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Arquitetura e Urbanismo enquanto prática política
Como construir metodologias de atuação na cidade que escapem de moldes engessados, buscando refletir e (re)elaborar experiências práticas, pensamentos e imaginações, amadurecendo e se modificando continuamente a partir da troca entre diferentes saberes?
Como ampliar a abordagem do espaço acadêmico com uma produção intelectual que contemple a interação entre diversos tipos de conhecimentos e de existências, e se transforme a partir dessa co-presença?
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De que forma a arte e suas multilinguagens podem ser aliadas na busca por novos modos — coletivos e processuais — na construção do conhecimento?
Como situar meu trabalho em um momento de virada epistêmica, somando-se às ampliações e reconfigurações necessárias no campo da Arquitetura e Urbanismo?
Iniciar este trabalho com um apanhado de questões foi como escolhi delinear o espectro de discussões que pretendo desenvolver aqui. Utilizo do exercício de formular perguntas1 como um ato que não guarda em si a pretensão de buscar por respostas “corretas”, consensos ou verdades únicas. Questionar é, acima de tudo, um gesto que abre um leque de possibilidades, instaurando novos lugares de pensamento. Uma pergunta pode sugerir aproximações epistemológicas inéditas, pode deslocar ideias, provocar desvios ou inaugurar novos sentidos.
Todas as questões anteriores, no entanto, confluem para um questionamento maior, que diz respeito à escolha do que propor como trabalho final de graduação, no curso de Arquitetura e Urbanismo, na Universidade Federal da Bahia, em 2022. Muito antes de situar essa pergunta no momento presente, sinto que venho construindo sua resposta ao longo dos últimos anos, e é isso — também — que esse trabalho se propõe: entender que o TFG nasce a partir do recorte de uma atuação contínua que vem sido tecida por mim, mas sobretudo por coletividades das quais faço parte, em especial, o TRAMA. Considero que olhar retrospectivamente para essa trajetória, elaborando reflexões teóricocrítico-criativas a partir de práticas (pesquisas, atividades de extensão, ações coletivas, eventos), é um gesto que tem potencial de suscitar importantes aprendizados. Dessa forma, elencar um repertório de experiências e refletir sobre elas — conteúdo que se concentra no capítulo 3 através das “fichas de análise”
1 Em 2021 fui monitora da disciplina/curso de extensão livre “Imagem e etc - conversas em torno da fotografia”, ofertada no âmbito do PPGAU/FAUFBA (Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo) pela professora Junia Mortimer. Neste ciclo de debates, a cada encontro, um/a ou mais convidados/as expunham suas pesquisas, e então, abria-se um espaço de diálogo no qual estudantes faziam perguntas elaboradas previamente, a partir do estudo dos materiais enviados pelas/os convidadas/ os. Essa experiência foi extremamente rica e transformadora — não apenas pelas trocas e interlocuções, mas pela bagagem que esse exercício deixou —, na exploração de um pensamento relacional e desenvolvimento de um estudo aprofundado e atento que o ato da formulação de perguntas exigia. 1. Arquitetura e Urbanismo como prática política | 19
das experiências e suas posteriores análises — foi um caminho inescapável para entender os modos de fazer-junto que emergem a partir dessas ações coletivas, apresentados no capítulo 4.
Ademais, uso também deste espaço para refletir sobre o que ele representa. Ao fim da graduação, espera-se que o projeto final de uma/um estudante reúna os aprendizados e habilidades acumulados ao longo da sua trajetória acadêmica. No entanto, neste trabalho, encaro o TFG como um espaço que vai além de um mero atestado de competências e habilidades. Acredito que esse momento deve comprometer-se a refletir criticamente sobre meu processo de formação, sobre a faculdade que me educou — suas limitações e insuficiências, mas também suas potencialidades — além de apontar para a continuidade das práticas profissionais nas quais acredito. Busco, com esse trabalho, quebrar com a representação do que “é” o TFG e o re-apresentar, des/ trans/refigurando a convenção posta, e abrindo outras possibilidades. Mais do que técnico, este trabalho é também político.
A energia e o tempo despendidos no desenvolvimento do TFG configuram uma oportunidade única que se tem, enquanto estudante de uma rede pública de ensino, de contribuir para a discussão acerca da prática de Arquitetura e Urbanismo na atualidade. Abre também a possibilidade de articular proposições e alternativas que buscam re-apresentar novos rumos e possíveis respostas para as problemáticas e desafios contemporâneos das cidades. A intenção deste trabalho é de somar aos esforços da construção de novas possibilidades de teorias e práticas da Arquitetura e Urbanismo que pretendem articular ciência, experiência e conhecimentos partilhados, direcionando a futuros que corporifiquem um urbanismo humano (MIRAFTAB, 2016). Acredito a escolha desse caminho aponta para uma atuação profissional mais engajada, sensível e coletiva, com um repertório de modos de fazer projetos para “remundizar”, isto é, “criar mundos” de maneiras diferentes, que já não correspondem às maneiras
de mundo que herdamos — o que não significa que não herdamos o mundo que herdamos, mas sim, que o fazemos de maneira diferente2. (CADENA; KRENAK, 2020)
Atividade de imersão do TRAMA. Acervo da autora, 2022.
2 Texto transcrito da live “Políticas cosmológicas”, diálogo de abertura do Festival Seres Rios, em 2021, no qual foram convidados Ailton Krenak e Marisol de la Cadena, com mediação de Ana Gomes, para discutir questões urgentes na construção de presentes e futuros de convivência com as águas e o planeta.
São João do Cabrito. Acervo da autora, 2020.

São João do Cabrito. Acervo da autora, 2020.
