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2.2 Matéria-prima e colheita
físicos e químicos interagem durante as três etapas básicas de produção do pão: mistura, fermentação e assamento. Entre esses eventos destacam-se: formação e expansão da massa, evaporação da água, gelatinização do amido, desnaturação das proteínas, formação da crosta e desenvolvimento da cor e do flavor característicos.
Segundo dados da Associação Brasileira das Indústrias de Panificação e Confeitarias (Abip), nos últimos anos o setor de panificação apresentou índice de crescimento acima de dois dígitos. Esse setor, no Brasil, tem faturamento anual da ordem de 92 bilhões de reais e há cerca de 70 mil padarias e confeitarias (das quais 96% são micro e pequenas empresas) espalhadas pelo país (ABIP, 2019), enquanto o setor industrializado (biscoitos, massas alimentícias, pães e bolos industrializados) apresenta faturamento da ordem de 26,5 bilhões de reais (ABIMAP, 2019).
Nas últimas décadas, a exigência cada vez maior por produtos de panificação de qualidade levou à aplicação de uma vasta gama de aditivos nesse setor. Entre eles, as enzimas têm destaque pelos efeitos benéficos na produção de diversos produtos e ingredientes alimentícios. Em panificação elas atuam principalmente nas moléculas de amido, proteínas, lipídeos e carboidratos não amiláceos, resultando em melhoria das características reológicas da massa, da estrutura do miolo, do volume e da vida útil do pão, sendo utilizadas diretamente ou como componentes de “melhoradores de farinha de trigo” ou “condicionadores de massa para pão”. A panificação, como todos os demais setores de alimentos, deve estar alinhada com estes dois conceitos: nutrição e gastronomia, os quais são vitais para a geração de oportunidades no mercado de panificação.
As enzimas mais utilizadas em panificação são as amilases. Entretanto, outras enzimas também são importantes na tecnologia de panificação, dentre as quais se destacam as hemicelulases, as glicose oxidases, as xilanases, as lipases e as proteases (COURI et al., 2008; ZHOU; HUI, 2014). Neste capítulo serão discutidas matérias-primas, enzimas e bioprocessos recentes na produção de pão.
13.2 TRIGO
O trigo é uma gramínea da família Poaceae, subfamília Pooideae, gênero Triticum, cujo grão é denominado cereal por apresentar frutos comestíveis do tipo cariopse (fruto com uma semente presa ao pericarpo em toda a extensão). O trigo é uma das plantas mais cultivadas no mundo, sendo classificado em diferentes espécies, das quais três respondem por mais de 90% de todo o trigo cultivado: Triticum aestivum, Triticum compactum e Triticum durum. Os trigos comerciais são resultantes do cruzamento e da seleção genética natural ao longo dos séculos. Existem aproximadamente 30 mil variedades de trigo, das quais mil são comercializáveis. Particularmente o Triticum aestivum L., o principal cultivar do Brasil, é também o mais cultivado no mundo, correspondendo a mais de 4/5 da produção do planeta (ABITRIGO, 2015). Tem grande aplicação comercial por ser o principal trigo utilizado na produção de pães, biscoitos e bolos, sendo também chamado de trigo comum. No Brasil, é utilizado
CAPÍTULO 14
Aplicações de enzimas na tecnologia de alimentos
Michele Vitolo
14.1 INTRODUÇÃO
A tecnologia de alimentos, em linhas gerais, pode ser considerada o resultado da combinação harmônica dos aspectos: formulação → processamento → embalagem, garantindo ao consumidor ampla variedade de alimentos industrializados.
O tecnólogo seleciona as matérias-primas a serem manipuladas, mistura-as nas quantidades preconizadas na formulação e submete-as a um pré-processamento (lavagem, maceração, cozimento etc.), obtendo, em seguida, uma massa à qual adiciona os coadjuvantes necessários (acidulante, corante, aromatizante etc.). Após o processamento final (cozimento, extrusão, secagem etc.) resulta o produto almejado, o qual é submetido ao controle de qualidade, embalado e enviado ao mercado.
É possível melhorar a produção e a qualidade do produto alimentício final por meio da modificação de características intrínsecas das matérias-primas de partida e/ou do processamento. No primeiro caso, podem ser usadas as técnicas de melhoramento agropecuárias convencionais (por exemplo, inseminação artificial de animais, enxertia de plantas) e as biotecnológicas – como milho modificado pela técnica do DNA recombinante para obter variedade com baixa atividade lipoxigenásica e alto teor de amilose, implicando a eliminação do branqueamento e a redução da temperatura de gelatinização, respectivamente, e variedade de tomateiro rasteiro que não necessita de estacas para o escoramento da planta e que permite substituir a colheita
manual pela mecanizada, obtendo-se no final aumento notório de produtividade. No segundo caso, porém, a intervenção poderia ser relativa a equipamentos e/ou pelo uso de enzimas.
Particularmente em relação à biotecnologia, pode-se dizer que vem contribuindo para o desenvolvimento da tecnologia de alimentos por meio de quatro vertentes, a saber, melhoramento das fontes de matérias-primas, produção de ingredientes específicos para a indústria alimentícia, satisfação de demandas específicas de mercado e melhoramento de processos – notadamente pelo uso de enzimas.
14.1.1 MELHORAMENTO DAS FONTES DE MATÉRIAS-PRIMAS
Neste caso, tem-se o aumento da produtividade do cultivar (caso do tomateiro rasteiro) e a melhoria dos atributos funcionais da matéria-prima. Nesse último caso, merecem lembrança, por exemplo, os híbridos do milho e do trigo, os quais, respectivamente, possuem menos lipoxigenase (a operação unitária de branqueamento é abolida) e melhor distribuição da amilose no grânulo de amido (diminuição do “amanhecimento” do produto final).
Na fabricação de alimentos são necessários inúmeros ingredientes, que devem estar sempre disponíveis no mercado e em grandes quantidades, por exemplo, aminoácidos (ácido glutâmico, ácido aspártico, fenilalanina, lisina, metionina), vitaminas (complexo B, tocoferol), enzimas (proteases, carboidrases, pectinases etc.), entre outros. Para essa situação, a biotecnologia colabora possibilitando o aperfeiçoamento genético de microrganismos – sobretudo pela técnica do DNA recombinante –, que produzem os compostos citados nas quantidades exigidas pelo mercado. Em outros termos, procura-se aperfeiçoar o processo fermentativo.
Atualmente, os consumidores exigem que os ingredientes dos alimentos sejam os mais naturais possíveis e o valor calórico não seja exagerado. A indústria alimentícia respondeu a essas demandas incluindo nas formulações ingredientes naturais (extrato de baunilha, destilado de cacau, mentol, jasmim, shikonina, manteiga de cacau e cochonilha do Peru, por exemplo) e reduzindo o teor de açúcares (como cerveja de baixa caloria produzida adicionando-se na dorna de fermentação a glicoamilase, que hidrolisa os oligossacarídeos residuais em glicose, a qual é totalmente metabolizada pela levedura; em outros alimentos, pelo acréscimo de adoçantes não açucarados como taumatina, esteviosídeos, aspartame).
CAPÍTULO 15
Produção de proteínas por microrganismos
Urgel de Almeida Lima
15.1 CARÊNCIA DE ALIMENTOS PROTEICOS
No final do século XVIII, Thomas Malthus demonstrou preocupação com a produção de alimentos e o crescimento da população mundial ao apresentar suas ideias a respeito do controle da natalidade. Preocupava-se com o fato de o crescimento global desordenado causar falta de alimentos. Para ele, a população crescia em progressão geométrica e a produção de alimentos aumentava em progressão aritmética, o que resultaria em fome ampla e generalizada.
Essa previsão, felizmente, não se concretizou, mas pesquisadores continuam a buscar o aumento da produção de alimentos tradicionais em condições tecnológicas cada vez mais apuradas. O aumento da população é inexorável, e ela deve ser satisfeita em sua demanda por alimentos.
A capacidade de produção não é a mesma em todas as regiões. As regiões mais e menos desenvolvidas buscam soluções para produzir mais alimentos e de melhor qualidade. Enquanto em alguns países as populações podem ser alimentadas com todos os elementos básicos de uma dieta, em outros, há carência de vitaminas, gorduras e proteínas.
A modernização das técnicas agrícolas e zootécnicas contribuiu para o aumento da produção, melhorando a produtividade na agricultura e na criação de animais, tanto daqueles tradicionalmente explorados como dos pouco divulgados. Estão em
crescimento a aquicultura de água doce e salgada, bem como a criação de pequenos animais, de animais e aves silvestres e de anfíbios, visando abrir novos campos à produção de alimentos. Métodos especiais de criação resultam em melhor crescimento e ganho de peso em menor tempo. Novas técnicas agrícolas também contribuem para aumentar a produção.
Conservação, adubação, irrigação e drenagem do solo bem executadas auxiliam na ampliação do horizonte agrícola em razão da transformação de terras ou da utilização de regiões inexploradas. Técnicas genéticas de modificação permitem a obtenção de variedades mais produtivas e resistentes ao ataque de doenças e pragas ou de melhor qualidade. Algumas técnicas ainda são polêmicas, mas tendem a melhorar a produção agrícola e o rendimento econômico.
Microrganismos fazem parte da alimentação do homem desde tempos imemoriais. São agentes de transformação de alimentos básicos ou integrantes deles, desenvolvidos durante o processamento do material natural. Muitos microrganismos são ingeridos com o alimento que prepararam, como pão, iogurte e hortaliças fermentadas. Há também aqueles que são ativos na preparação de alimentos, como os queijos curados.
A utilização de microrganismos especialmente desenvolvidos para serem o alimento ou sua base tem por finalidade precípua suprir a carência de proteínas, embora lipídeos e vitaminas sejam um complemento valioso do valor nutritivo. Microrganismos significam algas microscópicas, bactérias, fungos e leveduras, que também são classificadas como fungos, no entanto, são estudadas distintamente dos fungos filamentosos (bolores) e usadas tecnologicamente de forma diferente.
15.2 BACTÉRIAS
Por terem em sua composição proteínas e aminoácidos sulfurados, algumas bactérias são viáveis como alimento, principalmente por causa de sua eficiência no interior do tubo digestivo, confirmada no rúmen dos animais superiores. A velocidade de crescimento é uma importante perspectiva para a potencialidade de sua utilização e sua exploração industrial. Segundo a bibliografia, o teor de nitrogênio das bactérias é superior ao de fungos e leveduras; por essa razão, alguns autores sugerem o uso de alimento misto preparado com bactérias e leveduras.
Amostras de Escherichia coli obtidas de culturas aeradas demonstraram ser bom suplemento alimentar para ratos e pintainhos. Várias bactérias são ricas em cistina e metionina, ao contrário de fungos e leveduras. Mycobacterium tuberculosis contém dez vezes mais metionina que as leveduras, e algumas espécies revelaram ser portadoras de todos os aminoácidos essenciais. Há trabalhos que informam sobre a produção de biomassa com bactérias que se desenvolvem bem em resíduos de indústrias de produtos animais, incluindo despejos de origem piscícola, como Rubrivivax gelatinosus.
CAPÍTULO 16
Produção de lipídeos por bactérias, fungos e leveduras
Urgel de Almeida Lima Sunao Sato
Lipídio, lipídeo, lípido e lípide são diferentes grafias para as mesmas substâncias orgânicas que armazenam energia. São untuosas ao tato, insolúveis em água e solúveis em solventes.
16.1 INTRODUÇÃO
Desde o primeiro quarto do século XIX, é sabido que os microrganismos, procariotos e eucariotos, são capazes de sintetizar lipídeos. Os procariotos, que não apresentam membrana ao redor do núcleo, englobam as bactérias. Os eucariotos possuem um núcleo definido, separado do citoplasma por uma carioteca. Fungos filamentosos, algas e leveduras estão nesse grupo.
A capacidade de síntese de lipídeos pelos microrganismos despertou interesse pelo aproveitamento industrial nas duas décadas finais daquele século e no começo do século XX. As primeiras tentativas de aproveitamento industrial datam do período da Primeira Guerra Mundial, na Alemanha, e foram repetidas durante a Segunda Guerra Mundial.
Estudos sobre a síntese de gorduras por via microbiana visavam, em primeiro plano, à obtenção alternativa de alimentos para uma possível carência. Nas décadas de 1940 e 1950, alguns pesquisadores se dedicaram a estudar essa síntese, mas sem grande progresso, possivelmente porque havia suficiente matéria graxa alimentar de origem animal e vegetal. Quanto à composição em triglicerídeos, o óleo de origem microbiana é similar aos óleos de vegetais superiores e de matéria graxa animal.
No final do século XX, o tema voltou a merecer estudos, com destaque em países asiáticos, com o objetivo de produzir energia na forma de combustível. A intenção era