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II. Experiências gerais

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Introdução

Introdução

LEITURA DAS FICHAS

Nas fichas apresentadas a seguir, são estabelecidas categorias descritoras e caracterizadoras das experiências. No entanto, estas categorias não são estáticas: informam sobre processos, questões e conteúdos situados, assumindo diferentes nuances de acordo com as especificidades de cada experiência. São elas:

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TÍTULO: Nome do projeto/evento/ação, ano de realização e ano em que estive envolvida.

DESCRIÇÃO

Aqui, três perguntas são realizadas a fim de descrever a experiência: nomeando os agentes envolvidos (Quem fez acontecer?), relatando brevemente o contexto (O que foi e em que contexto buscou incidir?), e dando pistas sobre as metodologias aplicadas (Quais foram os modos de fazer junto?) articuladas no projeto/evento/ação.

PRÁTICAS e RESULTANTES

Esta é uma categoria mutável, assumindo diferentes títulos de acordo com cada experiência. Essa categoria aborda as práticas, seus processos e resultantes.

POTÊNCIAS ATIVADAS, APRENDIZADOS, DESAFIOS

IMAGENS

Essa também é uma categoria variável. Aqui, um espaço de reflexão é proposto. Apontam-se aprendizados, desafios, desfechos, sucessos, insucessos, fracassos, e demais dimensões suscitadas a partir de um olhar retrospectivo, que pela sua dimensão téorico-crítico-criativa é também um olhar prospectivo

VOZES

Aqui, busco trazer uma polifonia que contemple outras vozes além da minha, participantes das experiências. Em alguns casos, recorri a arquivos antigos — transcrições de eventos, relatorias, vídeos e afins — para resgatar relatos e citações dos agentes envolvidos. Dessa forma, busquei não onerar o tempo de moradores/as, mas sim, revisitar e expandir um rico acervo de registros já existentes. Em outros, contactei pessoas durante o processo de elaboração das fichas, realizando perguntas que me ajudassem a trazer suas questões e reflexões para o trabalho. Sem uma ordem específica, as vozes surgem nas fichas auxiliando e embasando argumentos expostos, e fazendo uma costura com outras questões presentes.

Fragmentos visuais diversos articulam texto e imagem. Colagens, fotografias e peças gráficas são mobilizadas também como lugar de pensamento, compondo as análises propostas.

ACCS PERÍCIA POPULAR NO CENTRO HISTÓRICO DE SALVADOR

participação: 2016-2017 duração: 2016-2018

Quem fez acontecer?

Parceria entre a Associação de Moradores e Amigos do Centro Histórico de Salvador (AMACH) e um grupo de estudantes, professoras e pesquisadoras da Universidade Federal da Bahia (UFBA) – principalmente da Faculdade de Arquitetura (FAUFBA).

O que foi e em qual contexto buscou incidir?

O projeto se estabeleceu como uma disciplina de extensão universitária, ofertada durante quatro semestres. Espaço de colaboração, experimentação política e prática investigativa, a Perícia Popular se consolidou, sobretudo, como instrumento de ação coletiva. Aliando conhecimentos científicos e populares, voltou-se para o reconhecimento e a avaliação de situações de vida dos moradores/as da 7ª etapa do Pelourinho, após uma série de violações dos direitos conquistados pelas 108 famílias beneficiárias de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), firmado no ano de 2005, por intermédio do Ministério Público. Com o intuito de sustentar e potencializar o TAC e de obter respostas jurídicas para os moradores, a Perícia se apoiou na prática de intercâmbio de saberes.

Quais foram as formas de fazer junto?

Na proposta da ACCS (Ação Curricular em Comunidade e em Sociedade), a Perícia foi construída entre a FAUFBA e os espaços coletivos de organização política da 7ª Etapa (Sede da AMACH e Cozinha Comunitária). Participamos de reuniões da Associação e, se buscou, através de uma escuta sensível, ativa, qualificada, entender as problemáticas e reivindicações dos moradores, propondo também atividades e espaços de troca.

Foto: Oficina de cartografia coletiva Foto: Intervenção urbana no dia das crianças

Imagem: Fotocolagem Perícia Popular.

“De que forma a Perícia Popular vai nos ajudar a mobilizar e articular a retomada de ações dentro da AMACH e a nossa própria auto-estima em frente ao Governo do Estado e CONDER. [...] Onde está o TAC, Comitê Gestor, a Associação? Quem pode cobrar a CONDER? Quem é responsável pela violação do TAC? Será um instrumento descartável onde o governo faz e desfaz sem nenhum pudor?”

(AMACH, in PERÍCIA POPULAR: 2017)

Buscando responder a demandas dos moradores/as, na tentativa de fortalecer a sua mobilização e o autoconhecimento comunitário, a Perícia se propôs a:

PRÁTICAS RESULTANTES

Uma série de ações foram realizadas na AMACH − oficinas, cartografias, entrevistas, leituras territoriais e vistorias de habitações − propiciou a produção de conhecimento coletivo, envolvendo moradores/as e alunos/as, por meio de pedagogias de pensar/fazer juntes. A elaboração coletiva de um livro (ebook) foi outro importante fruto desse processo, contendo avaliações das condições de vida dos habitantes vulnerabilizados pelo descumprimento do tac da 7a etapa. O livro foi distribuído na Audiência Cidadã, evento convocado pela AMACH, levando reivindicações da Associação às instituições da estrutura do Estado. Ademais, integraram a programação da ACCS a realização de intervenções urbanas de caráter lúdico, como stencils e desenhos na rua, no Dia das Crianças. Por fim, a criação gráfica para redes sociais, registrando e divulgando ações.

“Acreditamos que o aprendizado mútuo entre moradores e estudantes, proposto para a construção da Perícia, foi, de fato, mais apropriado pelos estudantes. Quanto aos moradores, as entrevistas, a partir da ação da escuta, levantaram questões quanto à precariedade habitacional, contradições e problemas com o Poder Público, no entanto, compreendemos que é difícil a efetivação do

interconhecimento com seus diferentes saberes partilhados.”

Estudantes da disciplina “Política, Democracia e Direito à Cidade”, participantes da Perícia, em artigo “PERÍCIA POPULAR NO CENTRO HISTÓRICO DE SALVADOR: Reflexões sobre a experiência do interconhecimento na construção da ação coletiva”, 2017.

POTÊNCIAS ATIVADAS, APRENDIZADOS, INSUFICIÊNCIAS

- O conceito de uma “perícia” (instrumento técnico) + “popular” (baseada nos saberes dos moradores) tratava sobre subversão e reapropriação de ferramentas acadêmicas a partir de construções coletivas com os moradores da 7ª etapa. Nesse sentido, cartografias, laudos e relatórios foram (re)criados, expandido as noções que muitos estudantes, como eu, tinham como referência desses instrumentos. Esse gesto de reapropriação de ferramentas alimentou elaborações que aparecem posteriormente na Plataforma Pipoco [pág. XX], que por sua vez, buscou construir, dentre outras ferramentas, uma cartografia multilinguagem e um glossário informativo sobre os termos técnicos comuns na linguagem jurídica de processos urbanos.

- A Perícia foi a primeira experiência de extensão que tive dentro da Universidade, e nesse sentido, foi a prática formativa que inaugurou possibilidades de atuações profissionais engajadas. Como monitora, pude colaborar com a elaboração das dinâmicas das aulas e organização das atividades. No entanto, sinto que o maior aprendizado foi a construção de uma consciência crítica sobre formas de não reprodução de uma postura extrativista nas abordagens acadêmicas. Os relatos dos moradores demonstravam a consideração dos estudantes e professores da UFBA como parceiros; e, ao mesmo tempo, não se furtaram A explicitar o cansaço e desgaste que já haviam vivenciado ao terem seus tempos onerados no envolvimento de atividades acadêmicas que não traziam retornos imediatos para a comunidade.

- As turmas da Perícia Popular foram as mais diversas que experienciei na Faculdade. Alunas/os de diferentes idades e diferentes cursos (Bacheralado Interdisciplinar, Geografia, Direito, entre outros) tornavam a sala de aula um espaço extremamente plural, enriquecendo as discussões. Campo ampliado e implicado caminhavam juntos.

- Apesar da Perícia ter se estendido por um tempo considerável, havendo uma programação das atividades e uma ação continuada, o tempo das urgências dos territórios sempre se fez presente. A realização da Audiência Cidadã e elaboração/ distribuição do livro da Perícia representaram conquistas importantes para a AMACH. No entanto, o projeto, por lidar com uma realidade complexa e com problemas estruturais, apresentava diversos limites. Ao mesmo tempo que a Perícia identificava problemáticas, não estava no seu escopo ações de caráter mais pragmático ou resolutivo, como por exemplo, melhorias e reparos em habitações com condições insalubres. Também, como apontado pelos estudantes no artigo citado anteriormente, há um grande desafio em se firmar um equilíbrio de aprendizados no contexto de práticas de interconhecimento. Findado o projeto, questões fundamentais como a falta de mobilização de moradores e a ausência de regularização fundiária seguem fazendo parte da realidade da 7ª etapa.

participação: 2019-2020.1

Quem fez acontecer?

Cenógrafa Renata Mota e sua equipe de trabalho, composta por um arquiteto recém formado, marceneiros, cenotécnicos, estagiárias de Arquitetura e Urbanismo, entre outros profissionais da área.

O que foi e em qual contexto buscou incidir?

Trabalhando na maioria das vezes com orçamentos baixos e prazos curtos, soluções criativas que mesclavam arquitetura, arte e “mão na massa” davam vida a projetos cenográficos de ramos diversos, tais como shows, espetáculos, eventos. Defendendo a importância do fazer cenográfico aliado à reuso de materiais, à criação de identidade própria de cada projeto, e ao acompanhamento da execução, o fazer da RMOTA Cenografia disputava espaço em um mercado desvalorizado no cenário soteropolitano.

Quais foram as formas de fazer junto?

A convivência no canteiro do Centro Técnico do Teatro Castro Alves, onde aconteciam os testes de materiais e pré-montagens dos cenários, propiciava diálogos e trocas contínuas entre os saberes dos profissionais envolvidos. No “fazer junto” cotidiano, o alinhamento da equipe foi extremamente necessário para o fluxo do projeto, sem minimizar a importância da função desempenhada por cada um da equipe.

“Hoje em dia eu tenho uma visão diferente de Arquitetura e Urbanismo, a partir da Cenografia, porque tudo está conectado com essa relação do corpo no espaço. Não entendo arquitetura só como a estética, ou como a educação ali descolada. Só existe arquitetura e urbanismo porque existe gente. Então essa percepção do espaço, do espaço no tempo, mudou. O contato com a executabilidade (orçamento, viabilidade, interesses) também traz uma maturidade. O saber dos cenotécnicos, autenticidade da forma de criar, capacidade de improvisar.”

Luiza Dahia, estudante de Arquitetura, em diálogo provocado para elaboração deste TFG

Foto: Montagem de cenário no Centro Técnico do TCA

Foto: Reunião da equipe para discussão do projeto

ROTINA E PROCESSOS

O envolvimento com cenografia exigia acompanhamento de todas as etapas do projeto. Iniciava-se com pesquisa de referências e criação partilhada da conceituação da identidade, que orientava a materialidade do cenário. Em seguida, a compra de materiais envolvia uma busca em diferentes espaços da cidade: desde lojas de materiais no Centro (Tabuão, Sete Portas) e Mares (Rua Barão de Cotegipe) até visitas a Ferro Velhos. Depois, reuniões para decisões práticas acerca da viabilidade de execução e testagem no canteiro iniciavam o processo de materialização. Finalmente, a montagem e desmontagem concluíam o processo, consolidando aprendizados integrados entre as etapas.

Foto: Montagem de cenário no Centro Técnico do TCA “Na questão de método, cada projeto é um projeto. Mas uma coisa que é fundamental, que a gente sempre faz − que é importante, e que acaba lá na frente fazendo com que a coisa seja realizada com qualidade − é estar sempre testando. A gente busca trabalhar com reciclagem, então a gente tem que testar pra ver se funciona. E no meio do caminho a gente vai descobrindo as melhores formas de executar. Na correria, na luta. Primeiro pensa, depois faz o teste, e já encontra as dificuldades que pode passar, e vai afinando a forma melhor de desenvolver aquilo

Paulo Florêncio, ex-taxista, vitrinista e cenotécnico, em diálogo provocado para elaboração deste TFG

- Experienciar o cotidiano de uma empresa de cenografi a explicitou a interdependência entre o saber acadêmico dos profi ssionais graduados em Arquitetura e o saber prático advindo da experiência dos cenotécnicos, muitos sem ensino superior. Mais do que viabilizar a execução de uma ideia, a experiência e inteligência dos cenotécnicos no canteiro − sobretudo na realização de testes para verifi car o comportamento do material, entendendo os limites da montagem − provocavam redesenhos e ajustes cruciais para concretização do projeto. A ideia de um arquiteto desenhar uma edifi cação, ser reconhecido enquanto único “autor” da obra, sem acompanhar a execução da obra − uma prática um tanto comum no mercado − distancia-se em muito do que vivenciei nesta experiência com Cenografi a.

- Infelizmente, é frequente que a Cenografi a seja encarada enquanto uma parte “supérfl ua” na indústria da arte − especialmente no cenário soteropolitano, e em menores proporções, no âmbito nacional. Com o sucateamento das instituições de cultura, a destinação de recursos e incentivo aos fazeres artísticos − o que inclui o fazer cenográfi co − confi gura um quadro de precarização do trabalho. A grande carga horária de trabalho e a pouca remuneração fazem deste um meio desafi ador para sustentação fi nanceira, no qual poucos profi ssionais conseguem estabilidade.

- O processo de criação do cenário dita como irá se alcançar o “resultado fi nal”. As metodologias de criação e execução são fl exíveis, mutáveis: apenas no momento de teste da materialidade do cenário é que se comprova como, e se, este se sustenta. Como apontado no relato de Paulo Florêncio, “no meio do caminho a gente vai descobrindo as melhores formas de executar”. Acredito que esse modus operandi da Cenografi a se relaciona com o desenvolvimento de pensamentos crítico-criativos, de construção de conhecimento, e inclusive, da elaboração do presente TFG. As vicissitudes do processo são defi nidoras do que se alcança como “produto”, uma vez que este não é um objeto fi xo, previamente defi nido, e sim, surge no decorrer do caminho.

O fazer-junto é imprescindível.

- Ademais, há um “jogo de cintura”, no qual o planejamento do projeto encontra múltiplos obstáculos para sua concretização. É necessário que haja uma conciliação e compatibilização entre a parte criativa e abstrata da ideia projetual e as possibilidades concretas da execução do cenário, inclusive a partir do que está disponível no mercado. Era muito comum nos depararmos com uma difi culdade em encontrar materiais disponíveis em grande quantidade, o que nos obrigava a recorrer a soluções criativas. Como exemplo, as imagens abaixo mostram o processo de recolhimento de lâmpadas queimadas (desde buscas em sucatas até campanhas de doação na internet) para um cenário de um show.

ANALOG 53

participação: 2018-2020

Quem fez acontecer?

Coletivo formado por fotógrafos e fotógrafas, alguns membros do grupo Mouraria 53.

O que foi e em qual contexto buscou incidir?

O Analog 53 se entende como coletivo ao decidir montar um laboratório de revelação analógica, ocupando um espaço subutilizado do casarão Mouraria 53, um experimento em arquitetura e habitação no bairro de Nazaré, conduzido como TFG de Pedro Alban, então graduando em arquitetura. Durante a lenta reforma do espaço, o Analog se estabelece como grupo de estudos, com interesse em fotografia, revelação e construção. Enquanto única estudante de arquitetura do grupo, conduzo a parte projetual. O laboratório não chega a ser concluído, mas cria-se um espaço de formação coletiva, colocando em prática o processo de revelação, ao mesmo tempo contribuindo para os registros fotográficos da casa em constante fase de obras e transformação de espaços.

Quais foram as formas de fazer junto?

O aprendizado prático da autoconstrução e a experimentação dos processos de revelação analógica talvez tenham sido as principais “formas de fazer junto”. A ideia do fortalecimento coletivo para estudo e aprendizado de algo novo conduziu o coletivo a acreditar na possibilidade de uma formação autônoma. A disciplina em registrar os encontros através de atas, fotografias e buscar uma organização das atividades do grupo trouxe grandes aprendizados para as metodologias de gestão de um coletivo (o que mais tarde me foi útil na experiência com o TRAMA).

ATIVIDADES DO COLETIVO

Na constituição do grupo, eram realizadas reuniões semanais para discussão das ações coletivas, além de seminários para estudo de referências da fotografia e dos processos de revelação. Mutirões de construção aconteciam periodicamente, em paralelo aos estudos teóricos. Neste processo, elaborei um caderno como instrumento de registro e memória das atividades do coletivo, buscando também trazer um caráter analógico-manual para identidade do projeto. Por fim, chegamos a criar uma página no instagram, para divulgar ações do grupo e criar conexões com outros coletivos de fotografia analógica.

Foto: preparação de portas para piso do espaço na Mouraria 53

““Quando a gente se junta com outras pessoas, a gente é capaz de expandir muito nossos horizontes. Aprendizados que não se conseguem sozinhos. (...) Todos tiveram que aprender a sair um pouco das suas próprias cabeças, das suas próprias ideias, e tivemos que aprender a fazer as coisas em conjunto. Não dava para ninguém fazer nada sozinho. Isso foi uma habilidade que todo mundo precisou desenvolver.”

Milena Abreu, fotógrafa, assitente de câmera, motion designer.

3. Costurando trajetória | 111

“Eu acho que todos os processos que vivenciamos com o Analog até aqui, foram principalmente efetivos por aguçar a percepção de que é possível alcançar muitos objetivos práticos quando se tem organização, método, colaboratividade aliados a recursos. Sendo o fator recurso algo

que influencia bastante nessa equação, as vezes como limitante mas também como um catalisador para soluções criativas para as situações.

(...) Metodologicamente o registro em imagens e texto foi algo que veio desse processo junto, e pra melhorar nossa sinergia, gosto muito de como chegamos a um manifesto, uma logo, um google drive e também um caderno que tem um manual de revelação p&b que até hoje eu consulto vez em quando.”

Alan dos Anjos, diretor de fotografia, operador e assistente de câmera, skatista.

- A escolha ousada por construir um laboratório sem qualquer conhecimento prévio sobre o tema, apoio financeiro ou dedicação exclusiva dos integrantes (que conciliavam comparecimento às reuniões e os mutirões com diversas outras atividades) foram empecilhos para a viabilidade do projeto. A reforma lenta do espaço, pela pouca disponibilidade de tempo, ausência de recursos financeiros e, chegada da pandemia da COVID-19 fizeram com o que o laboratório não ficasse pronto. No entanto, o Analog53 existiu, acima de tudo, como um espaço de encontro e formação coletiva, alimentando a vontade do grupo de trocar e se inspirar mutuamente. Ademais, consolidou-se um interesse comum nos processos de revelação, o que reverberou em práticas individuais e coletivas dos integrantes, que seguiram fotografando e, alguns inclusive, revelando seus próprios filmes.

- Ter feito parte do Analog me apresentou as potencialidades e dificuldades da gestão de um coletivo, aprendizados esses que pude levar para o TRAMA. Seja nas ferramentas de organização e registro de atividades, seja na quebra de expectativa e reconfiguração dos objetivos alcançados pela coletividade, a convivência em grupo ensina, sobretudo, a potencializar habilidades quando partilhadas com outros.

“Queremos construir aquilo que sentimos falta, realizar o que gostaríamos que existisse nessa cidade. Unimos aqui desejos e demandas (principalmente) no campo da fotografia, mas para além dela, vivendo-a como ponto de partida para ampliarmos nosso campo de visão e ação. (...) Através da construção de um laboratório de revelação e ampliação analógica, estamos chegando a um espaço colaborativo, de estudos que vão desde aspectos técnicos e processuais da fotografia a outras infinitas possibilidades individuais e coletivas. Seguindo o modus operandi da Mouraria 53, vivemos o aprendizado de construir com materiais reutilizados, o que tem nos ensinado a planejar, repensar desperdícios e unir pensamentos em busca de soluções criativas. (...) Investigamos os processos analógicos para poder construir novas narrativas nas

nossas fotografias. Buscamos uns aos outros como fortalecimento e oportunidade

de compartilhar novos conhecimentos e inquietações. Acordamos as curiosidades que estavam adormecidas e estamos buscando compreender o que já foi feito para encontrar nossas outras formas de fazer”

Manifesto Analog 53: Alan dos Anjos, Ana Gabriela, Fernando Gomes, Flora Tavares, Milena Abreu, Rafael Ramos

SIMPÓSIO PRODUÇÃO IMOBILIÁRIA E OUTROS FAZERES DA CIDADE

2019

Quem fez acontecer?

Grupo de Pesquisa Lugar Comum, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia (UFBA), com apoio do Acervo da Laje, Articulação das Comunidades e Movimentos do Centro Antigo de Salvador, Associação dos Moradores e Amigos do Centro Histórico de Salvador (AMACH).

O que foi e em qual contexto buscou incidir?

O Simpósio buscou ser um espaço de refl exão crítica e elaboração coletiva de conhecimentos sobre a produção imobiliária latino-americana em (des)articulação com outros fazeres da Cidade. Torna-se importante, portanto, uma aproximação e (re)conhecimento dos agentes que fazem a Cidade, não se limitando á ação das empresas imobiliárias, mas sim, a um conjunto mais diverso de agentes que atuam a partir de outras lógicas de produção do espaço urbano. Propondo uma atividade multilocalizada, as discussões ocorreram na Faculdade, mas também, deslocaram debates e atividades para territórios populares e negros de Salvador.

Quais foram as formas de fazer junto?

Professores(as), estudantes, pesquisadores(as) de Grupos de Pesquisa do campo de estudos urbanos; coletivos e ativistas urbanos; grupos musicais e profi ssionais ligados á temática dividiram espaços de fala e escuta durante 4 (quatro) dias de atividades. A “forma de fazer junto” mais expressiva desse evento talvez tenha sido, justamente, a provocação do diálogo entre esses múltiplos sujeitos e saberes.

Imagem: Colagem para identidade visual do Simpósio

Foto: Vilma Santos, segurando um lambe de divulgação do evento durante visita prévia ao Acervo da Laje Foto:Afrocidade em mesa de provocações, abertura do evento

ESTRUTURA DO EVENTO:

Metodologicamente contou quatro tipos de atividades articuladas: 1) Mesa de provocações, abrindo o evento com debate de convidado(a)s de diferentes perspectivas e campos (professores, grupos musicais e movimentos sociais); 2) Percursos de Aprendizagem (PA): momentos de encontros-caminhadas no Centro Histórico e Subúrbio de Salvador, voltados para uma elaboração coletiva de conhecimentos, pelos participantes, a partir das questões suscitadas nesses debates em campo; 3) Rodas de Diálogo, momentos de discussão coletiva, contando com a presença de pesquisadores(as) e membros de coletivos urbanos, convidados(as) de referência sobre o tema em questão; 4) Oficinas, espaços de trabalho e formulação coletiva propostos, através de submissão de propostas para o Simpósio, dentro dos seus eixos temáticos.

“a gente tá tensionando outra forma de fazer a universidade, essa relação com os movimentos (...) a nossa formação que está passando por eles, e eles assumem esse lugar de formadores. De manhã tivemos uma aula com Maura [MSTB], com Pró Cida e Sandra [AMACH]. Elas não são da universidade, mas estamos construindo essa prática, reconhecendo e pensando em arranjos nos quais a gente possa dar mais suporte e qualificar essa relação, sem também querer instrumentalizar, garantindo-se a autonomia. Mas elas já são formadores e são formadoras a partir da experiência, das formas de conhecimento próprias”

Glória Cecília, professora da UFBA e organizadora do Simpósio

“ (...) tem que ter essa coligação pra misturar as pessoas, para derrubar mesmo com todas as grades. Mas a gente tem que aprender a respeitar o espaço do próximo, e entender ou tentar entender pelo menos... Porque se um professor da Universidade ele ingressa na comunidade tentando fazer um projeto, e não tem o mínimo de respeito com os que estão ali, eu acho que não vale de nada, de nada mesmo, mesmo que seja feito.”

Vírus, cantor, performer, integrante do antigo Coletivo Roupa Suja (um dos grupos convidados do Simpósio)v

“(...) a gente está ouvindo, dando ouvido, mostrando que o saber empírico da academia não é superior, e é por isso que eu digo: a gente não precisa que a UFBA chegue nas nossas comunidades, a gente precisa que a gente chegue na UFBA, a gente precisa que a gente chegue na UNEB, nas universidades (...). Quando a gente tomar de assalto mesmo, aí a gente vai falar como a gente quiser, sobre nossos espaços, sobre o que a gente vive, que é o que o RAP já faz, só que com outros instrumentos”

Mariene Oliveira, advogada e organizadora do Simpósio

POTÊNCIAS ATIVADAS, APRENDIZADOS, LIMITES

- O Simpósio instaurou um espaço de discussões extremamente importantes através dos diálogos provocados. O debate tensionou, principalmente, um tema muito caro para o presente TFG: a relação da Universidade na produção de conhecimento em colaboração com comunidades e territórios populares e negros. Falas como as de Vírus e Mariane tiveram um caráter formativo, geraram conflitos e mesmo desconfortos nas interlocuções com um dos debatedores, professor da UFBA. As divergências suscitadas pelo debate atestaram a complexidade do tema em questão, revelando a necessidade de que mais espaços como estes sejam fomentados, amplificando as discussões.

- O trabalho de elaboração identidade visual do Simpósio envolveu a realização de colagens, registros audiovisuais e criação de peças gráficas, uma experiência que reverberou em muitos outros projetos futuros, e contribuiu para o pensamento multilinguagens. O diálogo com coletivos urbanos jovens e grupos musicais também se mostrou extremamente fértil, e aponta para possibilidades de caminhos futuros, tecendo novas parcerias e projetos colaborativos.

- Estava previsto, como registro da memória do evento, um livro elaborado a partir das transcrições das falas realizadas nas mesas e rodas de conversa. Infelizmente, a sobreposição com outras demandas e projetos fizeram com que a publicação não fosse concluída, apesar de ainda contarmos com esses arquivos. O processo de criação das fichas aqui apresentadas envolveu o resgaste de documentos como este, que guardam importantes reflexões e merecem ser revisitados para

(re)elaborar pensamentos críticos compartilhados.

CIDADE, IMAGEM, ARQUIVO (+EXPOSIÇÃO ZUMVI ACERVO AFROFOTOGRÁFICO)

2021-2022

O que foi e em qual contexto buscou incidir?

O projeto “Cidade, imagem, arquivo: práticas urbanas em fotografias soteropolitanas”, aprovado no Edital PIBIC de 2021, propõe pesquisar arquivos fotográficos de Salvador na segunda metade do século XX que registram práticas urbanas no ambiente da cidade. Dessa forma, busca-se explorar a história da cidade e suas práticas de constituição dos sujeitos, especialmente nas décadas de 1970 a 1990, por meio de narrativas visuais. Atualmente os arquivos escolhidos para a pesquisa são os acervos fotográficos do Arlete Soares [correspondente ao plano de trabalho da minha pesquisa no âmbito da bolsa PIBIC] e do ZUMVI Arquivo Fotográfico [plano de trabalho da estudante Deise Lima no âmbito da bolsa FABESP]. O foco da investigação é a busca pelo registro de práticas urbanas

que nos permitam acessar outras historiografias da cidade de Salvador,

especialmente aquelas que extrapolam as narrativas de registros e documentos oficiais, revelando as vivências do espaço urbano e sua ocupação pelas pessoas.

A EXPOSIÇÃO

Dentre as atividades do projeto, além da pesquisa e auxílio nas ações de preservação dos Acervos, houve uma colaboração na inauguração do novo espaço expositivo do Zumvi. Conduzida por Deise Lima, estudante bolsista, a construção coletiva de um projeto expográfico para a nova galeria envolveu diálogos para a curadoria de imagens, e o exercício da prática projetual de organização das obras no espaço.

Foto:Artigos a venda na galera do ZUMVI.

Foto: Lázaro Roberto, fundador do Zumvi, na abertura da galeria.

“Trabalhar na expografia da galeria do Zumvi ampliou os meus horizontes para o fazer arquitetônico. Pude colocar em prática atividades mais comuns de projeto como levantamento cadastral e modelo 3D do espaço físico, como pude também contribuir na elaboração de todo o conceito da galeria. (...)

Hoje a galeria, com maior visibilidade, pois localizada numa área de grande circulação de baianos e turistas, na Ladeira do Carmo, Pelourinho, funciona como um espaço de exposição permanente do arquivo, bem como uma loja das próprias fotografias e artigos relacionados. (...) Identificamos também essa localização como um ato de resistência continuado, pois traz para o centro da cidade o registro imagético elaborado por lentes de fotógrafos negros, sobre pessoas negras. O arquivo se desloca da Fazenda Grande do Retiro, periferia de Salvador, para o Centro antigo da Cidade, com isso novas pessoas estão tendo acesso às imagens e compreendendo sua importância, quanto há também a manutenção do Arquivo que também necessita de recursos financeiros para a sua existência.”

Deise Lima, bolsista no Cidade, Imagem, Arquivo, em relatório parcial da pesquisa FABESP.

“ (...) eu sempre estive aí, mas nunca estive, nunca fui chamado. (...). Quando você é um fotógrafo … que você fotografa o racismo, não é bem visto no cenário… “Lá vem o chato que vai falar sobre o racismo…”. Acredito que não necessariamente a figura negra tem que aparecer sorrindo, sambando, sempre mostrando a sensualidade dos corpos, então essa fotografia que os brancos fazem muito, que eles tem os canais de vender mais fácil, eu enxergo isso.

(...) eu sempre estive preocupado com a questão mesmo de mostrar a caminhada, da luta, como essas pessoas vivem, onde vivem, as manifestações, a cultura, e é isso que o Zumvi vem mostrando. (…) Não que eu não fotografe a capoeira, mas com outra visão. Outro ângulo…”

Lázaro Roberto, em entrevista concedida a Deise Lima

APRENDIZADOS, POSSIBILIDADES, DESDOBRAMENTOS

- Realizar coletivamente um projeto expográfico para uma galeria dentro de uma pesquisa significou pôr em prática ferramentas e habilidades que detínhamos − enquanto estudantes de Arquitetura − porém que nunca havíamos mobilizado no âmbito da pesquisa. Esse fazer integrado mostrouse um rico exercício formativo, como apontou Deise, e despertou um desejo de continuidade desta prática, inaugurando possíveis caminhos futuros para nós, enquanto arquitetas urbanistas pesquisadoras da imagem.

- O posicionamento do ZUMVI, tal como expresso na fala de Lázaro, reforça a importância de expandir as narrativas sobre a cidade de Salvador e sobre o povo negro,tema central na pesquisa Cidade, Imagem, Arquivo, e mobilizado também no presente TFG. Ações de fomento, valorização e visibilização do trabalho do Acervo são importantes, porém necessitam acontecer de forma contínua e integrada com projetos de maior porte, para então, poderem atuar no sentido de uma reparação histórica necessária.

PLATAFORMA PIPOCO: UM OUTRO MAPA DE SALVADOR

2020-...

Quem fez acontecer?

Grupo de Pesquisa Lugar Comum, Ministério Público do Estado da Bahia, Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo, Articulação do Centro Antigo, Coletivo TRAMA.

O que foi e em qual contexto buscou incidir?

Pipoco é uma plataforma que compartilha um conjunto de mapeamentos, informações e conhecimentos sobre conflitos urbanos que aconteceram de 2013 a 2020 em territórios de Salvador. Foram mapeados quatro territórios afetados − de fato ou potencialmente − por grandes intervenções urbanas de parcerias público privada (PPP), quais sejam: o Centro Antigo, o Subúrbio Ferroviário, a Paralela e a BR 324.

Quais foram as formas de fazer junto?

- Identificação, sistematização e elaboração de informações e conhecimentos a partir das amostras de conflitos dos territórios trabalhados na pesquisa; - Incorporação de informações enviadas por usuária(o)s da plataforma interativa: parceira(o)s, moradora(e)s e membros de associações, coletivos e movimentos urbanos atuantes nos territórios; - Reuniões coletivas para criação da identidade visual lúdica, buscando articulações multilinguagens [texto, imagem, audiovisual, gif, ilustrações, infográficos, mapas] e customização da plataforma, visando ampliar o acesso e uma melhor comunicação com o público usuário.

AINDA SOBRE O PROJETO...

A plataforma Pipoco foi lançada e está no ar, com rico conteúdo disponível. A partir do recebimento de feedbacks dos usuários, diversos aprimoramentos foram sendo implementados, transformando e adicionando novas camadas ao website. Uma importante mudança foi a criação da seção “Pipocando” que trata sobre confl itos ativos. Dessa forma, além de conter o registro e a memória de eventos passados, objetiva-se que a plataforma possa também repercutir problemáticas e lutas recentes ou ainda em curso.

O projeto foi renovado no edital de apoio fi nanceiro do Ministério Público e encontra-se atualmente em fase de pré lançamento de novos mapeamentos, entre outros desdobramentos.

“Os confl itos urbanos são aqui entendidos como divergências ligadas a diferentes dimensões da vida comum, envolvendo diferentes pessoas, grupos, associações, coletivos e movimentos urbanos, agentes públicos e privados, que mobilizam distintas lógicas, modos de vida e fazeres da cidade. Os confl itos dizem respeito a confrontações diretas, mas também a cooperações e solidariedades que reagem às desigualdades sociais.”

texto contido na apresentação da Plataforma, equipe Pipoco

DIFICULDADES, APRENDIZADOS, CONTINUIDADES

- Um dos maiores desafios do Pipoco é fazer com que a plataforma seja usada e apropriada por um circuito que ultrapasse os limites da academia. De fato, Pipoco atualmente ainda funciona mais como uma fonte de pesquisa para interessados no tema de estudos urbanos, do que como instrumento de mobilização e de luta útil a movimentos sociais e coletivos. Atravessado pela pandemia, o projeto não conseguiu viabilizar atividades previstas (construção de cartografias coletivas, registro de conflitos através de entrevistas e afins) capazes de levar a plataforma presencialmente aos territórios para amplificar seus usos, buscando inclusive construir formas de combater a exclusão digital. Atualmente, essa dimensão ainda se encontra “por fazer”, tendo já sido iniciado um movimento de encontros/ oficinas com membros da Articulação do Centro Antigo, a fim de construir estratégias e maneiras de realizá-la.

- A visibilização de conflitos é um tema delicado, uma vez que as informações disponíveis podem ser cooptadas por agentes que tenham como intuito a criminalização de movimentos sociais. Após sermos alertados desse risco, optou-se por ocultar nomes de pessoas físicas de integrantes dos movimentos, preservando identidades e partilhando apenas os nomes e siglas dos movimentos.

- A seção “Pipocando” aporta o desafio de atualização de conflitos em tempo real, um trabalho continuado que exige uma dedicação de carga horária maior do que os recursos disponíveis de remuneração disponíveis no projeto.

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