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AGRADECIMENTOS
vezes, bem como dispensa-se o uso de equipamentos ou utensílios específicos, sendo necessários alguns recipientes para fermentação e frascos higienizados com tampa para o acondicionamento do produto. Além disso, a fermentação, por ser essencialmente selvagem e dependente apenas de microrganismos autóctones naturalmente presentes na matéria-prima, facilita a produção e reduz o custo com a aquisição de inóculos comerciais padronizados.
Historicamente, a produção de vegetais fermentados relaciona-se com a necessidade de preservação da matéria-prima, devido à sua perecibilidade. Ricas em água e açúcares, frutas e hortaliças in natura são bastante suscetíveis à deterioração microbiana. Assim, por meio da fermentação, pode-se eliminar a microbiota indesejada, especialmente bactérias e fungos deterioradores ou patogênicos. Neste contexto, ressalta-se a necessidade de se atingir, para alimentos envasados submetidos à esterilização comercial, valores de pH abaixo de 4,6, tendo em vista o risco de desenvolvimento de Clostridium botulinum, bactéria anaeróbia causadora de grave intoxicação alimentar.
Frutas e hortaliças fermentadas também são conhecidas pela qualidade nutricional e, em geral, baixo valor calórico. Efeitos benéficos à saúde têm sido atribuídos a esse grupo de alimentos, além de serem potencialmente fonte de probióticos. No entanto, por serem fermentados em salmoura com elevadas quantidades de sal, seu consumo deve ser controlado para evitar problemas decorrentes da ingestão excessiva de sódio. Compreende, ainda, uma classe de alimentos bastante consumida por determinados públicos, especialmente vegetarianos e veganos, com um nicho de mercado em potencial a ser explorado economicamente.
Neste capítulo, abordaremos a microbiologia de alguns tipos de hortaliças e frutas fermentadas, o papel da microbiota na qualidade sensorial e microbiológica do produto final, bem como os aspectos relacionados à tecnologia do processo produtivo. Nas últimas décadas, alguns alimentos têm sido objeto de estudos. Procuramos sintetizar, nos tópicos a seguir, o conhecimento científico relativo a alguns desses alimentos, como azeitonas de mesa, picles, chucrute e kimchi. Já outros são menos conhecidos e relativamente restritos a determinadas culturas, como umeboshi, conservas orientais, bulbos e sementes fermentadas. Em ambos os casos, procuramos apresentar os conceitos mais relevantes para um melhor entendimento acerca da microbiologia de seus processos produtivos.
O desenvolvimento e a produção de alimentos vegetais fermentados, tanto em escala artesanal como industrial, só foi possível graças à presença natural de microrganismos fermentadores na matéria-prima. Como discutido em capítulos anteriores, microrganismos autóctones – também conhecidos como selvagens – que fazem parte da microbiota natural de uma grande variedade de vegetais são, em geral, os
CAPÍTULO 9
Leguminosas fermentadas
José Guilherme Prado Martin1
9.1 INTRODUÇÃO
O grupo das leguminosas fermentadas (LF) compreende alimentos bastante diferentes entre si, com algumas particularidades especiais relacionadas aos hábitos culturais dos respectivos locais de origem. Embora alguns sejam, ainda, relativamente estranhos ao paladar ocidental – caso do tempeh indonésio e do natto japonês –, outros são, atualmente, bastante difundidos, especialmente por conta de tendências gastronômicas em tempos recentes. Ainda que se tratem de vegetais fermentados, grupo abordado no Capítulo 8, as LF são tão distintas que merecem um capítulo à parte.
Em sua maioria, têm origem nos países do Oriente, o que se deve, em parte, a aspectos culturais e socioeconômicos da região. A restrição quanto ao consumo de carne por algumas religiões, a pouca disponibilidade de espaço para a criação extensiva de animais, bem como a maior disponibilidade de produtos de origem vegetal certamente influenciaram o desenvolvimento de uma grande variedade de fermentados vegetais, especialmente as leguminosas. No Japão, por exemplo, cuja dieta está centrada no arroz, a soja se constitui numa importante fonte de
1 Laboratório de Microbiologia de Produtos Fermentados (FERMICRO), Departamento de Microbiologia, Universidade Federal de Viçosa (UFV), Viçosa, Minas Gerais, Brasil.
proteína. Já em países asiáticos em desenvolvimento, o aporte proteico a partir de matérias-primas vegetais tem relação com o poder aquisitivo da maior parte da população.
Um dos diferenciais das LF em relação a outros tipos de vegetais fermentados é a necessidade do uso de culturas starter. Enquanto grande parte dos vegetais são produzidos a partir da lactofermentação desempenhada por bactérias ácido-láticas (BAL) autóctones, para as leguminosas empregam-se principalmente os fungos filamentosos. O koji, por exemplo, constituído de Aspergillus oryzae, é ingrediente base da pasta de soja (missô) e do molho de soja (shoyu) – além do saquê, bebida alcoólica originária do Japão consumida em praticamente todo o mundo. Já o tempeh nada mais é que uma mistura de soja cozida e Rhizopus microsporus var. oligosporus, que cresce entremeado aos grãos, formando um robusto micélio esbranquiçado facilmente reconhecido.
As LF são bastante versáteis, com inúmeras possibilidades de diversificação quanto à formulação; assim, a soja, originalmente utilizada em vários tipos de produtos, pode ser perfeitamente substituída por outras leguminosas, como feijões e grão-de-bico, o que contribui favoravelmente para o incremento nutricional e funcional do produto final. Neste capítulo, serão abordados os principais aspectos relacionados à produção de LF, com foco na microbiota envolvida no processo produtivo, bem como em seus impactos na qualidade microbiológica, sensorial e funcional do produto final.
9.2 LEGUMINOSAS UTILIZADAS NA PRODUÇÃO DE ALIMENTOS
As plantas genericamente chamadas de leguminosas compreendem espécies dicotiledôneas e abrangem plantas de pequeno porte, arbustos e árvores. Entre as principais leguminosas utilizadas pelo homem para alimentação, destacam-se a soja [Glycine max (L.) Merril.], a ervilha (Pisum sativum L.), o feijão (Phaseolus vulgaris L.), o grão-de-bico (Cicer arietinum L.) e a lentilha (Lens culinaris Medik.) (NASCIMENTO, 2016). Independentemente da espécie, as leguminosas apresentam nutrientes importantes para a dieta, o que impacta, obviamente, as características nutricionais do produto fermentado.
Embora as LF incluam uma grande variedade de produtos, a soja é uma das matérias-primas mais comumente utilizadas na sua produção, razão pela qual, neste capítulo serão priorizados os produtos fermentados à base de soja. Sua importância econômica faz dessa leguminosa uma das principais commodities agrícolas, cuja cotação se baseia na oferta e na demanda mundiais, em bolsas de valores internacionais (JIA et al., 2020). Trata-se de uma espécie herbácea anual, com 30 cm a 70 cm de altura e frutos oblongos com cerca de 3 cm a 8 cm de
CAPÍTULO 10 Fermentações de cacau e café
Gilberto Vinícius de Melo Pereira,1 Dão Pedro de Carvalho Neto,1 Jéssica Aparecida Viesser1
10.1 INTRODUÇÃO
A popularidade de alimentos e bebidas à base de cacau e café deve-se principalmente às suas propriedades sensoriais e funcionais. A qualidade desses produtos é influenciada por diversos fatores pré e pós-colheita, incluindo a variedade, o local de cultivo, a fermentação, o armazenamento e o beneficiamento. Embora desconhecido da maior parte das pessoas, o processo fermentativo é utilizado durante o processamento pós-colheita para facilitar a remoção da mucilagem aderida às sementes de cacau e café, com importantes implicações quanto às características sensoriais do produto final.
A fermentação é uma etapa essencial para a obtenção de amêndoas de cacau de qualidade. O tempo requerido para a fermentação é variável, podendo ocorrer de três a sete dias. O processo é iniciado pela ação de leveduras e bactérias do ácido lático (BAL) nas 48 horas iniciais, seguida pelo domínio de bactérias do ácido acético (BAA) na chamada fase aeróbica. Bacillus e fungos filamentosos podem ser detectados após o quinto dia de fermentação, mas a contribuição desses grupos microbianos ainda é contraditória. Já para o café, o desenvolvimento microbiano está relacionado ao tipo
1 Centro de Biotecnologia Agroindustrial do Paraná (CENBAPAR), Departamento de Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, Paraná, Brasil.