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O perfil que habito
by eba_pucpr
comportamento
O PERFIL QUE HABITO
No mundo digital, relacionamentos por meio das redes sociais podem levar a situações desagradáveis e perigosas
Como é amar alguém à distância? Digo, à distância da realidade? Morador de Brasília, no Distrito Federal, casado e com um filho, Ricardo vivia uma relação na qual apenas seu corpo se fazia presente. Isabella morava em Florianópolis, capital da bela Santa Catarina, e, na época, também estava em um relacionamento sério.
Os dois se conheceram pela internet. Conversavam todos os dias, descobrindo afinidades e se aproximando cada vez mais um do outro. Passaram a trocar telefonemas, mensagens e perceberam que não era mais possível continuar com os relacionamentos que mantinham. Ricardo se separou e Isabella também deu fim ao namoro.
Combinada a data, Ricardo embarcou no avião que o levaria para Florianópolis. Chegou à cidade, procurou por Isabella e nada. Foi à faculdade na qual ela dizia estudar, ao prédio onde dizia morar, e nada. Ninguém a conhecia. Ela não existia.
Texto: Amanda Souza, Bruna Kurth e Isabella Lanave
Fotos: Isabella Lanave
Perdido, começou a se questionar por quem estava apaixonado, afinal: pela mulher com quem conversava ou pela figura das fotos?
Entrou em contato com a fake, dizendo que a perdoava. Só queria conhecê-la. Mas ela se negava. Passou então a tentar conhecer a mulher das fotografias.
Analisando as imagens, começou a coletar pequenas pistas, até que, por fim, descobriu: ela morava em Curitiba. Conseguiu seu nome, o verdadeiro, seu telefone e e-mail. Tornaram-se “amigos” no Facebook. Ele se identificou como produtor de um documentário que falaria sobre fakes. Mas, sem saber de toda a história, ela não deu atenção.
Do fim dessa história se encarregou o destino – ou o acaso, como preferir o leitor. Era carnaval, milhares de pessoas nas ruas. Lá estava ele, anos mais tarde, de volta a Florianópolis. Ao olhar para o lado encontrou na multidão um rosto conhecido. Era ela. A mulher das fotos. Puxou-a pelo braço, ela o reconheceu e disse “Achei que você não existia”. Despediram-se e seguiram seus caminhos.
“O fazer das coisas pode ser facilmente suprido pelas máquinas por nós inventadas.” - Nelson Goulart, professor de Filosofia
AMOR LÍQUIDO
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman defende que a sociedade contemporânea vive a era do “amor líquido”. O laços humanos se tornaram frágeis, marcados pela rapidez, imediatismo e vulnerabilidade. Com base em análises realizadas em sites de encontros, Bauman afirma que nossas relações sociais se transformaram em conexões, em que se tornou fácil deixar o outro de lado. Basta desconectar-se.
Para Nelson Goulart, professor de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, atualmente, há uma grande desorientação na sociedade. Um descompasso entre a evolução tecnológica e a humana. “Avançamos muito nas técnicas do fazer das coisas e pouquíssimo no fazer-se humano”, diz. De que adianta termos ferramentas modernas de sociabilização, como as redes sociais, se continuarmos com as mesmas dúvidas e inquietações de séculos atrás?
Para Goulart, parece ser mais difícil responder o que é uma relação amorosa, do que responder o que é a internet. “É mais fácil dizer o que se precisa em termos técnicos para se ter velocidade na rede que o que se precisa para ter uma boa relação. Nos perdemos de nós mesmos nos objetos do mundo. Basta ver casais sentados em mesas de bares e restaurantes, cada um com seu celular em punho sem conversar, sem olho no olho”, diz.
Para o filósofo, a pós-modernidade exige mais humanidade, já que o fazer das coisas pode ser facilmente suprido pelas máquinas por nós inventadas. Ao invés de usarmos a
comunicação propiciada por um aparelho celular para marcar encontros de fala e troca, usamos para marcar encontros para usarmos novamente o celular. “Estou diante de você em um bar e ‘converso’ com outra pessoa que não está perto. De quem é a culpa, da técnica ou do homem?”, indaga Goulart.
INTERNET: TERRA DE NINGUÉM
Fernanda Konzen e Mariana Radigonda não se conhecem mas as suas histórias poderiam ser contadas como uma só. Ambas entre seus 11 e 15 anos, viveram o auge dos fakes. Foram consideradas celebridades na internet. E os motivos? Nem elas sabem. Mas tinham um gosto em comum: a fotografia. “A febre do momento eram os fotologs, que podemos comparar com o Instagram de hoje. Você postava fotos e as pessoas comentavam. Comecei a fazer sessões de fotos minhas apenas para postar lá”, comenta Mariana, que depois de pagar uma taxa para que seu blog ganhasse destaque na entrada do site, não imaginava as consequências que essa visibilidade poderia lhe trazer.

Com Fernanda, a situação não foi diferente. Também usuária de blogs de fotografia: com apenas 11 anos, já encontrava diversos fakes seus nas redes sociais da época. “Um dia uma menina veio me perguntar se poderia fazer um fake meu. Até então, eu nunca tinha escutado essa palavra, que por sinal, tem um significado muito forte para mim. Respondi a ela que não, mas ela não me deu ouvidos e esse foi apenas o primeiro”, relata Fernanda.
O problema foi ficando mais sério quando os fakes começaram não apenas a usar fotos das meninas, mas a se apropriar de suas vidas ao ponto de criar perfils falsos para amigos, pais e namorados. Com a pretensão de fazer com que a fake ficasse mais verdadeira para então ser possível se relacionar com os outros. “Essas pessoas chegam até a viver relacionamentos e marcar encontros na internet como se fossem eu. Fico sabendo depois, quando a ‘vítima’ da história me procura nas redes sociais para contar a situação”, desabafa Mariana.
E ninguém está imune. Dos 15 aos 17 anos de idade, Fernanda conversou pela internet com um menino que fingia ser outra pessoa. “Se já é frustrante um caso de amor não correspondido, imagina a gente, que se correspondia, conversava sempre, por 700 longos dias, e de repente eu descubro que fui enganada. Tudo era mentira”, confessa.
Perde-se o controle de quantas páginas são criadas com um mesmo objetivo: adotar uma identidade que não é a sua. Segundo dados divulgados pelo site Digital Trends, em janeiro de 2013, dos 1,6 bilhão de usuários do Facebook, cerca de 76,3 milhões podem ser considerados fakes. Contas tidas como descaracterizadas, ou seja, perfils feitos para animais, contas duplicadas ou usadas para fins que violassem os termos de uso da rede social, como os spams, estão inclusas nesse número.

Segundo a psicanalista Rafaella Inda, “A internet, tão dominadora na era atual, serve como uma defesa para alguns. Isto é, ela é usada de alguma forma para o usuário se defender de algo que o assola.” Para ela, a sociedade está marcada por um culto a imagem, no qual o instantâneo e a busca contínua da satisfação imediata são os pontos que se destacam.

COMO SE DEFENDER
Segundo Priscila Zeni de Sá, professora de Direito Civil e mestre em Direito Econômico e Social pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, existem soluções e penalizações para esses casos que envolvem falsificação de identidade na internet, se baseados em pessoas reais.
“Primeiramente, é necessário ter uma prova de que as suas imagens veiculadas na internet estão lhe causando prejuízos”, diz Priscila. Essa prova deve ser feita por meio de uma ata notarial, documento feito em um tabelionato de notas em que se documenta as informações e onde elas se encontram disponíveis.
Já as consequências podem ser tanto civis, incluindo indenização por todos os danos causados à vitima - danos morais, danos à sua imagem, desgaste emocional. Como
criminais, caso a conduta esteja tipificada, o Código Penal já indicará a pena para cada modalidade criminal.
O conteúdo postado pelos perfils fakes caracterizam outro tipo de problemas. Casos de preconceito contra qualquer situação ou pessoa, podem ser criminalizados se denunciados. Entretanto, quem receberá a denúncia será a pessoa “real” e não o fake.
OS MOTIVOS
Os motivos? Ninguém sabe ao certo. Isabellas surgem, Ricardos são enganados e mais Fernandas e Marianas têm suas fotos utilizadas de maneira inadequada na rede. Afinal, o que tornamos público é uma escolha nossa. A exposição é perigosa e, constantemente, nos coloca em risco. Mas quem não gosta de ser visto? É preciso encontrar um meio termo.

“Quando estou triste, não posto fotos. Depois, quando tudo melhora, eu volto a postar. Isso dá a falsa impressão e idealização da ‘vida perfeita’. (...) Assim é fácil ser admirada”, diz Fernanda, e conclui: “Hoje eu faço Psicologia, pra ver se entendo até onde a mente humana pode chegar”.