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Dançar para não dançar

DANÇAR PARA

NÃO DANÇAR

Além do tratamento clínico, dependentes de drogas em Mandirituba encontram na dança africana incentivo para abandonar o vício

Amanda Souza e Jheniffer Andrade

utilização de drogas, legais e ilegais, tem se tornado um forte problema dentro das famílias brasileiras, refletindo na sociedade em questões de segurança, saúde e educação. Diversas políticas públicas já foram criadas para sanar o problema, mas ainda assim as estatísticas continuam assustando. O alcoolismo atinge mais de 10% da população brasileira, número que representa cerca de 20 milhões de pessoas. Nas Américas, a cada 100 mil mortes, 12,2 poderiam ser evitadas se não houvesse consumo de álcool, de acordo com a pesquisa realizada pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). As doenças causadas pelo álcool, como diabetes, cirrose, hipertensão arterial e câncer, são responsáveis por 30% das internações em hospitais gerais e 50% em hospitais psiquiátricos. Além do tratamento clínico, atualmente a intervenção social, feita por meio de ONGs e demais insti-

Atuições, buscam reestruturar a parte psicológica do paciente. Inserção no mercado de trabalho, suporte psicológico, grupos de apoio e mais acesso à cultura têm se tornado alternativas para quem busca fugir do vício. As dificuldades ocasionadas pela dependência de drogas, assim como o tratamento, acabam fragilizando o ambiente familiar e muitas vezes prejudicando a recuperação do paciente. Diorlei Santos, 24, não suportou os problemas de alcoolismo da mãe e, aos 9 anos de idade, saiu de casa e passou a viver sozinho nas ruas de Curitiba, tornando-se dependente de crack – uma substância que, segundo a pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), atinge cerca de 370 mil de brasileiros. Entre esses, 40% vivem nas ruas. Tentando reverter o crescimento da utilização de drogas, diversas instituições realizam

trabalhos de recuperação e prevenção, muitas vezes com o serviço gratuito e desvinculado das políticas estipuladas pelo governo. É o caso da Chácara Meninos de 4 Pinheiros, localizada no município de Mandirituba, Região Metropolitana de Curitiba. A fundação é uma das mais importantes iniciativas da América Latina em prol da infância e da adolescência. Desde 1991, o local abriga crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, auxiliando no seu desenvolvimento através de diversas atividades pedagógicas.

Arte como recomeço

Aos 11 anos de idade, Diorlei passou a ser um dos jovens apoiados pela Chácara Meninos 4 Pinheiros. Mas foi apenas depois de três anos de luta para se manter longe das ruas e das drogas, que ele começou a morar definitivamente na chácara.Trabalhou por cinco anos como educador na fundação, mas foi em 2007 que um convite abriu para ele um caminho de novas possibilidades e motivações: a dança africana. Indicado por uma colega, que também trabalhava na chácara, topou participar do concurso Beleza dos Palmares. Com apenas quatro meses de ensaio, conquistou o terceiro lugar na competição, o que rendeu a ele um novo convite. Atualmente, o jovem dá aulas para turmas particulares de dança, o que se tornou uma forma de recomeço, afastando de vez o crack da vida de Diorlei. Em um teatro de Mandirituba, um grupo de meninas já ensaiava sob a supervisão de Adelina Barcelos, que além de responsável pelas aulas, também foi a responsável pelo convite que apresentou Diorlei à dança africana. Com o nome de Olodum Bayê, que logo se tornaria Alabí, ele uniu os meninos da chácara com as

meninas de Mandirituba em um só grupo. Além de dança africana, passou a ensinar também percussão e, principalmente, a importância da valorização da cultura negra. A intenção do grupo, segundo Diorlei, é “ajudar por meio da cultura afro-brasileira, da percussão e através da dança a conhecer e se envolver em outro mundo”. Para o educador, a valorização da cultura é essencial para conhecer a história do povo brasileiro. “Querendo ou não, a cultura afro-brasileira relata a história do nosso país. A cultura afro-brasileira que ergueu esse Brasil”, defende.

Contra turno

Samuel César dor Reis é um dos mais jovens integrantes do grupo. Tem apenas 12 anos e a certeza de que quer seguir o caminho da arte. “Eu me imagino dando aula de dança.” Depois que sai da aula, Samuel participa de diversos projetos no contra-turno, mas acha que faltam atividades mais interessantes para as crianças e adolescentes ocuparem seu tempo livre. Para a estudante de Pedagogia Isis Machado, de 21 anos, que também faz parte do grupo Alabí, as atividades de contra-turno precisam interessar os jovens para ter um bom resultado. “É isso, uma coisa que distraia eles e que eles gostem.” Os projetos sociais, além de ocupar a criança e o jovem nos momentos em que ele estaria vulnerável a situações de risco, possibilitam um desenvolvimento em todas as áreas. No caso da dança, além desenvolver habilidades específicas, também trabalha valores como responsabilidade, integridade, cooperação e leitura de mundo que a criança vai ter. “Porque a partir do momento em que ela se percebe importante naquele contexto, ela passa a valorizar tudo que acontece entorno dela. [...] A respeitar o am-

biente, a respeitar o outro, a lidar com situações de conflito e a criar oportunidades de resolver esse conflito atendendo aos princípios mínimos da solidariedade, da confiança, da dignidade”, explica a pedagoga Mirian Celia Castellain. De acordo com Mirian, para que uma ação tenha sucesso, é preciso levar em consideração três aspectos. O primeiro é entender o contexto, a realidade da criança. Segundo, o que essa atividade vai trazer de ganho para ela e porque vai ser importante para sua vida e seu desenvolvimento. E o terceiro é como essa criança vai estar e como lidar com ela ao sair do projeto. “Porque não adianta você pensar em um projeto, desculpe o termo, só para tapar buraco, que venha atender aquele momento e não pense no futuro”, disse a pedagoga. Quando esses três aspectos estão bem definidos, a aceitação se torna maior e a resistência por parte das crianças e jovens diminui. “A criança tem que participar do projeto porque ela quer estar lá e não porque ela tem de estar lá. A gente chama isso de motivação. Ninguém motiva ninguém, a motivação é interna.” Além de Mandirituba, onde mantém o grupo Alabí e continua sempre presente na Chácara Meninos de 4 Pinheiros, Diorlei dá aula de dança africana e percussão em Quatro Barras e na Vila Capanema, no projeto Passos da Criança. A iniciativa é voltada para crianças em situação de risco. “A criançada lá é ‘zica’, mas são gente boa. Você tem que saber chegar e saber sair”, afirma o educador. Sobre o grupo, conta que “Alabí significa nascido para vencer e nós vamos chegar lá”. Para Fernando, que trabalha na Chácara, Diorlei “conseguiu virar o jogo e dar a volta por cima e hoje ele é um exemplo de superação pros meninos e para a sociedade”.

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