Jornal Resistência - Agosto 2022

sddh.org.br

Ano 45 | Belém, Pará, Brasil Agosto de 2022

BRENDAL FARIAS. COLETIVO @ILUSTRAPRETICE_PA

Publicação da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH)

NA ENCRUZILHADA DA UTOPIA, A AMAZÔNIA RESISTE

Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH)

editorial REFLEXÃO SOBRE UM TEMPO PRESENTE

P

oucas vezes na história recente do Brasil, o país esteve tão atacado em relação a suas instituições democráticas quanto nos últimos seis anos. O impeachment da presidenta Dilma Roussef em 2016 sob argumentos tão pífios e manobras tão descaradamente golpistas- Michel Temer não se cansa de admitir que Dilma era ‘honestíssima’- abriu a Caixa de Pandora do pior que o Brasil poderia escancarar: parlamentares do nível de Jair Bolsonaro, Wlad, Éder Mauro e tantos mais mostraram as entranhas da nossa mais abjeta representatividade no Congresso.

E mais. O país foi esgarçando leis, destruindo direitos, arrochando a população, atropelando a civilidade. Se direitos trabalhistas, sindicais, salariais foram sendo atacados brutalmente por Temer, foi com Jair Bolsonaro que o país atingiu os mais baixos níveis da degradação social e civilizatória.

Estamos há quase quatro anos sobrevivendo. Essa é uma verdade. Resistindo. Essa é outra verdade. Lutando. Mais uma verdade. Nunca a utopia se fez tão necessária nesse país.

Desde que o atual ocupante do Palácio do Planalto assumiu, a população brasileira constatou o que era óbvio, mas escondido sob o tapete. Parte de nossa sociedade alimenta, em seu mais profundo esgoto existencial, arraigado racismo, preconceito contra pobres, ódio a minorias políticas, um machismo e um racismo estrutural que mazela o país e o deixa fraturado.

O Brasil se olha no espelho e como num retrato de Dorian Gray o que se vê não é um belo reflexo. Pelo contrário. A imagem que nos vêm é de um país violento, cruel e egoísta. Mas essas características são um subproduto social de uma escolha política e econômica. O neoliberalismo e o capitalismo financeiro trazem como legado a indiferença com o ser humano ao lado. Nosso individualismo exacerbado e consumista nada mais é que a expressão desse formato do capitalismo. Não há como deixar de fazer essa relação.

Nossas instituições foram atacadas.

Há uma lista delas como exemplo. Funai, Incra, Ibama, Polícia Federal...todas as instituições que regulam o país foram drenadas. O que o Governo Federal diz em alto e bom som é ‘cada um por si’.

Armem-se e resolvam tudo à bala, enquanto suas leis afrouxam regulações sobre o uso da terra e da água e as balas perdidas sempre encontram o mesmo

alvo. Corpos negros e favelizados. Corpos indígenas. Corpos femininos. Corpos não heteronormativos.

O Brasil é hoje um território ostensivamente hostil.

Mas há um lado nesse país que não se curva. Esse lado acredita na resistência, na luta, em outras formas de vivência e convivência. Há muitos exemplos dessa parte brasileira que não sucumbe ao ódio e à intolerância. O lado democrático de um país que insiste em negar uma vocação latente para a diversidade e para um modo de vida onde a morte não seja a filosofia. Onde a ‘força da grana erga, mas não destrua coisas belas’.

Vimos um exemplo claro disso no X Fórum Social Pan-Amazônico em Belém. As diversas amazônias presentes mostraram que monoculturas de pensamento não são viáveis para esse imenso território.

Se os números da violência no campo nos assustam, entidades como a Comissão Pastoral da Terra insistem em apontar as causas, colocar o dedo na ferida e nos fazer refletir. Temos tempo, mas ele está se esgotando. É o que nos mostra, por exemplo, o documentário ‘Pisar suavemente na terra’, exibido durante o Fórum. Uma reflexão sobre outro pensar no humano e na natureza, como ensina Aílton Krenak, um dos personagens do filme. É essa resistência que percebemos na criação dos comitês populares, ou na Escola Popular de Formação Jurídica, movimentos aparentemente sutis, mas que enfatizam a necessidade de democratizarmos olhares e alcances de atuação.

Para isso, muitas vezes, é necessário olhar para trás. E lembrarmos os que nos antecederam e tombaram na luta.

O livro “Luta pela Terra na Amazônia: mortos na luta pela terra! Vivos na luta pela terra!”, organizado pelos professores Rogério Almeida e Elias Sacramento com amplo apoio na realização da SDDH, resgata histórias de tantos nomes, como Dezinho, Paulo Fonteles, Dorothy Stang, João Batista, João Canuto, Expedito...tantos e tantas. Deram o sangue por um país diferente desse que encaramos em 2022.

Esse é um ano crucial para o país.

Sabemos disso. E sabemos em qual lado estaremos. Afinal, esse jornal não se chama ‘Resistência’ à toa. E defender direitos humanos para nós não são apenas palavras ao vento. É nossa missão e tarefa cotidiana, por mais que insistam em tentar destruí-la.

Não conseguirão.

EXPEDIENTE O Jornal Resistência é uma publicação da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) SDDH COORDENAÇÃO EXECUTIVA: Eliana Fonseca - Coordenação Geral Marco Apolo Santana Leão - Coordenação de Administração e Finanças Antônia Salgado - Coordenação de Comunicação Fátima Matos - Coordenação de Formação Domingos Conceição - Coordenação de Secretaria

IMPACTOS DO FECHAMENTO DAS ESCOLAS NO CAMPO NO ESTADO DO PARÁ SALOMÃO HAGE Doutor em Educação, professor da UFPA. Coordena o Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação do Campo na Amazônia, e o Fórum Paraense de Educação do Campo.

H

á uma violência silenciosa ocorrendo no Brasil. As escolas do campo estão desaparecendo. Os números mostram que 151.785 escolas foram extintas entre 2000 e 2021. Desses, 5.553 escolas só no ano de 2021 e 104.385 foram fechadas nos territórios rurais.

No Estado do Pará os dados assustam.

Foram 8.268 escolas extintas entre 2000 e 2021. Sendo 86 escolas só no ano de 2021 enquanto 6.809 foram fechadas nos territórios rurais.

Esta realidade resulta da ação criminosa de muitos gestores públicos municipais e estaduais, que continuam fechando escolas localizadas nos territórios do campo, indígenas, ribeirinhos e quilombolas, desrespeitando a legislação vigente, assim como, dos conselhos de educação nacional, estaduais e municipais quando assumem uma atitude omissa e indiferente em relação a essa situação.

Com a Pandemia do Covid 19 a situação se agravou muito mais, e o Fórum Paraense com os Fóruns Regionais e Municipais de Educação do Campo têm recorrentemente chamado a atenção para a situação de precarização das escolas nos territórios do campo, indígenas e quilombolas, o que constitui um condicionante para a realização das atividades escolares.

Como a maioria das escolas nesses territórios não possui conectividade com a Internet, os estudantes, desde março de 2020 até dezembro de 2021 acessam a educação por meio de cadernos de aprendizagem que foram enviados para a sua residência ou que os pais buscaram na escola. Isso significa que durante dois anos a educação dos estudantes do campo, indí-

genas, quilombolas e extrativistas se restringiu à resolução de exercícios sobre os conteúdos das disciplinas elaborados pelos professores.

Na Rede Púbica do Estado do Pará estimou-se em 60.000 o número de educandos que perderam o ano letivo de 2021, em razão da não integralização dos dias letivos e das horas mínimas anuais, em virtude da não realização das atividades propostas pelas unidades escolares ou ainda, em decorrência de evasão escolar ou do não alcance do percentual mínimo de frequência legalmente exigido (Indicação Nº. 02/2021 – CEE Pará). Estes dados ainda não temos das Redes Municipais de Ensino, mas estimamos, que com as dificuldades de conectividade ao longo de todo o Estado, os números devam ser bem mais expressivos.

O Fórum Paraense de Educação do Campo tem denunciado todas essas situações que violam os direitos dos povos do campo, indígenas, quilombolas e extrativistas e conclamado a sociedade paraense a se mobilizar contra o fechamento e a precarização das escolas nos territórios desses povos. Temos contado com o apoio da Frente em Defesa da Educação Pública da Assembleia Legislativa do Estado, da Comissão de Educação da Ordem dos Advogados do Brasil - Sessão Pará, do Ministério Público do Estado e Federal e da Defensoria Pública do Estado.

Importante conquista tivemos quando conseguimos revogar o fechamento de 18 escolas do campo em 2019, sendo quatro quilombolas, no município de Inhangapi, face à mobilização das comunidades quilombolas em interação com o Fórum Paraense de Educação do Campo e a parceria com os promotores agrários do Estado do Pará.

Escola é Vida na Comunidade!

Raízes se formam no Campo. Educação Pública e do Campo, Indígena e Quilombola é Direito nosso e Dever do Estado!

JORNAL RESISTÊNCIA Marco Apolo Santana Leão - Direção Geral Ismael Machado - Jornalista responsável Márcio Alvarenga - Diagramação Cristivan Alves e Viviane Brigida - Produção Antônio José Marinho Neto - Estagiário de Produção MÍDIAS E-mail: resistenciajornal@gmail.com Site: http://sddh.org.br/ Blog: https://jornalresistenciaonline.blogspot.com/ Facebook: https://www.facebook.com/resistenciaonline Twitter: https://twitter.com/ResistenciaSDDH Instagram: https://instagram.com/jornalresistencia Endereço: Rua 25 de Junho, no 2015-A. CEP: 66.075-513 Telefone: (91) 3241-1518 Guamá- Belém - Pará- Amazônia- Brasil

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Apoio Institucional:

FOTO: ISMAEL MACHADO

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VIOLÊNCIA NO CAMPO VOLTA A CRESCER, AFIRMA RELATÓRIO DA CPT ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO PASTORAL DA TERRA e Ismael Machado

O

que se suspeitava mostrou-se oficial. O relatório sobre conflitos no campo 2021, publicado em abril pela Comissão Pastoral da Terra desnudou o óbvio. A violência no campo aumentou e há um cúmplice destacado nesse recrudescimento: o governo Bolsonaro. Segundo o relatório, houve um aumento de 75% nos assassinatos, mais de 1.000% nas mortes em consequência de conflitos e dois massacres que marcaram o ano de 2021.

Somente nos estados da Amazônia legal foram 28 assassinatos, 80% do total. A violência nesta região reflete não só a ferocidade da grilagem e do latifúndio, como também o emparelhamento protetor do Estado brasileiro ao setor ruralista. A atuação da “pistolagem sob encomenda” e das “agromilícias”, bem como de agentes públicos, ocasionaram 35 assassinatos por conflitos no campo, no Brasil, em 2021. Desse total, 33 pessoas eram homens e duas eram mulheres.

Duas dessas ocorrências caracterizam-se como massacres, de acordo com a metodologia da CPT, que considera massacre toda ocorrência de violência contra a pessoa em que 3 ou mais pessoas são assassinadas. Em uma delas pelo menos três indígenas Moxihatëtëa, classificados como “indígenas isolados”, foram chacinados na Terra Indígena Yanomami, em Roraima. Na outra, três sem-terra ou “acampados” foram assassinados no Acampamento Ademar Ferreira, em agosto de 2021, em Rondônia.

Rondônia, por sinal, lidera o ranking da violência. Foi o estado com o maior núme-

ro de assassinatos (11) e onde ocorreu um dos massacres em 2021. Maranhão vem em seguida com nove assassinatos, seguido de Roraima, Tocantins e Rio Grande do Sul, cada um com três assassinatos. O número de sem-terra assassinados aumentou 350% de 2020 para 2021, passando de dois para nove, da mesma forma o número de posseiros aumentou 500%, passando de 1, em 2020, para 6, em 2021.

Essa violência tem sido estendida a 2022.

A CPT ressalta que os dados parciais deste ano já apontam pelo menos 16 assassinatos em conflitos no campo. A maioria ocorreu no estado do Pará (4 assassinatos), onde foi registrado o primeiro massacre em conflitos no campo no ano, no município de São Félix do Xingu. No dia 9 de janeiro, os corpos de José Gomes, o Zé do Lago, sua esposa Márcia Nunes e sua filha Joane Nunes, foram encontrados na propriedade da família.

Eles residiam no local há mais de 20 anos, desenvolviam trabalhos de preservação da floresta e mantinham um projeto de reprodução de tartarugas. Eram conhecidos e reconhecidos pelo trabalho ambiental que desempenhavam. A terra ocupada por eles está em área de jurisdição do ITERPA e inserida na APA Triunfo do Xingu, uma área de preservação com mais de 1,5 milhão de hectares.

O caso mais recente e que chocou o mundo foi o assassinato em junho, do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips. Sobre eles, o presidente Bolsonaro se manifestou, como sempre, de forma quase cínica, imputando a eles a responsabilidade pelo próprio assassinato.

Além de assassinatos e outras formas de violência, há também o aumento nas ações de intimidação, como prisão de posseiros, militantes sociais e lideranças campesinas.

Ao todo, 100 pessoas foram presas em 2021,

Trabalho escravo: maior número de resgatados desde 2013 (Assessoria CPT) 2013

2014

2015

2016

2017

2018

2019

2020

2021

CASOS

142

132

80

68

67

86

89

96

169

TRABALHADORES NA DENÚNCIA

1.730

2.494

1.760

751

532

1.465

880

1.104

2.035

LIBERTADOS

1.103

1.242

556

544

389

945

745

810

1.726

Em 2021, a fiscalização do trabalho resgatou 1.726 pessoas. Esse é o maior número desde 2013. Um aumento de 113% em relação ao dado de 2020, conforme tabela abaixo.

Foram 169 casos de trabalho escravo no meio rural em 2021, um aumento de 76% em relação ao ano anterior. O estado de Minas Gerais lidera com 51 casos e 757 pessoas resgatadas. Em seguida vem o estado do Pará, com 27 casos, e Goiás com 17.

Em 2021, próximo a Brasília, 116 trabalhadores foram resgatados do trabalho escravo na colheita da palha de milho para cigarros, para a empresa Souza Paiol. Eles recebiam cinco reais por quilo de palha colhido, viviam em alojamentos precários – sem paredes e com goteiras –, iniciavam o trabalho às cinco da manhã e só tinham acesso a duas refeições diárias, a primeira depois de seis horas de trabalho1. O proprietário alegou que havia contratado “empresas terceirizadas”, um artifício recorrente utilizado pelos empregadores, favorecidos pela reforma trabalhista de 2017.

Do total de resgatados dessa prática criminosa, 64 eram crianças e adolescentes, o que corresponde a um aumento de 121% em relação ao ano anterior. As regiões Sudeste e Centro-Oeste concentraram o maior número de menores de idades escravizados, 19 cada. Essas duas regiões respondem, também, pelos maiores números de casos de trabalho escravo, de trabalhadores na denúncia e de libertados em 2021. Na região Sudeste foram registrados 59 casos e 919 resgatados, enquanto no Centro-Oeste foram 37 casos e 415 resgatados em 2021.

um aumento de 45% em relação ao ano anterior. Dessas, 30, quase um terço do total, foram presas em um conflito em Rondônia, no dia 17 de novembro. A PM do estado prendeu cerca de 30 camponeses do Acampamento Escurão, localizado no Lote 32 da Gleba de Corumbiara, em Pimenta Bueno.

Participaram da ação a Guarnição de Força Tática e o Núcleo de Inteligência das polícias de Vilhena e Pimenta Bueno.

As prisões de homens, mulheres e até crianças se deram no próprio acampamento após diversas incursões das tropas da PM-RO no local. Depois das prisões, os policiais ainda destruíram casas, barracos, roubaram motosserras e espancaram os moradores. Ainda no estado, a polícia militar prendeu também 14 pessoas no dia 04 de setembro, no Acam-

pamento Boa Esperança. Os acampados foram conduzidos algemados à Delegacia de Ariquemes e soltos após intervenção da Defensoria Pública. Quase metade dos presos em 2021, foram no estado de Rondônia.

O presidente da CPT Dom José Ionilton lembrou que a CPT atua pastoralmente junto aos camponeses e às camponesas, na busca pelo bem comum, que é tantas vezes ameaçado pelo capitalismo selvagem, pelo agronegócio, pelas mineradoras, madeireiras, pelo garimpo ilegal. “Impressionam os dados de conflitos no campo de 2021. Quantas mortes, quantas ameaças, quantas ações judiciais injustas de despejo, quantas pessoas e famílias que sofreram algum tipo de violência", afirmou o bispo durante o lançamento do relatório. ■

FOTO: TARSO SARRAF

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O DESAFIO QUILOMBOLA MALUNGU Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará – MALUNGU

N

esta nova conjuntura apresentada no Brasil, o movimento quilombola na amazônica paraense traz um contexto que não é tão novo, no que se refere às lutas pelas garantias de Direitos Humanos para a população quilombola. É importante ressaltar que as políticas públicas implementadas no governo progressista no país, foram graças à luta do movimento quilombola e ao governo com sensibilidade às causas. Ao contrário do governo Bolsonaro, que ataca direta ou indiretamente as populações tradicionais Amazônicas.

CONJUNTURA E LUTAS DO MOVIMENTO INDÍGENA A luta dos povos indígenas é ancestral e milenar ALEXANDRE ARAPIUN Indígena do povo Arapiun da região do Baixo Tapajós, Pará

O

território, para nós indígenas, é a terra do bem-viver, da conexão com o sagrado, da demarcação da identidade; é a ligação com os (as) nossos (as) mais velhos (as), é o respeito com os seres espirituais e com tudo que nos permita sermos seres de liberdade. E é justamente por entender essa ligação com o território, que buscamos forças da nossa ancestralidade para enfrentar as diversas batalhas colocadas para nós.

Na quadra histórica mais recente, os povos indígenas de todo o Brasil mostraram como a força dos encantados, dos

No Pará, temos 528 comunidades quilombolas vinculadas à Malungu. (Coordenação Estadual das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará) organização que está representada em cinco regiões do Estado.

O Pará, diga-se de passagem, é historicamente conhecido por ser um estado de muitos conflitos de terra e na maior parte dessas terras estão as áreas quilombolas que se contrapõem aos chamados grandes projetos: monocultura, fazendeiros, madeireiros, venda de crédito de carbono etc. Estamos cercados de projetos do dito “Desenvolvimento Amazônico”. Esse desenvolvimento vem destruindo todo acervo cultural e ecológico da Amazônia Brasileira. Um entre esses vários projetos, por exemplo, o Projeto de Dragagem do Rio Tocantins, afetará 163 Comunidades Quilombolas.

O assessor regional da Malungu – Bai-

maracás, cocares e arco e flecha podem balançar e derrubar genocidas. Bolsonaro, como representante de uma politica perversa, nos coloca como principais alvos de grandes projetos de destruição e, ainda, põe as nossas vidas em risco. Desde o início de seu mandato, Bolsonaro incitava o ódio contra a nossa existência e afirmava que não iria demarcar um centímetro das nossas terras. E assim fez.

No entanto, o presidente e seus ministros não contavam, ou até mesmo não acreditavam, com a força que tem um guerreiro e uma guerreira indígena. Ocupamos inúmeras vezes as ruas e as redes, ocupamos as nossas cidades, as aldeias e até Brasília para deixar o recado de que governo nenhum nos intimida e que o som das nossas vozes jamais será silenciado.

Hoje as nossas principais ameaças partem de figuras que estão articuladas para passar a boiada e colocar o lucro acima das nossas vidas, com mineração ilegal nos territórios indígenas, com projetos de leis que atacam a demarcação das nossas terras e com teses que ferem diretamente a nossa identidade e a nossa história. Mas nós também estamos unidos e articulados em defesa dos nossos diretos e da garantia das nossas vidas.

QUAIS AS PRINCIPAIS AMEAÇAS E BATALHAS DO MOVIMENTO INDÍGENA ATUAL?

Sofremos o pior e mais cruel genocídio e etnocídio da história humana. Foram anos de mortes de lideranças e parentes in-

xo Amazonas, Douglas Sena, ressalta que as questões conflituosas compreendem os municípios de Prainha, Monte Alegre, Alenquer, Santarém, Óbidos e Oriximiná. “A realidade dessas comunidades quilombolas na proteção/gestão de seus territórios, sejam eles na coletividade de comunidades que os compõe ou mesmo na individualidade, perpassa pela questão da falta da titulação dos territórios ou onde já se tem, a ausência da efetivação de políticas públicas que possam garantir a existência e subsistência de nosso povo”, afirma.

Essa questão, segundo ele, desencadeia um processo que coloca muitas comunidades ou territórios em situações vulneráveis, proporcionando o aliciamento das mesmas nas mais variadas formas possíveis. “De um lado, como se não fosse o suficiente a investida de conglomerados de empresas sobre os territórios, buscando cercear suas lideranças

dígenas através de violência dura, e hoje a violação está mais moderna e com aval do Estado, com os projetos de leis. A construção de PL´s que atacam os nossos direitos sempre foi motivo de muitas mobilizações e resistência indígena, e agora não é diferente.

O Projeto de Lei 191/2020, que libera e legaliza mineração nas terras indígenas; o PL 490/2007 que flexibiliza a demarcação dos territórios, colocando um marco temporal na nossa existência – só serão demarcadas aquelas terras que estavam ocupadas por indígenas durante a promulgação da Constituição de 1988 -; tudo isso faz parte de um pacote de colonização e morte que começou desde a chegada dos brancos nas nossas terras. Os nossos rios estão morrendo por conta do mercúrio que é despejado do garimpo, as florestas estão sendo massacradas devido às grandes madeireiras estarem se instalando dentro dos territórios, os parentes estão morrendo envenenados com a liberação de agrotóxicos (venenos) que são utilizados no agronegócio, além do caos que foi –e ainda está sendo- a ineficiência do sistema de saúde indígena para amparar os parentes durante o auge da pandemia da Covid-19.

Diante de tudo isso, vale destacar, que apesar da nossa luta parecer que um sentido reativo, nós somos muito consequentes das pequenas conquistas que são frutos de muita luta. A educação e a saúde indígena estão caminhando a passos firmes hoje, porque a nossa organização, principalmente das mulheres e da juventude indíge-

representativas, do outro lado ou conjuntamente, obras e projetos do governo também colocam em sérios riscos os territórios tradicionais”.

A maior responsabilidade pelos conflitos nas comunidades quilombolas cabe aos governantes federais e estaduais. Como exemplo mais recente, uma liderança da comunidade de Bálsamo no município de Acará diz haver um processo no Incra com dez anos sem resposta. “No Iterpa são 12 anos”, complementa. Demoras como essa geram conflitos apresentados entre a Associação de Moradores e Agricultores Remanescentes de Quilombolas do Alto-Acará (Amarqualta) e Brasil Bio Fuels, esta empresa que, segundo a liderança trouxe a grilagem de terras a um território que contem 30 mil hectares, com seis comunidades quilombolas que abrigam 2500 pessoas. ■

na, está se consolidando com muita qualidade e servindo de exemplo dentro das movimentações sociais.

NOSSA (R) EXISTÊNCIA DEMARCA TERRITÓRIOS

Nos primeiros meses de 2021 a mobilização do movimento indígena brasileiro já mostrou que ali começaria um novo gás nas lutas contra os desmontes do governo Bolsonaro. Desde o Levante Pela Terra, ocorrido em julho (2021), nós não arredamos os pés das ruas em diversas ações que, inclusive, foram decisivas para que muitos projetos fossem barrados.

O Acampamento Terra Livre e a Marcha das Mulheres Indígenas são grandes exemplos de como a articulação de base pode resultar em grandes levantes que não somente lutam pela garantia de direitos, mas que também tem um teor de proposição e construção de políticas para os (as) parentes.

Uma coisa é certa: os ataques e tentativas de destruição dos nossos direitos não irão acabar de imediato, mas a nossa luta e resistência também não. Nós somos diversos povos que ocupam grandes espaços, desde as universidades até o Congresso Nacional, e isso significa muito. A nossa força vem dos ancestrais e encantados, e é com isso que traçamos horizontes por um futuro onde nós possamos ter real autonomia para decidir sobre as nossas vidas e nossos territórios.

Resistir é preciso. Demarcar é necessário. Depor Bolsonaro e seus projetos de morte é urgente. ■

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Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH)

ENTREVISTA INDIGENISTA RICARDO RAO

“A FUNAI FOI DESTRUÍDA” ISMAEL MACHADO

N GARIMPO ILEGAL: MORTES EM CONSEQUÊNCIA E MASSACRE NA TERRA INDÍGENA YANOMAMI

A

atividade garimpeira vem se expandindo aceleradamente no país desde pelo menos 2012, com impacto significativo sobre a Amazônia. Demarcada em 1992, a Terra Indígena Yanomami (TIY) é um dos territórios mais duramente afetados pelo garimpo ilegal.

Os indígenas Yanomami e Ye’Kwana denunciam que a presença da atividade garimpeira próxima às suas comunidades vem revelando prejuízos diretos à saúde, ao sistema produtivo, à segurança pessoal, e à integridade física das comunidades indígenas do entorno.

Desde 2020, a Associação Hutukara alerta as autoridades dos riscos da escalada de violência nas regiões da TIY onde o garimpo vem avançando. Segundo dados obtidos pelo Sistema de Monitoramento do Garimpo Ilegal na TIY, a calha do rio Uraricoera é a região mais afetada pela atividade, concentrando 45% da área degradada pelo garimpo ilegal no território.

Entre os meses de abril e maio de 2021, o território Yanomami foi ameaçado intensamente pela presença de núcleos garimpeiros que cercam a comunidade. As lideranças locais solicitaram apoio das autoridades competentes, e não tiveram resposta. Passaram, assim, a vivenciar ataques armados em série. Em 10 de maio, a comunidade do Palimiú sofreu um primeiro ataque quando garimpeiros armados dispararam tiros contra a aldeia. Um vídeo registrado durante a ação mostra mulheres e crianças correndo em desespero ao som dos tiros disparados de embarcações garimpeiras passando pelo rio. Poucos dias depois, membros da comunidade informaram que duas crianças haviam desaparecido durante a fuga, e foram posteriormente encontradas afogadas, sem vida.

Dois dias após o primeiro ataque, eclode um confronto armado entre garimpeiros, indígenas e agentes da Polícia Federal na região.

Passados outros dois dias, lideranças informam a presença de dezenas de barcos de garimpeiros no Palimiú alertando que estariam se organizando para iniciar novos ataques. Em 17 de maio, informaram que 15 barcos de garimpeiros se aproximaram da comunidade num novo ataque. Em 14 de junho, três barcos de garimpeiros iniciam novo tiroteio contra a comunidade de Palimiú, forçando os Yanomami a se esconderem na floresta. Três dias depois, um grupo de garimpeiros encapuzados dispara tiros contra as casas da comunidade de Korekorema, obrigando mais uma vez os indígenas a se esconderem na mata. Em 08 de julho outra embarcação de garimpeiros disparou quatro tiros contra mulheres que procuravam um parente desaparecido no rio próximo à Korekorema e, na madrugada do dia 13 de julho, a comunidade Palimiú foi novamente atacada por dois barcos de garimpeiros, que dispararam 10 tiros contra os indígenas.

Situações de ameaça e violência também foram identificadas em outras regiões da TIY impactadas pelo garimpo. Em 30 de julho, um indígena Yanomami foi atropelado por um avião de garimpeiros em Homoxi. A pista de pouso comunitária fora ocupada pelos garimpeiros e é intensamente utilizada para abastecer os garimpos na região.

De acordo com o Instituto Sócio Ambiental (ISA), "a atividade garimpeira em Terras Indígenas é terminantemente proibida pelo estatuto constitucional do país. Se o Artigo 174, §3º e 4º, da Constituição Federal prevê que a atividade poderá ocorrer em forma de cooperativas, observados os estandartes de proteção ao meio ambiente, por sua vez o artigo 231, §7º, exclui a possibilidade da extração de minérios na modalidade garimpo nas Terras Indígenas do país. Desse modo, o garimpo não está sujeito à regulamentação prevista no artigo 231, § 3º, da Constituição”. ■

o fim de 2019, Ricardo Rao deixou o Brasil após o assassinato do colega Maxiel Pereira, morto a tiros em Tabatinga, no Vale do Javari. Na ocasião de seu autoexílio, o indigenista afirmou que tinha medo de morrer após receber ameaças desse cunho. Recentemente Rao protagonizou uma cena que correu o mundo, praticamente expulsando o presidente da Funai de um evento na Europa. Rao atribui a Funai de hoje a coautoria em diversos crimes ocorridos contra indígenas e indigenista. Na entrevista ao Resistência ele afirma ser preciso ‘depurar’ a Funai.

RESISTÊNCIA - Em todos os quadrantes

nós temos uma política de destruição nesse momento atual, mas como o senhor destacaria a questão indígena nesse contexto?

RAO - A questão indígena faz parte do programa destrutivo do governo Bolsonaro. Ele sempre focou nisso. A criação do inimigo externo é uma grande estratégia de regimes neofascistas como o atual e o da extrema direita no geral. E por isso, os índios foram atacados desde o começo. A questão indígena foi a mais afetada negativamente nesses quatro anos do governo Bolsonaro. Ele elegeu declaradamente para os indígenas o mesmo papel dos judeus no regime nazista. Nós detectamos isso já durante a campanha eleitoral, quando houve o aumento de homicídios contra os indígenas. O discurso de ódio dele foi especialmente fixado no índio.

RESISTÊNCIA - Gostaria que o senhor pu-

desse apontar os riscos para as populações índias da flexibilização de atividades como a mineração e a monocultura nas terras indígenas, por exemplo.

RAO - Não existe flexibilização nem de mineração nem de atividade monocultora. A gente pode falar em abertura e legalização. Quanto à mineração, simplesmente não houve flexibilização legal. Isso só pode ser feito por meio de lei, mas mesmo para o ‘gado’ dele, Bolsonaro executa muito pouco. Há um projeto de lei tramitando que não tem a menor capacidade e possibilidade de ser aprovado, então o que é que ele fez? Ele estimulou a invasão criminosa de terra indígena para o garimpo. O (indigenista) Bruno (Pereira) foi morto dentro desse contexto, muito em voga na Amazônia e em Rondônia. Lá os cinta-larga tem um ‘cacicato’ muito corrupto, que pratica o garimpo de diamantes em terras indígenas criminosamente, e o estado se omite.

O garimpo é praticado com bastante descaro, com incentivo do governo. A monocultura também, o escândalo maior foi o projeto ‘agroxavante’. Nós temos hoje aproximadamente 60 % do território xavante arrendado para rizicultores do Mato Grosso. Esse é um exemplo didático. Os caciques dominantes recebem esse dinheiro, que acaba muito rápido com o tempo.

E isso acaba acarretando morte, desigualdade, revolta entre as famílias não contempladas, enquanto a cultura e o modo de vida tradicional indígena acaba pervertido e aniquilado. E diga-se, com apoio de parte do Ministério Público Federal, que possui grande parte de bolsonaristas entre seus membros. Foram os que apoiaram o projeto agroxavante. Lá tem uma placa do MPF apoiando o arrendamento de terra indígena.

RESISTÊNCIA - Pode-se dizer que o governo

está estabelecendo uma lógica miliciana nesses territórios?

RAO- Sem dúvida. Os territórios indígenas mais rentáveis economicamente foram entregues a coordenadores regionais claramente milicianos. Tem oficiais, sargentos, tenentes, capitães, policiais militares e federais. Implantam a lógica miliciana nesses territórios da seguinte maneira: não são eles que exploram esse território, são os fazendeiros vizinhos. Então eles alugam o território indígena para o agronegócio e cobram a proteção a esses empreendedores do agro-

negócio. É essa a lógica, você pega um espaço que é público como a terra indígena, que pertence a união e privatiza. É essa a lógica que vem sendo praticada em terras indígenas.

RESISTÊNCIA- - Como a sociedade pode avaliar o atual papel da Funai?

RAO - O papel atual da Funai é um papel de coautora dos crimes cometidos pelo governo Bolsonaro contra os povos indígenas. A Funai teve sua missão institucional pervertida. Até o governo Bolsonaro essa missão era promover e defender o direito dos índios.

Evidentemente não está fazendo isso. O atual presidente Marcelo Xavier é um morcego carregado de infecções. O papel atual da Funai é altamente negativo.

Ela precisará passar por um processo de expurgo e depuração imensos. Mas a verdade é que a Funai foi destruída.

RESISTÊNCIA - O que um eventual governo

Lula pode fazer para reverter o que está acontecendo?

RAO - Eventual porque não sabemos se o golpe vai impedir a posse do Lula, mas o que o Lula pode fazer para reverter eu diria que são medidas muito completas e muito simples. A primeira é a extinção da Funai e sua conversão em um Ministério de Assuntos Indígenas, conforme ele havia prometido, passando por um processo firme de depuração dos quadros da Funai. Tem muito corrupto que participou e já participava antes.

Funaiano que não gosta de índio, é racista e parasita.

Essa gente precisa ser afastada. A outra é cumprir aqueles dois compromissos importantes, no caso do ministério, com indigenistas mais compromissados e que ainda estão dentro da Funai. Por fim, não menos importante, é zelar pela demarcação de terras indígenas no Brasil. É preciso demarcar todas as terras. De uma vez.

RESISTÊNCIA- - Explique os riscos para

quem atua na região defender direitos de povos tradicionais RAO - Os riscos são de homicídio, a gente tinha que andar armado – e na ilegalidade, porque a Funai não bancava o porte de armas-. Ameaça sempre houve, mas era um risco razoável, risco pequeno, antes do governo Bolsonaro. Com o atual governo o risco se tornou intolerável, porque antes se lidava só com bandido, madeireiro, garimpeiro, invasor. Com o Bolsonaro, principalmente a Polícia Militar passou a apoiar esses grupos criminosos. São milicianos. O risco maior hoje vem por parte de miliciano a serviço de crime organizado, formado por madeireiro, garimpeiro e invasor de terra. Há também o risco interno.

Se você é servidor do estado, do Ibama, da Funai, o governo aumentou muito o risco de sermos punidos por meio do ‘lawfare’ administrativo (emprego de manobras jurídico-legais como substituto de força armada, visando alcançar determinados objetivos), processos administrativos e sindicâncias sem motivo.

Mas o risco maior hoje para o ‘funaiano’ decente, para o funcionário do Ibama decente são os corruptos da Polícia Militar e do Exército. ■

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Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH)

EM DEFESA DOS POVOS DA AMAZÔNIA LUIZ ARNALDO CAMPOS Cineasta e integrante da Secretaria Executiva do X FOSPA

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FÓRUM SOCIAL PANAMAZÔNICO LEMBRA: ‘NÓS SOMOS A AMAZÔNIA’

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ASSESSORIA FOSPA E ISMAEL MACHADO

á se passaram 13 anos que Belém abrigou o Fórum Social Mundial. O ano era 2009 e o prefeito de Belém era Edmilson Rodrigues, abrigado em um partido cujo número era justamente o 13. Não deixa de ser simbólica a coincidência dos números e o fato de Edmilson ser o prefeito em outro evento da mesma importância, o X Fórum Social Pan-amazônico, realizado em julho na capital paraense, tendo a Universidade Federal do Pará como grande anfitriã. E o momento não poderia ser mais oportuno, com a Amazônia sofrendo os maiores ataques das últimas décadas a partir do Governo Federal.

Logo no primeiro dia do X Fórum Social Pan-Amazônico (FOSPA), na quinta-feira de 28, de julho, Belém assistiu à caminhada da resistência. No sol ou na chuva, as vozes dos povos da floresta ecoaram em som de esperança, união, força e resistência. Revolta e gritos por justiça também marcaram emocionados momentos que fizeram presentes os mártires das Amazônias. O ato reuniu cerca de três mil pessoas vindas de territórios nacionais e internacionais, povos plurais de culturas, costumes, línguas e sabedorias distintas, filhos e filhas da terra, das águas e da floresta.

Indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses e movimentos sociais teceram o esperançar nas Amazônias e fizeram da abertura do X Fospa, um momento tomado pela energia de quem enxerga a Amazônia como uma vida (sujeita de direitos) que necessita urgentemente ter os seus direitos garantidos. Apresentações culturais, como grupos de carimbó e rodas de samba, embalaram o público presente na marcha que reuniu representantes dos nove países que integram a Pan-Amazônia.

Outro ponto alto em uma programação repleta de discussões, mesas e debates importantes, foi “O Ato dos Mártires da Floresta Amazônica”. Com a participação de mais de

oitocentas pessoas, o Ato homenageou vinte mártires dos países da Pan-amazônia e dos estados da Amazônia brasileira, pessoas que dedicaram suas vidas em defesa da floresta.

Uma homenagem especial também foi feita aos povos indígenas, os grandes mártires da Amazônia.

A histórica celebração iniciou com apresentação das Suraras do Tapajós e uma homenagem às vítimas da Covid-19. Antes do início do ato foi colocado um panô para que as pessoas pudessem escrever os nomes de familiares e amigos que morreram de COVID-19. Este panô com os “Mártires da Covid-19” abriu as homenagens aos Mártires.

Alcidema Magalhães e José Francisco dos Santos Batista, do Comitê Dorothy, apresentaram o evento e trouxeram a importância deste momento no X Fórum Social Pan-Amazônico: “A Amazônia não tem tempo para esperar. A situação da Amazônia é uma emergência global”, ressaltaram.

Outro momento de forte impacto ocorreu durante o Tribunal de Justiça e Defesa dos Direitos das Mulheres Pan-Amazônicas e Andinas, no auditório Benedito Nunes (UFPA). Os casos apresentados foram repletos de muita dor e sofrimento, relatos carregados de emoção que apresentavam a vivência das mulheres que sofrem violência e exploração em seus territórios. Durante o tribunal das mulheres também houve manifestações de afetos e solidariedade entre as participantes na tribuna e na plateia a cada denúncia apresentada.

O tribunal contou com os relatos de depoentes propostas pelos países, frutos de discussões a partir das companheiras que constroem o Tribunal: Tuira Kompenawa Yanomami (Indígena representante da Hutukara – Associação Yanomami -HAY)/Brasil; Maria das Graças Brazão- (AMA/AP/AMB) / Brasil; Zuly Rivera (Indígena pueblo Nasa Putumayo)/Colômbia; Juana Martínez Saenz (liderança campesina)/ Peru; Fanny Kaekat Utitiaj (Indígena Equador) (online).

Quem acompanhou a programação teve o privilégio de assistir em primeira mão o do-

cumentário “Pisar suavemente na terra”, filme dirigido por Marcos Colón, com roteiro e pesquisa de Bruno Malheiro e Marcos Colón.

Com duração de 72 minutos o longa se passa em quatro atos: “Anúncio”, “Guerra”, “Morte” e “Horizontes”. E garante: o futuro é ancestral e a humanidade precisa aprender com ele a pisar suavemente na terra. “É na ancestralidade dos amazônidas que está a resposta para a produção de um novo futuro”, afirma Marcos Colón, que aceita o desafio de, a partir da exploração econômica da floresta amazônica, discutir as alternativas para enfrentar o capitalismo selvagem do ponto de vista indígena. Os 18 meses de filmagens aconteceram no Brasil (Santarém, Marabá e Tabatinga), Peru e Colômbia. Na viagem poética do filme, há também o percurso da violenta realidade de uma Amazônia que resiste e não abre mão de ser protagonista da construção do seu futuro. A identidade pura dos povos da floresta e do verde que os rodeiam são protagonistas do filme, que tem como principal personagem Ailton Krenak, indígena escritor que ao longo de sua vida tem destacado a essência da sua gente, originários da terra.

Já o ato de encerramento do FOSPA reuniu, ao ar livre, próximo às águas do rio Guamá, no território da Universidade Federal do Pará (UFPA), momentos de forte simbolismo. Enquanto algumas delegações já partiam de volta para suas terras, a energia vitoriosa de cerca de 10 mil pessoas que viveram momentos históricos, desde a marcha de abertura, circulava em meio aos caminhos e próximos passos de um projeto que há duas décadas segue em movimento na defesa da Amazônia e do futuro do planeta.

O Reitor Emmanuel Tourinho deu ênfase aos novos horizontes da UFPA, em especial a partir da realização do FOSPA. “Queremos uma universidade que faça a diferença para os povos da Amazônia. Queremos obviamente uma universidade de excelência, mas de nada serviria uma universidade de excelência na Amazônia que não servisse aos povos da Amazônia”, encerrou. ■

o momento em que a Amazônia está sob forte ataque, o Fórum Social Panamazônico retornou a Belém. Comemorando o seu vigésimo aniversário, a décima edição do FOSPA foi realizado na capital paraense do dia 28 a 31 de julho deste ano. Em meio à comoção provocada pelo assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, os confrontos provocados por garimpeiros nas terras indígenas, os recordes de desmatamento e a crescente degradação ambiental, o X FOSPA foi, ao mesmo tempo, um momento de mobilização em defesa da floresta e dos povos amazônicos, bem como de reflexão sobre alternativas ao modelo predatório que a exploração capitalista impõe sobre a região.

Participaram delegações de pelo menos oito dos noves países que compõem a Bacia Amazônica. Uma miríade de povos, organizações e movimentos sociais que compartilham a consciência de habitar uma das regiões do planeta onde a humanidade joga a sua sorte.

Como ficou claro na Conferência da ONU sobre o clima, realizada em Glasgow, no ano passado, não há como deter as mudanças climáticas sem deter a destruição da floresta amazônica. Em Belém, se reuniram delegações que, para além das barreiras linguísticas, das distâncias geográficas e diferenças culturais sabem ser necessária uma mobilização, ao mesmo tempo, imediata e prolongada para transformar o mundo e desta forma defender a vida.

O X FOSPA se reuniu num momento que pode representar uma inflexão profunda da crise política atravessada pelo Brasil, a Pan-amazônia e o mundo.

A pandemia, a guerra na Europa, com o consequente agravamento da crise econômica e os governos fascistas impõem aos povos um sofrimento profundo.

Por outro lado, são crescentes os sinais de revolta contra este estado de coisas. Desde revoltas sociais, como a que está ocorrendo no Equador, até as vitórias eleitorais da esquerda no Chile e Colômbia, sem falar na esperança crescente de que vamos derrotar Bolsonaro.

Para acelerar esta mudança, o X FOSPA apresentou sua contribuição na forma de diversas atividades como o “Ato contra o fascismo, o autoritarismo, o fundamentalismo e o ecocídio” ou na “Grande homenagem aos mártires da Amazônia”.

Preocupado com a intervenção imediata, nem por isto o décimo Fórum Social Pan-Amazônico vai deixar de buscar as soluções para uma região, que mesmo depois da independência dos países latino-americanos, ainda vive sob o jugo de um modelo colonial de exploração. Por isso as cinco Casas de Saberes, espinha dorsal do Fórum, tiveram como temas a auto-organização e autogoverno dos povos, os bens comuns, os direitos da natureza e das mulheres. A partir dessas discussões foi elaborada a Carta de Belém, documento aprovado na cerimônia de encerramento do X FOSPA.

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A FLORESTA, O OUTRO LADO DO QUE QUEREMOS SER? BRUNO MALHEIRO Geógrafo, professor da Unifesspa e roteirista do documentário Pisar suavemente a terra

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o Brasil, conseguimos transformar toda uma região com imensa diversidade étnica e complexidade humana, a Amazônia, na nossa expressão de floresta. O imperativo natural, essa imagem sempre do alto a representar o que está abaixo de nós por um verde homogêneo, levou uma região inteira para fora das nossas grades de compreensão do que inventamos como nação, transformando-a, também, naquilo que não somos e não queremos ser.

Esse modo de jogar para fora a floresta varrendo para um cantinho desprezível a Amazônia, transformou-se em uma engrenagem de destruição e morte que sempre sangrou territórios de múltiplos povos nessa região, através de hidrelétricas, extensas fazendas de gado, da exploração desenfreada de madeira, de plantações de soja e milho, de ferrovias e de projetos de mineração. Essa engrenagem, hoje, a cada novo comentário esdrúxulo daquele que nos preside, reativa-se e jorra fogo e sangue pelas mãos daqueles que não conhecem outra forma de ganhar dinheiro senão pela violência e destruição. Não poderíamos esperar outra coisa de um governo que corta recursos para prevenção de incêndios florestais, que bloqueia dinheiro do IBAMA inviabilizando fiscalizações e que incentiva o desmatamento e a violência no campo e na cidade.

A síntese mais asquerosa que nossa sociedade poderia dar ao jogar a floresta para o lado de fora do que inventamos por civilização, talvez tenha sido o ato de fazendeiros e grileiros da BR-163 de queimar a mata para demonstrar trabalho ao presidente do Brasil. O que o “dia do fogo” (como foi chamado, na Amazônia, o dia escolhido para as queimadas – 10 de agos-

ÁGUA, UM BEM EM EXTINÇÃO JOYCE IKEDA Doutora em Políticas Públicas e mestra em Dinâmicas Territoriais e Sociedade da Amazônia

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Amazônia, outrora interpretada como território onde os rios comandam a vida, a partir da implantação dos projetos de mineração está sob a ameaça de extinção de toda a riqueza hídrica e da fertilidade do solo. A água e a terra para a economia capitalista são consideradas mercadorias e infraestrutura, insumos cruciais para as atividades de processamento mineral. A privatização de recursos comuns sempre foi intenção e a máxima da exploração capitalista, isto é o que a mineração tem materializado nos territórios da Amazônia. No entanto, além da apropriação privada da água, a exploração mineral tem promovido a devastação e a poluição das bacias hídricas da região.

to de 2019) queimou não foi só a floresta, mas também o relativo silêncio público que ainda tampavam os bueiros da economia de morte e destruição que sempre existiu como uma máquina a drenar energias vitais da Amazônia.

Chegamos, definitivamente, a uma bifurcação civilizatória quando o que há de mais podre em nossa sociedade vira motivo de orgulho, quando o cheiro de queimado intoxica nossa consciência e, assim, conseguimos comemorar o fogo e o sangue. Ao ponto que chegamos, ou mudamos nossas referências ou seremos cúmplices do nosso próprio massacre.

Muito se tem dito em defesa da floresta e por extensão da Amazônia, mas algo há de se ter em conta antes de qualquer boa vontade de quem quer que seja: não há perspectiva de futuro para a Amazônia sem considerarmos a sabedoria de seus povos, uma vez que a floresta é, também, o saber-fazer daqueles que a habitam muito antes de nós. É pelo saber desses povos que começamos a mudar nossas referências. Ailton Krenak adverte: “A ideia de nós, humanos, nos descolarmos da terra, vivendo uma abstração civilizatória, é absurda. Suprime a diversidade, nega a pluralidade de existência… “. O mesmo Krenak, então, oferece-nos outras referências para nos fazer reconstruir a perspectiva do que até então reduzimos ao vocábulo floresta: “quando despersonalizamos o rio, a montanha, quando tiramos deles os seus sentidos, considerando que isso é atributo exclusivo dos humanos, liberamos esses lugares para que se tornem resíduos da atividade industrial e extrativista”.

O pensamento de Ailton Krenak não constrói, como fazemos, uma rígida hierarquia entre homens, animais, plantas, terra, montanha, rio…

O fato do rio e das montanhas possuírem personalidade, significa que carregam um discernimento, por isso não há relação hierárquica entre o que convencionamos chamar de racional (nós) e o que arrogamos o lugar de irracional (a flores-

ta), pois a humanidade não se restringe aos humanos. Então, descolarmo-nos da terra é tornar nossa existência vazia, assim como despersonalizar um rio ou uma montanha é transformá-los em resíduos de atividades industriais.

David Kopenawa Yanomami, que também nos oferece um presente em seu livro com Bruce Albert “A queda do Céu”, ensina-nos que “a Hutukara fica junto com a pedra, terra, com a areia, o rio, o mar, o sol, a chuva e o vento. Hutukara é um corpo, um corpo que é unido, ela não pode ficar separada (…). Ela é uma grande casa, e nós estamos dentro do corpo dela (…). Hutukara é nossa mãe, ela que deixa nascer”.

Na defesa dos territórios Yanomami contra a mineração, Kopenawa completa sua perspectiva dizendo: “não pensamos as coisas de forma dividida, pensamos na nossa terrafloresta como um todo. Se vocês destruírem o que está abaixo do solo, tudo que está acima também sofrerá. Não somos apenas nós, povos indígenas, que vivemos na nossa terra. Vocês querem perguntar a

todos os moradores da floresta o que eles acham sobre a mineração?

Então perguntem aos animais, às plantas, ao trovão, ao vento, aos espíritos Xapiri, pois todos eles vivem na floresta. A floresta também pode se vingar de nós, quando ela é ferida”.

O perspectivismo de Kopenawa nos faz lembrar que devemos ouvir a floresta para compreendê-la, pois há uma unidade existencial entre ela e a nossa terra. Assim, entendemos que homens, animais, plantas, o trovão, o vento, os espíritos Xapiri compõem a humanidade da natureza.

Krenak e Kopenawa invertem nossas referências, desfazem as dicotomias que organizam nosso pensamento, tiram a floresta do lado de fora e colocam-na do lado de dentro, e esse deslocamento de sentido é, fundamentalmente, um alerta para adiar o fim do mundo ou a queda do céu. Ver a floresta no lado de dentro é colocar no centro de qualquer perspectiva de futuro para todos nós, a perspectiva de futuro dos povos que a habitam. ■

Alguns estudiosos dividem os conflitos relacionados aos recursos hídricos em três categorias. A primeira, decorrente da apropriação particular, na qual o controle direto e o acesso às fontes e ao corpo hídrico ficam sob as determinações de grandes corporações produtivas. O segundo refere-se ao uso descomprometido com a preservação. Neste caso, mesmo não tendo o controle direto do corpo hídrico, por exemplo, mineradoras e siderúrgicas, contaminam lençóis freáticos; interflúvios superficiais e subterrâneos.

Por último, as barragens e açudes, que ao represar grande quantidade de água alteram drasticamente seus elementos físicos e bióticos, além de impactar todas as populações existentes as margens da trajetória natural dos rios.

Destaca-se que o uso dos recursos hídricos na mineração não se restringe à exploração, pois a utilização da água encontra-se em todas as fases do beneficiamento. Em algumas minas, extrai-se mais água do que o próprio minério, alterando o sistema hídrico natural permanentemente. Dentre outros problemas, os resíduos e os rejeitos da mineração são fontes de contaminação, as quais permanecem emitindo poluentes, mesmo após o encerramento das atividades de extração. Diante destas questões, a relação mina-água é sintetizada por uma série de conflitos ambientais, econômicos e sociais.

Essa é uma questão que assumiu proporções tão graves que a Comissão Pastoral da Terra (CPT) passou a incluir em seu relatório anual de

conflitos no campo a questão dos conflitos pela água. Um exemplo: Em 2017 e 2018, os relatórios emitidos pela CPT na categoria de conflitos pela água já incluiam a desconstrução histórico-cultural como situações de desencadeamento de conflitos. De acordo com os dados apresentados pela CPT, no ano de 2017 e 2018, ocorreram, no estado do Pará, quarenta e nove (49) conflitos relacionados ao uso e preservação da água, a maioria deles relacionados a barragens. Destaca-se que desses 49 conflitos pela água, 45 envolviam mineradoras, sendo que 37 deles ocorridos no município de Barcarena, cenário de lutas sociais frente a mineração.

Outra questão premente relaciona-se ao empreendimento de mineração Belo Sun. O projeto localiza-se na mesma região onde se situa a Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Juntos, o projeto de mineração e a Usina de Belo Monte diminuem a disponibilidade de água aumentando os conflitos na região. A mineradora prevê a extração de aproximadamente 60 toneladas de ouro, com isso, também, estima-se a produção de um enorme volume de substâncias tóxicas. A barragem prevista para o depósito destes rejeitos teria uma capacidade 35,43 milhões de metros cúbicos ao final da operação, que segundo os planos da empresa seria localizada às margens do Rio Xingu.

O empreendimento da Belo Sun além da utilização da energia produzida em Belo Monte, também pretendia captar a água do Rio Xingu nas etapas de extração do ouro. No entanto, a propos-

ta de uso da água do rio foi vetada pelo Governo do Estado do Pará. Sem a possibilidade de uso da água do rio, a Belo Sun prevê a construção de dois poços tubulares para garantir o abastecimento da mina. Para contribuir na demanda por água, a mineradora também incluiu no projeto a construção de dois lagos de contenção para captação da água da chuva.

Há outras situações similares. Em Ourilândia do Norte, as operações de extração de níquel promovidas pela mineradora Vale, provocaram a contaminação do Rio Cateté. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) denunciou que a instalação da nova planta de extração e beneficiamento do minério está poluindo grotas e igarapés, assoreando rios e contaminando-os com resíduos de rejeitos.

As atividades da mineradora foram embargadas, entretanto, a Vale foi autorizada a retomar suas atividades pelo desembarcador do Tribunal Regional da 1ª Região, afinal ‘o dinheiro e o progresso não podem esperar’.

A Lei brasileira nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997 instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, tendo entre os seus fundamentos a água como um bem de domínio público, um recurso limitado e dotado de valor econômico, estabeleceu um Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos descentralizado. Há outras deliberações que não são observadas pela Administração Pública ou pelas mineradoras. São quase como letras mortas, ou para ser mais precisa, água morta, lodosa, sem vida. ■

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Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH)

O QUE ESPERAR DAS ELEIÇÕES? FOTO: ISMA

ADO EL MACH

RITA SOARES Jornalista, mestre em Ciência Política

O PROTAGONISMO FEMININO E AS ELEIÇÕES DE 2022 ANGELINA ANJOS Assistente social e conselheira do SDDH

O

ano de 2022 marca noventa anos do voto feminino no Brasil. Até 1930, o poder público era legalmente exercido apenas por homens e as mulheres não podiam exercer o direito de votar e serem votadas. Documentos históricos guardados no arquivo do Senado, em Brasília, comprovam que os homens postergaram por quarenta anos a participação das mulheres na política.

Em 1930, o Brasil assistiu a (mais) um golpe de Estado que derrubou o presidente Washington Luís e fechou o senado e a câmara, abatendo todos os projetos de lei que estavam em análise. O debate do voto feminino já estava consolidado. Mesmo com o Parlamento fechado, o presidente Getúlio Vargas assinou o decreto do código eleitoral de 1932, que modernizou e liberou o voto das mulheres.

De lá para cá, só crescemos. Dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) revelam que, seguindo a tendência de eleições anteriores, as mulheres são a maioria das pessoas aptas a votar nas Eleições de 2022.

O número de eleitoras representa 53% do eleitorado, enquanto o de homens equivale a 47%.

O número de eleitoras também é maioria no exterior.

Das 697.078 pessoas que moram fora do país e se habilitaram para votar para o cargo de presidente da República, 408.055 (59%) são mulheres e 289.023 (41%) são homens.

Esses números correspondem, respectivamente, a 0,26% do eleitorado feminino e a 0,18% do masculino do país.

Apesar de comporem a maior parte da população brasileira, as mulheres continuam sub-representadas nos espaços políticos e de poder. Nas eleições gerais de 2018, apenas seis das 81 vagas do Senado Federal foram conquistadas por mulheres.

Na Câmara dos Deputados, o cenário é semelhante.

Dos 513 eleitos, somente 77 eram do sexo feminino. Em

2018, apenas uma governadora foi eleita: Maria de Fátima Bezerra, no Rio Grande do Norte (RN).

As mulheres do século XXI ainda enfrentam os obstáculos para efetivarem sua participação política, muitas não têm tempo disponível para fazer uma campanha política porque precisam cuidar da família e dos filhos.

Outro problema são as candidaturas laranjas, candidaturas de fachada, geralmente usadas para desviar dinheiro do Fundo Eleitoral.

Isso significa dizer que um candidato participa das eleições, sem a verdadeira intenção ou possibilidade de se eleger, mas para servir a outros interesses, como, por exemplo, agir em um esquema criminoso a fim de beneficiar outros partidos e candidatos.

Vivemos uma realidade melhor se compararmos com a realidade enfrentada por nossas avós e bisavós, mas o cotidiano é duro para muitas mulheres pelo simples fato de serem mulheres. O assassinato de Marielle Franco em 2018 ou os constantes ataques e ameaças à Manuela D’ávila mostram isso. Manuela desistiu de concorrer a um cargo eletivo esse ano por receio à segurança de sua família. São dois exemplos, mas não são casos isolados.

Representatividade é importante, mas não basta que tenhamos apenas mulheres no parlamento. Precisamos eleger cidadãs que estejam comprometidas com o avanço das causas feministas. Mulheres que consigam tratar questões que nos afligem e consolidar políticas públicas que garantam e ampliem os espaços de poder.

O que existe de fundamental nesta eleição, que vem após a pandemia da covid-19, período que mulheres de todo o país foram as principais vítimas de violências, é a construção de poder feminista, capaz de consolidar espaços de decisões, protagonismo e poder exercido por mulheres. Eleger mulheres é garantir o equilíbrio e o respeito à democracia. Afinal, é bom não esquecer que foram as mulheres a principal resistência ao governo que aí está, indo para as ruas e gritando ‘ele não’. Se há mudança a vir na sociedade brasileira, ela obrigatoriamente passa por mãos femininas. ■

Muito tem se falado sobre a importância das eleições de outubro deste ano, apontadas como uma das mais cruciais do período pós-redemocratização do País. Longe de ser mais um lugar comum, já que todas as disputas eleitorais carregam consigo marcos históricos, a afirmação é reforçada pelo cenário atual, onde mais que dois projetos de governo estão em disputa dois projetos civilizatórios.

O atual presidente Jair Messias Bolsonaro chegou ao palácio do Planalto empurrado pelo discurso antipolítica e antissistema. A despeito dos 28 anos de vida pública, apresentava-se como o novo, um outsider que chegaria ao poder contra tudo e contra todos.

Prometia um governo, em suas próprias palavras, “contra o politicamente correto” “a favor das maiorias”, deixando claro que não abriria espaço para o diálogo com setores tradicionalmente marginalizados da sociedade brasileira (negros, mulheres, indígenas, gays, trans).

Incorporando os anseios de parte da sociedade brasileira conservadora, escravista e ressentida com a chamada “nova classe média”, Bolsonaro surfou também na ‘onda anti-PT’, além de acenar para o mercado financeiro com uma política privatista, de redução do Estado e de corte severo dos gastos públicos.

Não se pode acusar Bolsonaro de estelionato eleitoral. Afinal, parte das promessas de campanha foi cumprida com afinco. A exceção ficou por conta do discurso contra o que chamava de velha política. Afinal, o que pode ser mais velha política que se render ao Centrão, o bloco fisiologista do Congresso capitaneado pelo PP? Mas em outras áreas não decepcionou seus seguidores mais fiéis. Nos três primeiros anos de mandato cortou gastos dos investimentos em políticas públicas para mulheres, barrou a demarcação de terras indígenas e fez do Instituto Palmares uma trincheira antimovimento negro.

Pode ser doloroso admitir, mas nada disso foi decisivo para o desgaste da imagem presidencial conforme mostram as pesquisas eleitorais que lhe atribuem rejeição na casa dos 55%.

Nem mesmo o desdém com que o presidente tratou familiares e vítimas da covid-19 durante a maior crise sanitária do século parece ter sido a gota d’água para esses números.

O fato preponderante foi mesmo a implacável crise econômica que se abateu sobre o País levando o Brasil de volta ao mapa da fome com 61 milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar, ou seja, 61 milhões de pessoas que acordam sem saber se conseguirão fazer ao menos uma refeição no dia. O dado é das Organizações das Nações Unidas.

Desemprego, fome e incertezas quanto ao futuro parecem ser, até o momento, o principal legado dos anos Bolsonaro, um cenário capaz de assustar até mesmo o deus mercado, sempre sedento por políticas de redução de gastos públicos com os mais pobres, mas ao mesmo tempo dependente do Estado sempre que a economia foge ao controle de sua grande mão invisível.

E assim, chegamos às vésperas das eleições: um governo desgastado com o candidato à reeleição jogando para o alto a cartilha neoliberal do teto de gastos públicos na busca desesperada por votos; economia patinando e com o empoderamento, cada dia maior, dos discursos de ódio, àquele que, segundo o presidente se opõe ao que, pejorativamente, chama de “politicamente correto”.

Então diante desse cenário, o que esperar das eleições de outubro? As pesquisas de intenção de voto mostram favoritismo do candidato do PT, Luiz Inácio da Silva, um nome que, neste momento, se tornou uma amálgama dos anseios de uma ampla parcela da população que teme, não só pelos rumos do governo, mas do próprio regime democrático brasileiro. Nas redes sociais, há um clima de quase euforia, com contagem regressiva para o dia da eleição e o consequente fim da era Bolsonaro.

Não podemos nos deixar levar pelo pessimismo, mas mesmo que tudo dê certo, o caminho será dos mais árduos. O próximo presidente receberá um País com economia esfacelada, enorme demanda reprimida dos movimentos sociais e com o bolsonarismo ainda latente em setores mais conservadores da sociedade.

Será necessário, portanto, paciência. Muito do que se desconstruiu exigirá tempo para voltar ao ponto de partida. Mais uma vez, a jovem democracia precisa mostrar que maturidade para não sucumbir.

Que ela resista. ■

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COMITÊS POPULARES: A PARTICIPAÇÃO DO POVO PARA MUDAR O BRASIL ELDENILSON MONTEIRO MST / Comitê Popular

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ELEIÇÕES 2022 TRAZEM MUDANÇAS PARA A AMAZÔNIA? GUILHERME CARVALHO Doutor em Planejamento do Desenvolvimento Socioambiental pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (NAEA/UFPA)

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oncentração da terra, destruição ambiental, desigualdade e racismo. Esta é, em síntese, a base sob a qual está assentada a sociedade brasileira.

Isto sem falar no patriarcado, que é um dos elementos estruturantes do próprio capitalismo.

Historicamente, a Amazônia tem sido relegada a uma espécie de periferia da periferia onde predação, exclusão e violência marcam as formas como os sucessivos blocos de poder hegemônico compreendem e atuam na região.

Mesmo reconhecendo a ocorrência de significativos avanços nas áreas econômica e social durante os governos Lula da Silva e Dilma Roussef, é forçoso admitir que a Amazônia não usufruiu dessas conquistas tais quais as outras regiões do país. Nossos Indicadores de Desenvolvimento Humano são péssimos.

A qualidade de vida numa região metropolitana como a de Belém está muito aquém do que se encontra no restante do país. Algumas ações governamentais não levaram em consideração as especificidades da nossa região. Exemplos não faltam: qual a política de transporte público fluvial foi efetivada?

Por que mesmo com vultosos recursos no antigo Ministério das Cidades os municípios amazônicos tiveram enormes dificuldades para acessá-los? Por que o arranjo institucional envolvendo governos federal, estadual e municipais, academia, movimentos sociais e outros atores sociais para definir diretrizes, estabelecer pactos, gerir e monitorar a instalação de grandes empreendimentos públicos e privados na Amazônia

foi abandonado? O que dizer do definhamento das ações para demarcação de terras indígenas, dos territórios de comunidades tradicionais e de novas áreas de conservação ambiental?

Esse quadro só piorou após o golpe de 2016.

As ações do governo Bolsonaro caminham em direção à destruição da própria ideia de nação independente e à institucionalização do crime organizado no aparelho do Estado. Daí o porquê do afrouxamento dos mecanismos de controle e fiscalização, da agenda armamentista, do incentivo à destruição da floresta e à grilagem de terras, do desmantelamento das políticas sociais e dos ataques à Constituição de 1988, da afirmação dos inimigos internos que precisam ser extirpados, bem como da privatização completa do Estado a fim de torná-lo patrimônio privado de algumas famílias e de poderosos conglomerados econômicos nacionais e estrangeiros. Nesse contexto, a Amazônia é apenas o jardim do quintal, como já nos dizia Raul Seixas.

Somente num outro contexto, democrático e de funcionamento pleno e transparente das instituições, será possível reverter a situação em que nossa região se encontra.

Um possível governo Lula da Silva deverá ter como tarefas principais a reconstrução do Estado brasileiro, o combate à fome, a execução de políticas estruturantes de inclusão social, a reestruturação radical do aparelho policial e das forças armadas numa perspectiva democrática e de controle social, a democratização da comunicação e do acesso a terra, além do combate incessante a todas as formas de violência, em especial contra mulheres, populações negras e moradores das periferias. No caso da Amazônia, se o governo Lula da Silva romper com a perspectiva desenvolvimentista implementada durante a ditadura militar, e abarcada em grande medida durante os mandatos petistas, já será um enorme avanço. E se ainda tivermos forte representação de mulheres, quilombolas, indígenas, negras e negros no parlamento o quadro se mostrará mais promissor. ■

ovimentos e organizações populares buscam criar e consolidar instrumentos para fortalecer o debate sobre um projeto de país a partir das eleições de 2022. Organizados a partir de diferentes territórios e também ativamente nas redes sociais, os comitês populares foram lançados recentemente e já são mais de 2.500 em todo o Brasil.

São espaços amplos onde pessoas de movimentos populares, igrejas, escolas, pessoas filiadas ou não aos partidos políticos se reúnem para debater um novo jeito de fazer a política no país. E também para valorizar o trabalho local e de base, estimular novas formas de participação política e criar uma rede de combate às mentiras e notícias falsas.

De acordo com João Pedro Stédile, da coordenação da Campanha, os comitês populares são importantes formas das pessoas participarem da vida política. "Elas podem se reunir em locais próximos entre vizinhos do bairro, colegas de trabalho e de escola para debater o futuro do país. É também uma forma autônoma para desenvolver de forma criativa, sobretudo por meio da cultura, as mais diferentes formas de debate de ideias e de conversas com todo o povo brasileiro", explica o dirigente.

Segundo Jorge Neri, da coordenação da campanha no estado do Pará, a construção dos comitês populares é um esforço concentrado de criatividade e a unidade entre todas as forças sociais, populares e partidárias, para criar outras formas organizativas, que vão envolver a militância e o povo, principalmente os excluídos e da periferia.

“São a busca de retomar experiências exitosas na sociedade brasileira e latino-americana, de construir células, núcleos de participação popular nos territórios (urbano e rural) e nos setores da sociedade, nas universidades, fábricas, entre profissionais liberais, nas comunidades de periferia, que além do fazer do dia a dia de uma sociedade marcada pelas contradições de classe e suas mazelas, luta por moradia, educação, trabalho, renda, terra, transformam-se em um organismo de uma estratégia política de construção de soberania e poder popular” destaca Neri.

A Campanha conta com atendimento no WhatsApp na região de Belém o número é +55 91 98420-8089 e também uma cartilha com dicas de como começar o trabalho.

Os Comitês Populares podem ser criados por todas as pessoas que estejam dispostas a participar desse processo. Todos, todas e todes de qualquer idade, gênero, orientação sexual, raça, filiação partidária, opção religiosa, etc.

Vamos juntos pelo Brasil, criar Comitês Populares de Luta, construir esperança e contribuir para melhorar a vida do povo brasileiro. ■

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FOTOS: CRISTIVAN ALVES

SAIR ÀS RUAS CONTRA OS DESPEJOS E POR MORADIA DIGNA DIREÇÃO NACIONAL DO MNLM

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CAPACITANDO A DEFESA EM DIREITOS HUMANOS Juristas populares recebem formação da Escola Popular de Formação Jurídica “Dorothy Stang” COMISSÃO ORGANIZADORA Escola Popular de Formação Jurídica “Dorothy Stang”

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SDDH (Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos) e o IEDS (Instituto de Estudos em Direito e Sociedade da Unifesspa) construíram parcerias junto a organizações sociais e Ongs, para promoção de formação, pesquisa, capacitação e extensão, de juristas populares, visando, além da interação entre academia e sociedade civil, capacitar defensores (as) de Direitos Humanos.

Deste modo, a Escola Popular de Formação Jurídica “Dorothy Stang”, é um projeto de extensão para a formação continuada de advogados, estudantes de direito e agentes do sistema de justiça que desenvolvem atividades junto a comunidades, organizações, movimentos sociais e outros espaços de atuação popular.

As entidades promotoras articularam um curso para melhor aprofundar nas temáticas de direitos humanos, visando capacitar defensores e defensoras de Direitos Humanos, para melhor instrumentalização de mecanismos e estratégias jurídicas de defesa dos Direitos Humanos, direitos socioambientais, da defesa da justiça dos mais vulneráveis na Amazônia paraense.

Para alcance dos objetivos propostos foi adotada como metodologia a realização de encontros mensais de formação continuada, com carga horária de 16 horas, cada módulo, totalizando ao final 80 horas de módulos temáticos, mais 20 horas de seminário de fechamento, num total de 100 horas, com direito a certificação de formação continuada. Ao final, foi planejado um seminário que aborde os eixos formativos desenvolvidos ao longo do projeto. Todo processo formativo será desenvolvido a partir de metodologias participativas integrando e problematizando questões ligadas aos direitos humanos e a formação jurídica. Foi adotado o sistema modular de ensino com alguns módulos na modalidade remota e outros na modalidade presencial.

As temáticas propostas e já em desenvolvimento são ‘Direito agrário e a realidade fundiária do Pará’, ‘Povos tradicionais e proteção aos

seus territórios (indígenas, quilombolas e ribeirinhos) ’, ‘Direito Ambiental’, ‘Direito Antidiscriminatório e ‘Grupos Vulnerabilizados’ e para terminar, ‘Sistema Internacional de Proteção de Direitos’.

O projeto estabeleceu como objetivo geral promover a formação jurídica continuada de advogados e advogadas agentes do sistema de justiça para atuação com grupos populares e organizações da sociedade civil. Como objetivos específicos de outra: disponibilizar metodologias participativas de modo a contribuir para atitudes e práticas em direitos humanos; promover a relação e integração da SDDH com a faculdade de Direito por meio do tripé: ensino, pesquisa e extensão; desenvolver módulos formativos no ambiente da ciência jurídica; possibilitar aos alunos da graduação em Direito, inseridos no projeto, a familiaridade, a reflexão e a prática em direitos humanos em espaços educativos formais e não formais; produzir inovação metodológica no âmbito da formação em Direitos Humanos na formação popular de advogados e agentes de sistema de justiça; promover seminários e mostras de trabalhos produzidos durante o curso de formação; escrever relatórios dos processos de formação continuada e produzir subsídios para a formulação de ação e formação de agentes do sistema de direitos e advogados populares.

O projeto visa possibilitar capacitação para cerca de 50 juristas populares, e foi orçado em R$ 87.100,00 (oitenta e sete mil e cem reais) cujos aportes foram provenientes do Instituto Clima e Sociedade – ICS. Já foram ministrados dois módulos do curso, um de forma remota, através do Google Meet e outro presencial, na cidade de Marabá, contando com a participação presencial de mais de 50 participantes. O terceiro módulo do curso ocorrerá de forma remoto. A previsão do término do projeto, será em agosto de 2022, com um Seminário de encerramento que será realizado em Belém. ■

Brasil vive uma das maiores crises econômica, política e social de toda a sua história.

São mais de 12 milhões de pessoas desempregadas; uma inflação na casa de 11,7%, inexistência de reposição salarial e desvalorização do salário mínimo; o retorno do Brasil ao Mapa da Fome com 33,1 milhões de pessoas passando fome; o menor percentual de participação da indústria no Produto Interno Bruto (PIB); privatizações à torto e à direito; fim dos investimentos públicos na saúde, educação, assistência social, infraestrutura e habitação; saque dos territórios indígenas, quilombolas, sem-terra e sem-teto; crescimento da repressão contra ativistas e militantes de organizações populares, censura, etc.

Toda essa situação drástica é fruto da política econômica neoliberal que os banqueiros impuseram ao país, quando derrubaram com um golpe de Estado a presidenta Dilma Rousseff (PT-RS).

Isso tem levado a um processo de acirramento das lutas de classes, polarizando a situação política, entre a classe operária e o campesinato de um lado, e a burguesia nacional e o imperialismo de outro, em um confronto cada vez mais aberto e intenso.

Tendo em vista esse processo, convocamos as organizações populares e ativistas de esquerda, a saírem às ruas de maneira permanente, para não dar brechas táticas e estratégicas, que possam aprofundar nossas sucessivas derrotas e agravar o regime político ditatorial que existe no país.

QUESTÃO DOS DESPEJOS

No país, durante os últimos dois anos, vivemos uma verdadeira pandemia de despejos, no campo e na cidade.

Foram 31.421 mil famílias despejadas durante este período, que configuram um número de 125.684 mil pessoas, um aumento em 393% nos casos. As famílias ameaçadas de despejo cresceram 655%, o que representa o número de 142.385 mil famílias e 569.540 mil pessoas.

São 97.391 mil crianças ameaçadas de despejo, e outras 21.492 que foram vítimas de despejos, nesses dois anos.

As mulheres ameaçadas de despejo, são 341.724 mil, e outras 75.410 mil que foram despejadas. Os idosos que estão correndo risco de despejo, são 95.113 mil, e 20.990 mil que sofreram despejos.

Esse processo levou à uma elevação no número da população em situação de rua, que hoje representa 260 mil pessoas, uma elevação na casa de 20%.

O Supremo Tribunal Federal (STF), desde março do ano passado, passou a permitir o confisco de casa de fiadores de locatários de imóveis comerciais.

Esse tipo de medida, busca claramente atingir os pequenos comerciantes de famílias pobres.

Esse procedimento, através do Congresso Nacional e do Poder Executivo, vai ser agravado por meio do PL 4.188/2021, que permite aos bancos confiscar as moradias de pessoas inadimplentes, mesmo que esse seja o único imóvel da família.

Com relação à Reforma Agrária, a Campanha Despejo Zero, comparando a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2020 com a de 2021, observou-se que houve uma redução de 99,5% nos investimentos para Reforma Agrária e Regularização Fundiária, de 82,3% na verba de Monitoramento de Conflitos Agrários e Pacificação no Campo, e de 94,6% nas Aquisições de Terras. Isso significa a completa destruição da já tímida reforma agrária no país.

A Lei nº 14.216/2021 que impedia os despejos durante a pandemia, chegou ao fim em dezembro do ano passado. Atualmente, a única medida institucional que impede os despejos, é o ADPF 828/2021 do STF, e que chega ao fim no dia 30 de junho de 2022. Caso não seja prorrogado e/ou o parlamento não aprove uma legislação que dê continuidade no impedimento dos despejos, milhares de famílias podem ser jogadas nas ruas e a crise que o país se encontra afundado, sofrer um processo de agravamento imensurável.

FIM DO ORÇAMENTO FEDERAL PARA MORADIA POPULAR

O governo fascista reduziu a nada o orçamento federal que deveria ser destinado para a construção de moradia popular para famílias do faixa 1 (que vivem com renda de zero à R$1.800,00).

Durante o ano de 2021, dos R$1,1 bilhão do orçamento da união, somente R$27 milhões foi destinada para construção de moradia do faixa 1.

O orçamento federal para moradia, entre 2009 e 2017, tinha uma média anual de investimentos na casa de R$11,3 bilhões. Isso significa que atualmente, o número investido é dez vezes menor. Uma verdadeira devastação, que custou mais de 3,5 milhões de empregos diretos na construção civil e aumentado significativamente o déficit habitacional, que se encontra em 6 milhões para o déficit quantitativo e 24,9 milhões para o déficit qualitativo.

Durante a pandemia, os preços e o juros do aluguel, dispararam, causando um ônus excessivo do aluguel gigantes, que em quase todo o país abocanha entorno de 60% do salário mínimo.

TOMAR AS RUAS PELO IMPEDIMENTO DOS DESPEJOS E POR UMA POLÍTICA HABITACIONAL EFETIVA

Mesmo com essa situação, que já era gravíssima antes da pandemia de covid-19, o governo jogou nas mãos dos banqueiros mais de R$1,3 trilhões, e para o povo destinou apenas um auxílio de miséria, que foi o auxílio emergencial, e que rapidamente foi cortado.

O atual Auxílio Brasil, tem um cunho completamente eleitoreiro, pois termina do final do ano, ou seja, só vai durar durante o período eleitoral para que o governo tente se reeleger. O valor desse auxílio, não faz nem cócegas nas necessidades do povo, tendo em vista o esfarelamento do valor da moeda nacional com a inflação em disparada constante.

O povo não aguenta mais pagar alugueis altíssimos. Com o fim da política habitacional, a única opção que tem restado, é morar nas ruas ou efetuar processos de ocupações de territórios, de prédios e residências abandonados. ■

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Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH)

MORRENASCE LUTAS DA CULTURA, LUTAS DA DEMOCRACIA

Livro resgata trajetórias de quem tombou pela Amazônia

FÁBIO FONSECA DE CASTRO Professor da UFPA

O ROGÉRIO ALMEIDA Professor da Unifessp

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arabá, sudeste do Pará. Tempo de sol.

O calor é intenso. Quase insuportável. A floresta cedeu lugar ao pasto desde idos dos anos de 1960. O Estado financiou a destruição, a concentração da terra e da renda, toda ordem de violência contra as populações locais, em particular camponeses. A opção desenvolvimentista a partir do grande capital consagrou o sul e o sudeste paraense como as mais letais do país quando o tema é a luta pela terra. Um cenário que permanece. Assim como a impunidade.

Pois na noite de 18 de julho de 2022, com um auditório lotado do Campus I da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), filhos, filhas, viúvas e amigos de dirigentes sindicais, defensores dos direitos humanos e do meio ambiente celebraram os seus mortos e o bom combate realizado por eles, com o lançamento do livro “Luta pela terra na Amazônia: mortos na luta pela terra! Vivos na luta pela terra! ”. A data escolhida lembra os 40 anos do assassinato do advogado Gabriel Pimenta, em Marabá.

Com quase 800 páginas, o livro contém 20 trabalhos assinados por quase 30 pessoas, onde constam casos de dirigentes sindicais, advogados, religiosos, chacinas e defensores do meio ambiente. O fotógrafo Sebastião Salgado cedeu fotos do Massacre de Eldorado, enquanto o procurador da República Felício Pontes assina artigo sobre a missionária Dorothy Stang, assassinada em 2005.

O livro resulta de projeto de extensão da Universidade do Oeste do Pará (UFOPA), sob coordenação dos professores Rogerio Almeida, do curso de Gestão Pública, e do professor Elias Sacramento (UFPA), curso de História na região do Baixo Tocantins, que teve o pai assassinado na região do Moju, na década de 1980, o sindicalista Virgílio.

Entre autores, revisores, diagramadores, extensionistas e outros colaboradores, o projeto que durou dois anos, aglutinou um patamar de 50 pessoas no esforço em tratar sobre os cenários da violência na luta pela terra no estado.

Vinte trabalhos divididos em seis seções dão corpo à obra: i) Camponeses, onde são realçados nove casos, entre eles, o de Raimundo Ferreira Lima (Gringo), João Canuto, Expedito Ribeiro, Virgílio Sacramento, José Dutra da Costa (Dezinho), Avelino Silva; ii) Massacres, que contempla os casos da Chacina Ubá, Chacina da fazenda Princesa e o Massacre de Eldorado; iii) Gabriel Pimenta, João Batista e Paulo Fonteles integram o bloco dedicado aos advogados que combateram o latifúndio, enquanto que no item iv) Irmã Adelaide, padre Josimo e a Romaria das Meninas compõem a seção dedicada aos religiosos; v) na parte dedicada à entrevistas dão corpo à seção os relatos do Padre Paulinho, ex-coordenador da CPT do Pará, e o recém falecido dirigente camponês do Maranhão, Manoel da Conceição; e por fim, vi) o anexo faz um resumo sobre casos de mortes e o andamento dos processos.

A Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), o MST, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Pará (Fetagri), sudeste do estado, e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) estão entre os parceiros. A impressão do livro só foi possível graças ao apoio do Serviço Franciscano de Solidariedade (Sefras) e da CAFOD, uma instituição católica ligada ao desenvolvimento Pedro Batista, jornalista radicado em Brasília, que assina um artigo sobre o irmão dele, João Batista, igualmente assassinado nos anos de 1980, prestigiou o evento, e exaltou a iniciativa e compromisso da universidade pública em alinhamento com as bandeiras populares. O jornalista também é autor de um livro sobre a trajetória de João. De maneira similar, o jornalista Ismael Machado assina um texto sobre Paulo Fonteles, assassinado em circunstâncias similares a de João Batista. Machado também escreveu um livro sobre Fonteles.

Dona Maria Joel, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais (STTR) de Rondon do Pará, viúva de Dezinho (José Dutra da Costa), chegou escoltada por dois PMs. Faz 21 anos que Dezinho foi assassinado em Rondon do Pará. Foi morto na porta de casa, quando o natal se avizinhava. O fato da viúva chegar ao local escoltado por PMs em um ato de celebração em memória dos lutadores do povo, evidencia a delicada conjuntura e a continuação do espectro da violência como um elemento que estrutura as políticas de desenvolvimento. Violência naturalizada. Ambiente que o momento do primeiro lançamento presencial do livro afronta. “Não queremos mártires. O que desejamos contar é a história dos nossos vivos. ”, refletiu dona Joel.

Dona Joel e família assumiram a bandeira de luta de Dezinho. Todos os filhos, filhas e netos prestigiaram o lançamento do livro. “Fazia tempo que a gente não via esse auditório tão cheio por gente do povo” comentou o professor Evandro Medeiros, da Faculdade de Educação do Campo, da Unifesspa. Assim como dona Joel, o professor Medeiros defende a necessidade de construirmos narrativas sobre os combatentes vivos.

Uma mística de jovens estudantes e dos movimentos comoveu a todos. Eles recitaram poemas com temáticas de luta pela terra, a começar por João Cabral de Melo Neto.

Poemas e canções precedem os 20 trabalhos contemplados do livro, que recupera parte da saga de camponeses e seus apoiadores.

O livro aglutina diferentes gerações de lutadores. Os filhos dos sindicalistas mortos, e experientes ativistas, a exemplo de Emanuel Wambergue, um leigo francês que aportou em Marabá nos de 1970 e nunca mais arredou o pé.

Mano, como é conhecido na região foi o segundo coordenador da CPT Norte. Na mesma toada educador Raimundo Gomes da Cruz Neto, conhecido como Raimundinho. Para ele a obra deve servir como um elemento animador da luta.

Além de Marabá, o livro será lançado em Belém, Xinguara, Rio Maria e Santarém, no estado do Pará, e em Imperatriz, no Maranhão, e no segundo semestre, no Rio de Janeiro, com possibilidades de ser lançado também em Brasília e São Paulo. ■

golpe parlamentar-jurídico-midiático de 2016 e a eleição antidemocrática de 2018 deflagraram, na área cultural, um processo de desmontagem de importantes conquistas dos governos de Lula e de Dilma nesse setor.

Os governos petistas haviam desenvolvido políticas públicas de cultura inovadoras, ampliando a abrangência do conceito de cultura, fortalecendo a institucionalidade cultural e estimulando a participação política dos agentes da cultura. Nesse contexto, desenvolveu políticas a ações de abrangência estruturante, como o Plano Nacional de Cultura e o Sistema Nacional de Cultura, e implementou programas de grande impacto, como o Cultura Viva, o Brasil Plural, o Revelando Brasis, o Mais Cultura nas Escolas, o Mais Cultura nas Universidades, o Brasil de Todas as Telas, o DOC-TV, dentre outros.

Em oposição a essas conquistas, os governos Temer e Bolsonaro vêm atuando, sistematicamente, na desmontagem dessas políticas. Defendendo os interesses privados sobre a dimensão coletiva da cultura, esses governos atuam com autoritarismo, autorizam violências e atentam contra liberdades, conquistas sociais e direitos.

Rubim (2011) classifica e qualifica os três elementos das políticas culturais autoritárias: ausências, autoritarismos e instabilidades. Recorrendo a essa classificação, percebemos como os três elementos se fazem presentes no Brasil pós-Golpe.

As ausências se fazem presentes, por exemplo, pela própria desmontagem do Ministério da Cultura, de outras instituições e dos programas do setor. Os autoritarismos, se tornam presentes através da perseguição contínua dos agentes culturais, notadamente dos artistas e produtoras, mas também dos que refletem sobre política cultural. As instabilidades se apresentam por meio das múltiplas ações de reversão e de desvio funcional que se verifica em instituições como a Fundação Nacional das Artes (Funarte), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB), a Biblioteca Nacional, a Agência Nacional de Cinema (Ancine), a Fundação Cultural Palmares (FCP) e o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram).

Essas estratégias, em seu conjunto, buscam descaracterizar e apagar, deliberadamente, a própria memória coletiva brasileira, sendo os incêndios do Museu Nacional e da Cinemateca Nacional exemplos maiores dessa situação.

Destruir a capacidade institucional e apagar a memória coletiva são estratégias revisionistas, que buscam impor a perspectiva histórica e a visão de mundo de setores não apenas conservadores mas, sobretudo, violentos. Em paralelo a elas, vê-se uma articulação política visando bloquear ações parlamentares de apoio ao setor cultural, como as Leis Aldir Blanc I e II e Paulo Gustavo.

Diante de um quadro devastador, em meio a tempos sombrios, a cultura, um dos setores da vida social e política mais atacados do Brasil, se torna, também, um dos campos mais importantes da luta pela reconquista de direitos, igualdade e justiça. ■

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Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH)

O CINEMA DO EVANDRO MEDEIROS Professor da Unifesspa e idealizador do Cinefront

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cinema é um potente mecanismo de produção de memória social, de fomento da memória coletiva que uma população elabora e cultua sobre si e os outros. No cinema, quem decide narrar a história de uma sociedade alimenta a memória coletiva sobre o que deve ser lembrado e o que deve ser esquecido. O cinema é um potente mecanismo político-pedagógico na disputa pela transformação ou manutenção do status quo. É pautado por esta compreensão que, em abril de 2015, nasceu no sudeste do Pará, o Festival Internacional Amazônida de Cinema de Fronteira – FIA CINEFRONT, fruto de uma parceria histórica entre a universidade e os movimentos sociais locais na realização de sessões de cineclubismo e da Semana Camponesa, integrando a programação política organizada todos os anos pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, em homenagem à memória dos 19 trabalhadores rurais assassinados no Massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996.

O festival, de caráter não competitivo, tem como principal objetivo realizar a publicização e apresentação de obras fílmicas junto a população local que ajudem a fomentar o debate, reflexão e compreensão da Amazônia como uma região marcada por intensos conflitos e contradições socioambientais diversas, decorrentes das disputas travadas entre empreendimentos capitalistas apoiados por governos e povos indígenas, camponeses, ribeirinhos, quilombolas etc, que lutam por defender seus territórios e existência social.

Por aqui, ao longo das décadas de 1960 e 1970, agentes da Ditadura Militar se utilizavam da produção cinematográfica para propagandear a região amazônica como um “imenso vazio”, uma região de fronteira que deveria ser ocupada, colonizada e integrada ao território nacional.

Neste mesmo período, se estendendo pelos anos de 1980 e 1990, também diretores de cinema passaram a visitar a região e registrar as amarguras vividas pela população migrante que aqui chegava continuamente, mobilizada pelo projeto dos militares, assim como a destruição do ambiente e modo vida dos povos que aqui já habitavam.

A violência e violação de direitos humanos promovidas com a cumplicidade dos agentes do poder público, a devastação ecológica com a abertura da rodovia Transamazônica, o represamento dos rios, implementação de pastagem para pecuária, instalação de atividades de exploração mineral e favorecimento do comércio madeireiro que geraram a dizimação da floresta que aqui existia, tudo isso, de uma forma ou de outra foi captado pelas lentes do cinema.

São trabalhos cinematográficos importantes desse período as obras de Adrian Cowell e Vicente Rios, com a série “A Década da Destruição”, produzida para a Central Television de Londres em co-produção com a Universidade Católica de Goiás, abordando o período de 1980 a 1990; os filmes de Jorge Bodanzky, “Iracema, uma transamazônica” (1981) e “Igreja dos Oprimidos” (1986); os documentários de Edna Castro, “Maria das Castanhas” (1987) e “Fronteira Carajás” (1992); e a vastidão de do-

cumentários produzidos pelo projeto Vídeo nas Aldeias, iniciado em 1987, sob direção do antropólogo franco-brasileiro Vincent Carelli.

Ao longo das suas edições, o FIA CINEFRONT veio anualmente homenageando cada um destes diretores e apresentando suas obras em diversas em cidades do Pará, Amapá, Maranhão e Tocantins, em escolas, universidades, acampamentos sem-terra, assentamentos de reforma agrária, aldeias indígenas, teatros etc, e em Lima, no Peru, numa parceria com a Pontificia Universidad Católica del Perú.

A criação do festival se deu num contexto do surgimento de uma nova safra de documentários sobre a região, produzidos por realizadores locais nos anos 2000.

Os primeiros foram “Dezinho: Vida, Sonho e Luta” (2006) e “Ubá, um Massacre Anunciado” (2006), produzidos, respectivamente, pela Comissão Pastoral da Terra – CPT e a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH e dirigidos por Evandro Medeiros, que também produziria “Araguaia, Campo Sagrado” (2010), sobre a Guerrilha do Araguaia narrada por camponeses. A partir de então se observa a emergência de uma nova geração de jovens documentaristas em Marabá, com obras expressivas, como “Minerando Conflitos” (2014), de Thiago Martins; “Aquém Margens: Juventude e Exclusão Social em Área de Mineração” (2015), de Alexandra Duarte; e “Manu” (2019), de Giovanna Vale, sobre a trajetória histórica de Emanuel Wambergue, agrônomo francês e fundador da CPT, vivendo na região desde os anos de 1970.

Em 2022, quando o FIA CINEFRONT chega a sua sétima edição, nos fortalecemos na compreensão de que, mais que a projeção de filmes seguidos de debates, o evento é a expressão de um movimento do cinema constituído na Amazônia oriental. Um movimento composto por novos e lendários cineastas, realizadores das obras aqui citadas, que constituem um tipo de cinema que pode ajudar os povos da Amazônia, violentados em seus direitos e territórios, a se perceberem e se fazerem perceber, para além de estereótipos e estigmas que sobre eles se impõem numa tentativa de subalternizá-los. É um cinema que respeita e estimula o protagonismo político e cultural destes povos incorporados como seus personagens, por meio de memórias narradas, sentidos explicitados e práticas de r-existências projetados à tela, como um anuncio de que aqui nenhum povo aceitará ser subjugado pelo capital e autoritarismo de governantes que os represente. O cinema que pode provocar os espectadores a refletirem sobre a existência desses sujeitos e as complexas e paradoxais dinâmicas sociais existentes na fronteira amazônica. O cinema que pode mobilizar a sociedade em defesa da vida na Amazônia viva.

Por aqui, os corpos, a carne e a terra carregam cicatrizes profundas que guardam a dor e memória de tantas Marias, Zé Claudios, Dorothys, Josimos, Dezinhos, Onalicios, Chicos, Brunos, Dominiques e milhares de indígenas, ribeirinhos, quilombolas e sem-a-terra anônimos, que tombaram na luta contra a inescrupulosa ganância que consome predatoriamente tudo ao seu redor - florestas, rios, animais e pessoas. Para que nunca se esqueça, para que não mais aconteça e para que as lutas sociais populares sigam fortalecidas, é fundamental o cinema realizado como movimento e instrumento de luta em meio aos campos de batalha na Amazonia.

O cinema é nossa arma! Seguimos no front! ■

GAMBIARRAS PERIFÉRICAS NAS BRECHAS DO HEGEMÔNICO LILIA MELO Professora e coordenadora do CINE CLUB TF. A professora Lília Melo está no livro “50 Docentes Que Están Transformando a América Latina”(2022) da Fundação Santillana e Varkey Fundacion.

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stigmatizado pela mídia paraense como um bairro violento, de população predominantemente marginal, com a ausência de ações afirmativas eficazes para a diminuição da desigualdade, o bairro da Terra Firme sofre com a onda de extermínio de jovens pretos de periferia. Entretanto, em meio a constantes problemas, há uma ativa e intensa produção cultural de grupos artísticos no bairro conectados a outras periferias de Belém do Pará.

A conexão entre juventudes ativas vem na contramão do sentimento de perda e da experiência desse território com a morte, ressignificando o luto através da produção artística cultural de jovens, crianças e adultos que constroem uma comunidade que valoriza a identidade afro, indígena e ribeirinha dos territórios amazônicos.

A exemplo, cito o projeto Cine Club TF, inaugurado em abril de 2018 após uma campanha que levou mais de 400 jovens pretos periféricos do bairro da Terra Firme para assistir ao filme Pantera Negra. A recepção desse filme teve uma repercussão muito grande na mídia paraense, despertando o interesse de diferentes instituições de ensino (estaduais e federais) em ouvir a experiência vivida por esses jovens.

O ciclo de palestras, rodas de bate-papo e apresentações artísticas nessas instituições possibilitou a construção de um acervo de vídeos e fotografias que resultou em um documentário intitulado "É nós por nós" vencedor do Prêmio Osga na Escola em dezembro de 2018.

Hoje, o Cine Club TF é uma proposta de intervenção com produções audiovisuais de jovens periféricos/ as, que funciona como uma ferramenta de diálogo entre as produções artísticas (dança, poesia preta, grafite, música, etc.) desses jovens, construindo um espaço de formação estética da arte cinematográfica que atua em plataformas virtuais e itinerante não somente em sua comunidade, mas em outras e periferias da região metropolitana de Belém. ■