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Viagem no tempo
Quase 80% da população portuguesa reside no litoral e o interior de Portugal está a viver um sério problema de abandono, com consequências ainda não completamente conhecidas, mas já observáveis por qualquer um de nós. O Passeio de Motorizadas Clássicas, integrado na 27ª Feira Mostra em Mação é uma forma de tentar contraiar a dura realidade.
Assim, tudo aquilo que puder ser feito, ao nível das motos, para promover e dinamizar um Portugal menos conhecido e valorizado, mais que uma exigência, deve ser visto como um contributo para estimular as pessoas a olhar para um país profundamente assimétrico. Aliás, diz-se, por brincadeira, que o litoral se está a afundar com tanta gente, à mesma velocidade com que se abandona o Interior.
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Além disso, os ciclomotores e motociclos têm nestas aldeias e vilas um carinho muito especial por diferentes gerações. Afinal de contas, durante décadas, eram (e, em muitos casos ainda são) o único meio de locomoção da família, sendo que os transportes públicos, quando existem, são manifestamente insuficientes ou desadequados.
ONDE FICA MAÇÃO?
Entre os dias 29 de junho e 3 de julho a Vila de Mação, cujo nome é geralmente associado aos trágicos incêndios florestais que assolam a região, realizou com a liderança da respetiva autarquia e apoio de diversas entidades - nomeadamente as associações do concelho -, a 27ª Fei- ra Mostra de Atividades Económicas, Desportivas e Gastronómicas.


Durante esses dias o concelho mostra um pouco do melhor que tem para oferecer: pode ser ao nível gastronómico (Mação é conhecido pelos seus enchidos, pelo presunto, pelo peixe do rio ou pela lampreia), cultural, atividades desportivas ou outras atividades como o jogo da malha ou um encontro de “Cães de Parar”.
No meio de tanta diversidade, faz sentido a realização de um passeio de ciclomotores (vulgo motorizadas) e de motos, mais ou menos clássicas. Não importa a cilindrada ou a potência, o que importa de verdade é participar nesta atividade que, de certa forma, reúne num só evento muito do que foi mencionado no parágrafo anterior.

Como se não bastasse, Mação é quase um “museu a céu aberto” com imensos achados arqueológicos da época romana, da idade do bronze e do ferro, de vários castros ou mesmo arte rupestre, em especial junto à Ribeira da Ocreza, além de resquícios da busca de ouro...
Tudo somado, existiam ingredientes mais que suficientes para fazer parte da festa, integrando-me no IX Passeio de Motos e Motorizadas Antigas (ou não) do Concelho de Mação, sob direção do Centro Social Cultural e Desportivo dos Envendos, uma das muitas associações do concelho, que assumiu a realização de mais esta atividade.
Descri O Do Passeio
Sou daqueles que defende que andar de moto é sempre um prazer e até uma desculpa para sermos um nadinha mais felizes! Se a moto é grande ou pequena, rápida ou lenta, neste tipo de atividades é mais ou menos irrelevante até porque o líder do passeio (que, por regra, vai sempre à frente) ia montado num vetusto e lindíssimo tricarro (também conhecido simplesmente como triciclo).
Assumo que não dei a devida atenção ao veículo, mas presumo que era um dos tricarros montados pela Empresa Ernesto A. Silva (Lisboa) e que vinham com motores Casal ou Zundapp. Está pintado de um azul bem espampanante e eram geralmente utilizados para a venda de gelados ou castanhas.
O ponto de partida e de chegada foi o Largo da Feira, verdadeiro centro nevrálgico para os quase 100 participantes mostrarem as suas máquinas (várias com passageiro/a) e o próprio Presidente da Autarquia, Vasco Estrela, ainda que não tomando parte ativa no mesmo, veio desejar-nos um bom passeio.
Como forma de mitigar eventuais percalços, a fechar a alegre e ruidosa caravana motociclística, vinha uma carrinha com mantimentos e, muito importante, um atrelado para servir de veículo de apoio e de transporte para algum veículo que dele necessitasse. Felizmente não chegou a ser necessário e a avaria mecânica mais “grave”, que me tenha apercebido, foi apenas a quebra de um cabo de acelerador, prontamente trocado no local.


Da minha parte fui montado na fiel e cobiçada Yamaha DT 125R (vulgo DTR) que já foi apresentada no nosso site na crónica n.º 10 dos ciclomotores e motociclos que marcaram uma ou mais gerações. Uma vez mais a simpática 125 recebeu elogios de alguns participantes pelo excelente estado de conservação e, para variar, fui novamente inquirido se não estava a pensar em vender!


A caravana, em que predominam obviamente as 50 cc, é muitíssimo heterogénea e nela coexistem exemplares magnificamente recuperados com outros completamente originais, com marcas de ferrugem, falhas na pintura, selins em mau estado… já para não falar naquelas que estão bastante alteradas, seja em termos de estética ou de mecânica e “kitadas até aos dentes”!
Quem tiver acompanhado as crónicas dos ciclomotores e motociclos que marcaram as décadas de 70, 80 e 90, vai encontrar nesta reportagem vários dos modelos/marcas ali analisados, sejam Famel, Macal, Casal, SiS Sachs, Yamaha… o que reforça que continuam a ser muito representativos da realidade nacional e em crescente apreciação, apesar da cada vez maior escassez de peças e algum inflacionamento dos preços.


Ltima Etapa Do Passeio
A derradeira paragem realizou-se na Praia Fluvial de Ortiga, local verdadeiramente idílico. Fica na junção da foz da Ribeira D’Eiras com a albufeira da Barragem de Belver, situada a sul do concelho e é uma tentação para os veraneantes, oferecendo-lhes excelentes condições e infraestruturas, como praia de areia, restauração, parque de merendas, balneários e parque de campismo.
Escusado será dizer que acabámos por “perturbar” um pouco a quietude de quem aproveitava o dia solarengo, mas não foi por muito tempo e após a indicação do líder do grupo foi dada ordem de regresso a Mação, onde o almoço esperava por nós.
Aguardava-nos um repasto à base de arroz de feijão e porco no espeto! Um belo petisco para terminar uma manhã muito bem passada em jovial companheirismo e com as motos em pano de fundo.
A ter que fazer uma crítica, construtiva, tenho que destacar pela negativa a não utilização de equipamento de proteção minimamente adequado. Grande parte dos participantes limitava-se a usar o obrigatório capacete. Nem ao menos umas singelas luvas! Já nem menciono outro equipamento técnico como blusão, calças ou calçado minimamente apropriado.
Mesmo em pequenos passeios como este, o risco de acidente é real e o equipamento não serve apenas para nos proteger nessas circunstâncias. Também representa um conforto adicional, bem como uma proteção para o clima adverso, neste caso personificado pelo muito calor e o elevado risco de queimaduras solares.
De qualquer modo, o mais importante é que o contentamento era geral, tal como os sorrisos dos participantes. Afinal de contas, as motos, independentemente das suas caraterísticas, têm a capacidade de nos fazer sentir bem, mais livres e contentes! Como tinha um participante escrito na tradicional “caixa da marmita”, colocada no “porta-couves” da sua 50 cc: Não importa a cilindrada! O que interessa é o espírito!