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III. Escuta
Reconhecer a escuta como aprendizado metodológico significa assumir a postura de estar disposto a ouvir. E “estar disposto” implica que essa escuta seja sensível, ativa, qualificada. Sensível, pois deve reconhecer e valorizar o que é dito pelo outro como conhecimento válido, buscando acolher e compreender suas opiniões. Ativa, pois entende que escutar não significa esperar a sua vez de falar, e sim, reagir e se afetar ao que está sendo dito. E qualificada, pois considera o momento de troca enquanto uma partilha de saberes, e produção coletiva de conhecimento a partir do diálogo. Todas essas considerações não são relevantes apenas em experiências comunitárias, mas sim, falam sobre uma conduta que poderia orientar as relações sociais.
Nesse sentido, a construção de práticas de escuta, apoiadas em uma perspectiva dialógica e na valorização dos diferentes conhecimentos e modos de vida próprios dos lugares, pode complexificar as formas de entender e atuar nos espaços construídos. Spivak (2010), buscando tensionar as práticas opressoras de interlocução com os sujeitos, sugere que, ao invés de falar pelo (ou sobre o) indivíduo, sejam construídas possibilidades nas quais os mesmos possam ser escutados. Criar condições de fala é uma carência em diversos espaços de decisão pública sobre processos urbanos. Como exemplo, pode-se citar as dinâmicas das audiência públicas, em que movimentos sociais, grupos organizados da sociedade civil, entre outros agentes, possuem pouquíssimo tempo de expor suas opiniões e reivindicações, muitas vezes sem contar com direito à réplica.
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O reconhecimento da importância da escuta, em todas as experiências que apresentei neste trabalho, me conduziram, e ao TRAMA, a propor um podcast como primeiro projeto “autoral”, essencialmente um instrumento que tem o “ouvir” como ação primordial. O entendimento de que mulheres negras estão no
centro nas redes de cuidado, solidariedade e resistência nos levam ao recorte do Elas Fazem Cidade. Além de criar condições de fala, na construção de um espaço sensível durante as gravações das entrevistas, a criação de condições de escuta, para nós, foi concretizada pela divulgação e repercussão das vozes e dos saberes das entrevistadas por meio da publicização do podcast.
Gravação do podcast Elas Fazem Cidade com Suzany Varela e Irmã Jacira Acervo da autora, 2022
Partindo da premissa de que os acúmulos dos projetos anteriores nos levam a criar o Elas Fazem Cidade, como produção mais recente, busco agora seguir tecendo reflexões para pensar como as experiências se enriquecem, partilham ferramentas, criticidades e “modos de fazer” entre si.