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Comunicação nas lutas pelo direito à cidade

II. TFG multilinguagem: Comunicação nas lutas urbanas pelo direito à cidade1

Vive-se hoje um caos informacional. Uma profusão gigante de informações em todos os canais, mídias e veículos, muitas delas sem qualidade, nos confundem a todo tempo. A velocidade fugaz da internet permite um acesso

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1 Parte dos conteúdos discutidos nesse tópico foram abordado no âmbito do Evento preparatório para Conferência Popular das Cidades, ocorrido em 5 de Maio de 2022, reunindo diversas lideranças comunitárias, pesquisadores, parceiros e coletivos acerca do tema “Perspectivas da luta pela permanência negra e popular no Centro Antigo de Salvador”. Nesse evento, o TRAMA, representado por mim e pelo arquiteto e urbanista Matheus Tanajura, foi convidado a compor a mesa de debate, realizando uma fala sobre “Ações colaborativas em comunicação nas lutas urbanas pelo direito à cidade”, que buscou refletir a respeito de novos ativismos e práticas comunicativas como centrais no enfrentamento às desigualdades em Salvador. A confluência desse evento com a elaboração do presente trabalho representou um momento de trocas ricas e ampliação de discussões que já vinham sido tecidas no processo de pesquisa e escrita do TFG.

mais ágil a notícias e opiniões, mas também faz com que fatos complexos sejam resumidos em 140 caracteres do Twitter, e fakenews possam ser repercutidas em questão de segundos. Ao mesmo tempo, diante desse excesso, vemos uma falta de transparência de informações, muitas vezes fragmentadas e ocultas, sobretudo aquelas de interesses públicos. Os portais da transparência, contraditoriamente, não são tão transparentes e acessíveis assim. Como, então, acessar informações de maneira segura e eficiente?

O termo multilinguagem vem sendo usado pelo TRAMA para expressar a busca por um modo processual e coletivo de produção de conhecimento e ação, pelo uso da arte como uma forma de ativismo, e pela luta pelo acesso democrático à informação. Através do cruzamentos entre diferentes formas de expressão, uma série de linguagens possíveis é explorada: fotografia, vídeo, gifs, colagens, podcasts, graffitis, textos e poesias, constituem um repertório de instrumentos de comunicação que vem sendo articulados às lutas urbanas, especialmente nas disputas de narrativa da cidade (SILVA et al., 2022). A heterogeneidade de meios, suportes e formas comunicacionais intrínsecos às multilinguagens também nos informam sobre uma heterogeneidade de linguagens sociais. Nas atuações coletivas em que o TRAMA está envolvido, observamos um diálogo de conteúdos e estéticas que vêm de uma cultura universitária, do meio técnico e de uma atmosfera artística mais formalizada, ao mesmo em que também coexistem linguagens coloquiais, gírias e formas de expressão populares, advindas não apenas do contato com movimentos sociais parceiros, mas também das vivências de/algumas/alguns da/os integrantes do coletivo oriunda/os de bairros populares de Salvador.

No entanto, a ideia de “multilinguagem”, enquanto conceito, não é inédita nem inovadora; em realidade, parte da tentativa de potenciar as estratégias de comunicação que diversos territórios já articulam cotidianamente em suas dinâmicas.

Nesse sentido, uma série de iniciativas multilinguagens vêm sendo exploradas em Salvador, em diversos territórios da cidade. Encontros de rap e poesia como o Slam das Mina2 e Sarau da Onça3 promovem encontros culturais e políticos visando a democratização do acesso à poesia e a desestigmatização de bairros periféricos através da arte; coletivos de graffiti como o grupo Musas 4e o projeto Ancestralidade e Novas Narrativas5 usam da pintura para promover debates, conscientização política e mobilização comunitária, grupos de skate como o coletivo de mulheres Dendê Crew6 e o projeto multimídia SSALITRE 7ocupam e se apropriam de espaço público gerando novos locais de convivência e narrativas sobre a cidade; rádios comunitárias em diversos bairros populares e negros (Paripe, São João do Cabrito, Vale das Pedrinhas, Pernambués, Boca do Rio, Cajazeiras) indicam usos e mobilizações dos meios de comunicação pelas comunidades8, divulgando a cultura, noticiando os acontecimentos e promovendo

2 Para conhecer mais sobre o projeto, acessar: https://linktr.ee/slamdasminasba

3 Para conhecer mais sobre o projeto, acessar: https://www.instagram.com/saraudaonca/?hl=pt

4 Para conhecer mais sobre o projeto, acessar: https://www.instagram.com/ilovemusas/

5 Para conhecer mais sobre o projeto, acessar: https://www.ancestralidadesnovasnarrativas.com/pagina-inicial

6 Para conhece mais sobre o projeto, acessar: https://www.instagram.com/dendecrew/

7 Para conhecer mais sobre o projeto, acessar: https://www.instagram.com/ssalitre_/

8 Leia mais sobre em: “A atuação das rádios comunitárias em bairros populares de Salvador-BA: notas para uma abaordagem geográfica”; GEOGRAFIA, Rio Claro, v. 34, n. 2, 2. A construção do TFG | 65

atividades educacionais; podcasts como o Afrontravas9 e Pele preta Salvador10; e projetos de comunicação como a Revista Aglomeradores11, a Biblioteca Zeferina Beiru 12contribuem para a criação de acervos afrorreferenciados com narrativas literárias representativas para a formação sociocultural dos territórios.

A convivência com esses e tantos outros projetos e movimentos orienta e inspira caminhos de atuação do TRAMA. Um estudo que conflui com o tema abordado e que se debruça sobre um mapeamento de iniciativas é a tese de doutorado de Bruna Hercog, denominada “Rumo às epistemologias das quebradas: iniciativas juvenis em arte e comunicação em Salvador (Bahia, Brasil) e Cali (Valle del Cauca, Colômbia)”. Nesse trabalho, Hercog constata como as “juventudes em movimento”, em suas atuações, tendo a arte e a comunicação como alicerces pedagógicos, elaboram “dribles epistêmicos” e “mais do que resistir, colocam em xeque cânones diversos, refazendo perguntas e questionando o que se convencionou chamar de conhecimento legítimo” (HERGOC, 2022).

p. 384-394, mai./ago. 2009.

9 Para conhecer mais sobre o projetto, acessar: https://www.instagram.com/afrontravas/

10 Para conhecer mais sobre o projeto, acessar: https://open.spotify.com/show/0MAhRyfL7Firt7DyoZ47ot?si=e068be76bd1547eb 11 Para conhecer mais sobre o projeto, acessar: https://www.instagram.com/revistaaglomeradores/

12 Para conhecer mais sobre o projeto, acessar: https://www.instagram.com/bibliotecazeferina_beiru/?igshid=YmMyMTA2M2Y%3D 66 | Experimentos metodólogicos insurgentes na prática de Arq. e Urb.

Alinhadas/os com essa ideia, acreditamos que ferramentas de comunicação são importantes instrumentos de luta quando agenciados para pautar o direito à cidade, formas de resistência, processos de mobilização e engajamento da população, direito ao acesso à informação e, para além disso, reelaboração da vida. Dessa maneira, a comunicação, quando articulada inter/ trans/multidisciplinariamente com o urbanismo e as discussões da cidade, pode ser pensada enquanto um recurso que atua na construção de possibilidades e ações dialógicas (FREIRE, 2005), contribuindo para construção de estratégias na elaboração de pedagogias engajadas e libertadoras (FREIRE, 2001; HOOKS, 2013).

Na Arquitetura e Urbanismo, a prática de comunicação pode ser utilizada também como forma de articulação local, de cooperação comunitária e de autonomia. Portanto, ao ser acionada como instrumento de construção compartilhada e de mobilização, pode ser uma aliada das lutas sociais por direitos, favorecendo o engajamento de sujeitos e grupos em pautas comuns, ampliando a agenda democrática e disputando o campo das narrativas e discussões urbanas. Ao entender que a cidade (suas disputas, coexistências e complexidades) também é feita do movimento das narrativas, o cruzamento

Oficina de comunicação comunitária. Acervo da autora, 2020.

entre as interfaces da Arquitetura, Urbanismo, Comunicação e Arte revela um caminho de atuação possível para assessorias técnicas, de modo a contribuir com comunidades e movimentos sociais.

Um contexto recente (e ainda atual) em que a comunicação mostrou-se uma importante aliada nas lutas urbanas foi a campanha “Tororó Resiste” (ver pág. 166) que vem ocorrendo em apoio aos habitantes do bairro do Tororó13 . Construído pelos seus próprios moradores e moradoras, o Tororó cresceu e ganhou maior densidade populacional a partir dos anos 2000, nunca tendo havido, seja por parte de agentes públicos ou privados, qualquer tipo de ação que impedisse a ocupação da área. Dessa forma, há mais de 15 anos habitam ali famílias de mulheres e homens negros(as) que, em sua maioria, vive de trabalhos informais. Em 2016, o Tororó foi legalmente reconhecido como Zona Especial de Interesse Social (ZEIS)14, fazendo parte de áreas demarcadas na cidade para assentamentos habitacionais de população de baixa renda, onde se prioriza a permanência e a melhoria das condições de vida dos seus moradores e moradoras por meio de políticas públicas (TORORÓ RESISTE, 2021)15 .

No entanto, no ano de 2017, um conflito se impôs: a Prefeitura Municipal de Salvador realizou ações de reintegração de imóveis na Rua Monsenhor Rubens Mesquita, localizada ao lado do terminal da Estação da Lapa, ameaçando cerca de 40 famílias de serem expulsas de suas casas. Diretamente relacionada a essas

13 Tororó é um bairro popular de Salvador, conhecido por abrigar o Dique do Tororó e ser vizinho da Arena Fonte Nova e da Estação da Lapa.

14 Para ler mais sobre ZEIS, acesse: https://www.zeisja.org/

15 O que está acontecendo no Tororó?.Tororó resiste, 2021.. Disponível em: https://zeistororo.wixsite.com/torororesiste. Acesso em: 10 de Maio de 2022

movimentações judiciais, há em jogo a construção do Shopping Nova Estação, obra até então sem projeto formalmente apresentado, porém, tendo a referida rua enquanto local previsto de implantação do estacionamento do novo centro comercial.

Após duas tentativas mal sucedidas de obtenção de uma liminar para desocupar a área, a Prefeitura conseguiu no final de 2020, através de uma medida judicial, a permissão de desapropriar os moradores. Atropelando a decisão do Supremo Tribunal Federal de proibir despejos na pandemia16, em 2021, as casas começaram a ser demolidas sem aviso prévio, em um processo envolvendo pressão psicológica e violência institucional por parte da gestão municipal, que não explicou o real interesse ou motivo da intervenção, marcadamente drástica, violenta e equivocada.

1. FOTO AQUI

Demolições no Tororó Luisa Caria, 2021.

16 “A Lei Nº14.216 estabelece medidas excepcionais, em razão da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) decorrente da infecção humana pelo coronavírus SARS-CoV-2, para suspender até 31 de dezembro de 2021 o cumprimento de medida judicial, extrajudicial ou administrativa que resulte em desocupação ou remoção forçada coletiva em imóvel privado ou público, exclusivamente urbano (...)”, Diário Oficial da União, 7 de Outubro de 2021.

Lambe-lambe denúncia da campanha Tororó Resiste. Luísa Caria, 2021.

Registro de demolições no Tororó. Luísa Caria, 2021.

Frente a esse cenário, uma série de movimentos sociais, coletivos e organizações da Universidade se reúnem em apoio à comunidade do Tororó. Mobilizações diversas formam uma rede colaborativa: apoio jurídico, união de moradores e apoiadores da causa, e ações de divulgação do caso são desenvolvidas de forma integrada. O TRAMA assume a tarefa de organizar uma campanha de comunicação e mobilização social, em 3 (três) frentes:

> Criação de uma plataforma online com as principais informações sobre o conflito, com um apanhado geral da situação com dados históricos, mapas e materiais audiovisuais diversos que apresentam informações, de forma objetiva e elucidativa. Um chamado para colaborar com a luta dos moradores é feito, com direcionamentos para pressionar as páginas online da prefeitura e do prefeito Bruno Reis em busca de informações. “Kits denúncia” com as peças gráficas de divulgação do conflito são enviados para influencers e pessoas públicas, a fim de potencializar o alcance da luta.

> Monitoramento e pressão política a partir da presença no território de assessorias jurídicas, parceiros da Universidade e demais colaboradores, para acompanhar as movimentações pré e pós demolições. O TRAMA se ocupa de registrar os acontecimentos, gerando materiais audiovisuais de impacto (fotografias, vídeos, depoimentos dos moradores) que circulam nas redes, incluindo peças gráficas amplamente compartilhados para divulgar a operação para público maior.

> Confecção de cartazes tipo lambe-lambes com mensagens de denúncia e um “QR code” que direciona ao site criado, espalhados pelos arredores do bairro e outras regiões da cidade, buscando ampliar a comunicação para além do meio digital.

Ocupando ruas e redes, com ações de comunicação integradas virtual e fisicamente, multilinguagens, dessa forma, se combinam para atuar nestas lutas urbanas. No decorrer do processo, algumas famílias cedem aos acordos de indenização — expressando as dificuldades financeiras decorrentes do cenário econômico precarizado que a pandemia da Covid-19 aprofundou — e outras poucas conseguem ainda resistir, o que representa uma conquista simbólica diante de um processo tão devastador. Até o presente momento, os entulhos das demolições nunca foram retirados da Rua Monsenhor Rubens Mesquita, causando alagamentos, tornando o ambiente insalubre com riscos de disseminação de doenças em um período de fortes chuvas em Salvador. As imagens dos escombros gritam, enquanto a Prefeitura se silencia, mesmo após diversas solicitações e protestos dos moradores.

Site da campanha Tororó Resiste. Luísa Caria, 2021.

A falta de participação popular na tomada de decisões de interesse público, especialmente em intervenções situadas em territórios populares e negros, como no caso do Tororó, é uma constante no cenário urbano brasileiro. Uma chave importante para entender esse processo está também atrelada à linguagem. “Liminar”, “primeira e segunda instância”, “ZEIS”, “tramitação’’, “reintegração de posse’’, “regularização fundiária” são termos e vocabulários que dificultam a compreensão das pessoas sobre o que está ocorrendo, pela ausência de domínio acerca destes códigos técnicos. Além disso, impedem essas pessoas, justamente aquelas que mais sofrem com as consequências dessas ações, de adotarem medidas legais e efetivas de reação a esses processos. Para que a população possa ter acesso às discussões e exercer o direito de participar de decisões importantes que impactam suas vidas, muito deve ser feito.

Além de criar espaços democráticos nos quais esse debate possa ocorrer (audiências públicas, fóruns populares, e afins, acontecendo em dias/horários adequados para que seja possível uma ampla adesão popular), o diálogo deve também acontecer em bases mais igualitárias, ou seja, utilizando uma linguagem capaz de ser entendida pela população, ao contrário da linguagem jurídica técnica, erudita, própria do jargão profissional, ou da retórica dos políticos. Disputar a linguagem é também uma forma de criar mecanismos para ampliar o acesso à informação. É importante reconhecer o papel fundamental que o léxico técnico exerce ao situar as lutas urbanas nas disputas em instâncias formais jurídicas e políticas. No entanto, para democratizar essa luta, é preciso “pensar de maneira híbrida. Roubar coisas da academia, e refazê-las com inspirações múltiplas”, como disse Marisol de la Cadena (2021)17 .

17 Texto transcrito da live “Políticas cosmológicas”, diálogo de abertura do Festival Seres Rios, em 2021, no qual foram convidados Ailton Krenak e Marisol de la Cadena, com mediação de Ana Gomes, para discutir questões urgentes na construção de presentes e futuros de convivência com as águas e o planeta.

Esse refazimento das coisas da academia implica uma produção de conhecimento por meio do acesso à informação. É uma realidade das comunidades a necessidade de lutar pelo acesso à informação. Além da falta de transparência nos processos urbanos que impactam os territórios populares negros, e do tecnicismo que afasta a linguagem formal da linguagem cotidiana, já mencionados, existe também uma carência na produção de documentos, tais como laudos e levantamentos quantitativos, também técnicos, sociais e científicos, capazes de gerar autoconhecimento político comunitário (VARELA, 2022)18. Tais documentos somam forças na disputa pela interrupção de processos violentos do Estado, por permitirem que as comunidades, ao terem acesso a esse material, possam apropriar-se e fazerem uso e gestão de informações úteis para seus projetos, iniciativas e ações de resistência. Ter

acesso a informações e produzir conhecimentos re/con/figura as redes de

poder. Nesse sentido, projetos como a Perícia Popular (ver página XX) no Centro Histórico de Salvador e o Censo “Da gente para gente” da Ladeira da Preguiça são iniciativas que, através de ações ligadas à extensão universitária, resultaram na produção de documentos que se tornaram ferramentas de luta e mobilização para as comunidades.

Pensando de forma mais ampla, e retomando as questões sobre a disputa da linguagem, pode-se situar essa discussão nos termos de uma virada linguística. Em “Pedagogia das encruzilhadas”, Luiz Rufino defende uma “virada linguística epistemológica que seja implicada na luta por justiça cognitiva e pela pluriversalização do mundo” (2019, p. 18), credibilizando gramáticas produzidas por outras presenças e outros atores. Isto é, a transformação da linguagem

18 Referência à fala realizada por Suzany Varela, moradora da Ladeira da Preguiça e colaboradora do Centro Cultural Que Ladeira É Essa?, transcrita durante a discussão da pré banca deste TFG, realizada em 18 de Maio de 2022.

apresenta-se enquanto um processo necessário de alterar gramáticas e inventar novos vocabulários para construção de uma crítica ao colonialismo.

Um aspecto fundamental nesse debate é a perspectiva das relações raciais no campo da geografia urbana brasileira. Em meio às narrativas diversas e complexas que compõem a cidade, é preciso também reconhecer as múltiplas grafias ali presentes. O geógrafo Renato Emerson (2018, p.44) nos convoca a pensar que “as relações raciais grafam o espaço, produzem ‘grafias’, referências materiais e simbólicas racializadas no espaço, heranças do passado ou fruto de ações e construções do presente”. Dessa forma, conectado ao movimento de inventar novos termos para inaugurar novas práticas, é necessário também criar mecanismos de reconhecimento e relação com as grafias dessas outridades.

Outro importante ponto que merece ser discutido é o reconhecimento de que o pensar e fazer multilinguagem é um caminho inescapável diante da complexidade dos objetos que lidamos ao tratar dos estudos urbanos e da historiografia das cidades. Isto é, torna-se imprescindível o uso de outras linguagens, pois o saber técnico da Arquitetura e os códigos por ela produzidos, já não são (ou talvez nunca tenham sido) suficientes.

A emergência de um pensamento crítico decolonial impõe a missão de revisitar e recontar a história, buscando visibilizar atores e eventos que foram apagados por estruturas de poder. A ideia de história oficial, narrativa única (ADICHIE, 2014) e homogeneizante que conta apenas o lado daqueles tidos como “vencedores” e que não contempla as diversas narrativas e as múltiplas cosmopolíticas, vem sendo rompida a partir das perspectivas dos povos originários, do povo negro, de grupos detentores de saberes tradicionais e comunidades periféricas que, cada vez mais, têm ocupado espaços físicos e virtuais, conferindo visibilidade às suas trajetórias e histórias de vida e luta. Para isso, documentos de naturezas diversas — desenhos, cartas, mapas, fotografias,

filmes, objetos ritualísticos — são fundamentais na tarefa de resgatar ou recriar narrativas. Nesse processo, não basta apenas uma ampliação dos tipos de linguagens e reconhecimento da especificidade de cada uma delas, mas, também, é importante identificar os agenciamentos suscitados por elas, os circuitos de produção, circulação, controle e consumo, os modos culturais de visibilidade e invisibilidade, além das distintas maneiras de olhar (COSTA, 2021).

Para finalizar esse tópico, retomo a importância de pensar a comunicação como uma prática de incidência política central e estratégica nos contextos conflitivos-colaborativos. Como discutido, práticas comunicativas ganham força quando são agenciadas como mobilização comunitária e engajamento social, como forma de denunciar violações de direitos, de dar visibilidade à luta e sensibilização da sociedade, de construir mecanismos de acesso à informação, de atuar nos registros de memórias e criação de acervos da luta, e, finalmente, de fortalecer pertencimentos de moradores em seus territórios.

Reconhecer a heterogeneidade de modos de se comunicar é fundamental, fortalecendo, sobretudo, as redes que já existem. No entanto, para que essas potências se efetivem, é imprescindível que as práticas comunicativas estejam aliadas ao reconhecimento e combate da exclusão digital. Nesse sentido, somos conduzidos a pensar nos desafios debatidos no próximo tópico, que trata, dentre outras coisas, como o contexto de pandemia nos convocou a desenvolver outras formas de estar junto que respeitassem o distanciamento social, dando protagonismo à esfera online − e portanto, acentuando também as desigualdades de acesso à internet, a equipamentos (celular, notebook, tablet) e também ao uso dos dispositivos digitais.

Cartazes da Campanha Xô Corona em moradia no Centro Histórico xxx, 2021.

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