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Introdução
Gestos tecidos por muitas mãos. Metodologias esculpidas a partir de trocas. Saber compartilhado que se aprende fazendo, continuamente. Tramas de encontros, afetos, escutas, e enfim, proposição. Jogo de cintura para amarrar essa dança. Na encruzilhada entre o ontem, o hoje e o amanhã, desembocam perguntas: Como iniciar algo que já teve começo? Como dar fim a uma etapa, ressignificando o que se espera desse dito final? Construir um rito de passagem envolve um quê de encanto. Na esquina das dúvidas, a certeza de que aprender cidade não é coisa que se faz sozinha. Não cabe — somente — em sala de aula e em livros, mas também, vai além deles. O saber acadêmico não é o único saber, e rompendo com a gramática da supremacia (SANDOVAL, 2000, p.2), é preciso provocar conhecimentos a interagirem entre si — somando-se, acumulando-se, complementando-se.
Para saber ler as carto-corpo-grafias da vida urbana, e assim, entender como também escrevê-las (e inscrevê-las), necessita-se de ouvidos sensíveis e olhares atentos. Na companhia deles, percorrer as ruas que são arquivos, as pessoas que são acervos vivos, as memórias que são mares profundos. Missão diária, urgente, é desaprender o colonialismo que cruzou os oceanos. Recontar a história, mas sobretudo, criar novas histórias também. Inventar novos mundos em que caibam outras práticas de vida. Disputar o futuro. Repovoar imaginários. Insurgir. Sonhar.
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Movida por essas inquietações, tento, com esse trabalho, apresentar e refletir sobre um repertório de práticas e experimentos metodológicos insurgentes no campo da Arquitetura e Urbanismo, ou, em termos mais simples: modos de fazer-junto nas relações da cidade. Tomo como ponto de partida, de forma mais ampla, experiências coletivas diversas que fizeram parte da minha trajetória na Universidade, e em recorte específico, atuações recentes do TRAMA, grupo do qual faço parte, e que se configura como principal núcleo de adensamento das
reflexões deste trabalho. O TRAMA é uma rede que, através do entrecruzamento entre comunicação, arquitetura-urbanismo, educação e artes, tece ativismos criativos e ações de impacto social junto a movimentos urbanos, universidade e instituições implicadas nos enfrentamentos às injustiças socioterritoriais e no combate ao racismo. O surgimento do grupo ocorreu em 2020, a partir da união de uma coletividade de estudantes, mestrandas/os, arquitetas/os e pesquisadoras/ es, do qual faço parte, e será narrado de forma mais aprofundada no decorrer do trabalho.
Nas experiências abordadas neste TFG, apostas éticas e alianças políticas, também sensíveis e afetivas (CADENA, KRENAK, 2020), vem se formando na pesquisa acadêmica, em parceria com diferentes instâncias da sociedade civil, especificamente em territórios populares e negros1, na cidade de Salvador. A partir do encontro entre essa rede de agentes, eventos, conflitos e coexistências, quais formas de fazer cidade emergem? Quais ferramentas, análises e teorias estão sendo mobilizadas nesses outros modos de praticar Arquitetura e Urbanismo? Que mundos essas experiências potencializam, imaginam, constroem?
O capítulo 1, “Arquitetura e Urbanismo, enquanto prática política e reflexões sobre o TFG”, possui um caráter introdutório. Nele, argumento sobre a prática profissional na qual acredito: uma prática que tem potência enquanto ação política e coletiva. Busco tensionar o “produto” TFG que se apresenta, partindo de uma avaliação crítica sobre ambiente acadêmico de onde falo. Discorro sobre os conceitos de campo ampliado e campo expandido/em expansão da
1 No presente trabalho, o uso do termo “popular” será mobilizado para caracterizar as diferentes matrizes étnico raciais predominantemente não brancas e de baixa renda, constituintes da sociedade brasileira, devido ao imbricamento histórico entre raça e classe. No entanto, o termo merece ser questionado por seu possível caráter reducionista, comprimindo diversas identidades e existências em um só conceito homogêneo — tema que será discutido ao longo do texto.
Arquitetura e Urbanismo, buscando atualizá-lo a partir do seu entrecruzamento com a implicação, partindo de atividades de pesquisa e extensão no contexto da Universidade em diálogo com a sociedade.
No capítulo 2, caracterizo o trabalho a partir de três pontos. O primeiro trata sobre seu caráter coletivo, afirmando a importância das trocas e partilhas que compõem os conhecimentos elaborados no TFG, explicitando também o TRAMA enquanto lugar de ação através do qual proposições e atuações profissionais vêm sendo construídas. O segundo diz respeito à multilinguagem, defendendo a comunicação também como prática estratégica e fundamental de uma atuação engajada em Arquitetura e Urbanismo. O terceiro e último situa o presente trabalho na conjuntura sociopolítica atual, marcada pela pandemia da Covid-19, o que nos convoca a repensar nossas formas de interagir e transformar o mundo a partir das crises.
No capítulo 3, “Costurando trajetória: Aprendizados em trama”, me debruço sobre experiências selecionadas da minha trajetória individual e dos coletivos que participei nos últimos anos. O conjunto abarca um universo amplo, de mais de 20 experiências, que apresenta o percurso acadêmico que me conduz até o TFG. Destas, 11 são selecionadas para serem estudadas através da elaboração de fichas de análise, tendo sido utilizado como critério o aporte metodológico que suscitam (isto é, as experimentações nas formas de fazer, as reflexões sobre abordagens, condutas e práticas conduzidas); além disso, expressam a pluralidade das posições que ocupei (desde monitora de disciplina, até pesquisadora, prestadora de serviços, dentre outras). Dentre as experiências selecionadas faço um recorte de 5 delas, nas quais estive atuando através do TRAMA. Em uma perspectiva analítica e prospectiva, estas 5 experiências, tomadas como disparadores de reflexões e imaginações, serão abordadas e discutidas mais detidamente, expandindo e adensando a discussão do material contido nas fichas. Por fim, aponto e discuto dificuldades, equívocos e limites
No capítulo 4, “Experimentos metodológicos”, um repertório de experimentos e aprendizados metodológicos resulta das 5 experiências apresentadas anteriormente. Ao olhar retrospectivamente para essa trajetória, posso elaborar reflexões teórico-crítico-criativas a partir de práticas (pesquisas, atividades de extensão, ações coletivas, eventos), num gesto prospectivo que tem potencial de suscitar importantes aprendizados. Sustentando o argumento de um pensar em trama e em rede, busco elaborar como os “modos de fazer” das experiências apresentadas alimentam-se e enriquecem-se mutuamente, indicando não “modelos de como fazer”, mas irradiando possibilidades, fabulações e desdobramentos, a partir dos referentes que criam. Não se trata apenas de uma reflexão em retrospecto, mas da ativação de pensamentos que, situados desde práticas, também incidem no presente e indicam caminhos futuros.
No capítulo 5, “Aberturas, limites, continuidades, horizontes”, concluo situando a contribuição do trabalho ao campo da arquitetura e do urbanismo e trazendo para o horizonte as questões que se desdobraram por meio deste processo de TFG. Após tudo que foi exposto, como se comportam as perguntas que orientam o início do trabalho? São as mesmas, ou se desdobram em novas indagações? O que ainda permanece a ser respondido? O gesto de apresentar lacunas, e tratar do que não pôde ser feito, é também uma forma de anunciar o caráter de continuidade deste trabalho, que não se finda quando de sua entrega. Ademais, (auto)criticidades são registradas, sem deixar também de reconhecer as potências ativadas, em um registro que busca ser aberto e “poroso”.

Abertura da Escola de Verão no Acervo da Laje. Acervo da autora, 2020.