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PREFÁCIO

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PRESENTE E FUTURO

PRESENTE E FUTURO

de processamento pós-colheita adotado (via seca ou via úmida). Pelo processamento pela via seca, em que os frutos são processados integralmente por períodos de até vinte dias, Bacillus e BAL são os grupos dominantes. Para os cafés processados pelo método da via úmida, a adição de água e a remoção da casca dos frutos estimulam o desenvolvimento de microrganismos de metabolismo fermentativo como as leveduras. O processamento pela via úmida reduz drasticamente o período de fermentação para 24 a 48 horas.

Em ambos os processos fermentativos, a intensa atividade microbiana gera metabólitos que lixiviam para o interior das sementes de cacau e café, contribuindo para a formação dos precursores de sabor, aroma e cor dos produtos obtidos. No presente capítulo, serão abordados os processos fermentativos associados às cadeias produtivas de cacau e café, visando elucidar o papel da microbiota e seu impacto nos atributos químicos e sensoriais.

10.2 BREVE HISTÓRICO DA PRODUÇÃO DE CACAU E CAFÉ NO MUNDO

O cacaueiro (Theobroma cacao L.) é uma árvore perene pertencente à família Malvaceae e nativo das florestas tropicais da América Central e do Sul, com origem na bacia Amazônica (MOTAMAYOR et al., 2008; ZARRILLO et al., 2018). As sementes do fruto do cacaueiro são utilizadas como matéria-prima para produção de chocolate e seus derivados, como cacau em pó, manteiga de cacau e liquor de cacau (SCHWAN; WHEALS, 2004; VÁSQUEZ et al., 2019). Comercialmente, o cacaueiro é cultivado ao longo de toda a zona equatorial, entre as latitudes 20 °N e 20 °S em relação à linha do Equador, região conhecida como “Cinturão do Cacau” (em inglês, Cocoa Belt) (LALIBERTÉ, 2012). Atualmente, a Costa do Marfim é o maior produtor mundial de cacau, seguido por Gana, Indonésia, Nigéria, Brasil, Camarões e Equador (FAO, 2020). Forastero, Criollo, Trinitario e Nacional são as principais variedades de cacau cultivadas, as quais atribuem diferentes características sensoriais à qualidade final dos produtos (AFOAKWA, 2010; KONGOR et al., 2016; LALIBERTÉ, 2012).

O consumo de cacau tem demonstrado diversos benefícios para a saúde humana, principalmente devido à elevada concentração de compostos antioxidantes, incluindo catequinas, epicatequinas, procianidinas e compostos fenólicos (ANDÚJAR et al., 2012; APROTOSOAIE; LUCA; MIRON, 2016). Além da indústria alimentícia, as sementes de cacau também possuem aplicações nas indústrias farmacêutica e de cosméticos (BEG et al., 2017).

O cafeeiro pertence à família Rubicaceae e ao gênero Coffea L., o qual compreende 103 espécies de árvores e arbustos tropicais (BREMER; ERIKSSON, 2009). Apesar da grande diversidade ecológica, apenas duas espécies são exploradas comercialmente: Coffea arabica L. (Arábica) e Coffea canephora P. (Robusta), as quais representam 75% e 25% dos produtos no mercado global, respectivamente (MUS-

CAPÍTULO 11

Microbiologia e produção de pães de fermentação natural

Leidiane Andreia Acordi Menezes,1 Ivan De Marco,1 Francieli Begnini Siepmann,2 Michele Rigon Spier2 e Juliano De Dea Lindner1

11.1 INTRODUÇÃO

O fermento sourdough, também conhecido como massa madre, levain ou fermento natural, consiste em uma massa fermentada por bactérias ácido-láticas (BAL) e leveduras naturalmente presentes na matéria-prima e no ambiente de produção, utilizado como agente fermentativo para a produção de pães e outros produtos de panificação. Estima-se que esta tecnologia tenha se originado no Egito por volta de 1500 a.C., correspondendo a um dos primeiros processos de fermentação empregados pelo homem para a produção de pães (CHAVAN; CHAVAN, 2011; HAMMES; GÄNZLE, 1998).

Tal processo compreende a mistura de farinha e água, a fim de se obter uma massa que naturalmente fermentará por um dia. Em seguida, são realizadas etapas consecutivas de propagação ou alimentação do fermento, nas quais uma alíquota da massa previamente fermentada é utilizada como inóculo para fermentar uma nova

1 Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Departamento de Ciência e Tecnologia de

Alimentos, Programa de Pós-Graduação em Ciência dos Alimentos, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. 2 Universidade Federal do Paraná (UFPR), Departamento de Engenharia Química, Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Alimentos, Curitiba, Paraná, Brasil.

massa – processo também conhecido como backslopping. Este é repetido por pelo menos uma semana até que o fermento esteja pronto. O longo processo de fermentação permite que características especiais, como maior acidez, presença de compostos aromáticos e elasticidade, sejam desenvolvidas no pão. Nesse período, ocorre também a seleção espontânea da microbiota do fermento, cujo pico máximo de microrganismos e atividade metabólica ideal serão atingidos após alguns dias (CHAVAN; CHAVAN, 2011; HARTH; VAN KERREBROECK; DE VUYST, 2016; VAN DER MEULEN et al., 2007; WECKX et al., 2010).

A partir do século XX, com a necessidade de produção mais rápida e em larga escala, o fermento natural foi gradualmente substituído pela levedura de padeiro (Saccharomyces cerevisiae desidratada), sendo a fermentação reduzida para em média duas horas. Isso resultou em pães com sabores e aromas menos complexos e de menor qualidade nutricional (GOBBETTI et al., 2019; RIZZELLO et al., 2011), mas que atendiam a uma necessidade daquele momento histórico. Entretanto, uma nova tendência tem sido observada nas últimas décadas. A indústria de panificação tem experimentado uma nova revolução, impulsionada pelas exigências do consumidor moderno. Um público cada vez maior tem dado preferência a pães artesanais, com aroma e sabor mais elaborados. A principal resposta da indústria a essa nova tendência do mercado consumidor consiste, justamente, na redescoberta da fermentação sourdough (BRANDT, 2018; CAUVAIN; YOUNG, 2009; DECOCK; CAPPELLE, 2005). Dessa forma, uma técnica milenar tem sido reintroduzida na produção de pães em larga escala. Recentemente, culturas iniciadoras (starters) constituídas de BAL e, eventualmente, de leveduras passaram a ser inoculadas diretamente na massa, visando à aceleração do processo fermentativo e padronização do desempenho do fermento, mas proporcionando, no entanto, a qualidade sensorial e nutricional que se espera de pães artesanais.

Assim, a fermentação sourdough também tem despertado a atenção de pesquisadores. Inúmeros estudos já foram dedicados ao tema. Na década de 1990, pesquisas científicas começaram a estudar a fermentação sourdough com o intuito de investigar as propriedades tecnológicas conferidas aos produtos, como sabor, textura e maior prazo de validade e a sua relação com a comunidade microbiana do fermento. Já nos últimos anos, pesquisadores têm direcionado suas perspectivas para os efeitos nutricionais e funcionais da fermentação natural (GOBBETTI et al., 2019).

A seguir, abordaremos as atuais classificações do fermento sourdough, os principais microrganismos que o compõem e os benefícios proporcionados pela sua aplicação durante o processo fermentativo, responsáveis pela melhoria das características sensoriais, funcionais e nutricionais dos produtos panificados.

11.2 TIPOS DE FERMENTOS NATURAIS

O fermento sourdough é classificado conforme o processo fermentativo aplicado e a consistência da massa, a qual é determinada pelo índice de rendimento da massa

CAPÍTULO 12

Produtos cárneos fermentados

Carmen Josefina Contreras-Castillo,1 Carmen Milagros Sinche Ambrosio,1 Giovana Vergínia Barancelli,1 Angela Dulce Cavenaghi Altemio1

12.1 INTRODUÇÃO E CONCEITOS

A carne fresca é um dos alimentos mais perecíveis. Rica em proteínas e com alto teor de água, apresenta curto período de vida útil, devendo ser preservada mediante o uso de técnicas de conservação. Nesse contexto, a fermentação é um processo biológico natural dinâmico e um importante meio de preservação, que evoluiu para ser aplicada na carne, mas que raramente é empregada sozinha. A carne, portanto, é conservada pela combinação da fermentação e de técnicas de redução da atividade da água. Esse tipo de fermentação é caracterizado por contínuas alterações bioquímicas, biofísicas e microbiológicas. Uma de suas principais vantagens se deve ao fato de ser facilmente adotada como estratégia de conservação em países em desenvolvimento com problemas de refrigeração.

Registros históricos indicam que os produtos cárneos fermentados surgiram no Mediterrâneo; são consumidos há séculos, sendo muito apreciados pelos antigos gregos e romanos. Constituem parte da dieta da população mundial, incluindo a

1 Laboratório de Qualidade e Processamento de Carnes, Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição (LAN), Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ/USP),

Piracicaba, São Paulo, Brasil.

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