Patologia do Sistema Cardiovascular II (coração)

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Coração

Características morfofuncionais gerais:

- topografia: assentado sobre o diafragma, anteriormente à coluna e esôfago torácicos, cercado lateralmente pelos pulmões;

- irrigação: aa. coronárias esq. (rr. interventricular ant. e circunflexo) e dir. (rr. marginal dir. e interventricular post.);

- drenagem venosa: vv. cardíacas magna, média e parva (ao seio coronário);

- drenagem linfática: lnn. braquiocefálicos e traqueobronquiais;

- inervação: plexo cardíaco (rr. cardíacos do n. vago e tronco simpático).

O coração in situ, no mediastino.

Coração

Características morfofuncionais gerais

A. coronária dir.

R. marginal dir.

R. interventricular posterior

R. interventricular anterior

A. coronária esq.

R. circunflexo

(Vista oblíqua anterior direita) (Vista oblíqua anterior esquerda)

Aa. coronárias e importantes ramos.

Aorta
Aorta

Coração

Características morfofuncionais gerais:

- revestido internamente por epitélio simples escamoso (endocárdio, contínuo ao endotélio);

- parede muscular (miocárdio) particularmente espessa no ventrículo esq. (1,3-1,5 cm);

- envoltório (pericárdio) organizado em três folhetos;

- valvas (dispositivos antirrefluxo) compõem-se por cúspides ricas em fibras colágenas e elásticas, revestidas por endocárdio.

Miocárdio

Endocárdio

Pericárdio

fibroso

Pericárdio

seroso parietal

Cavidade

pericárdica

Pericárdio

seroso visceral

Organização da parede cardíaca e aspecto microscópico do miocárdio.

Pericárdio

Coração

Características morfofuncionais gerais:

- normalmente opera, no repouso, na frequência de 60-100 bpm (débito cardíaco de aprox. 5l/min);

- perfundido durante a diástole (encurtada na taquicardia), é muito sensível à isquemia (grande demanda energética);

- contratilidade autônoma (nó sinoatrial), modulada por fibras simpáticas (noradrenalina) e parassimpáticas (acetilcolina);

- força de contração proporcional (até certo limite) à dilatação das câmaras (Frank-Starling).

Doenças do coração

Coronariopatias:

- distúrbios das aa. coronárias favorecem isquemia miocárdica, que pode culminar com infarto de proporções (e repercussões) variáveis;

- representadas principalmente pela aterosclerose coronariana;

- entidades menos frequentes incluem distúrbios vasoespásticos, vasculites, dissecção, embolismos.

Doenças do coração

Aterosclerose coronariana:

- principal entidade (> 90% dos casos) responsável por isquemia e infarto do miocárdio;

- mais importante causa de mortes no mundo;

- mais comum em homens, tipicamente após os 50 anos;

- histórico familiar é importante fator de risco;

- HAS, dislipidemia, diabetes, sedentarismo, obesidade e tabagismo são os principais fatores de risco modificáveis.

Diversos dos fatores de risco para a doença aterosclerótica coronariana são modificáveis/controláveis.

Doenças do coração

Aterosclerose coronariana:

- pode ser observada em um ou vários segmentos arteriais (mais comum à esquerda), em geral nos seus trajetos superficiais/subepicárdicos;

- a gravidade da obstrução depende da artéria envolvida (quanto mais proximal, mais grave) e percentual do lúmen comprometido;

- consequências agravadas na vigência de fatores que desfavoreçam o equilíbrio entre perfusão e demanda (p. ex., hipertrofia miocárdica, taquicardia, hipoxemia, choque).

Focos de aterosclerose estenosante (setas) em ramos da a. coronária esq. e a. coronária dir.

Doenças do coração

Aterosclerose coronariana:

- obstruções luminais superiores a 70% tendem a impor isquemia miocárdica sintomática (desconforto/dor precordial) no contexto de demanda metabólica aumentada (p. ex., esforço físico, estresse emocional);

- episódios isquêmicos (sintomáticos ou não) podem precipitar arritmias potencialmente letais (importante causa de morte súbita);

- infarto miocárdico agudo em geral ocorre no contexto de trombose (erosão/ruptura da placa ateromatosa).

A angina pectoris é motivada por isquemia miocárdica e traduz-se por desconforto em aperto ou dor precordial, que pode irradiar-se ao membro superior esquerdo.

Doenças do coração

Aterosclerose coronariana

Placa aterosclerótica coronariana associada a importante redução luminal (à direita, complicada com trombose).

Doenças do coração

Infarto miocárdico agudo:

- complicação possível de qualquer condição que imponha isquemia severa e prolongada ao miocárdio;

- em geral há contexto de aterosclerose coronariana complicada com trombose (90% dos casos), tipicamente na ausência de estenose crítica; - tromboêmbolos de origem intracardíaca ou paradoxal, vasoespasmos (p. ex., intoxicação por drogas), vasculites, hipertrofia miocárdica importante e choque são causas menos frequentes;

- pode ser subclínico ou manifesto por desconforto/dor precordial (isquemia), sudorese, palidez, náuseas/vômitos e/ou dispneia (congestão/edema pulmonar).

Doenças do coração

Infarto miocárdico agudo:

- cronologia dos principais eventos fisiomorfológicos:

-- poucos segundos de isquemia já prejudicam o metabolismo aeróbico dos cardiomiócitos (↓ ATP), cuja atividade contrátil se deteriora a partir do primeiro minuto;

-- conforme a extensão da isquemia, a disfunção miocárdica subsequente já pode ser suficiente para provocar insuficiência cardíaca (mesmo na ausência de infarto);

-- em poucos minutos, alterações ultraestruturais reversíveis se tornam evidentes.

Doenças do coração

Infarto miocárdico agudo:

- cronologia dos principais eventos fisiomorfológicos:

-- a progressão para necrose depende de múltiplos fatores, como intensidade e duração da isquemia, frequência e ritmo cardíacos, grau de oxigenação sanguínea; -- em geral, havendo isquemia severa (fluxo <10%), sinais ultraestruturais de lesão irreversível/necrose se tornam evidentes após 20-30 min; -- sinais de necrose apreciáveis à microscopia óptica surgem após 4h de isquemia severa.

Doenças do coração

Infarto miocárdico agudo:

- cronologia dos principais eventos fisiomorfológicos:

-- um infiltrado neutrofílico crescente é observado após 12h;

-- após 24h, o centro da área infartada assume tonalidade pardacenta, tornando-se vagamente observável ao exame macroscópico (exibindo-se mais bem demarcada ao longo da primeira semana);

-- após 1 semana, um tecido de granulação se exibe em progresso;

-- uma cicatriz esbranquiçada começa a se definir após 2 semanas, exibindo-se madura, em geral, em torno de 2 meses após o infarto.

Aspecto microscópico do infarto miocárdico após aprox. 48h (à esquerda; à direita, miocárdio normal para comparação).

Doenças do coração

Infarto miocárdico agudo:

- cronologia dos principais eventos fisiomorfológicos:

Aspecto microscópico do infarto miocárdico após 5 dias (à esquerda), 10 dias (centro) e 2 meses (à direita).

Doenças do coração

Infarto miocárdico agudo:

- cronologia dos principais eventos fisiomorfológicos:

Aspecto macroscópico de um infarto miocárdico recente (5-7 dias, à esquerda) e antigo (vários meses).

Doenças do coração

Infarto miocárdico agudo:

- a necrose de cardiomiócitos resulta no vazamento de biomoléculas (como troponinas e creatina quinase) cuja dosagem (no sangue) corrobora com o diagnóstico; - perturbações da eletrocondução miocárdica acarretam alterações eletrocardiográficas típicas (desnivelamentos do segmento ST, ondas Q), que corroboram com o diagnóstico.

livre

Troponina ligada à actina

Alterações laboratoriais e eletrocardiográficas características podem ser observadas no infarto agudo do miocárdio.

CK-MB
Miosina Actina
Troponina

Doenças do coração

Infarto miocárdico agudo:

- o VE é o compartimento mais sensível à isquemia (fluxo/demanda);

- os territórios ventriculares infartados refletem a distribuição dos segmentos arteriais comprometidos, os principais sendo:

-- a. interventricular anterior (~45% dos casos): ápice, parede anterior do VE e porção anterior do septo interventricular;

-- a. circunflexa (~15% dos casos): parede lateral do VE;

-- a. coronária dir. (~35% dos casos): parede pósteroinferior do VE e porção posterior do septo interventricular (pode haver infarto do VD associado).

- na insuficiência coronariana generalizada (choque), um infarto com extensão circunferencial é característico.

A. interventricular anterior

infartada

A. circunflexa A. coronária direita Choque

Territórios ventriculares comumente infartados e artérias envolvidas.

Doenças do coração

Infarto miocárdico agudo:

- observam-se diferentes padrões de comprometimento miocárdico conforme a causa e duração da isquemia;

- nas coronariopatias superficiais (p. ex., aterotrombose) a lesão/infarto se inicia na região subendocárdica e progride em direção ao epicárdio, podendo tornar-se transmural dentro de (aprox.) 6 horas de isquemia severa;

- nos distúrbios envolvendo vasos intramurais, de menor calibre, (microembolismos, vasculites) um padrão multifocal é característico.

Padrões de comprometimento da parede miocárdica no infarto.

Posterior

Doenças do coração

Infarto miocárdico agudo:

- principais complicações:

-- pode haver insuficiência aguda do VE, favorecendo congestão/edema agudo pulmonar e, nos casos mais graves, choque cardiogênico (importante causa de morte);

-- distúrbios da eletrocondução miocárdica favorecem arritmias potencialmente letais (fibrilação ventricular);

-- trombose cardíaca pode decorrer de estase sanguínea (contratilidade miocárdica prejudicada) e/ou focos de lesão endocárdica (potencial para eventos tromboembólicos).

Doenças do coração

Infarto miocárdico agudo: - principais complicações: -- rotura miocárdica por necrose transmural, em geral da parede livre do VE (resultando em hemopericárdio e choque obstrutivo, geralmente letal); -- menos comumente, roturas septais levam ao desvio parcial do fluxo para o VD, enquanto roturas de mm. papilares favorecem insuficiência mitral.

Roturas cardíacas (setas) são uma possível complicação precoce e grave nos infartos transmurais.

Doenças do coração

Infarto miocárdico agudo: - principais complicações:

-- áreas de necrose transmural cicatrizadas (sem função contrátil) estão sujeitas à expansões aneurismáticas (menor resistência à pressão); -- em longo prazo, conforme a extensão dos danos, pode haver hipertrofia compensatória do miocárdio remanescente e dilatação progressiva do VE, corroborando com insuficiência cardíaca crônica.

Aneurisma ventricular esquerdo (seta) secundário ao infarto miocárdico.

Doenças do coração

Cardiomiopatias:

- designam distúrbios primários do miocárdio, que prejudicam a eficiência da bomba cardíaca e tipicamente levam ao aumento do volume cardíaco;

- a rigor, não se incluem as doenças que repercutem sobre o miocárdio, de outro modo saudável (p. ex., hipertensão arterial, coronariopatias, valvopatias);

- causas podem ser herdáveis ou adquiridas;

- em geral classificadas conforme a alteração morfopatológica predominante (dilatação ou hipertrofia das câmaras).

Doenças do coração

Cardiomiopatia dilatada:

- dilatação importante das câmaras cardíacas, não atribuível a distúrbios extrínsecos ao miocárdio (hipertensão arterial, valvopatias, coronariopatias);

- classe mais comum de cardiomiopatia (90% dos casos);

- diagnóstico em geral entre os 20 e 50 anos;

- manifestações clínicas incluem dispneia e fadiga (intolerância progressiva aos esforços), sinalizando insuficiência contrátil.

Doenças do coração

Cardiomiopatia dilatada:

- mecanismos iniciais variam conforme a causa (muitas vezes não identificável);

- mutações hereditárias, implicando alterações na membrana plasmática, citoesqueleto ou proteínas miofibrilares dos cardiomiócitos fundamentam até 50% dos casos;

- as anormalidades na geração e transmissão de força no tecido cardíaco prejudicam seu desempenho contrátil.

Doenças do coração

Cardiomiopatia dilatada:

- outras causas incluem desde infecções, autoimunidade e intoxicações (principalmente por álcool), até distúrbios neuromusculares ou endócrinometabólicos (p. ex., sobrecarga de ferro); - as causas inflamatórias (miocardites) em geral têm natureza infecciosa, principalmente viral (em áreas endêmicas, o T. cruzi é também agente comum).

A lesão de cardiomiócitos por agentes infecciosos (à esquerda; seta: T. cruzi) ou pela sobrecarga de ferro (à direita; seta: depósitos de hemossiderina) pode levar à cardiomiopatia dilatada.

Doenças do coração

Cardiomiopatia dilatada:

- a dilatação progressiva das câmaras (menor resistência do miocárdio à pressão) associa-se à disfunção sistólica/contrátil (culminando com insuficiência da bomba cardíaca);

- à macroscopia, o coração exibe-se difusamente aumentado (2-3 vezes o tamanho normal), globoso, com câmaras alargadas e paredes flácidas;

- alterações microscópicas (em geral inespecíficas) incluem hipertrofia (compensatória) de cardiomiócitos e fibrose.

Aspecto macro e microscópico da cardiomiopatia dilatada.

Doenças do coração

Cardiomiopatia dilatada

Cardiomiopatia dilatada em comparação com um coração normal (secção transversal).

Doenças do coração

Cardiomiopatia hipertrófica:

- hipertrofia importante das paredes cardíacas (em especial do VE), não atribuível a distúrbios extrínsecos ao miocárdio (hipertensão arterial, valvopatias);

- diagnóstico em geral entre os 20 e 40 anos;

- manifestações clínicas, quando presentes, incluem dor torácica e (menos comumente) síncope;

- principal causa de morte súbita em atletas jovens.

Doenças do coração

Cardiomiopatia hipertrófica

A cardiomiopatia hipertrófica pode ter a morte súbita como primeira manifestação (diagnóstico à necrópsia).

Doenças do coração

Cardiomiopatia hipertrófica:

- etiopatogênese envolve mutações em genes que expressam proteínas sarcoméricas (β-miosina, troponina T, α-tropomiosina, dentre outras);

- o espessamento progressivo das paredes cardíacas (em particular do VE) associa-se à disfunção diastólica (↓ volume e complacência).

Doenças do coração

Cardiomiopatia hipertrófica:

- a hipertrofia do septo interventricular é mais proeminente na região subaórtica (impondo maior resistência ao efluxo transvalvar na sístole, que representa estímulo adicional à hipertrofia);

- focos de isquemia miocárdica são comuns, especialmente em frequências elevadas (diástole abreviada e alta pressão intraventricular, que eleva a resistência à perfusão miocárdica).

Doenças do coração

Cardiomiopatia hipertrófica:

- as paredes do VE podem ultrapassar 3 cm de espessura;

- a hipertrofia ventricular pode ser simétrica (quando difusa) ou (mais comumente) assimétrica, predominando na região septal (em especial subaórtica);

- cardiomiócitos hipertrofiados (com diâmetro 2-3 vezes o normal) e arranjados irregularmente, com alguma fibrose, são característicos.

Aspecto macro (padrões simétrico e assimétrico) e microscópico da cardiomiopatia hipertrófica.

AE

Doenças do coração

Cardiomiopatia hipertrófica

Cardiomiopatia hipertrófica (simétrica) em comparação com um coração normal (secção transversal).

Doenças do coração

Valvopatias:

- distúrbios que comprometem as valvas cardíacas, prejudicando o fluxo do sangue pelo coração e/ou para fora dele;

- valvas aórtica e mitral são as mais comumente comprometidas;

- podem ser classificadas como estenosantes ou regurgitantes;

- designam-se funcionais as valvopatias secundárias a anormalidades em estruturas adjacentes (esqueleto fibroso, mm. papilares, aorta), como em decorrência de coronariopatia ou hipertensão arterial.

Doenças do coração

Valvopatias:

- a estenose ou insuficiência mitral impõe sobrecarga atrial e vascular a montante (congestão pulmonar; na tricúspide, congestão sistêmica);

- a estenose ou insuficiência aórtica/pulmonar impõe sobrecarga sobre o ventrículo correspondente, que tende a evoluir com hipertrofia/dilatação e insuficiência.

Doenças do coração

Valvopatia calcificada senil:

- distúrbio valvar mais comum; - tipicamente após os 60 anos;

- compromete especialmente a valva aórtica (menos comumente, a valva mitral);

- favorecida (e mais precoce) na vigência de anomalia valvar congênita (valva aórtica bicúspide; 1% da população).

Doenças do coração

Valvopatia calcificada senil:

- etiopatogênese envolve estresse mecânico recorrente sobre as cúspides (pressão sanguínea, abertura/fechamento ininterruptos);

- a injúria crônica propicia um ambiente favorável à calcificação distrófica, que parece corroborada pela atuação de células (semelhantes a osteoblastos) que sintetizam matriz óssea (metaplasia);

- fatores como hipertensão arterial e hiperlipidemia intensificam a agressão aos tecidos valvares.

Doenças do coração

Valvopatia calcificada senil:

- a calcificação subtrai maleabilidade das cúspides, dificultando sua abertura e reduzindo o óstio valvar (na valva aórtica, de aprox. 4cm2 para até 0,5cm2);

- estenose progressiva da valva aórtica impõe sobrecarga sistólica ao VE, podendo levá-lo à hipertrofia/dilatação (e respectivas repercussões);

- à microscopia, um discreto infiltrado linfocítico pode ser observado em torno das áreas calcificadas.

Aspecto macro e microscópico da calcificação valvar aórtica.

Doenças do coração

Valvopatia reumática:

- valvulite autoimune que pode exibir-se na febre reumática aguda, evoluindo para valvopatia crônica em até 50% dos casos (principal complicação);

- compromete especialmente a valva mitral (valva aórtica pode ser afetada em conjunto);

- febre reumática aguda em geral na infância ou adolescência (tipicamente entre 5 e 15 anos);

- incidência e mortalidade têm declinado nas últimas décadas (tratamento precoce), mas ainda afeta milhões em todo o mundo.

Doenças do coração

Valvopatia reumática:

- a febre reumática aguda decorre de reação imune "cruzada" (<5% dos casos), originalmente orientada contra antígenos bacterianos; - infeção (tipicamente) das vias aéreas superiores, por estreptococos do grupo A (Streptococcus pyogenes), é o evento primordial;

- anticorpos interagem com autoantígenos em topografias diversas (em especial coração e articulações).

Doenças do coração

Valvopatia reumática:

- inflamação difusa do coração (pancardite, potencialmente letal) e poliartrite migratória (de grandes articulações), acompanhadas por febre, são características na doença aguda (que pode recorrer na vigência de reinfecção, com danos cumulativos);

- anos/décadas após a doença aguda, manifestações de disfunção valvar (em geral mitral) decorrem de deformidades das cúspides (sequelas da valvulite aguda).

Doenças do coração

Valvopatia reumática:

- fibrose e calcificação levam ao espessamento e distorção valvar, com aderências comissurais entre as cúspides, resultando em estenose; - nos casos severos, o óstio valvar (de aprox. 4-6cm2, na valva mitral) exibe-se drasticamente reduzido (menos de 1cm2); - pode haver retração fibrótica das cúspides e extensão dos danos às cordas tendíneas, resultando em aderências e encurtamentos, favorecendo-se a insuficiência valvar.

Fusão de comissura (seta) e espessamento de cordas tendíneas na valvopatia reumática crônica.

Doenças do coração

Valvulite/endocardite infecciosa:

- doença aguda/subaguda que compromete o endocárdio, em especial o valvar;

- observada mais comumente nas valvas mitral e aórtica;

- principais agentes são bacterianos (menos comumente, fúngicos);

- comorbidades valvares (valvopatia reumática crônica, calcificação, prolapsos, anomalias congênitas) associam-se a maior risco;

- manifestações clínicas incluem febre com calafrios, fadiga e sinais/sintomas de insuficiência cardíaca nos casos graves.

Doenças do coração

Valvulite/endocardite infecciosa:

- agentes causais incluem o Staphylococcus aureus (maior virulência; evolução aguda e grave) e o Streptococcus viridans (quadros subagudos);

- em 10% dos casos não se identificam agentes à hemocultura;

- a infecção da superfície valvar requer duas condições essenciais:

-- acesso prévio do agente à circulação (infecção em outros sítios, inoculação por procedimentos invasivos de qualquer natureza);

-- danos à superfície endocárdica, resultando na formação de trombos, que proporcionam um nicho ideal para a colonização microbiana (acesso difícil para a resposta imunoinflamatória).

Doenças do coração

Valvulite/endocardite infecciosa:

- a inflamação valvar resulta na formação de vegetações friáveis compostas por material trombótico infectado e células inflamatórias;

- pode haver perfuração das cúspides, rotura de cordas tendíneas e formação de abscesso perivalvar, favorecendo regurgitação valvar importante (e insuficiência cardíaca);

- a eventual fragmentação das vegetações produz êmbolos que podem levar à disseminação da infecção.

Vegetações valvares (setas) são achados muito característicos na endocardite infecciosa. À direita, colônias bacterianas incrustadas no interior de um trombo/vegetação.

Doenças do coração

Cardiopatias hipertensivas:

- distúrbios secundários à sobrecarga pressórica imposta ao coração, levando-o inicialmente à hipertrofia e, finalmente, à dilatação;

- associada à hipertensão arterial sistêmica (sobrecarregando, primeiramente, o VE) ou pulmonar (sobrecarregando o VD);

- manifestações traduzem insuficiência ventricular esquerda (congestão e edema pulmonares, dispneia, fadiga) ou direita (congestão e edema em membros inferiores, fígado e baço, efusões).

Doenças do coração

Cardiopatia hipertensiva sistêmica:

- secundária, cronicamente, à hipertensão arterial sistêmica, representa importante causa de morbimortalidade no mundo;

- hipertensão grau I (140-159 x90-99 mmHg) não exclui risco;

- induz hipertrofia (resposta adaptativa) do VE (principal causa);

- inicialmente compensatória, a hipertrofia acaba por subtrair eficiência da bomba cardíaca (↓ volume e complacência ventriculares, ↑ resistência à perfusão miocárdica, ↑ metabolismo basal).

Doenças do coração

Cardiopatia hipertensiva sistêmica:

- a disfunção diastólica sobrecarrega o AE (dilatando-o) e a circulação à montante (congestão pulmonar);

- com o tempo, a combinação de sobrecarga persistente e perfusão miocárdica ineficiente (isquemia crônica, fibrose e enfraquecimento da parede) resulta na dilatação gradual do VE;

- a insuficiência ventricular esquerda por fim repercute em sobrecarga ventricular direita (pela hipertensão imposta à circulação pulmonar) e respectivos desdobramentos (hipertrofia/dilatação, insuficiência).

Doenças do coração

Cardiopatia hipertensiva pulmonar (cor pulmonale):

- secundária à hipertensão arterial pulmonar (˃30x15 mmHg no repouso) decorrente de distúrbio pulmonar primário;

- pode instalar-se aguda ou cronicamente;

- tromboembolismo pulmonar é importante causa aguda, enquanto o enfisema pulmonar/bronquite crônica são frequentes causas crônicas;

- na doença crônica, a hipertrofia (resposta adaptativa) precede a dilatação do VD;

- na doença aguda, uma sobrecarga súbita e intensa impõe dilatação ao VD (podendo levá-lo à falência), sem haver hipertrofia.

Doenças do coração

Cardiopatias hipertensivas

Aspecto macroscópico das cardiopatias hipertensivas sistêmica (à esquerda) e pulmonar.

Anomalias congênitas

Considerações gerais:

- principal causa de distúrbios cardiovasculares na infância;

- o coração é o órgão que mais comumente exibe anomalias do desenvolvimento, em geral definidas entre a 3ª e 8ª semanas;

- etiopatogênese complexa, envolvendo fatores genéticos e/ou ambientais;

- podem provocar alterações hemodinâmicas que impõem modificações adicionais à anatomia cardíaca (hipertrofia, dilatação);

- podem ser desde subclínicas (sem repercussão hemodinâmica significativa) até incompatíveis com a vida (atualmente, mais de 90% chegam à vida adulta).

Anomalias congênitas

Considerações gerais:

- diversas anomalias resultam em desvios anormais (shunts) do fluxo sanguíneo entre o coração direito e esquerdo ou vice-versa; - a presença de cianose sinaliza gravidade e traduz hipoxemia por desvio de sangue venoso da circulação pulmonar (quando predomina o interfluxo da direita para a esquerda).

Anomalias congênitas

Comunicação interventricular (CIV):

- mais comum anomalia congênita do coração (25% de todos os casos);

- decorre da formação incompleta do septo interventricular;

- defeito isolado ou associado a outras anomalias (mais comum);

- repercussões variam conforme a magnitude do defeito;

- o interfluxo é orientado ao VD, em razão do gradiente de pressão.

Aspecto macroscópico e representação esquemática da CIV.

Aorta

Anomalias congênitas

Comunicação interventricular (CIV):

- a sobrecarga sobre o VD constitui estímulo a sua hipertrofia; - o maior volume/pressão direcionado à circulação pulmonar induz hipertrofia e aumento do tônus arteriais, a fim de assegurar uma perfusão alveolar fisiológica; - a hipertensão pulmonar impõe estresse excepcional ao endotélio local, favorecendo processos escleróticos (típicos da circulação sistêmica) e acentuando a sobrecarga ventricular.

Anomalias congênitas

Comunicação interventricular (CIV): - finalmente, a pressão da circulação pulmonar pode equiparar-se à sistêmica, favorecendo a inversão do interfluxo original, desviando-se sangue venoso da circulação pulmonar (síndrome de Eisenmenger); - havendo interfluxo bidirecional/invertido, manifestações como hipoxemia, cianose, dispneia aos esforços, síncope e dor torácica podem somar-se àquelas da insuficiência ventricular direita.

Anomalias congênitas

Comunicação interatrial (CIA):

- segunda mais comum anomalia congênita do coração (exclui-se a persistência pós-natal do forame oval, em 20% da população, que não tem repercussão hemodinâmica);

- defeito isolado (mais comumente) ou associado a outras anomalias; - decorre da formação incompleta do septo interatrial;

- o interfluxo é orientado ao AD, em razão da sua maior complacência e menor resistência da circulação pulmonar.

Anomalias congênitas

Comunicação interatrial (CIA):

- repercussões em geral pouco expressivas nas primeiras décadas de vida (pacientes toleram bem); - em longo prazo (nos casos significativos) a sobrecarga imposta à vasculatura pulmonar (fluxo 2-8 vezes maior) culmina com hipertensão pulmonar e seus respectivos efeitos, incluindo possível inversão do interfluxo original (com cianose tardia).

Anomalias congênitas

Transposição das grandes artérias (TGA): - causa comum de cardiopatia cianótica em neonatos; - a aorta origina-se do VD, e o tronco pulmonar, do VE (as conexões atrioventriculares se exibem inalteradas), resultando na separação das circulações sistêmica e pulmonar.

Anomalias congênitas

Transposição das grandes artérias (TGA):

- em geral há outros defeitos associados, tipicamente CIA (mais comum), CIV e/ou ducto arterioso persistente (que acabam permitindo alguma mistura entre as circulações);

- repercussões dependem do grau de hipoxemia resultante (pelo desvio da hematose), que se impõe inclusive sobre o miocárdio (óbito em poucos meses, se ausência de intervenção cirúrgica).

Aspecto macroscópico e representação esquemática da TGA (concomitância com outras anormalidades, como persistência do ducto arterioso, é comum).

Ducto arterioso

Anomalias congênitas

Tetralogia de Fallot:

- causa comum de cardiopatia cianótica em neonatos; - estenose do tronco pulmonar associada a defeito do septo interventricular (CIV), dextroposição da aorta (com cavalgamento do septo interventricular) e hipertrofia do VD; - a estenose do tronco pulmonar induz hipertrofia do VD e impõe um interfluxo transseptal orientado ao VE (desvio parcial da circulação pulmonar).

- repercussões dependem do grau de hipoxemia resultante.

Aorta
Estenose

Anomalias congênitas

Coarctação aórtica:

- causa comum de cardiopatia obstrutiva congênita;

- estreitamento observado ao longo do trajeto aórtico, mais comumente (90% dos casos) logo após a emergência da a. subclávia esq;

- é frequente a associação com valva aórtica bicúspide (até 70% dos casos);

- repercussões dependem da localização e severidade da constrição, além da coexistência com outros defeitos (como persistência do ducto arterioso).

Apresentação típica da coarctação aórtica (à macroscopia, em vista posterior; seta), neste caso associada à permanência do ducto arterioso (com desvio da hematose).

Anomalias congênitas

Coarctação aórtica:

- complicações resultam principalmente da hipertensão nos segmentos proximais ao estreitamento (↑ risco para aterosclerose, dissecção, aneurismas, hipertrofia/dilatação e insuficiência ventricular);

- manifestações, se presentes, podem incluir claudicação aos esforços, com extremidades frias e pulso diminuído nos membros inf. (insuficiência arterial), cefaleia, epistaxe.

A. torácica interna

A. epigástrica sup./inf.

A coarctação aórtica impõe sobrecarga a rotas arteriais colaterais, especialmente por meio das aa. torácicas internas e intercostais/epigástricas.

intercostal

A.

Referências bibliográficas

Gerais:

1. Kumar V, Abbas A, Aster J. Robbins & Cotran: Pathologic basis of disease. 9th ed. Elsevier; 2016.

2. O'Dowd G, Bell S, Wright S. Wheather's Pathology: A text, atlas and review of histopathology. 9th ed. Elsevier; 2020.

3. Klatt E. Robbins & Cotran: Atlas of pathology. 3rd ed. Elsevier; 2015.

4. Buja L, Krueger G. Netter's Illustrated human pathology. 2nd ed. Elsevier; 2011.

5. Goldblum J, et al. Rosai & Ackerman's Surgical pathology. 11th ed. Elsevier; 2017.

Específicas:

1. Sheppard MN. Practical cardiovascular pathology. 2nd ed. Hodder Arnold; 2011.

2. Suvarna SK. Cardiac Pathology. 2nd ed. Springer; 2020.

Referências bibliográficas

Complementares:

1. Sociedade Brasileira de Anatomia. Terminologia Anatômica. Manole; 2001.

2. Federative International Committee on Anatomical Terminology. Terminologia Histologica. LWW; 2008.

3. Ovalle WK, Nahirney PC. Netter: Bases da histologia. Elsevier; 2008.

4. Ross MH, Pawlina W. Histologia texto e atlas. 6ª ed. Guanabara Koogan; 2012.

5. Mills S. Histology for pathologists. 4th ed. LWW; 2012.

6. Alberts B, et al. Biologia molecular da célula. 6ª ed. Artmed; 2017.

7. Standring S. Gray's Anatomia: a base anatômica da prática clínica. 40ª ed. Elsevier; 2011.

8. Schunke M, Schulte E, Schumacher U. Prometheus: Atlas de anatomia. Guanabara Koogan; 2007.

9. Netter FH. Atlas de anatomia humana. 7ª ed. Elsevier; 2018.

10.Jansen JT, Netter FH. Netter's Clinical anatomy. 4nd ed. Elsevier; 2019.

11.Moore KL, Persaud PVN. Embriologia clínica. 10ª ed. Elsevier; 2016.

12.Boron W, Boulpaep E. Medical Physiology. 3rd ed. Elsevier; 2017.

13.Coico R, Sunshine G. Immunology. 7th ed. Wiley Blackwell; 2015.

14.Porto C, Porto A. Semiologia médica. 8ª ed. Guanabara Koogan; 2019.

15.Longo DL, Fauci AS, Kasper DL, et al. Medicina interna de Harrison. 18ª ed. Artmed; 2013.

Sugestão de leitura extracurricular

Uma Senhora Toma Chá... (David Salsburg)

"Para o cientista moderno, eventos aleatórios não são simplesmente indomados, inesperados e imprevisíveis − sua estrutura pode ser descrita matematicamente".

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