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MICROBIOLOGIA DA FERMENTAÇÃO

CAPÍTULO 2

Alimentos fermentados: propriedades nutricionais e de saúde

Luiza Carla Vidigal Castro,1 Ana Íris Mendes Coelho,2 Thamylles Thuany Mayrink Lima,3 Isabelle Lima Lopes,3 José Guilherme Prado Martin3

2.1 FERMENTADOS: HISTÓRICO E FUNCIONALIDADE

A produção e o consumo de alimentos fermentados remontam a tempos anteriores ao desenvolvimento da agricultura. Acredita-se que os primeiros pães de fermentação natural teriam sido os primeiros alimentos fermentados produzidos há mais de 14 mil anos. À época, o processo de fermentação provavelmente favorecia o consumo de alimentos à base de ingredientes pouco digeríveis, como é o caso do próprio pão – o trigo selvagem, naturalmente rígido e de difícil digestibilidade, só poderia ser consumido após algum tipo de processamento, incluindo a moagem dos grãos, a hidratação, a fermentação e a cocção. Além disso, a maior durabilidade das matérias-primas (especialmente as de origem animal) decorrente da fermentação certamente contribuiu para o interesse por esse processo: quando nossos ancestrais observaram que o leite, extremamente perecível à temperatura ambiente, poderia ser consumido por

1 Laboratório de Técnica Dietética, Departamento de Nutrição e Saúde, Universidade Federal de Viçosa (UFV), Viçosa, Minas Gerais, Brasil. 2 Laboratório de Higiene dos Alimentos, Departamento de Nutrição e Saúde, Universidade Federal de Viçosa (UFV), Viçosa, Minas Gerais, Brasil. 3 Laboratório de Microbiologia de Produtos Fermentados (FERMICRO), Departamento de Microbiologia, Universidade Federal de Viçosa (UFV), Viçosa, Minas Gerais, Brasil.

mais tempo após seu “azedamento”, na forma de iogurtes e queijos primitivos de valor sensorial considerável, tinha-se ali uma valiosa descoberta.

Assim, em épocas remotas, a fermentação teria sido utilizada, ainda que de forma rudimentar, com o propósito principal de conservar matérias-primas alimentares de baixa durabilidade. Acredita-se, portanto, que a necessidade de conservação dos alimentos esteja intimamente relacionada ao domínio da fermentação natural pelo homem. Pode soar banal, nos dias atuais, o impacto do uso da fermentação na produção de alimentos. No entanto, em períodos de grandes pragas, guerras e escassez de alimentos, esse método foi de extrema importância, por ter possibilitado o armazenamento de alimentos por períodos prolongados.

Atualmente, estima-se que cerca de um terço do que é consumido no mundo todo corresponda a alimentos fermentados (XIANG et al., 2019). A popularidade deles remonta a milênios, e a classe é frequentemente considerada como representante dos primeiros alimentos processados (MARCO et al., 2017). Há relatos de que a produção em larga escala de pão e cerveja pelos egípcios e babilônios date, respectivamente, de 3000 a 4000 a.C. Com a conquista de terras durante o Império Romano, a prática da fermentação foi gradualmente difundida por todo o Império, uma vez que permitia a aquisição de conhecimento sobre técnicas adotadas pelos povos conquistados e a descoberta de novas matérias-primas (HUTKINS, 2006). Existem evidências de vinificação no Oriente Médio, Ásia e Extremo Oriente durante o período Neolítico, e, tempos depois, o processo de produção de vinho alcançou as regiões mediterrâneas da Europa. Os alimentos originados no continente asiático eram baseados principalmente em arroz, soja, vegetais e peixes, provavelmente por influência das características religiosas e sociais desse continente. Na África, cereais (como milheto, milho, sorgo e trigo) e raízes (como a mandioca) eram os principais substratos utilizados. Em contrapartida, alimentos fermentados de origem animal (como leite, queijos e outros tipos de derivados lácteos) parecem ter uma origem multivariada, associada aos locais onde a criação de animais estava presente (TAMANG et al., 2020).

Os efeitos da fermentação podem estar relacionados ao aumento da vida útil e à segurança do produto final (a partir da produção de ácidos orgânicos e bacteriocinas com efeito bioconservante) (WILBURN; RYAN, 2017; XIANG et al., 2019), à modificação das características sensoriais (conferindo sabores, aromas e texturas complexos), bem como à melhoria na composição nutricional (resultado do bioenriquecimento e da biodegradação de compostos indesejáveis) e propriedades funcionais (a partir da bioprodução de peptídeos, enzimas e substâncias antioxidantes) (Figura 2.1).

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