negra à marginalidade e se mantém até os dias atuais.

por Hilton P. Silva

Médico, doutor em Antropologia e professor da UFPA.

por Alejandro Falabelo

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Pandemia, direitos humanos e desafios à saúde na Amazônia

Todavia, as expressões de masculinidades negras sempre existiram e tiveram presentes na sociedade através de manifestações culturais, onde, dentro dessa pluralidade, podemos observar as produções musicais como instrumentos poderosos de denúncia de mazelas sociais. O samba e o rap, por sua origem, assim como outros, são verdadeiros exemplos de como homens negros utilizam a música para transmitir sentimentos e opiniões e, de certa forma, afirmar seus valores de masculinidades. Sendo assim, ponto fundamental para esta análise é ressaltar a herança maldita deixada pelo processo colonial que recaiu sobre o país.

Neste contexto, a professora Zélia Amador de Deus, citando Albert Memmi, na obra “Retrato do

colonizado precedido pelo retrato do colonizador”, afirma que “o colonizador criou no colonizado uma imagem impossível de ser alcançada”, definindo o indivíduo superior do indivíduo inferior. O processo de colonização impôs aos colonizados não somente imagens, mas também lugares e comportamentos determinados que foram normalizados e fixados na sociedade até os dias atuais.

No mesmo sentido, o sociólogo Henrique Restier, em artigo denominado “King Kong (o rei do congo): representações e estereótipos sobre os homens negros”, explica que a sociedade de valores coloniais tende a enquadrar homens negros e brancos em locais diferentes e, para tanto, utiliza-se de estereótipos que objetificam o homem negro, onde, enquanto

este é visto como agressivo, subalterno e valorizado por, supostamente, ser dotado de força física e falo avantajado, o outro detém o prestígio da cor da pele que tende a lhe conferir a ideia de um indivíduo dotado de intelectualidade, educação, fineza, sendo, assim, sinônimo de ascensão. No que tange ao processo de construção dessas masculinidades, o ator Terry Crews, em entrevista concedida ao site Huffpost, no ano de 2018, aborda espécies de cultos, pois funcionam como mecanismos de controle que “quem se afasta do que eles consideram masculinidade vira alvo”. Nessa linha está Bell Hooks, na obra “Tudo sobre o amor – novas perspectivas”.

“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (Art. 196).

O

sanitarista Sérgio Arouca, um dos articuladores do capítulo da seguridade social da Constituição Federal de 1988 (CF88), afirmava que a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) era um “Ato Civilizatório”. Em tempos de pandemia, quando se acirram os debates sobre utilização de recursos na Atenção Básica ou no complexo médico-industrial terciário, torna-se mais evidente o impacto das decisões políticas para a saúde da maioria da população.

Graças aos movimentos sociais de combate à ditadura, como o Movimento Estudantil, o Movimento Negro e o Movimento da Reforma Sanitária, e às mobilizações da 8ª Conferência Nacional de Saúde, os deputados

constituintes incluíram a saúde como um bem público maior, a ser promovido pelo Estado, conforme explicitado no Artigo 196. A visão de saúde como um direito humano fundamental permitiu estruturar as bases do SUS a partir dos pilares de Integralidade, Universalidade e Equidade.

O SUS reconhece que a saúde depende de condições sociais, econômicas, políticas e ecológicas.

Essa multidimensionalidade é ainda mais cristalina na Amazônia que, embora fundamental para a sobrevivência humana em escala global, enfrenta grandes problemas locais, como péssimos indicadores sociais, econômicos, sanitários, de educação e infraestrutura, rápida transição demográfica, nutricional

e epidemiológica, que colocam os amazônidas em situação de extrema vulnerabilidade. A pandemia da COVID-19 somou às vulnerabilidades históricas as condições específicas do novo vírus, afetando especialmente os mais idosos, vindo a caracterizar uma verdadeira sindemia, com elevada mortalidade entre os povos indígenas e as comunidades quilombolas.

Na vigência da pandemia, os efeitos da Emenda Constitucional 95/2016, do subfinanciamento crônico do SUS, do gradual desmantelo da Atenção Básica, da privatização dos serviços públicos de saúde através das OS´s, da não implementação da Política Nacional de Saúde

Integral da População Negra caracterizam grave atentado aos direitos humanos, reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao acolher a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709 e 742.

A Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) sempre teve o direito à saúde como uma de suas pautas, e diversas matérias no Resistência denunciam sistematicamente o desmonte das políticas sociais previstas na CF88. Esse é, aliás, o conforto possível nesses tempos difíceis: saber que contra os vírus há o SUS e as vacinas, contra os desgovernos há eleições e contra atentados a direitos há agentes sociais vigilantes.

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Estamos juntas!

Cedenpa e SDDH

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s mulheres do Estado do Pará estão sempre em alerta no acompanhamento e monitoramento da Lei Maria da Penha, um instrumento jurídico pertinente às necessidades de se reduzir e superar a violência doméstica e sexual contra as mulheres, tendo como vítimas majoritárias as mulheres negras, que perfazem 74 percentuais no Brasil.

ilustração Glenda Beatriz

Apesar de reunir marcos importantes ao longo de sua história, o bairro carece de maior organização social para reivindicar políticas públicas em diversos setores sociais. por Raimundo Jose de Oliveira Espaço Cultural Nossa Biblioteca

ilustração July Silva

Coletivo #Ilustrapreticepa

A ausência de diálogo e de participação do movimento feminista e dos demais segmentos sociais, a falta - ou insuficiência - de recursos orçamentários destinados especificamente às políticas públicas para mulheres, fundamentalmente pela política de austeridade do atual governo, com o consequente enfraquecimento da rede de proteção e atendimento, aliada ao esvaziamento do conteúdo material da legislação são fatores que têm impactado diretamente no recrudescimento da violência de gênero e na violação de direitos das mulheres.

Para além do universo intramuros das residências e relações permeadas pela socialização de cunho machista, patriarcal e autoritário, a sociedade precisa debruçar suas preocupações, dado o alto índice de violência, para outras formas de olhar as relações abusivas e tóxicas. Cabe olhar o entorno dessas relações, como elas se estabelecem a partir do que e como se pensam as mulheres e os homens nessa sociedade cada vez mais distante da compreensão de como se configuram os projetos de vida a dois, onde perpassam vida sexual, social e econômica baseadas na supremacia masculina e subordinação das mulheres; o que falta neste universo criado entre seres com papéis socialmente definidos.

Necessitam os homens mudar o seu olhar sobre as mulheres? Cabe a indivíduos e sociedade mudar sua narrativa, considerando a vulnerabilidade dos direitos humanos das mulheres em razão da ausência das políticas públicas cunhadas nos planos estaduais de ações afirmativas na perspectiva de gênero, raça, étnica e geracional. Então vamos criar projetos inovadores, que alcancem e mudem o olhar masculino sobre as mulheres e as mulheres sobre si mesmas. Apenas uma reflexão.

Tamos juntas.

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Bairro do Guamá: território de resistência em Belém

Vertiginosas alterações legislativas na LMP têm focado na espetacularização das políticas públicas como perfumaria às demandas dos movimentos feministas pelos direitos das mulheres e (pseudo) resposta à sociedade, que acabam por esvaziar o conteúdo material da legislação especial. Ademais, também se voltam a um viés punitivo que alimenta setores conservadores e populistas no país.

por Fatima Matos

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ilustração Flávia do Amaral Vieira

15 anos da Lei Maria da Penha: entre os avanços na proteção dos direitos das mulheres, as resistências conservadoras e a espetacularização punitiva por Luanna Tomaz de Souza* e Ana Léa Chagas Marçal**

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Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, é considerada o marco jurídico da luta histórica, política e social dos movimentos feministas e de mulheres no país. A legislação especial, que instituiu mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, foi reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma das leis mais avançadas do mundo no que diz respeito ao enfretamento da violência contra a mulher.

A LMP inseriu profundas modificações no sistema de justiça como a previsão das medidas protetivas de urgência e o foco no tripé: assistência, prevenção e responsabilização.

Por meio da Lei, possibilitou-se a estruturação de toda uma rede de atendimento às mulheres em situação de violência e uma nova

linguagem de reconhecimento dos direitos das mulheres e das diversas formas de violência.

Diante do backlash da ofensiva antigênero e dos discursos protofascistas contra as minorias, alavancados após as eleições de 2018, imperioso fortalecermos o debate político feminista sobre a violência contra a mulher e os mecanismos adequados de proteção aos direitos fundamentais.

Mais do que nunca, necessário redefinir as intersecções entre o plano normativo e a agenda dos movimentos feministas pelos direitos das mulheres, entendendo a importância de discutir políticas públicas por meio de uma lente analítica crítica e emancipatória, repelindo qualquer tentativa de espetacularização políticomidiática que esvazie o autêntico conteúdo das pautas das mulheres e as políticas públicas de enfrentamento à violência de gênero.

Obstáculos Contudo, após quinze anos de vigência da lei, persistem muitos obstáculos e resistências teóricas e institucionais à correta interpretação e aplicação do instituto, o que contribui para a manutenção de um sistema social opressor que viola e frustra o acesso das mulheres à justiça e aos seus direitos de cidadania e autonomia. Além disso, nos últimos anos, constata-se uma desmedida produção legislativa voltada ao enfretamento da violência contra a mulher e a apropriação retórica desta pauta por grupos políticos que acabam por desvirtuar a importância das políticas públicas, transformandoas em mero espetáculo midiáticoeleitoreiro-punitivo.

*Pós-doutora em Direito (PUC-Rio).

Doutora em Direito (Universidade de Coimbra). Diretora Adjunta do Instituto de Ciências Jurídicas da UFPA. Coordenadora da Clínica de Atenção à Violência. Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Direito Penal e Democracia. Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD/UFPA) e do Programa de Pós-Graduação em Direito e Desenvolvimento da Amazônia (PPGDDA/UFPA). Coordenadora Estadual do IBCCRIM. **Servidora do Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito e Desenvolvimento da Amazônia (PPGDDA/ UFPA). Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Direito Penal e Democracia.

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Guamá é um bairro que apresenta elementos que contam a sua história e materializam a sua data de nascimento, a exemplo, da carta de doação em favor de Theodoreto, em 1728. Das ruínas do antigo Leprosário, podemos identificar nossa geografia e o seu papel no início do século XIX: lugar de indesejados. Sob esta representação, o Guamá receberá o maior cemitério da cidade de Belém, o Santa Izabel.

Já na segunda guerra mundial, as considerações serão outras.

Com a construção do “dique” da estrada nova, feita pelos norte americanos, planeja-se uma transformação do território com a drenagem de água, produto das enchentes do rio Guamá. A história segue com a criação de condições para instalação de indústria para o desenvolvimento econômico, principalmente na década de 1950, no governo do Presidente Juscelino Kubitschek.

A seguir, virá a construção do hospital Barros Barreto e da Universidade Federal do Pará.

Apesar de todas essas transformações, o bairro é marcado pela insuficiência de políticas públicas, que não atendem os desejos dos moradores, suas necessidades e, principalmente, a garantia de qualidade de vida a partir das

suas demandas. A década de 1970 será marcada pela da explosão populacional causada pelo êxodo rural, que expulsou a população do campo para a cidade, transformado o bairro em um dos mais populosos de Belém.

Organização e luta O crescimento teve um novo efeito, o da organização social, da resistência. Resistência contra o abandono caracterizado pela persistência da desestruturação do espaço para atender aqueles que vêm para viver aqui. Nesta década, há a intensificação das lutas sociais. Surgem inúmeras organizações sociais que lutam pela melhoria das condições de vida. Entre essas organizações, em 1978, surge a Biblioteca Comunitária das Irmãs Holandesas; junto, vários centros comunitários e associações de moradores, que darão ao Guamá a fama de bairro de luta e organização.

Como herança desta história, ficaram vários espaços importantes e estratégicos, tanto do ponto de vista cultural, social e econômico, quanto científico e tecnológico. Sempre em duas faces, a do popular e a do oficial.

Ganhamos importância dentro da dinâmica urbana da Região Metropolitana de Belém e da região amazônica.

ilustração Glenda Beatriz

Entretanto, possuir todos esses espaços não nos coloca na plenitude de acesso aos nossos direitos humanos. Pelo contrário, observa-se que nossa população é vulnerável a diversos males característicos a um bairro periférico. Desemprego, violência, educação de baixa qualidade, falta de saneamento básico, entre outros problemas, exigem uma atenção e esforço para sua superação.

Já vivemos em uma época que só reclamar não basta. Podemos nos reinventar e aperfeiçoar; é preciso organização, saber quem somos, nossa história, nossa geografia, nossas potencialidades

culturais, econômicas e sociais. É um caminho mais longo porque é o caminho da educação. Saber possibilita indicar o caminho certo ou possível; sem isto, não seremos capazes de construir nossa governabilidade de destino.

Para poder dialogar com o Estado, que tem poder de “mando”, precisamos saber o Guamá que queremos. Para que esse projeto dê certo, vai ser preciso unir nossas forças, independente de partidos políticos, credo religioso, igrejas ou de torcidas de futebol; mas não sem eles! Juntos faremos deste lugar um território de paz.

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Gira de Cultura Ananindeua: um movimento em rede por Rafaela da Cunha Pinto Socióloga e integrante do CMAM

foto Erika Morhy

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primeira edição da Gira de Cultura Ananindeua foi realizada no último dia 28 de setembro, uma iniciativa organizada e produzida pela artivista feminista Salete Aparecida, pela psicóloga e poeta Ana Silva, pelo músico e produtor cultural Gabriel Gabiru, pela atriz e produtora cultural Racquel Prudente, pela socióloga e feminista Rafaela Cunha e pela jornalista Erika Morhy. Moradores de Ananindeua e ativistas, sentimos a necessidade de criar um ambiente de trocas sobre e de

foto Ana Ribeiro

arte, em que artistas de diferentes vertentes pudessem fortalecer, em rede, o fazer arte no município de Ananindeua, o segundo mais populoso do Pará.

Foram mais de oito horas de programação ao ar livre, tendo como homenageados a jornalista e escritora Eneida de Moraes (19031971) e o músico Mestre Verequete (1916-2009). O público pode entrar em contato com carimbó, hip hop, músicas autorais, slam, poesias, grafite, performances e a Feira Mãos Mulheres, atividade desenvolvida pelo Coletivo

foto Ana Ribeiro

foto Ana Ribeiro

Mulheres de Ananindeua em Movimento (CMAM).

A Gira aconteceu no bar Arpleuticos, na Cidade Nova 1 e, durante a programação, cerca de 150 pessoas visitaram o local e fizeram a Gira girar. Ainda são poucos os espaços públicos e privados que incentivam a arte autoral, política e independente.

Ananindeua conta com uma grande rede de artistas, artesãs e demais potencialidades da cultura como estratégia de desenvolvimento social, mas carece de investimento

foto Ana Ribeiro

duradouro, que vá além de festivais. Precisamos de espaços que incentivem a produção, a exposição e o acesso aos diferentes públicos. A arte deve ser encarada como um fator importante na construção de um ambiente de garantia de direitos. A ideia da Gira era trazer esse debate para Ananindeua, apresentar alternativas culturais que fujam do consumo do lazer, fortalecendo as identidades locais e seus respectivos artistas.

Ficamos felizes com o resultado.

Memorial homenageia Padre Bruno Sechi por Georgina N. Kalife Cordeiro

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memorial Pe. Bruno Sechi foi inaugurado no dia 31 de julho de 2021, como homenagem de amigos, que cederam as instalações de uma torre localizada nas dependências de um complexo chamado Companhia Belém e investiram na construção/ adaptação do espaço para sediar o memorial.

O memorial ali instalado, sob a responsabilidade da arquiteta Aurea Venturieri, abriga uma estátua em tamanho natural de Pe. Bruno, esculpida pelo arquiteto Fernando Pessoa.

A organização do espaço ficou sob a responsabilidade do Movimento de Emaús, sem nenhum ônus de construção e manutenção. Após a inauguração, a manutenção será dada pela Cia. Belém.

Ao adentrar no espaço, há um monitor com vídeos do Pe. Bruno, quando se ouve sua voz falando sobre o trabalho desenvolvido pelo Movimento de Emaús. Em forma circular, no interior da torre, foram colocados nichos com iluminação própria, onde estão expostos objetos pessoais, acervo documental, fotografias e prêmios auferidos pela atuação de Pe. Bruno ao longo de 50 anos na cidade de Belém, como defensor dos direitos humanos e particularmente o de crianças, adolescentes e jovens.

Espera-se, com este memorial, homenageá-lo assim como manter o legado que Pe. Bruno deixou e motivar as pessoas a se tornarem sócias solidárias do MRE, bastando para isso acionar um QR Code e assinar o livro de presenças.

Padre Bruno Pe. Bruno nasceu na Itália, na cidade de Santu lussurgiu, em 31 de julho de 1939. Filho de Francesco Guiseppe Sechi e Maria Antônia Murta, morava há 56 anos no Brasil, dos quais 49 em Belém do Pará. O jovem sacerdote criou um movimento de jovens na periferia da cidade, que deu origem ao trabalho denominado de Restaurante do Pequeno Vendedor e que, ao longo de cinquenta anos, cresceu em várias frentes de atuação, sendo hoje denominado Movimento República de Emaús.

SERVIÇO Memorial Padre Bruno Sechi Endereço: Rua Municipalidade, 489 – Reduto – Belém (PA) Visitação: 2ª a 6ª, de 9h às 20h.

Sábado: 8h às 16h.

Domingos e feriados: 9h às 14h.

Homenagem realizada por Michel Pinho e Kauê Lima. Foto: Kauê Lima